CAPÍTULO QUARTO

PADRE ANTONIO VIEIRA E A LEGITIMIDADE DA RESTAURAÇÃO PORTUGUESA

 

“Os discursos de quem não viu são discursos. Os discursos de quem viu são profecias”.

Padre Antonio Vieira

Sermão da Terceira Dominga do Advento

 

Como apresentado anteriormente, entendemos o discurso como produzido no interior de instituições, onde sua força estaria no grupo que representa[1]. O lugar social ocupado tanto por quem produz como por quem interpreta lhe atribuiria sentido e legitimidade[2]. Desta forma, faz-se necessário identificar tanto o enunciador como o enunciatário, tendo em vista que a pessoa alvo do discurso deve reconhecê-lo na pessoa que o exerce[3]. Assim, antes de apresentarmos o discurso legitimador do Padre Antonio Vieira, procuraremos identificar o lugar de onde fala e qual seria a instituição que lhe daria sustentação.

Vieira estaria vinculado tanto à igreja, entendida aqui como a instância máximo do catolicismo, como à Companhia de Jesus e à corte. Seu discurso, no entanto, adquiria contornos específicos de acordo com o lugar de onde falaria. A questão seria: qual destas instituições daria legitimidade ao discurso de Vieira acerca da restauração portuguesa? Como visto acima, o messianismo desenvolvera-se marginalmente a igreja institucional, sendo várias vezes condenada pela mesma, a começar por Santo Agostinho[4]. Não poderia assim aceitar abertamente as proposições de Vieira, apesar da tolerância apresentada em relação a elas, possibilitando inclusive a ida de um embaixador lusitano a Roma, que se utilizaria dos mesmos argumentos para convencer o papa de que a subida ao trono de D. João IV era legitima[5].

Além disso, há o fato do jesuíta ter sido perseguido pela inquisição, sendo acusado de heresia e judaísmo, chegando a ser condenado pelo Tribunal do Santo Ofício[6]. Assim, a igreja não poderia dar sustentação ao seu discurso, apesar do prestígio que o mesmo adquirira em seu interior. Um exemplo deste prestígio seria o modo como fora recebido em Roma, conseguindo o apoio do papado para que se realizasse a transferência de sua jurisdição inquisitorial para o tribunal romano.

No caso da Companhia de Jesus, a questão torna-se mais complexa, pois apesar da postura oposicionista dos jesuítas lusitanos em relação ao governo espanhol o instituto, devido ao seu caráter internacional, não poderia se definir claramente diante tal situação. Além disso, há o fato da companhia não aceitar o modo como Vieira trataria das questões temporais, relegando as espirituais, tão cara aos inacianos, a segundo plano. Tal fato seria um dos motivos que levaria ao desentendimento com o jesuíta, onde este se vira obrigado a partir para o Maranhão, não sendo expulso do instituto graças a intervenção real. Não seriam assim os jesuítas que dariam sustentação ao seu discurso.

Resta-nos assim a nobreza como aquela que daria legitimidade a Vieira, instituindo-o para falar em seu nome[7]. Apesar do desejo comum em garantir a soberania lusitana, esta nobreza não era uniforme, o que possibilitou rupturas no seio da mesma. Como demonstrado por Pedro Cardim, o grupo de nobres que conquistara o poder em 01 de dezembro de 1640 era formado por um diversidade de sensibilidades e clãs, o que levaria a rompimentos e desentendimentos entre os mesmos. O resultado seria uma legitimidade precária do movimento, situação agravada pelo apoio incerto de largas faixas da população[8]. Destacava-se assim duas questões a serem resolvidas: por um lado, gerir as diversas sensibilidades aristocráticas do reino, e por outro, fazer frente a ofensiva castelhana, sendo que, nos dois casos, seria necessário garantir a legitimidade da nova dinastia.

O Padre Antonio Vieira, confessor e conselheiro do rei, possuía grande prestígio pessoal, o que lhe possibilitou formular um discurso que atendesse a esta necessidade imediata. No entanto, devido a intensificação das rupturas na corte, o jesuíta passaria a atacar aqueles que, para ele, colocaria em perigo a estabilidade do reino.

