CAPÍTULO PRIMEIRO
DA UNIÃO IBÉRICA À RESTAURAÇÃO:
O PROCESSO POLÍTICO
“O tempo, como o mundo, têm dois hemisférios: um superior e visível, que é o passado, outro inferior e invisível, que é o futuro. No meio de um e outro hemisfério ficam os horizontes do tempo, que são estes instantes do presente que imos vivendo, onde o passado se termina e o futuro começa”.
Padre Antonio Vieira
História do Futuro
O final do século XVI e início do XVII em Portugal (1580-1640) apresentou como questão central do debate político o dilema acerca da sucessão ao trono lusitano. Mesmo após a aclamação de Filipe II (I de Portugal), realizada nas Cortes de Tomar no ano de 1581, o problema sucessório não se resolvera, possibilitando a retomada da questão em 1640 pois, segundo Mafalda Soares da Cunha:
“A inexistência de regras sucessórias explícitas dificultava a avaliação dos fundamentos legais invocados pelos candidatos ao trono português (p.465)[1].”
Tal indefinição gerara controvérsias jurídicas que só foram se resolver com a invenção das Cortes de Lamego, elevada à lei fundamental do reino após a subida ao trono do duque de Bragança[2]. Para compreendermos com maior clareza este momento, faz-se necessário uma reconstituição, mesmo que breve, do período em que as coroas ibéricas se centralizaram nas mãos da realeza filipina e, a partir daí, problematizar duas questões que até hoje estão presentes na historiografia sobre o período: como era colocada, e se era colocada, a questão de uma identidade portuguesa, e como a questão sucessória fora entendida em 1580[3]. O termo identidade é aqui entendido como um conjunto de fatores que possibilita o reconhecimento de si e, ao mesmo tempo, marcar a diferença, o estranhamento. Ele não estaria assim, necessariamente, vinculada ao espaço territorial e nem presa a idéia de nação, apesar da tendência de se confundir identidade com nacionalismo. No caso do termo nacionalismo, ele é pensado a partir da concepção de nação, noção de comunidade política oposta a de reino, pois aquela estaria vinculada a idéia de Estado, e esta às possessões do senhor, sendo que, o termo nacionalismo, só adquirira sentido próximo ao que lhe damos hoje no século XVIII, com a consolidação dos estados nacionais[4].
Parte-se aqui do princípio de que a sucessão fora entendida e debatida de formas distintas tanto no momento da união ibérica como da restauração portuguesa e, partindo de tal constatação, de que a identidade deve ser compreendida aliada ao debate acerca da sucessão.
Antes, no entanto, será apresentado o modo como a historiografia entendeu o período, partindo das análises de: Eduardo D’ Oliveira França, em seu livro “Portugal na Época da Restauração”[5], A. H. de Oliveira Marques em “História de Portugal: do Renascimento às Revoluções Liberais” e “Da União Ibérica à Restauração In: Breve História de Portugal”[6], Joaquim Veríssimo Serrão em “História de Portugal: Governo dos Reis Espanhóis” e “A Restauração e a Monarquia Absoluta”[7], Joaquim Romero de Magalhães em “História de Portugal: No Alvorecer da Modernidade”[8] e Antonio Manuel Hespanha em “História de Portugal: O Antigo Regime” e “A Restauração e sua Época”[9]. Além destes, cito dois autores que serão utilizados no decorrer deste capítulo, Jacqueline Hermann[10], por tratar especificamente do reinado de D. Sebastião, e Pierre Chaunu[11], que faz um estudo da Europa no século XVII, e não especificamente de Portugal.
1.1 - A Historiografia e a Restauração
Pelo menos três questões são colocadas pelos autores aqui apresentados, não significando que foram tratadas da mesma forma e nem na mesma ordem, ou seja: havia um desejo de União das Coroas Ibéricas? Que motivações levaram à restauração portuguesa? Existia uma identidade lusitana no período[12]?
Eduardo D’ Oliveira França, ao tentar responder estas questões, parte do princípio de que devemos entender os séculos XVI e XVII como um século ibérico, onde as instituições castelhanas se consolidariam em grande parte do ocidente europeu, sobretudo em Portugal[13]. Segundo o autor, Portugal compartilhava de um mundo barroco ibérico, que se opunha ao classicismo francês, havendo uma proximidade tanto cultural como institucional entre os dois reinos, o que facilitara, em certa medida, a anexação da coroa lusitana por Filipe II (I de Portugal). Este mundo ibérico apresentado por Oliveira França estaria presente, principalmente, entre a nobreza peninsular, denominada aqui pelo termo hidalgo, sendo este o melhor exemplo do homem barroco. Este é um ponto fundamental na análise proposta pelo autor pois, para ele, o que motivara a restauração fora uma cisão de hidalgos, ou seja, de nobres.
A grande questão levantada por Oliveira França seria a perda da vida cortesã pelo fidalgo português, que se vira cada vez mais restrita à cortes de aldeias. O afastamento gradual da coroa implicava na desmobilização da nobreza lusitana pois o que caracterizaria sua nobreza seria, além do nascimento, suas ações[14]. A honra era adquirida pelos serviços prestados ao reino, e sem corte, os nobres ficariam impossibilitados de adquiri-la. Neste caso, o problema não seria a submissão ao rei, mas sim a falta de corte e as dificuldades de ascensão junto ao monarca. O autor apresenta assim a nobreza lusitana como o agente da restauração, devido ao descontentamento com sua situação no reino. Não se era contra a união das coroas ibéricas, desde que não perdessem seus privilégios e suas posições junto a corte.
A exigência de tais privilégios só seria possível após a reestruturação das casas senhoriais lusitanas, que haviam perdido parte de seus membros na Batalha de Alcácer Quibir[15]. Com o intuito de garantir os direitos estabelecidos pelo estatuto de Tomar[16], toma-se uma postura de oposição frente à política filipina de centralização de poder, principalmente após a ascensão do conde duque de Olivares, no reinado de Filipe IV (III de Portugal)[17]. Tornava-se assim problemático tratar de uma identidade portuguesa neste período, sendo no entanto possível pensar em uma identidade cortesã que ultrapassaria as fronteiras, sendo então a restauração entendida mais como uma ruptura de hidalgos receosos de perder seu lugar do que um movimento nacionalista de recuperação da independência.
Oliveira França demonstra tal questão com clareza quando trata das expectativas da população de um modo em geral em relação à restauração, onde identifica uma falta de unidade de interesses não só grupal, mas também regional[18]. No entanto afirma que, após 1640, Portugal afastara-se definitivamente de Castela e, desta forma, iniciara a construção de uma identidade lusitana modelada pelo liberalismo inglês.
Já Joaquim Veríssimo Serrão vê a União Ibérica como um acontecimento acidental na história de Portugal, pois em 1640 seria restabelecida a antiga linha sucessória do reino. Para ele, os Filipes jamais constituíram uma realeza lusitana, chamada aqui de nacional, pois nunca habitaram o reino e nem estabeleceram laços de sangue. Nas palavras de Serrão:
“Mesmo que para Filipe II e Filipe III, na observância das normas jurídicas tradicionais, tivesse havido aclamação e juramento em cortes, foram todos reis estranhos do foro nacional, como o demonstra a História deste período (p.11)[19].”
Não entende, assim, a União Ibérica como algo desejado pelos lusitanos, ao contrário de Oliveira França. Esta perspectiva possibilita que o autor identifique tensões entre portugueses e castelhanos, ou seja, enquanto Oliveira França vê uma nobreza apática e sem forças para enfrentar o poderio espanhol, Serrão apresenta, a partir desta mesma nobreza, uma situação de constante contestação, marcando o período de conflitos. O autor vê aí mais do que diferenças de interesses, mas sim reações patrióticas contra o governo espanhol. Desta forma, a narração do período filipino é recheada de protestos e tensões que exaltariam, segundo Serrão, o patriotismo do povo português[20]. Faz-se necessário ressaltar aqui que o autor elabora sua narrativa opondo o período de intranqüilidade e desconfiança política dos Filipes com o período de união e tranqüilidade que esse estabelecera após a restauração.
Esta oposição é perceptível quando Veríssimo Serrão trata da figura de D. João IV. Ao contrário dos demais autores, apresenta-o como herói, um líder político, administrativo e militar que encarnaria a unidade do reino[21]. Identifica-o assim como um símbolo de autonomia que os Filipes não conseguiram apagar, entendendo os nobres que não apoiaram o movimento como fracassados e invejosos. A aclamação unânime de D. João IV serviria de contraponto para a aclamação de Filipe II (I de Portugal) que, segundo o autor, só ocorrera após resistência dos portugueses e por força das circunstâncias.
Joaquim Veríssimo Serrão entende assim a restauração como um movimento de todo o reino, que havia se unido em torno da figura de D. João IV, contrariando a versão de Oliveira França, além de não se atentar para os conflitos de interesses que tiveram lugar na corte lisboeta após a restauração da coroa[22]. Ele a apresenta como um novo modo de ser português, o ponto de chegada de uma consciência nacional que havia sido recobrada a partir da união das coroas ibéricas[23].
