A RESPONSABILIDADE PENAL DO JOVEM

João Benedicto de Azevedo Marques

Jornal "Folha de São Paulo", 10/12/1999

A pretexto do aumento da violência, pretende-se reduzir a idade da responsabilidade penal como fórmula ideal para combater a criminalidade.

Alguns advogam reduzir a responsabilidade penal para 16 anos, outros, mais rigorosos, falam em 14 anos.

Deve-se perguntar: por que não aos 12, 10 ou até 7 anos, sempre em nome da exemplaridade do castigo?Dizem que o jovem, aos 16 anos, podendo votar, teria perfeito discernimento do ato criminoso e portanto mereceria ser punido.A Constituição de 1988 e a legislação penal brasileira, desde 1940, estabelecem o limite da responsabilidade penal aos 18 anos.

Abaixo dessa idade o jovem deve ser submetido às medidas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, acusado de ser tolerante com as infrações cometidas pelos menores, que, ao praticar delitos gravíssimos (como homicídio, latrocínio, tráfico de entorpecentes, entre outros), sentem-se impunes, já que só podem ser mantidos internados pelo prazo máximo de três anos _e em estabelecimentos educacionais de onde fogem com facilidade.

Na verdade há de se reconhecer que existe uma cultura da impunidade no jovem infrator representada pela frase "Eu sou 'de menor'" _seja porque o Estatuto não é corretamente aplicado, seja porque nem sempre os estabelecimentos são adequados para o cumprimento das medidas de internação, em especial quando se trata de reincidentes e autores de delitos considerados hediondos pela lei penal.

Qual será o caminho adequado para tratar desse gravíssimo problema? Será que diminuindo a responsabilidade penal iremos efetivamente reduzir a criminalidade, jogando todos os jovens delinquentes num sistema penitenciário já superlotado e operando um verdadeiro milagre num abrir e fechar de olhos? Ou, pelo contrário, a legislação penal brasileira hoje transformada em dispositivo constitucional é a melhor solução do ponto de vista de uma verdadeira política criminal, humanista e democrática?

O que tem faltado é a implementação dos dispositivos do ECA e, em particular, a separação dos infratores primários dos reincidentes. Autores de infrações graves deveriam cumprir as medidas de internação em estabelecimentos de contenção e, em determinados casos, até de máxima segurança, já que muitos menores estão associados e são a "longa manus" do crime organizado, do narcotráfico e da violência.

Será, também, que não estaria na hora de o Estatuto sofrer alguns aprimoramentos, adequando-se à realidade dramática da delinquência juvenil e agravando a sanção a certas condutas, para defesa da sociedade? Por exemplo, por que não dobramos o prazo máximo de internação, hoje de três anos, para seis, no caso de autores dos chamados delitos hediondos, como forma de defesa da sociedade e do próprio infrator?

O ECA não deveria prever, expressamente, estabelecimentos de máxima segurança para determinados tipos de jovem infrator, acabando com a hipocrisia de dizer que alguém que tenha 16 ou pouco menos de 18 anos, autor de assalto a banco, latrocínio ou sequestro, seja apenas uma criança a ser reeducada, não podendo sofrer nenhum tipo de contenção?Será também que os menores internados por infração gravíssima, ao completarem 18 anos, não deveriam ser acolhidos em estabelecimentos especializados, totalmente separados dos demais, sob pena de não observarmos uma regra elementar de política criminal, fundada na máxima de que é preciso "separar o joio do trigo"?

Finalmente, será que a Justiça da Infância e da Juventude está usando as medidas de advertência, liberdade assistida, regime de semiliberdade, prestação de serviços à comunidade e reparação do dano como prevê o ECA, ou tem optado preferencialmente pela internação, que deve ser reservada exclusivamente às infrações graves e aos reincidentes?

É importante ressaltar, também, que se encontra em fase final de estudos no Ministério da Justiça uma lei de execução do ECA que muito contribuiria para o seu aperfeiçoamento.Neste momento em que aumentam as infrações cometidas pelos menores, é indispensável não ceder à tentação da demagogia ou de soluções fáceis e perigosas como a redução da responsabilidade penal. A norma penal baliza e pune condutas, mas não opera milagres. Se assim fosse, poderíamos sugerir um código penal com um único artigo: "Fica proibido o crime. Revogam-se as disposições em contrário. Amém".

O problema é muito complexo e mostra nossas mazelas sociais, com as falhas na educação, saúde, habitação, distribuição de renda e assistência à família, além da dissolução dos valores éticos e sociais, que atingem dramaticamente a criança e o jovem infrator.

Por isso, há que corrigir as gravíssimas injustiças sociais, por meio de políticas preventivas, e aperfeiçoar o Estatuto da Criança e do Adolescente, discutindo-o com toda a sociedade, com prudência e equilíbrio, esquecendo ilusionismos como a redução da responsabilidade penal, que não diminuirá a criminalidade e acabará contribuindo para agravar ainda mais a violência.


João Benedicto de Azevedo Marques, 59, procurador de Justiça aposentado, foi secretário da Administração Penitenciária de São Paulo e presidente do Ilanud (Instituto Latino Americano das Nações Unidas para Prevenção do Crime e Tratamento do Delinquente). Presidiu a Febem (1975-78) e o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (governo Sarney)."