Duas questões podem exemplificar as divergências do grupo representado por Vieira com seus adversários. Um dos grandes problemas enfrentados pela nova dinastia seria a falta de recursos, devido principalmente aos gastos com a guerra contra Castela[9]. O único meio de garantir a restauração seria a estabilidade financeira, o que só seria possível de ser alcançada, segundo Vieira, através do comércio, que deveria servir de elemento estimulante e unificador das atividades econômicas do reino[10] sendo que, para Vieira, a restauração política dependeria da restauração do comércio. Outros, no entanto, entendiam que o meio privilegiado para uma reestruturação econômica lusitana seria o desenvolvimento industrial. Como representante desta linha de pensamento podemos citar Duarte Ribeiro de Macedo[11], configurando-se como antagonista daqueles que viam no comércio a saída para os problemas portugueses, como é o caso do Padre Antonio Vieira.

Outro caso a ser destacado seria a questão da entrega de Pernambuco, momento em que Vieira redigiria seu papel forte[12]. Neste documento, o jesuíta estaria respondendo a pareceres dos conselhos de guerra, da fazenda e ultramarino[13] que não aceitavam a idéia de negociar um acordo de paz com os Países Baixos em troca da cessão de Pernambuco. Tal negativa colocaria em risco as negociações diplomáticas que estariam em andamento em Haia, liderada por Francisco de Souza Coutinho.

Vieira alinhava-se a um grupo de nobres que entendiam que Portugal não poderia fazer frente aos seus inimigos, destacadamente Castela e os Países Baixos, defendendo uma política de paz a qualquer custo, buscando soluções diplomáticas para os problemas do reino. O grupo adversário de Vieira, apelidado pelo mesmo de valentões, era formado, em sua maioria, por nobres militares, que devido a situação de guerra que o reino atravessava, aliado aos fracasso da diplomacia lusitana[14], acabou por angariar prestigio cada vez maior na corte, chegando a assumir definitivamente o poder com a subida ao trono de D. Afonso VI, após a morte de D. João IV, o que levaria o grupo adversário ao desterramento e a marginalidade política[15].

Vieira pertencia assim ao grupo que iniciara a década de 1640 ao lado do rei, mas que pouco a pouco fora perdendo prestígio junto ao mesmo, dando lugar aos nobres militares, que assegurariam de fato a soberania lusitana. Seu discurso adquire assim dois contornos: o primeiro referente a necessidade de legitimar a dinastia de Bragança e garantir sua permanência no trono e a segunda a de oposição aos militares da corte. Sua preocupação central seria, no entanto, com a conservação do reino, sendo este o eixo de seu discurso, defendendo a legitimidade da dinastia e procurando conquistar o apoio daqueles que ainda duvidavam do sucesso da restauração portuguesa, tanto dentro como fora dos domínios lusitanos.

 

 

 

4.1 - Portugal e a Restauração

 

                        A instabilidade de D. João IV no trono português deve ser entendida como uma marca da restauração portuguesa, tendo em vista que o movimento não ocorreu de modo uniforme e não teve total apoio da população. Desta forma, havia a necessidade de que o rei recém entronado conquistasse a fidelidade de seus súditos. A questão principal era em relação à legitimidade da revolta de 1640, tanto para os portugueses como para com as demais cortes européias, pois o Duque de Bragança fora considerado rebelde e os portugueses traidores por D. Filipe IV[16]. Neste contexto, ganham grande expressão os diplomatas portugueses que tinham como objetivo garantir um espaço para o reino dentro das relações internacionais. Segundo João Paulo Costa, estes buscavam primeiramente reestruturar o Império Português, para então o adaptar às novas relações com as potências européias emergentes. Constituíam-se em um grupo de profissionais que possuíam uma certa autonomia, defendo idéias que muitas vezes não concordavam com as de seus governantes. Não propunham, no entanto, soluções isoladas, preocupando-se com o espaço português como um todo[17]. Entretanto, apesar de todo o esforço do reino, a Espanha não aceitara a separação de Portugal, mantendo ativos órgãos que regulamentavam a política portuguesa[18], além de garantir o apoio de grande parte da nobreza lusitana, que permanecera na Corte de Madri após a proclamação de D. João IV[19].