Apesar de exaltar esta aparente unidade em torno do novo monarca, apresenta a restauração como um movimento realizado por uma segunda linha de nobreza lusitana, que se recuperara do choque de Alcácer Quibir, motivada pela política de centralização promovida principalmente pelo conde duque de Olivares. Neste sentido, Serrão compartilha do mesmo raciocínio de Oliveira França, diferenciando-se apenas no sentido de entender que o que motivara estes nobres seria a tradição de independência dos portugueses. Estes acabaram aproveitando-se de um momento de desgaste espanhol frente sua política externa e de vitalidade nacional portuguesa, promovida, segundo o autor, pela própria política espanhola que jamais teria abandonado o reino lusitano e, ao contrário, teria até mesmo promovido seu crescimento e sustentação. Nas palavras do autor:
“A má administração dos Filipes, sobretudo após o governo do conde-duque de Olivares, nunca se traduziu em decadência para o País. Ao longo dos primeiros quarenta anos do século XVII, o reino desenvolveu sua riqueza material e as suas energias mentais. Haja em vista o surto marítimo, que Jaime Cortesão e Frédéric Mauro puseram em relevo; o aumento da população, que orçava por 1.400.000 habitantes ao redor de 1640; e a valorização regional, que se acentuou neste período (p.142) [24].”
A. H. de Oliveira Marques, assim como Oliveira França, vê a união ibérica como algo que se tornara viável tanto do ponto de vista econômico como cultural e social, tendo em vista que a cultura portuguesa sofria uma constante castelhanização e, além disso, a prata advinda da América chamava a atenção dos mercadores portugueses. Para ele, tanto Portugal quanto Castela desejavam a unificação, pois:
“(...) se consideravam ainda partes integrantes da Hispânia, a Hispânia pagã dos Romanos, a Hispânia Cristã do Baixo Império ou do Reino Visigodo, unificada pela derradeira vez pelo Islam (p.280)[25].”
Para o autor, no entanto, a união das coroas ibéricas não significaria perda de autonomia, o que fora garantida através das cortes de Tomar de 1581, onde permanecera a cargo dos portugueses a administração de todos os negócios lusitanos, garantindo assim uma certa soberania portuguesa[26].
O movimento que resultara na restauração portuguesa se consolidaria ao mesmo tempo em que o Império Espanhol começara a ruir pois, como demonstra Oliveira Marques, Portugal dependia do comércio ultramarino, mais do que da produção metropolitana, sendo que, devido aos conflitos internacionais com os Países Baixos e com a Inglaterra, muitas possessões portuguesas se viram ameaçadas, além da perda de inúmeras embarcações. Desta forma, a política externa espanhola afetara decisivamente a economia lusitana, que se vira obrigada a financiar uma guerra que não era sua, ao mesmo tempo que enfrentava uma crescente crise econômica dentro do reino. A ameaça ao império português seria, no entanto, uma das facetas que levaram à restauração pois, como demonstrado pelo autor, o que realmente motivara o movimento de 1640 fora uma crise no seio da nobreza, devido a falta de corte em Lisboa e as dificuldades de acesso à realeza madrilhenha, aliadas à uma inflação de títulos, promovida como meio de garantir adeptos aos reis espanhóis, e a uma tentativa de centralização do poder filipino promovido no governo de Filipe IV (III de Portugal). Desta forma, seguindo o caminho indicado por Oliveira França, Oliveira Marques apresenta a restauração como um movimento de nobres, porém não de todos, pois muitos continuariam fiéis a Filipe IV e jamais retornariam à Portugal.
Apesar de apresentar a restauração como um movimento nobiliárquico, Oliveira Marques identifica na restauração uma idéia de nacionalidade, apresentada como uma vontade de não ser confundido com Castela[27]. Nas palavras do autor:
“Cinco séculos de governo próprio haviam evidentemente forjado uma nação, fortalecendo-a até ao ponto de rejeitar qualquer espécie de união com o país vizinho (p.168)[28].”
O autor chama a atenção, no entanto, para o fato de que nacionalidade não significa necessariamente independência, pois este sentimento estaria presente no povo lusitano já no momento da união ibérica, justificando assim o fato de que, com exceção do povo, todos os demais extratos da sociedade viram-se divididos e receosos em relação à restauração da coroa de Portugal.
Joaquim Romero de Magalhães[29] entende a união das coroas ibéricas como algo previsível e desejado pelos nobres portugueses, haja visto a política de alianças matrimoniais entre os reinos[30]. Esta aliança, que se constrói entre a nobreza lusitana e castelhana, não era, no entanto, acompanhada pelo povo, que via em D. Sebastião o único meio de se evitar o que era já previsível, ou seja, o trono português ser ocupado por um rei estrangeiro. Daí o fato de D. Sebastião ter nascido com o estigma de desejado[31].
Após o desastre de Alcácer Quibir, a nobreza lusitana se enfraquece pois, como afirma Francisco Bethencourt, tal investida contou com quadros de quase todas famílias nobres de Portugal que, se não morreram, foram presos pelos marroquinos. Filipe II aproveitaria tal situação, auxiliando no resgate de muitos filhos de nobres reféns da batalha, garantindo assim o apoio de grande parte da nobreza lusitana quando da disputa sucessória[32]. É apresentado assim um quadro de desconfiguração nobiliárquica, formada em sua maioria por viúvas e filhos segundos, o que facilitaria a cooptação destes pelo monarca espanhol, fosse através de dinheiro e regalias, fosse através da promessa de distribuição de títulos. É importante realçar que, como nos alerta Nuno Gonçalo Monteiro, no período aqui tratado a coroa cria diversos privilégios que ultrapassariam a divisão tripartida da sociedade, onde a aristocracia de corte se distinguia das demais categorias nobiliárquicas. Há, assim, uma banalização dos títulos de nobreza, criando-se um estatuto intermediário entre o nobre de sangue e o povo, ou seja, uma nobreza civil ou política, adquirida pela riqueza, ou pela indústria (trabalho). Esta classe intermediária da nobreza lusitana não era considerada como nobres pela nobreza de sangue, e nem denominados de fidalgos, onde o alargamento da definição jurídica de nobreza não fora acompanhada de um alargamento de sua representação, que continuaria presa as antigas imagens e identidades[33].
Tais questões, aliada à perspectiva apresentada por Oliveira Marques de inflação de títulos, pode explicar a restauração a partir de uma reestruturação e reação da nobreza contra a centralização crescente promovida pela corte madrilhenha, tese esta defendida por Oliveira França. É necessário, no entanto, aliar tal reação com a necessidade, expressa já no tempo de Filipe II (I de Portugal), de um rei natural, tanto que este procurara se apresentar como descendente de reis portugueses, o que o livraria do estigma de ser estranho ao reino[34]. Seria neste período de crise dinástica que se colocaria pela primeira vez a noção, mesmo que difusa, de comunidade histórica com identidade própria. Ou seja:
“Numa palavra, pela primeira vez aparece o termo ‘nação’ com o sentido de comunidade política, em concorrência com o termo ‘reino’ (dominante até o século XVIII), que remete, necessariamente, para a noção de senhorio (p.464)[35].”
Francisco Bethencourt nos alerta, no entanto, que tratar as reações ao domínio dos Filipes sobre Portugal e o ideal de um rei natural como nacionalismo seria uma visão anacrônica, pois os personagens históricos deste período seriam ainda incapaz de formularem tal conceito, como seriam apresentados no século XVIII. A questão de uma identidade lusitana é assim relativizada, mas não negada por estes historiadores, que vêem neste período a primeira problematização acerca do tema, ou seja, da noção de comunidade histórica independente do soberano. Distanciam-se assim de Joaquim Veríssimo Serrão e Oliveira Marques, que vêem na restauração um movimento de aspirações nacionalistas, aproximando-se das perspectivas de Oliveira França, que entende este momento como o de um despertar de uma identidade lusitana.
Antonio Manuel Hespanha, ao tratar da restauração portuguesa, têm na questão da identidade lusitana o seu grande debate, sendo este o ponto de partida para entendermos tanto a união ibérica como a restauração[36]. Em primeiro lugar, deve-se levar em consideração o fato de que havia uma tendência para a União das Coroas Ibéricas, como demonstrado por Joaquim Romero Magalhães, o que seria facilitado por uma identidade ibérica presente entre os portugueses. Nas palavras de Ana Cristina Nogueira da Silva:
“O sentimento da identidade hispânica mostrara a sua eficácia política na preparação e na sustentação da monarquia dual; no plano cultural explica o bilinguismo e a atração castelhanizante de muitos escritores portugueses; no plano jurídico, justificava a aplicação em Portugal do direito castelhano (p.23)[37].”
Não havia assim um estranhamento, pelo menos por parte da nobreza, entre portugueses e espanhóis, tendo em vista que seus laços ultrapassariam fronteiras, havendo uma maior identidade entre os nobres dos dois reinos que entre nobres e povo[38]. Desta forma, os blocos políticos que se constituíam neste período não tinham um caráter nacional, mas diziam respeito à fidelidades grupais, jurídicas, ideológicas e a interesses particulares, onde as questões locais teriam mais importância que as mudanças dinásticas[39]. Estas, por sua vez, ganhariam força nas disputas de poderes entre nobres, que viam na corte a manutenção de seu poder e de sua nobreza, como apresentado por Oliveira França.