Uma das dificuldades da nova dinastia para se estabelecer definitivamente era o grande número de grupos que compunham a sociedade lusitana no período, e as diferentes maneiras de se comportarem frente à recém entronada monarquia, além do fato de existirem interesses diversos e contraditórios no que diz respeito à restauração portuguesa[20].

Desta forma, segundo Eduardo D’ Oliveira França[21], o “povo”, de modo geral, seria mais anti espanhol que a fidalguia, tendo em vista que a nobreza portuguesa tinha, em sua maioria, relações com o monarca, o que gerava desconfianças dos populares em relação a ela[22]. Além disso, a crise no fornecimento de trigo e o excesso fiscal provocado pelos crescentes conflitos espanhóis, devido sobretudo à Guerra dos Trinta Anos[23], gerara um sentimento de rebeldia entre a população. Já a burguesia, que nunca fora poderosa, devido sobretudo ao pequeno desenvolvimento urbano e ao status de Estado comerciante que possuía Portugal[24], tendera a aderir, porém à distância e sem ter grandes participações, a restauração portuguesa, à medida que seus lucros com a União Ibérica iriam se tornando cada vez mais escassos, principalmente após a diminuição da produção de prata americana, o que dificultaria o comércio com as Índias Orientais, principal fonte de lucro para os comerciantes portugueses da época[25]. Já os Cristãos Novos, que se configuravam como grandes mercadores portugueses, de início não demonstraram interesse pela restauração, devido tanto às perseguições inquisitoriais quanto ao medo do confisco de seus bens, gerando uma grande transferência de capitais para outros reinos europeus, principalmente os Países Baixos[26]. Após a subida ao trono de D. João IV, no entanto, tornam-se um dos grandes financiadores do rei, mantendo a esperança de proteção de seus bens frente ao Santo Ofício[27].

O protótipo do homem que possibilitou a restauração seria, segundo Eduardo D’ Oliveira França[28], o fidalgo português que, junto com a independência teria perdido sua vida cortesã. Como demonstra este autor, um dos grandes motivos que levara a fidalguia a se rebelar não seria a submissão ao rei espanhol, mas sim o fato de os portugueses ficarem sem corte, restringidos à uma nobreza provinciana. Com a restauração, os destinos da monarquia passam a estar nas mãos dos nobres, que se afirmariam como uma elite nobiliárquica central, e não periférica[29].

 

 

 

“A um nível simbólico, mas também prático, a ‘nova corte’ de Lisboa concorreu, portanto, para seduzir elementos  dos diversos quadrantes sociais, e ajudou a torná-los solidários com a nova ordem política (p.405)[30].”

 

Seriam mais contrários a Corte Espanhola que ao rei, embora tenha havido uma certa hesitação por parte da nobreza que ocupava cargos e ofícios na corte de Madri ou estava a serviço do rei da Espanha em diversas cortes européias, sendo que cerca da metade da nobiliarquia lusitana estava ausente de Portugal[31]. Podemos considerar então o movimento de dezembro de 1640 como uma conspiração de um grupo de aristocratas que atacam o palácio real de Lisboa e prendem a duquesa de Mântua, sem apoio imediato nem do povo nem da burguesia lisboeta. Faz-se necessário, assim, elaborar um discurso que garanta o apoio dos demais portugueses à restauração portuguesa, garantindo a estabilidade da recém entronada dinastia de Bragança. Para tanto, parte-se do conceito de tirania[32] buscando demonstrar que o Duque de Bragança não seria um usurpador do poder, mas sim rei de direito[33].