Era assim difícil falar de uma identidade lusitana, tendo em vista que a sociedade se constituía de forma politicamente plural, ou seja, não se era português de forma nítida e unidimensional, existindo identidades que ultrapassariam a idéia de nação. O exemplo mais claro de tal perspectiva era o fato de serem mais católicos que portugueses, o que por si só dificultava uma identidade pois, ao mesmo tempo que servia de fator de união entre os católicos, excluíam os não católicos, como o caso dos judeus e dos índios não convertidos[40]. No entanto, desenvolve-se um fator de união, principalmente após o desaparecimento de D. Sebastião e posterior anexação da coroa lusitana ao monarca espanhol, baseado em um providencialismo que identificava o povo português como o escolhido por Deus, sendo este um discurso retomado após a restauração para se distinguir do espanhol.
Desta forma, o ideal de nacionalismo não explica a restauração pois, como nos alerta Antonio Manuel Hespanha[41], não havia, mesmo em 1640, um interesse nacional que movesse os diversos grupos numa expectativa comum em relação à separação das coroas, mas sim interesses diversos que se unem na idéia de tirania e de mau governo para deporem o rei espanhol. Ou seja, não havia ainda, em 1640, um estado propriamente dito, pois as relações de poder ainda não estavam claras, não havendo uma idéia segura sobre quais seriam os interesses nacionais.
A restauração portuguesa se configura assim como um movimento de nobres, como já apontado pelos demais autores aqui apresentados, que se rebelaram contra a tendência centralizadora que, ferindo o estatuto de Tomar, comprometia os privilégios da nobreza lusitana, que vinha sendo gradualmente marginalizados pela política de Olivares. O movimento se caracterizaria assim contra o “segundo Portugal” dos Filipes, promovido a partir da ascensão de Filipe IV (III de Portugal) e, neste caso, os nobres que se mantiveram fiéis à Castela estariam fiéis ao Portugal do estatuto de Tomar.
Após a apresentação dos referidos autores, podemos fazer algumas afirmações. Primeiramente, com exceção de Joaquim Veríssimo Serrão, todos os demais apresentam a união ibérica como algo que, se não desejado, era pelo menos propício de se realizar, sendo que Joaquim Romero de Magalhães identifica tal fator a partir das alianças matrimoniais realizadas entre as famílias reais de ambas as coroas, e Oliviera França e Manuel Hespanha partem da idéia de uma identidade ibérica, que o primeiro denomina de mundo barroco ibérico. Uma questão apresentada como consenso é a desmobilização cortesã após a batalha de Alcácer Quibir, sendo que cada autor teria uma forma particular de tratar a questão.
A problemática da identidade lusitana fora geralmente associada à idéia de nacionalidade, fosse para confirmar ambas, fosse para negar a segunda. Neste sentido, tanto Oliveira Marques como Serrão entendem haver uma nacionalidade lusitana, tida pelo primeiro como uma vontade de não ser confundido com Castela. A perspectiva dos autores se distanciam quando se trata da unidade do reino em torno de D. João IV, pois Serrão afirma sua existência, enquanto Oliveira Marques afirma que tal não era apresentada, o que não tiraria o caráter nacional dos portugueses pois, para o autor, nacionalismo não deveria ser confundido com independência.
Os demais autores, apesar de não aceitarem o termo nacionalismo, não negam que a restauração portuguesa levou a uma reflexão sobre a noção de uma comunidade história, como nos indica Mafalda Soares da Cunha. Prevaleceria, no entanto, uma identidade difusa, que seria mais forte entre os nobres que no resto da população.
Por fim, podemos afirmar que todos os autores aqui tratados viram a restauração portuguesa a partir de uma perspectiva política dinástica, privilegiando-se assim a visão do nobre português. Tal opção se justificaria pelo fato de que, segundo estes autores, a restauração deve ser entendida como movimento de nobres, motivados sejam por uma tradição de independência que não se apagara com a união ibérica, segundo Serrão, seja como forma de reação contra uma centralização de poder que retirara, gradualmente, as funções da nobreza lusitana, que vivia um momento de crescente marginalização em relação à corte madrilhenha. Neste sentido, pouco foi analisado o impacto que a restauração promoveu entre os demais grupos lusitanos, ou ainda as expectativas regionais em relação a ela.
1.2 - Da União Ibérica à Restauração: O Processo Político
Ao propormos uma análise política da restauração portuguesa, faz-se necessário retornarmos ao reinado de D. Sebastião tendo em vista que, após o seu desaparecimento, torna-se viável a anexação da coroa lusitana por Filipe II (I de Portugal). Tal anexação era quase que inevitável devido a política de casamentos entre os monarcas de ambos os reinos[42]. Nas palavras de Joaquim Romero de Magalhães:
“A união dos tronos peninsulares ia finalmente realizar-se. D. Sebastião, na sua infelicidade pessoal, não era mais do que o acidente dinástico que a família conscientemente fora preparando. Esta junção das coroas peninsulares poderia ter acontecido antes. Veio a ser desencadeado de um modo dramático, pela imprudência de um jovem que ninguém soubera deter (p.460)[43]”.
Segundo Jacqueline Hermann,[44] as narrativas acerca do reinado de D. Sebastião se comporiam por duas vertentes principais: ou seriam poucos lisonjeiras, culpando o rei pelo fracasso da batalha de Alcácer Quibir, ou versões laudatórias, sendo que, em sua maioria, tais relatos procurariam explicar as causas de tal fracasso[45].
D. Sebastião nascera em 20 de janeiro de 1554, sendo que seu pai, D. João, morrera no dia 02 do mesmo mês. Diante de tal fato, o jovem herdeiro do trono era o único que poderia evitar uma possível união das coroas ibéricas, pois era o último herdeiro direto da Dinastia de Avis[46]. A situação se agravara quando da morte de D. João III, em 11 de junho de 1557, pois a nobreza se apresentava dividida em relação aos nomes dos possíveis tutores de D. Sebastião, representados nas figuras de D. Henrique, tio avô do futuro monarca, e D. Catarina, sua avó[47]. É neste sentido que Pero de Alcáçova Carneiro, antigo secretário de D. João III, forja um documento onde se apresentava o desejo do rei morto para que D. Catarina assumisse a regência e a tutoria de D. Sebastião[48]. Devemos entender tal querela como uma disputa entre duas facções da nobreza, ou seja, daqueles que desejavam uma política de aproximação com Filipe II, como era o caso de D. Catarina, e aqueles que buscavam um alinhamento com Castela, porém não a entrega da coroa, posição defendida por D. Henrique[49].
D. Catarina convocaria cortes para o ano de 1562, onde renunciaria em favor de D. Henrique, que se comprometia a entregar a coroa a D. Sebastião quando este completasse quatorze anos. Tal renúncia seria ainda hoje, segundo Jacqueline Hermann, alvo de especulações, pois a justificativa oficial para tal ato seriam as pressões que a rainha sofrera após a hesitação em enviar socorro a Mazagão[50], que teria sido atacado por marroquinos. No entanto, a rainha estaria renunciando a regência, e não a tutoria do futuro rei, o que torna possível uma pretensão de se aproximar de D. Sebastião, e assim, prepará-lo para uma política que estivesse de acordo com os castelhanos. Nas palavras de Jacqueline Hermann:
“O fato é que sua renúncia parece fazer pouco sentido, ou ainda estar mal explicada pela historiografia portuguesa. Difícil entender por que, depois de demonstrar tamanha habilidade política para manter-se à frente do governo, não capitalizaria a seu favor a vitória sobre os mouros em Mazagão (p.81)[51].”
D. Sebastião assumiria o trono português em janeiro de 1568, tendo como principal objetivo de seu governo a reconquista das possessões perdidas no norte da África. Autores como Joaquim Romero de Magalhães e Oliveira Marques vêem em tal atitude uma postura pouco cautelosa, sendo influenciado por grupos de jovens que apoiavam tal investida[52]. Jacqueline Hermann, no entanto, prefere cautela em relação a tais conclusões pois, segundo a autora, projetos de reconquista do norte da África faziam parte das expectativas portuguesas do século XVI, e devem ser entendidos como uma resposta ao estilo defensivo do governo de D. João III. Além disso, a autora nos lembra que os educadores de D. Sebastião viam com maus olhos o abandono das praças marroquinas. Dentre eles, podemos citar D. Aleixo de Meneses, o jesuíta Padre Luís Gonçalves de Câmara e Diogo de Teive, humanista português que dedica uma obra sobre educação dos príncipes à D. Sebastião[53].
Jacqueline Hermann nos propõe ainda que entendamos tal desejo de conquista da África no conjunto da História de Portugal, e não como fato isolado do reinado de D. Sebastião, normalmente aliada a sua derrota no Marrocos. A autora nos lembra que a conquista de tal região era tida como uma espécie de prolongamento da Reconquista, tendo em vista que este território pertencera aos Visigodos, de quem os reis peninsulares eram herdeiros. Desta forma, a conquista de Ceuta deve ser entendida como um marco inicial neste sentido, ampliando a perspectiva estritamente econômica para a conquista da região. A autora identifica, assim, um ressentimento lusitano pela perda das possessões africanas, expresso na obra de Camões, que:
“(...) escreveu sua epopéia num momento de dificuldades para a continuação do alargamento do império português, pregando a urgente e necessária recuperação desse projeto, sobretudo quanto ao que este significava em termos de expansão da fé cristã (p.96)[54]”.
Este não se configurava, no entanto, no maior problema do governo de D. Sebastião, mas sim a questão sucessória. A dificuldade de acertar casamentos preocupavam aqueles que esperavam a continuidade da dinastia lusitana[55]. Duas propostas lhe haviam sido apresentadas. A mais propícia de se concretizar seria com a Infanta Isabel Clara Eugênia, filha de Filipe II. Este, no entanto, adiara ao máximo tal enlace, prometendo que após a batalha no Marrocos, acertariam tal questão. De outro lado, estaria a Princesa Marguerite de Valois, de Paris. Tal proposta teria sido dificultada pelos embaixadores do soberano castelhano, que não viam com bons olhos a união de Portugal com a França. Além disso, deve-se ressaltar o fato de que o papa não aprovara tal união, tendo em vista que a França, em 1562, dera liberdade de culto aos protestantes[56]. Não podemos ignorar também o fato de que o próprio monarca não se preocupava com a questão, estando, segundo Joaquim Romero de Magalhães, mais preocupado com a arte bélica que com as mulheres[57]. Já Jacqueline Hermann vê este possível afastamento em relação às mulheres como parte de sua educação, tendo em vista que fora preparado tanto por especialistas em arte bélica como por padres jesuítas[58].
Seria esta preocupação que o levaria às suas jornadas à África. A primeira deu-se em 1574, onde o rei visitara as possessões lusitanas, retornando logo em seguida ao reino[59]. Em 1576, chegara à Lisboa a notícia de que o reino de Marrocos fora conquistado por Mulei Abd Ali-Malik, que depusera seu irmão, Mulei Muhammad Mutawakkil. Prevendo uma investida do novo soberano marroquino contra as possessões lusitanas na África, D. Sebastião decide apoiar o antigo soberano. Para tanto, solicita auxílio de seu tio, Filipe II, que prevendo as dificuldades da batalha, aconselha-o a desistir da empreitada[60]. Apesar do conselho, promete-lhe auxílio, porém bem menor que o esperado[61].
O monarca lusitano embarcaria na galé real em 14 de junho de 1578, sendo que a frota só partiria no dia 24 do mesmo mês, devido ao mau tempo. Segundo Joaquim Romero de Magalhães, tal expedição, exageradamente luxuosa, estaria pouco preparada para a batalha que viria[62]. Esta ocorrera no dia 04 de agosto de 1578, em Alcácer Quibir, sendo o exército lusitano massacrado pelas forças marroquinas. Além do desaparecimento de D. Sebastião, em batalha, morreram também Mulei Abd Ali-Malik, que se encontrava enfermo, e Mulei Muhammad Mutawakkil, afogado. Assim, a batalha ficaria conhecida, no Marrocos, como a batalha dos três reis[63].
Em 28 de agosto de 1578 o Cardeal D. Henrique fora aclamado rei. Assumia o trono em uma conjuntura desfavorável para Portugal, pois:
“(...) a coroa tinha se endividado para financiar a expedição de D. Sebastião ao Norte da África; uma boa parte da nobreza tinha morrido em Alcácer Quibir ou ficara cativa; todo o reino fora atingido pela derrota, contando-se em muitos milhares os mortos e os prisioneiros (p.460)[64].”
Configurava-se assim um momento de crise financeira, política e moral. Os principais problemas do novo rei seriam, no entanto, o resgate dos cativos e a questão sucessória. O primeiro fora resolvido com envio de embaixadores para a África e o auxílio financeiro de Filipe II. Porém o segundo ganharia proporções que limitariam a atuação de D. Henrique na contenda. Com o intuito de trazer o debate para si, o rei, que era cardeal, pede dispensa papal para que assim pudesse casar, o que fora bloqueado pelos embaixadores de Filipe II[65].
Com dificuldades de se administrar o problema dinástico, tendo em vista que as forças políticas do reino se alinhavam com os principais pretendentes a coroa, ou seja, D. Catarina de Bragança, D. Filipe II e D. Antonio, Prior de Crato, D. Henrique adotaria uma linha legislativa, convocando os pretendentes ao trono a apresentarem suas justificativas jurídicas e convocando cortes[66]. Não havia, no entanto, uma clareza acerca das regras sucessórias o que, segundo Mafalda Soares da Cunha, dificultava a análise dos fundamentos legais apresentados pelos candidatos ao trono[67].
Era consenso, no entanto, que extinta a linha primogênita de D. Manuel, a sucessão teria que ser decidida entre seus descendentes, sendo eles: Filipe II, ligado a D. Manuel por D. Isabel, D. Catarina de Bragança, única sobrevivente da prole de D. Duarte; Ranúcio, duque de Sabóia, ligado a D. Duarte por D. Beatriz e D. Antonio, filho bastardo de D. Luis[68]. No entanto, os únicos que mobilizaram de forma consistente o direito, produzindo provas e argumentos, seriam D. Filipe II e D. Catarina[69]. Apresentar-se-á aqui, de forma sucinta, tais argumentos, baseando-se no texto “A questão jurídica na crise dinástica”, de Mafalda Soares Cunha.
Segunda a autora, a principal peça jurídica de D. Catarina seria a transmissão da coroa via herança. Assim, teria direito a ela por ser neta de D. Manuel via D. Duarte, ou seja, era herdeira direta do trono, pois Filipe II só adquirira tal condição ao se casar com D. Maria, filha de D. João III. Ao se utilizar de tal argumento, os defensores de D. Catarina procurariam aliar a “iure hereditarie” com a “iure sanguinis”, o que restringiria o regime sucessório por herança, ou seja, não seria permitido a divisão do território pelos descendentes do rei. Tal argumentação se fazia necessária na medida em que os defensores de Filipe II acusavam que a sucessão transmitida por herança feria os princípios de indivisibilidade e inalienabilidade do reino[70]. Partia-se assim da idéia de representação, ou seja:
“(...) se candidatavam à herança não em seu próprio nome, mas investidos dos direitos e qualidades dos pais. D. Catarina representava, assim, seu pai D. Duarte que, se fosse vivo, deveria preceder na sucessão suas irmãs D. Isabel e D. Beatriz, neste caso representados por Filipe II e por Manuel Felisberto de Sabóia (p.468)[71].”
A aplicabilidade do direito de representação também era questionada pelos filipistas, argumentando que este se baseara no direito das gentes e não no direito civil[72]. Por sua vez, defendiam que a sucessão deveria partir do primeiro instituidor, e não por heranças comuns, sendo a transmissão sucessória regulada pelo direito vincular, garantindo a proximidade, a primogenitude e a varonia como elementos sucessórios. Desta forma, o que daria vantagem a Filipe II seria a varonia e o fato de ser mais velho, pois tinha proximidade idêntica à D. Catarina e ao duque de Sabóia[73]. Alegava-se ainda que D. Duarte não possuía direitos sucessórios, pois este seria transmitido apenas para os primogênitos.
Filipe II, no entanto, ultrapassaria o debate jurídico, construindo uma rede de alianças com grande parte da nobreza lusitana, graças ao esforço de seu embaixador, Cristóvão de Moura, que se utilizara tanto da persuasão como da venalidade[74]. Nas palavras de Joaquim Romero Magalhães, acerca da nobreza lusitana:
“(...) em grande parte dirigidas por aflitas viúvas ou mães de mortos ou cativos em África, seria presa fácil, se não de convencer, pelo menos de comprar (p.477)[75].”
Apesar do debate jurídico em torno da sucessão, a grande ameaça de Filipe II era D. Antonio, principalmente após ter sido aclamado rei em 19 de junho de 1580, chegando inclusive a convocar cortes para Santarém. Havia ainda o perigo do mesmo provar a legalidade do casamento de seus progenitores, o que o colocaria em posição de vantagem na disputa sucessória pois, caso contrário, sua candidatura estaria desprovida de natureza jurídica[76]. A possibilidade do Papa reconhecer o casamento de D. Luis com Violante Gomes fora evitada graças a interferências de mandantes de Filipe II em Roma[77].
Após garantir o apoio de grande parte da nobreza lusitana, Filipe II decide entrar em Portugal, estabelecendo-se em Badajoz de 22 de maio de 1580 até 05 de dezembro do mesmo ano, aguardando que o duque de Alba, encarregado de abrir militarmente o caminho para sua entrada em Portugal[78], lhe garantisse a segurança necessária. A vitória de Filipe II dar-se-ia em 17 de junho, com a assinatura de três dos cinco governadores que sucederam D. Henrique no governo lusitano. Este documento reconhecia Filipe II como o rei de Portugal, garantindo que sua entrada em Lisboa se daria como rei legítimo, e não como usurpador.
Haveria ainda conflitos entre o duque de Alba e as tropas de D. Antonio. O mais importante deles ocorreria em 25 de agosto, no vale de Alcântara, junto a Lisboa onde D. Antonio, prevendo a derrota, fugira para o norte de Portugal, dirigindo-se para a Inglaterra e França. Estabelece-se ainda na Ilha Terceira, no Açores, de onde seria novamente derrotado pelas forças filipinas. Tentaria um regresso a Portugal, com a ajuda da armada inglesa comandada por Francis Drake, sendo novamente derrotado. D. Antonio morreria em 26 de agosto de 1595, ainda esperançoso de retornar à Portugal como seu soberano[79].
Em 16 de abril de 1581 Filipe II é reconhecido rei em Tomar, sob o título de Filipe I, ocorrendo sua entrada solene em Lisboa em julho do mesmo ano, onde permaneceria até fevereiro de 1583, marcando o início do governo filipino em Portugal.