O conceito de tirania aqui utilizado é apresentado por Antonio Manuel Hespanha, “entendido como a violação da justiça e dos privilégios estabelecidos (p.31)”[34]. Devemos ter em mente que neste momento, em Portugal, predominava o pensamento social e político medieval, que considerava toda a sociedade como possuidora de um objetivo final único, sendo que cada parte colaboraria para este fim. Era impensável a existência de um poder absoluto, considerando-se como função da coroa manter a autonomia e a unidade do corpo social, ou seja, a harmonia entre as partes[35]. Ao monarca cabia fazer cumprir a justiça e, caso não respeitasse a autonomia e a unidade dos membros, seria tido como tirano. Desta forma seria possível que o reino depusesse o rei, caso este ameaçasse a conservação e a defesa natural do mesmo[36]. O movimento de 1640 seria caracterizado como uma revolta contra o usurpador do poder, e não contra as instituições régias, que, na sua essência, não se alteram após a subida de D. João IV ao trono português. Para Eduardo D’ Oliveira França, tal característica definiria a restauração como uma revolta de caráter conservadora, e não como uma “revolução”[37].

                        Filipe II da Espanha (I de Portugal), ao assumir o trono Português em 1580, estaria baseando-se nas regras sucessórias tradicionais, segundo os quais teria direito ao trono, pois casara com D. Maria, filha de D. João III, avô de D. Sebastião. No entanto, ao invadir Lisboa e tomar o trono à força, teria, em tese, perdido tal direito[38]. Este argumento, no entanto, só é retomado no momento em que a política proposta pelo Conde-Duque de Olivares, D. Gaspar de Guzmán, valido de D. Filipe IV (Filipe III de Portugal)[39], afeta a autonomia do reino e seus privilégios, ferindo o estatuto de Tomar[40], o que é agravado pelo fato de que, apesar de Portugal ser considerado vice–reino, havia uma distância muito grande entre o rei, residente em Madri e seus súditos, o que o tornava inacessível para grande parte da nobreza lusitana, caracterizando-o não só como tirano, mas também como injusto[41]. É compreensível assim que, ao estabelecer uma nova corte em Portugal, houvesse um deslocamento da nobreza para Lisboa, dando um novo impulso à nobreza cortesã lusitana em detrimento dos senhorios, que chegariam a ser abandonados por seus senhores[42].

                        A deposição de Filipe IV, identificado como tirano por ser descendente de um rei usurpador e injusto, leva à um outro problema de legitimação, a aceitação do Duque de Bragança, D. João IV, como o novo rei de Portugal e fundador de uma nova dinastia. Como nos lembra Antonio Manuel Hespanha[43], Portugal era um reino onde o direito tinha grande importância, e toda a sua organização era fundamentada em normas jurídicas. Assim, é a partir daí que devemos buscar os indícios que permitam entendermos a legitimação dos Bragança como reis de Portugal. É importante realçar aqui que, no século XVII, o direito português confunde-se com a tradição, a moral e a religião[44], sendo necessária uma atenção especial a estes elementos, evitando assim simplificações dos discursos que tratam do tema.

                        Um dos grandes teóricos que buscou elaborar um discurso legitimador para a nova dinastia foi o Padre Antonio Vieira, confessor e conselheiro do rei, autor de grande expressão que possuía uma proximidade tanto com a nobreza lisboeta como com o “povo”, graças ao alcance dos seus sermões[45]. Para tanto, parte de um discurso apologético, reconhecendo no povo português o escolhido por Deus para estabelecer seus desígnios na terra. Entende assim a história de Portugal como uma história hagiográfica[46], comparada com a dos judeus.

 

“onde cada página Deus assinalava de modo teatral a sua intervenção e punha de manifesto os seus desígnios (p. XIII)”[47].

 

Esta seria uma concepção típica do século XVII, onde podemos encontrar discursos jurídicos associado a uma dimensão providencial[48], e o direito divino incorporado ao secular, tendo em vista que este se aplicaria a partir daquele, limitando sua atuação e dificultando a distinção entre delito e pecado[49]. Desta forma, é coerente a utilização, ao mesmo tempo, de argumentos jurídicos e teológicos na busca da legitimação da dinastia bragantina[50], sendo este um expediente recorrente nos escritos de Vieira. Assim, o jesuíta utiliza-se de argumentos teológicos, partindo das trovas de Bandarra e da lenda de Ourique para demonstrar que Portugal seria um reino escolhido por Deus, e que D. João IV seria o “princeps cristianus”[51] que levaria sua palavra a todos os povos do mundo[52], e de regras de sucessão de caráter tanto tradicionais como divinas. Este sentimento não era exclusividade de Vieira, tendo uma importância que podemos considerar como coletiva para os portugueses. Segundo Hernâni Cidade:

 

“Vieira não fazia mais, nestas congeminações, do que emprestar, com o calor do seu temperamento ardente, a nítida claridade de seu espírito ao vago sonho a que continuava presa a alma da grei. Patenteia-o esta mesma curiosidade pelos seus escritos proféticos. (...) Interpretavam-se prodígios e prognósticos que se multiplicavam em termos que tornavam o milagre e o maravilhoso comum e quotidiana a forma de intervenção dos poderes transcendentes nas misérias humanas (p. XX/XXI)[53].

 

Ou seja, outros pensadores da época proclamaram D. João IV como o novo rei que devolveria à Portugal sua missão universal[54]. Podemos citar como exemplo o conselheiro do rei, João de Castro, o diplomata João Pinto Ribeiro[55] e os jesuítas Padre João de Vasconcelos e Padre Francisco Guedes[56], Padre André Fernandes[57] e Bocarro Rosalco[58]. Estes autores entendiam a independência lusitana como inevitável e proclamada por Deus, e o Padre Antonio Vieira vai basear-se neste discurso para tratar da legitimidade de D. João IV. Tal discurso estaria, no entanto, vinculado a um projeto evangelizador amplo pois, para o jesuíta, a idéia de reino teria uma dupla valência, como pátria e como área religiosa, sendo a primeira delimitação da segunda[59] e, desta forma, uma expansão lusitana levaria necessariamente a uma expansão da fé[60], sendo que a própria expansão seria sacralizada[61]. Se utiliza assim de elementos proféticos para identificar em Portugal o povo escolhido por Deus.

 

4.2 - Portugal: o Povo de Deus

 

O discurso apologético foi constantemente utilizado por Vieira como meio de legitimar a nova dinastia, entendendo-a como sagrada e escolhida por Deus, obtendo assim uma tríplice missão: para com Deus, para com a pátria e para com o rei[62]. Seu profetismo, que projetava para o futuro grande parte das glórias prometidas por Deus a Portugal, abandona o fatalismo presente no período da União Ibérica, identificando as profecias com a crença no encoberto e no Quinto Império[63]. Desta forma, a história de Portugal deveria ser entendida, como apresentado acima, como história sagrada, e o reino lusitano como escolhido por Deus para ser seu reino na terra[64].

Desde sua fundação, quando Deus revelara ao rei D. Afonso Henriques os desígnios divinos do reino, as profecias em relação à Portugal não cessariam de serem proclamadas, tendo em vista que o reino, por ter sido fundado por Deus, teria uma finalidade religiosa: expandir o cristianismo e levar a verdadeira fé cristã para todos os povos[65], sendo a pátria entendida como delimitação da cristandade[66].

Vieira utiliza-se de tal discurso, ou seja, das promessas que Deus haveria feito à D. Afonso Henriques em Ourique, a respeito do futuro de Portugal, para identificá-las como sendo as primeiras profecias acerca da ascensão de D. João IV ao trono Português, entendido aqui como uma intervenção divina, adquirindo um caráter sagrado por ter sido diretamente ungido por Deus. Segundo Jacqueline Hermann, este seria um dos motivos para os quais os reis portugueses não eram ungidos no momento da cerimônia de aclamação, pois tal teria sido realizado por Deus na fundação de Portugal, em relação ao primeiro rei, D. Afonso Henriques[67]. Nas palavras de Vieira:

 

“Vede quão santo foi o óleo com que Deus ungiu a El rei D. João. Declarou El rei em seu testamento, que por escrúpulo aceitara a coroa muito contra o seu natural: e assim era; porque a nenhuma coisa tinha maior repugnância a inclinação natural de El rei D. João, que a ser rei (p.318)[68].”