Apesar da anexação da coroa lusitana, Filipe II (I de Portugal) buscou garantir uma distinção entre o governo castelhano e o português, o que se fez através dos capítulos das cortes de Tomar, denominado estatuto de Tomar. Neste garantia-se que tanto os cargos de administração como o Império Ultramarino continuariam a cargo dos lusitanos e seria mantido seus regulamentos, as receitas e despesas dos dois reinos separadas e, além disso, a língua oficial do reino continuava a ser o português. Segundo Joaquim Veríssimo Serrão:
“Desta forma, as cortes de 1581 fixaram o princípio da monarquia dualista: um rei com duas coroas, cada um com o seu governo próprio e conservando o pleno exercício dos direitos que lhe eram inerentes (p.16) [80].”
Criava-se ainda o conselho de Portugal, para tratar exclusivamente dos assuntos referentes ao reino. Ainda nas citadas cortes, o príncipe D. Diogo foi aclamado legítimo sucessor da coroa lusitana. Sua morte, em 21 de novembro de 1582, exigira que se realizasse novas cortes, dessa vez em Lisboa, em 1583, para o juramento de D. Filipe, futuro Filipe III (II de Portugal).
A política externa dos Filipes afetaria diretamente o reino de Portugal pois, como demonstrado por Oliveira Marques, os portugueses dependiam mais dos mercadores do ultramar que da produção metropolitana sendo que, no período filipino, importava-se as mesmas coisas, só que em maior quantidade[81]. Já no reinado de Filipe II (I de Portugal) têm-se o início dos conflitos com os Países Baixos e com a Inglaterra, onde os castelhanos tomaram uma postura de defesa do catolicismo frente ao avanço do protestantismo na Europa[82]. Além disso, havia o desejo de Filipe II de dominar a Inglaterra, tendo em vista que os ingleses colocavam em perigo os domínio filipinos e atacavam embarcações espanholas e portuguesas[83]. Portugal via-se assim em uma situação de guerra com a Inglaterra e com os Países Baixos, reinos antes aliados e dos quais o comércio português necessitava[84].
É a partir daí que devemos entender a formação da chamada “Invencível Armada”, que teria o intuito de atacar e invadir a Inglaterra. A Armada consistia de 130 navios de Portugal, da Biscaia, de Castela, da Andaluzia, de Guipuzcoa e do Levante (do Mediterrâneo), com 18.937 soldados e 8.000 marinheiros. Apesar de todo o aparato militar, a força da esquadra estaria nas tropas, e não nos navios. Assim, após os ingleses vencerem a formação castelhana, os ingleses atacaram e venceram[85], demonstrando assim a fragilidade do Império Espanhol. Em Portugal, tais conflitos refletiam em aumento de impostos e perda de navios e territórios no além mar. Dentre os elementos de descontentamento com o rei, podemos citar o recrutamento forçado para as batalhas promovidas pelo rei, o aumento, e criação, constante de impostos, com a justificativa de defender a costa e as possessões lusitanas e os ataques dos neerlandeses e ingleses a estas, identificado por Oliveira Marques como uma das causas da crise econômica que afetaria Portugal a partir da década de vinte do século dezessete[86]. Assim, apesar das tentativas de Filipe II de garantir uma certa autonomia para o reino, Portugal sofreria ainda com a política externa castelhana.
Filipe II morre em 13 de setembro de 1598, assumindo o trono Filipe III (II de Portugal). Seu governo se caracterizaria pela instituição da figura do valido[87], representado por D. Francisco Sandoval Y Rojas, duque de Lerma, e pelo revigoramento dos conselhos, que no governo anterior teriam perdido sua força quase que por completo[88]. Dar-se-ia início também, de forma mais sistemática, a política de centralização que alcançaria seu auge no governo de Filipe IV (III de Portugal). Tal política pode ser demonstrada na nomeação de castelhanos para ocupar cargos na administração portuguesa, principalmente junto ao conselho de Portugal. Filipe III, através do duque de Lerma, seria adepto de uma absolutismo que poria em risco a autonomia lusitana, sendo que, segundo Joaquim Veríssimo Serrão:
“(...) a integração política dos dois reinos começou, de fato, com o governo madrilhenho do duque de Lerma (p.50)[89]”.
No governo de Filipe III a política externa castelhana continuaria a afetar Portugal, gerando conflitos internos entre o monarca castelhano e os portugueses. Um exemplo seria o acordo que Filipe III fizera com os cristãos novos, com o objetivo de garantir fundos para a manutenção da guerra contra a França e a Inglaterra. No acordo, ficaria estabelecido um perdão dos crimes de judaísmo e apostasia em troca de subsídios de 1.700.000 cruzados, mais o perdão da dívida de 225.000 que tinham com D. Sebastião. Opuseram-se a tal proposta não só o Santo Ofício, mas as demais autoridades religiosas e o povo, de um modo geral. Apesar de ser anunciado o perdão em 16 de janeiro de 1605, o acordo não chegou a ser efetuado, tendo em vista que os cristãos novos desejavam dilatar o pagamento e ocupar cargos na administração portuguesa, enquanto a coroa necessitava imediatamente de dinheiro[90].
Outra questão que afetara diretamente os portugueses fora a expulsão de todos os holandeses residentes em Portugal, além da revogação do alvará de 17 de fevereiro de 1603 que permitia o comércio com os Países Baixos[91]. Tal proibição não fora bem recebida, pois seriam grandes os prejuízos para a navegação portuguesa e para o Império Ultramarino, constantemente ameaçado pela ofensiva neerlandesa. A preocupação era tanta que D. Cristóvão de Moura, em seu segundo vice-reinado em Portugal (1608-1612), defenderia junto à coroa a necessidade de um acordo entre Castela e os Países Baixos como meio de salvar Portugal. Nas palavras de Joaquim Veríssimo Serrão:
“Deve-se em grande parte a Cristóvão de Moura a trégua de 10 anos que assinou com a Holanda e que abriu um período de calma ao comércio marítimo português (p.70)[92].”
O distanciamento do rei também incomodava a alta nobreza lusitana, que passaria a exigir uma visita formal ao reino. Após adiar por várias vezes, Filipe III (II de Portugal) visitaria Portugal em 1619, onde convoca cortes para jurar o príncipe herdeiro. Retornaria à Madri no mesmo ano, onde morreria em 31 de março de 1621, deixando o trono para Filipe IV (III de Portugal), que assumiria a coroa com apenas dezesseis anos de idade.
A postura assumida por Filipe IV (III de Portugal) e por seu valido, Gaspar Felipe de Guzmán, conde (depois duque) de Olivares seria a de centralização administrativa, dando continuidade à política de redução gradual da autonomia das unidade políticas que formavam a monarquia, iniciada pelo duque de Lerma[93]. Buscava-se uma alteração na situação do reino lusitano no conjunto das possessões castelhanas, suprimindo a situação política conquistada no estatuto de Tomar. Segundo Pedro Cardim:
“É certo que tais planos nunca chegaram a ser implantados de uma forma sistemática, mas a sua simples enunciação não deixou de gerar tensões e mal estar entre alguns setores da elite portuguesa, que a pouco e pouco foram rompendo a sua solidariedade com as autoridades de Madri (p.402)[94].”
Além disso, deve-se levar em conta que o conde duque de Olivares perdia gradualmente o apoio da nobiliarquia lusitana graças à política de marginalização promovida pelo clã Vasconcelos-Soares, que dominava a política portuguesa, através de Olivares, nas figuras de Miguel de Vasconcelos, em Lisboa, e Diogo Soares, cunhado de Vasconcelos, em Madri, através do conselho de Portugal. Tal política gerou um descontentamento de parte da nobreza, ou seja, daqueles que ficaram de fora da política de graças régias promovida por Olivares. Tal política de marginalização e de enfraquecimento da nobreza lusitana pode ser demonstrada pela postura tomada pela duquesa de Mântua, última vice-rei de Portugal, que além de optar por criados castelhanos, altera o modo de tratamento em relação a nobreza lusitana. Tal mudança gerou conflitos entre a duquesa e a nobiliarquia, sendo que o próprio duque de Bragança não aceitara ser tratado por senhoria, exigindo que fosse chamado de excelência[95]. Devido a tais tratamentos, muitos nobres deixariam de freqüentar o paço, retirando-se para suas terras[96].
A política externa castelhana vinha trazendo cada vez mais danos para Portugal, tanto pelo pedido constante de recursos às câmaras portuguesas, como pela perda de territórios. Tal situação seria agravada após o rompimento da paz com a Holanda pois, como nos alerta Joaquim Veríssimo Serrão, a situação não era a mesma que a de antes da trégua, não se tratando de enfrentar corsários, mas sim o poderio de uma grande companhia naval com ambições ultramarinas e a declaração de guerra a Inglaterra, em 24 de maio de 1626.
“O perigo no Atlântico era maior do que nunca para a costa portuguesa e para as armadas vindas da Índia e do Brasil, pois o inimigo não fazia distinção entre as duas coroas (p.108) [97].”
Um dos resultados desta política seria a perda de Olinda para os Países Baixos, em 1630, o que afetara fortemente o reino pois esta era a capitania mais rica do Brasil e com maior número de brancos, havendo assim fortes interesses comerciais aí envolvidos. Após a perda de Olinda, novos tributos foram lançados com o intuito de recuperar a região. Tal situação, no entanto, manter-se-ia sem resolução até após a restauração portuguesa, configurando-se assim como um problema herdado por D. João IV da política externa castelhana[98].
Diante de tal situação, diversas manifestações fizeram-se ouvir em Portugal, o que levaria o conde duque de Olivares a intensificar seu projeto de centralização, objetivando fazer de Portugal uma província castelhana. Para tanto, utiliza-se do aumento de impostos como o meio mais eficaz de enfraquecer o reino lusitano. Tal política pode ser apresentada na exigência de pagamento do real d’água, ou seja, um real por cada arrátel de carne e outro por canada de vinho[99]. A novidade seria que a aplicação do imposto beneficiaria integralmente a coroa, sem respeito pelos privilégios da nobreza e do clero[100].
As exigências de Castela em relação a Portugal aumentariam ainda nos próximos anos. Além de impostos, passaram a exigir soldados e que a principal nobreza do reino fosse residir junto à corte. É nesta época que se nomeia o duque de Bragança como general do mar e da terra de Portugal, em 25 de abril de 1639, com o intuito de tornar sua figura impopular frente aqueles que viam nele a liderança natural para um movimento contra Castela[101]. Segundo Pierre Chaunu, o duque de Bragança seria a última, e única esperança de garantir a fidelidade portuguesa, tendo em vista sua vasta rede de influências em todo o reino[102].
Em 07 de junho de 1640 a Catalunha, inspirada pelos franceses, levanta-se contra o poderio filipino. Filipe IV (III de Portugal) requisita soldados e nobres portugueses para lutarem junto às tropas castelhanas, sob a ameaça de perderem seus bens e serem identificados como traidores. Muitos nobres, dentre eles o duque de Bragança, negaram-se a embarcar. Ao mesmo tempo, fora lançado um novo imposto sobre os bens do clero e da nobreza, o que ampliara o clima de insatisfação. Segundo Joaquim Veríssimo Serrão:
“A guerra da Catalunha tornou-se, assim, o motor da conspiração que parte da nobreza, desde os meados de 1639, vinha cautelosamente a preparar (p.138)[103].”
Desse modo, tanto a política interna de centralização de poder e exclusão de parte da nobreza lusitana, como a externa, de postura bélica em relação às grandes potências européias da época, levou ao movimento insurrecional que teria seu ápice em 01 de dezembro de 1640, protagonizada, como indicado por Pedro Cardim, não por “fidalgos inflamados por sentimentos patrióticos (p.404)[104]”, mas por descontentes com a política adotada pelo conde duque de Olivares. O duque de Bragança entraria em Lisboa em 06 de dezembro de 1640, sendo que a quinze do mesmo seria realizado seu levantamento no terreiro do paço. A notícia chegaria à Madri em 07 de dezembro de 1640, onde o movimento fora considerado rebelião por Filipe IV, e o duque de Bragança traidor[105]. A grande missão da nova monarquia seria então a manutenção e justificação da restauração portuguesa, tarefa que se apresentaria árdua, como veremos logo a seguir.
[1] CUNHA, Mafalda Soares da. A questão jurídica na crise dinástica. In: MAGALHÃES, Joaquim Romero. História de Portugal: No Alvorecer da Modernidade. Lisboa: Estampa, 1997.
[2] Idem, p. 471/472; MARQUES, A. H. de Oliveira. História de Portugal: Do Renascimento às Revoluções Liberais. Lisboa: Palas, 1983. p. 175.
[3] A problemática sucessória sobre a restauração, ou seja, após 1640, será tratada no Quarto Capítulo.
[4] TZVETAN, Todorov. A conquista da América: a questão do outro. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 3-13; CHAUNU, Pierre. A Civilização da Europa Clássica. Lisboa: Estampa, 1993; HESPANHA, Antonio Manuel (Coord.). História de Portugal: O Antigo Regime. Lisboa: Estampa, 1998, p. 11-16; HESPANHA, Antonio Manuel. As faces de uma Revolução. HESPANHA, Antonio Manuel (Dir.). A Restauração e sua época. Lisboa: Cosmos, 1993; NOGUEIRA DA SILVA, Ana Cristina e HESPANHA, Antonio Manuel. A identidade Portuguesa. In: HESPANHA, Antonio Manuel (Coord.). História de Portugal: O Antigo Regime. Lisboa: Estampa, 1998.
[5] OLIVEIRA FRANÇA, Eduardo D’. Portugal na Época da Restauração. São Paulo: HUCITEC, 1997.
[6] MARQUES, A. H. de Oliveira. Breve História de Portugal. Lisboa: Presença, 1996; MARQUES, A. H.
de Oliveira. História de Portugal: Do Renascimento às Revoluções Liberais. Op. Cit.
[7] SERRÃO, Joaquim Veríssimo. História de Portugal: A Restauração e a Monarquia Absoluta. Lisboa: Verbo, 1982; SERRÃO, Joaquim Veríssimo. História de Portugal: Governo dos Reis Espanhóis. Lisboa: Verbo, 1979.
[8] MAGALHÃES Joaquim Romero de (Coord.). História de Portugal: No Alvorecer da Modernidade. Lisboa: Estampa, 1997.
[9] HESPANHA, Antonio Manuel (Coord.). História de Portugal: O Antigo Regime. Op. Cit.; HESPANHA, Antonio Manuel (Dir.). A Restauração e sua época. Op. Cit.
[10] HERMANN, jacqueline. No Reino do Desejado. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
[11] CHAUNU, Pierre. Op. Cit.
[12] A questão da existência de uma identidade lusitana não será tratada no presente trabalho. Tal debate insere-se neste capítulo por estar presente nas obras aqui apresentadas, sendo então necessária sua colocação.
[13] Tal predomínio se daria, segundo Pierre Chaunu, até pelo menos 1640 sendo que, após a metade do século XVII, o mediterrâneo perdera o preponderância para o norte da Europa, ou seja, para a França, a nível intelectual e político, e para os Países Baixos, a nível econômico. Idem. p. 32.
[14] Sobre esta questão, ver segundo capítulo, tópico 2.2.2 - Orador e Diplomata da Restauração, onde trato da necessidade de ação por parte da nobreza como um modo de garantir o apoio da fidalguia ao novo rei. Ver ainda: MAGALHÃES, Leandro Henrique. Vieira e a Economia da Restauração. III Congresso Brasileiro de História Econômica e IV Conferência Internacional de História de Empresas. Curitiba: UFPR, 1999; BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p.27; AZEVEDO, João Lucio de. História de Antonio Vieira. 3a. edição. Vol 1. Lisboa: Clássico, 1992, p.39; CIDADE, Hernâni. Padre Antonio Vieira. Coleção A obra e o homem. Lisboa: Arcádia, 1947, p. 59.
[15] Sobre o tema, vide segunda parte do presente capítulo.
[16] Idem.
[17] CHAUNU, Pierre. Op. Cit. p. 95.
[18] Em textos intitulados “A Restauração Portuguesa nos Capítulos das Cortes de Lisboa de 1641”, de Antonio Manuel Hespanha, e “Cortes e Procuradores do Reinado de D. João IV”, de Pedro Almeida Cardim, os autores demonstram como o discurso legitimador em torno de D. João IV, de que a restauração respondia a um desejo generalizado da população, se distanciava da prática da época. Segundo Hespanha, no século XVI têm-se um centro pouco ativo e uma periferia independente, o que levaria os representantes dos concelhos a darem preferência, nas cortes, à questões particulares que globais, buscando resolver os problemas mais de sua região que do reino, revelando-se, muitas vezes, interesses contraditórios entre os membros das cortes. Segundo Pierre Chaunu, a oposição entre o poder real e o local seria uma característica das monarquias do período, sendo que se teria, a partir de pelo menos a metade do século XVII, um crescimento significativo do poder central. CARDIM, Pedro Almeida. Cortes e Procuradores do Reinado de D. João IV. In: In: HESPANHA, Antonio Manuel (Dir.). A Restauração e sua época. Lisboa: Cosmos, 1993; HESPANHA, Antonio Manuel. A restauração portuguesa nos capítulos das cortes de Lisboa de 1641. In: HESPANHA, Antonio Manuel (Dir.). A Restauração e sua época. Lisboa: Cosmos, 1993; CHAUNU, Pierre. Op. Cit.. Sobre a questão, ver ainda:; MONTEIRO, Nuno Gonçalo. Poder Senhorial, Estatuto Nobiliárquico e Aristocracia. In: HESPANHA, Antonio Manuel (Coord.). História de Portugal: O Antigo Regime. Lisboa: Estampa, 1998.
[19] SERRÃO, Joaquim Veríssimo. Governo dos Reis Espanhóis. Op. Cit.
[20] Partindo do texto do autor, podemos citar como exemplo: motim contra tributo instaurado em 1581, que teria por objetivo defender o litoral lusitano; revolta da fidalguia contra a nomeação de um espanhol para o cargo de general de terra e mar de Portugal, em 22 de julho de 1596; revolta de religiosos frente a um acordo entre a coroa e os cristãos novos, com o intuito de se garantir recursos para ofensivas contra a Inglaterra e a França, em 1601, insatisfação frente a nomeação de espanhóis para o Conselho da Fazenda, dentre outros. Segundo Joaquim Veríssimo Serrão, todas estas manifestações teriam um caráter patriótico e de oposição a dominação castelhana sobre Portugal. Idem.
[21] Segundo Serrão, a historiografia liberal teria denegrido a figura de D. João IV. Idem.