 

De acordo com Vieira, as profecias teriam sido anunciadas com antecedência  para que os portugueses tivessem consciência de que os acontecimentos eram obra divina, e não dos homens. Assim, da mesma maneira que Deus revelara a Afonso Henriques que ele seria rei e Portugal reino, assim o fizera com o Duque de Bragança,

 

“(...) para que conhecesse e não pudesse negar Portugal que devia a Deus a vitória e a coroa, e que era todo seu desde seu nascimento (p.73)”[69].

 

Todas as profecias seriam direcionadas a D. João IV, para que o povo português não tivesse dúvidas acerca de seus desígnios. Os profetas indicados por Vieira, neste caso, seriam: São Bernardo, Santo Ermitão de Ourique e, o mais ilustre de todos eles, Bandarra.

 

“Lia-se na carta e tradição de São Bernardo que, quando Deus alguma hora permitisse que o Reino viesse a mãos e poder de príncipe estranho, não seria por espaço mais de sessenta anos. Lia-se, no juramento de El-rei D. Afonso Henriques e na promessa do Santo Ermitão, que, na décima Sexta geração atenuada, poria Deus os olhos de sua misericórdia. Lia-se nas celebradas trovas de Bandarra, que o tempo desejado havia de chegar, e as esperanças dele se haviam de cumprir no ano sinalado de quarenta; e no concurso de todas estas profecias se consolava e animava Portugal a ir vivendo ou durando, até ver o cumprimento delas (p.85)[70]”.

 

Podemos verificar que todas as profecias aqui indicadas se referiam, na interpretação de Vieira, a D. João IV e à restauração portuguesa. A primeira delas nos indica o período em que Portugal estaria cativo de Castela, ou seja, submetido ao poder de príncipe estranho: sessenta anos; a segunda afirma que após dezesseis gerações de reis portugueses, ela se atenuaria, e Deus então poria os olhos sobre Portugal e lhe daria um novo monarca. Se iniciarmos a contagem dos monarcas portugueses uma gerações após D. Afonso Henriques, teremos: 1ª D. Sancho I; 2ª D. Afonso II; 3ª D. Sancho II; 4ª D. Afonso III; 5ª Dom Dinis; 6ª D. Afonso IV; 7ª D. Pedro; 8ª D. Fernando; 9ª D. João I; 10ª D. Duarte; 11ª D. Afonso V; 12ª D. João II; 13ª D. Manuel I; 14ª D. João III; 15ª D. Sebastião; 16ª D. Henrique. D. Henrique, assim como D. Sebastião, morrera sem deixar herdeiros, tendo aí encerrado a dinastia. Porém, como fora prometido por Deus, Portugal a restabeleceria, quando indicado por Bandarra, ou seja, no ano sinalado de quarenta. Vieira garante desta forma uma continuidade entre a Dinastia de Bragança com a Dinastia precedente, por um vínculo divino, ultrapassando o sangüíneo e configurando-se como um discurso legitimador que elaboraria um aspecto considerado legal para os portugueses da época.

 

 

“Neste último rei se atenuou a descendência, porque, ainda que não quebrou de todo, ficou por um fio, e fio tão delgado e atenuado como era a única casa de Bragança, descendente do infante D. Duarte, irmão menor de D. Henrique. Mas neste fio único e tão delgado se veio a verificar que, depois da descendência de El-rei Dom Afonso Henriques, atenuada no décimo sexto rei, tornaria Deus a por seus olhos nela, porque nela se restituiu a coroa que Cristo então lhe dava, sendo restituída (como foi) ao Duque Dom João, o segundo de Bragança, rei D. João, o quarto de Portugal e décimo sétimo dos reis portugueses, descendente do primeiro Afonso (p.121)[71].”