[22] Tal união é questionada também por outros autores. A. H. de Oliveira Marques demonstra que grande parte da nobreza não se alinhara a D. João IV, preferindo manter-se fiel a Filipe IV, posição seguida por diversos mercadores lisboetas. Além disso, apresenta a corte como formada por conselhos e tribunais que, como demonstrado por Pedro Cardim, possuía uma diversidade de sensibilidades e clãs que levariam a rupturas entre a elite cortesã. Segundo Pierre Chaunu, tais características impediam a formação de estados absolutos. MARQUES, A. H. de Oliveira. Do Renascimento às Revoluções Liberais. Op. Cit.; CARDIM, Pedro. D. João IV. In: HESPANHA, Antonio Manuel (Coord.). História de Portugal: O Antigo Regime. Lisboa: Estampa, 1998; CHAUNU, Pierre. Op. Cit.
[23] SERRÃO, Joaquim Veríssimo. Governo dos Reis Espanhóis. Op. Cit. p. 11.
[24] Idem.
[25] MARQUES, A. H. de Oliveira. Breve História de Portugal. Op. Cit.
[26] Segundo Oliveira Marques, as Cortes de Tomar garantiriam para os portugueses a administração, o governo e o Império Ultramarino, além de se manter a língua portuguesa como a oficial do reino, e as receitas e despesas separadas. Idem.
[27] Em texto intitulado “D. Afonso Henriques: Rei Portucalense ou Rei Português”, Oliveira Marques demonstra que a formação de Portugal se dera não somente por oposições religiosas sendo que, em muitos casos, houve a necessidade não só de acordos com os mouros ao sul, mas de conflitos contra cristãos espanhóis ao norte, dependendo dos interesses da coroa e da ameaça ao território. Seria assim, neste período de formação do reino de Portugal que se originara as oposições entre castelhanos e portugueses. MARQUES, A. H. de Oliveira. D. Afonso Henriques: Rei Portucalense ou Rei Português. In: TENGARRINHA, José. A Historiografia Portuguesa, Hoje. São Paulo: Hucitec, 1999.
[28] MARQUES, A. H. de Oliveira. Do Renascimento às Revoluções Liberais. Op. Cit.
[29] Estou tratando aqui não só do historiador Joaquim Romero de Magalhães, mas do grupo de pesquisadores, sob sua coordenação, que elaboraram o volume sobre o primeiro período da União Ibérica, ou seja, até 1620. Desta forma, estes autores não tratam especificamente da restauração portuguesa, mas apresentam indícios para que possamos pensá-la e refletir as questões aqui apontadas.
[30] Em texto intitulado “Os espaços administrativos na construção do Estado Moderno em Portugal”, Joaquim Romero de Magalhães afirma que a ambição de Castela seria “(...) instalar o seu domínio sobre toda a península, no espaço que fora o da Hispânia Romana e Visigótica (p.118)”, sendo que a independência de Portugal era tida como perturbadora para uma unidade castelhana. MAGALHÃES, Joaquim Romero. Os espaços administrativos na construção do Estado Moderno em Portugal. In: TENGARRINHA, José. A Historiografia Portuguesa, Hoje. São Paulo: Hucitec, 1999; CUNHA, Mafalda Soares. Op. Cit. p. 465.
[31] HERMANN, Jacqueline. Op. Cit.
[32] BETHENCOURT, Francisco. D. Henrique. In: MAGALHÃES, Joaquim Romero. História de Portugal: No Alvorecer da Modernidade. Lisboa: Estampa, 1997. p. 162
[33] MONTEIRO, Nuno Gonçalo. Op. Cit. p. 297 - 314.
[34] CUNHA, Mafalda Soares da. Op. Cit. p. 471.
[35] BETHENCOURT, Francisco. Op. Cit.
[36] Ao citar aqui a Antonio Manuel Hespanha, esta-se tratando de um grupo de pesquisadores que sob sua coordenação elaboraram dois importantes volumes sobre a restauração portuguesa: “História de Portugal: O Antigo Regime” e “A Restauração e a sua época”.
[37] NOGUEIRA DA SILVA, Ana Cristina. Op. Cit.
[38] Idem.
[39] Em texto intitulado “O debate acerca do ‘Estado Moderno’ “, Antonio Manuel Hespanha demonstra a impossibilidade de utilização do termo Estado Moderno para caracterizar o estatuto político do reino, até pelo mesmo o século XVIII. Para tanto, demonstra que o poder exercido pela coroa era limitado tanto pelos poderes locais ou regionais dos concelhos e nobres, pela debilidade do aparelho administrativo e, principalmente, pelo fato de que o poder estaria repartido entre diversas esferas da sociedade onde temos que, se o rei possuía prerrogativas como a cunhagem de moedas, “(...) o certo é que os restantes poderes também tinham atribuições de que o rei não dispunha (p.142)”. Dentre estes poderes, cita a igreja, as universidades, a nobreza, os tribunais e a família. HESPANHA, Antonio Manuel. O Debate Acerca do “Estado Moderno”. TENGARRINHA, José. A Historiografia Portuguesa, Hoje. São Paulo: Hucitec, 1999.
[40] Tal questão pode ser identificada também na obra de Vieira, no que se refere a sua postura em defesa aos cristãos novos e aos nativos americanos. No primeiro caso, o jesuíta propõe o fim das distinções entre cristãos novos e velhos, tendo em vista que ela dificultaria a integração dos cristãos-novos no reino. No segundo, entenderia a conversão do nativo como fundamental para a expansão do reino lusitano pois, quando convertidos, tornar-se-iam súdito do rei. Sobre a questão da conversão, ver: MAGALHÃES, Leandro Henrique. Olhares sobre a Colônia: Vieira e os Índios. Londrina: EDUEL, 1999. As fontes de Vieira por mim trabalhadas e que tratam deste tema são: Papel Forte; Proposta ...; Razões ...; Sermão da Epifania; Sermão da Primeira Dominga da Quaresma; Sermão do Espírito Santo.
[41] HESPANHA, Antonio Manuel. As faces de uma revolução. Op. Cit.
[42] Como exemplo, podemos citar as seguintes uniões: Carlos
V com D. Isabel, filha de D. Manuel, D. Manuel com D. Leonor, filha de Carlos
V, Filipe II com D. Maria, filha de D. João III e D. João com D. Joana,
irmã de Filipe II. HERMANN, Jacqueline. Op.
Cit.; MAGALHÃES Joaquim Romero de. No Alvorecer da Modernidade. Op. Cit.
[43] MAGALHÃES Joaquim Romero de. No Alvorecer da Modernidade. Op. Cit.
[44] HERMANN, Jacqueline. Op. Cit. p. 74.
[45] Dentre tais narrativas, Jacqueline Hermann destaca as seguintes: PEREIRA, Miguel. Crônica de El-rey don Sebastian. Lisboa, 1584; ROMAN, Antônio de San. Jornada y muerte del rey Don Sebastian de Portugal. Valladolid, 1603; CASTRO, D. João de. Discurso da vida do rey D. Sebastiam. Paris, 1603; CRUZ, Bernardes. Chronica de el-rei D. Sebastião, 1837; ALVARES, Eduardo. Memória acerca da batalha de Alcácer Quibir, 1892.
[46] MAGALHÃES, Joaquim Romero. D. Sebastião. In: MAGALHÃES Joaquim Romero de (Coord.). História de Portugal: No Alvorecer da Modernidade. Lisboa: Estampa, 1997, p. 456.
[47] Foi no mês de junho do mesmo ano que D. Sebastião foi aclamado rei pelas cortes.
[48] HERMANN, Jacqueline. Op. Cit. p. 78.
[49] MAGALHÃES, Joaquim Romero. D. Sebastião. Op. Cit. p.457.
[50] Domínio português no norte da África que fora cercada por mouros. A batalha duraria cerca de 65 dias, com vitória portuguesa e morte de mais de vinte e cinco mil mouros. HERMANN, Jacqueline. Op. Cit. p. 318..
[51] Segundo Jacqueline Hermann, tal batalha inflamara o desejo de conquista do Norte da África e influenciaria a política externa de D. Sebastião. HERMANN, Jacqueline. Op. Cit.
[52] MAGALHÃES, Joaquim Romero. D. Sebastião. Op. Cit. p. 458; MARQUES, A. H. de Oliveira. Breve História de Portugal. Op. Cit.
[53] HERMANN, Jacqueline. Op. Cit.
[54] Idem.
[55] Uma das causas de D. Sebastião ter dificuldades de acertar casamentos seria uma doença misteriosa, que o teria acometido quando tinha onze anos, pois havia a suspeita dela ser venérea. Nas palavras de Jacqueline Hermann: “A divulgação da insistente doença do rei, os murmúrios em torno do tipo de enfermidade que o acometera e o próprio desinteresse do rei pela matéria devem ter desestimulado as casas reais européias a conceder suas filhas para o enlace matrimonial, demonstrando, ainda, um certo desprestígio de Portugal no cenário internacional (p.83)”. Idem.
[56] Idem. p. 83.
[57] MAGALHÃES, Joaquim Romero. D. Sebastião. Op. Cit.
[58] HERMANN, Jacqueline. Op. Cit.
[59] Segundo Jacqueline Hermann tal empreitada fora mal explicada e mal documentada sendo que, quando analisada, é vista sempre em função da batalha de Álcacer Quibir. HERMANN, Jacqueline. Op. Cit. p. 103.
[60] MAGALHÃES, Joaquim Romero. D. Sebastião. Op. Cit. p. 458.
[61] D. Sebastião pede um auxílio de 15.000 homens, sendo que Filipe II prometera 5.000, enviando, no entanto, apenas 3.000.
[62] MAGALHÃES, Joaquim Romero. D. Sebastião. Op. Cit. p. 459.
[63] MAGALHÃES, Joaquim Romero. D. Sebastião. Op. Cit. p. 459; HERMANN, Jacqueline. Op. Cit. p.114..
[64] BETHENCOURT, Francisco. Op. Cit.
[65] Idem. p. 462.
[66] D. Henrique convocaria cortes por duas vezes: na primeira, para obter o cumprimento das sentenças dos juizes encarregados na causa sucessória, de abril a junho de 1579, e na segunda, para apreciar a possibilidade de Filipe II assumir o trono, em janeiro de 1580. Idem. p. 462.
[67] CUNHA, Mafalda Soares da. Op. Cit. p. 465.
[68] Idem. p. 467. MARQUES, A. H. de Oliveira. Do Renascimento às Revoluções Liberais. Op. Cit. p. Ver também genealogia em anexo.
[69] A questão sucessória será retomada no Quarto Capítulo, onde trato da legitimidade de D. João IV através da obra do Padre Antonio Vieira. Se faz necessário, no entanto, apresentar o modo como tal debate foi entendido no momento da crise dinástica, pois os argumentos e motivações seriam distintos daqueles produzidos em 1640 pois, com a restauração, apela-se para o discurso acerca da tirania e para as cortes de Lamego, documento forjado que se tornaria a base do direito sucessório português. Tais questões não se resolveram com a ascensão ao trono de Filipe II, e só por isso foi possível a retomada do debate quando da restauração portuguesa. CUNHA, Mafalda Soares da. Op. Cit.
[70] CUNHA, Mafalda Soares da. Op. Cit. p. 468.
[71] Idem.
[72] Idem.
[73] Em relação a tal afirmação, D. Catarina defender-se-ia alegando que o direito das representações dizia respeito não só ao direito, mas também as qualidades daquele a quem se representava, inclusive a varonia. Idem. p. 469.
[74] BETHENCOURT, Francisco. Op. Cit. p. 463.
[75] MAGALHÃES, Joaquim Romero. D. Antonio. MAGALHÃES Joaquim Romero de (Coord.). História de Portugal: No Alvorecer da Modernidade. Lisboa: Estampa, 1997. p. 472
[76] Segundo Oliveira Marques D. Antonio seria o legítimo herdeiro da coroa portuguesa, não levando em consideração aqui sua bastardia. MARQUES, A. H. de Oliveira. Breve História de Portugal. Op. Cit.
[77] Segundo Joaquim Romero de Magalhães, D. Antonio tornou-se sério candidato ao trono quando da sua aclamação em 19 de junho de 1580. Ainda segundo o autor, D. Antonio dificultara um possível acordo entre D. Catarina e Filipe II, que vinha sendo mediado por D. Henrique. MAGALHÃES, Joaquim Romero. D. Antonio. Op. Cit. p. 472
[78] MAGALHÃES, Joaquim Romero. Filipe II (I de Portugal). In: MAGALHÃES Joaquim Romero de (Coord.). História de Portugal: No Alvorecer da Modernidade. Lisboa: Estampa, 1997, p.477.
[79] MAGALHÃES, Joaquim Romero. D. Antonio. Op. Cit.
[80] Segundo Oliveira Marques, tais medidas garantiriam a manutenção de uma identidade portuguesa. Já Joaquim Romero Magalhães, apesar de entender que a independência política do reino não fora afetada, lembra a dificuldade de se distinguir o reino de seu soberano e que, na prática, Portugal deixara de contar no quadro político europeu. MARQUES, A. H. de Oliveira. Breve História de Portugal. Op. Cit. p. 289; MAGALHÃES, Joaquim Romero. Filipe II (I de Portugal). Op. Cit. p. 479; SERRÃO, Joaquim Veríssimo. Governo dos reis espanhóis. Op. Cit.
[81] MARQUES, A. H. de Oliveira. Breve História de Portugal. Op. Cit. p. 251.
[82] Segundo Pierre Chaunu, a Espanha revelara-se frágil para liderar uma defesa simultânea da cristandade e do catolicismo. CHAUNU, Pierre. Op. Cit. p. 62.
[83] Segundo Joaquim Veríssimo Serrão, a morte da esposa de Filipe II, D. Maria de Inglaterra, impedira a junção da coroa inglesa a Castela. SERRÃO, Joaquim Veríssimo. Governo dos reis espanhóis. Op. Cit. p. 35.
[84] MAGALHÃES, Joaquim Romero. D. Antonio. Op. Cit. p. 480.
[85] MAGALHÃES, Joaquim Romero. Filipe II (I de Portugal). Op. Cit.
[86] SERRÃO, Joaquim Veríssimo. Governo dos reis espanhóis. Op. Cit. p. 47; MARQUES, A. H. de Oliveira. Breve História de Portugal. Op. Cit. p. 297.
[87] Segundo Joaquim Romero Magalhães, o governo com auxílio de favoritos fora uma marca dos monarcas portugueses com D. João II, D. Manuel e D. João III. O abandono de tal prática, segundo o autor, por D. Sebastião lhe teria sido fatal, pois não houvera quem o aconselhasse de modo eficaz a não realizar a ofensiva contra os mouros naquele momento. O favoritismo seria retomado no governo de Filipe III (II de Portugal), quando este entrega o governo para o duque de Lerma. Segundo o autor, na prática ocorria que, enquanto Filipe III reinava, o duque de Lerma mandava. Segundo Diogo Ramada Curto, a figura do valido não deve ser entendida como algo possível devido a existência de reis fracos ou incompetentes pois, segundo o autor, tal personagem, juntamente com os conselhos, seria fundamental para se evitar um absolutismo. O autor, ao tratar do duque de Lerma, o vê como um personagem preocupado com o reino, e que por isso não buscou a centralização das decisões, configurando-se como um restituidor do conselho na corte de Madrid. Neste caso, temos que o reinado de Filipe III pode ser entendido como um período de coexistência do valimento e do conselho. CURTO, Diogo Ramada. Filipe III (II de Portugal). In: p. 481. Explicar o que seria um Valido. MAGALHÃES, Joaquim Romero. As Estruturas Políticas de Unificação. In: MAGALHÃES, Joaquim Romero. História de Portugal: No Alvorecer da Modernidade. Lisboa: Estampa, 1997, p. 67.
[88] Segundo Oliveira Marques, o governo através de conselhos se configuraria como uma marca do século XVII, onde pequenos grupos recrutados junto a burocracia, o clero e a nobreza tinham a missão de auxiliar o monarca no governo. Tais conselhos, de acordo com o autor, limitariam o poder real, principalmente após a restauração portuguesa. MARQUES, A. H. de Oliveira. Breve História de Portugal. Op. Cit. p. 260.
[89] SERRÃO, Joaquim Veríssimo. Governo dos reis espanhóis. Op. Cit.
[90] Idem. p. 58.
[91] Tal questão deve ser entendida em um contexto europeu, onde a paz entre Castela e Inglaterra assinada em 18 de agosto de 1604 possibilitou que Castela se dedicasse exclusivamente contra uma ameaça tanto religiosa como comercial, ou seja, os Países Baixos. SERRÃO, Joaquim Veríssimo. Governo dos reis espanhóis. Op. Cit. p. 65.
[92] Idem.
[93] MARQUES, A. H. de Oliveira. Breve História de Portugal. Op. Cit. p. 297.
[94] CARDIM, Pedro. D. Filpe III (de Portugal). In: HESPANHA, Antonio Manuel (Coord.). História de Portugal: O Antigo Regime. Lisboa: Estampa, 1998.
[95] CARDIM, Pedro. D. Filpe III (de Portugal). Op. Cit. p. 402-403; SERRÃO, Joaquim Veríssimo. Governo dos reis espanhóis. Op. Cit.
[96] SERRÃO, Joaquim Veríssimo. Governo dos reis espanhóis. Op. Cit. p. 125.
[97] SERRÃO, Joaquim Veríssimo. Governo dos reis espanhóis. Op. Cit. p. 93-108.
[98] Sobre o assunto, ver: CABRAL DE MELLO, Evaldo. O negócio do Brasil: Portugal, os Países Baixos
e o Nordeste (1641-1669). 2a. ed. Rio de Janeiro: Topbooks,
1998.
[99] Um arrátel equivale a cerca de 459 gramas, e uma canada a 1 litro e 4 decilitros.
[100] SERRÃO, Joaquim Veríssimo. Governo dos reis espanhóis. Op. Cit. p. 126. MARQUES, A. H. de Oliveira. Breve História de Portugal. Op. Cit. p. 298.
[101] SERRÃO, Joaquim Veríssimo. Governo dos reis espanhóis. Op. Cit. p. 136;
[102] CHAUNU, Pierre. Op. Cit. p. 96.
[103] SERRÃO, Joaquim Veríssimo. Governo dos reis espanhóis. Op. Cit.
[104] CARDIM, Pedro. D. Filpe III (de Portugal). Op. Cit.
[105] SERRÃO, Joaquim Veríssimo. A Restauração e a Monarquia Absoluta. Op. Cit. p. 22.