 

A restauração portuguesa deveria ser então entendida como obra divina, assim como sua conservação e expansão. No entanto, um fator, e somente um, poderia atrasar as promessas que Deus fizera a Portugal: a incredulidade. Para os portugueses, pior que esta, seria a ingratidão[72]. A incredulidade, neste caso, deve ser entendida não só em relação às profecias a serem realizadas, mas também às que já haviam sido efetivadas, como era o fato da restauração portuguesa. Desta forma, estaria vinculando a legitimidade de D. João IV à fé nas obras divinas e, partindo de tais reflexões, quem não acreditasse no sucesso da empresa liderada pelo Duque de Bragança seria considerado infiel. É importante ressaltar aqui que, em Portugal do século XVII, a identidade católica estaria intimamente vinculada a do português, e em muitos casos a primeira chegava a suplantar a segunda, tendo em vista que Portugal era tido como um reino cristão e, desta forma, havia a necessidade do rei também ser católico[73]. Assim, quem não confiasse na vitória de Portugal sobre a Espanha, estaria duvidando dos desígnios que Deus teria guardado para Portugal, estando excluído da “Respublica Christiana”, o que significa, na prática, estar fora dos centros de poder do reino. O súdito do rei confunde-se com o cristão, sendo que um bom cristão não duvidaria das promessas de Deus para com Portugal. É a partir daí que Vieira busca explicar o fato de que nem Castela, nem as demais cortes européias, reconheceram a liberdade de Portugal, pois não eram súditos do rei, e desta forma, não poderiam o identificar como seu salvador.

Para demonstrar que Portugal seria o reino escolhido por Deus para difundir sua fé para todo mundo, Vieira utiliza-se de um discurso que, apesar de aceito pela maioria de seus ouvintes, possibilitou que fosse perseguido e preso pela Inquisição[74], ou seja, de que Portugal seria herdeiro de Israel como povo difusor do cristianismo. Segundo Antonio José Saraiva, tal crença teria sua origem nos escritos de Bandarra, onde se afirmava que o rei salvador teria sua origem no sangue de Davi e na casa real portuguesa, o que levou muitos a acreditarem que o duque de Bragança tinha seu sangue misturado com o da tribo de Judá[75]. Desta forma, a transmigração de judeus para Portugal teria um caráter providencial, sendo expulsos de Castela para que se unissem judeus e portugueses cristãos em uma única missão[76]. Antonio José Saraiva, ao falar das relações do jesuíta com judeus neerlandeses, destacadamente Menasseh Bem Israel, chama a atenção para o fato de que se poderia estar discutindo uma forma legal de aproximarem-se as duas religiões dentro do território português[77]. É a partir daí que devemos entender a atuação constante de Vieira a favor dos judeus e cristãos novos lusitanos, além de seus conflitos com a Inquisição.

Se Portugal seria herdeira de Israel, as profecias bíblicas deveriam ser destinadas também aos portugueses. Segundo Vieira, muitas destas profecias não teriam sido interpretadas corretamente até o momento, devido ao fato de que antes não havia os elementos necessários para que isto acontecesse, sem as quais seria impossível identificar com precisão de quem e para quem se falava. Além disso, devia-se levar em consideração o fato de que os doutores da igreja, até então, não estavam preocupados em desvendar tais promessas, mas sim em entender os mistérios de Cristo, provando sua reencarnação[78].

Vieira procura demonstrar, por exemplo, que a expansão ultramarina havia sido profetizada por Salomão em seus cânticos, sendo que as missões portuguesas poderiam ser identificadas como o paraíso em que se colheria frutos de frutos, ou seja, frutos espirituais dos frutos temporais[79]. Davi também teria identificado os portugueses como o povo que levaria a fé católica para o além-mar pois, segundo o profeta, em seus Salmos, tinha dito Deus que primeiro sua fé chegaria às terras mais ocidentais, ou seja, Portugal, para depois passarem para o Oriente:

 

 

 

“De maneira que os homens de quem aqui fala David, são aqueles que estão nos dois últimos fins e extremos da Terra, onde nasce o dia e onde nasce a noite: uns nos fins do Oriente, que são os das Índias Orientais; e outros nos fins do Ocidente, que são as Índias Ocidentais (p.204)[80].”

 

Já Isaías teria profetizado acerca da conversão dos gentios e da morte de muitos nativos americanos sem batismo. Isaías teria previsto ainda as obras do infante D. Henrique, que dera início aos descobrimentos portugueses. O profeta teria ido ainda mais longe, ao destacar o Maranhão, ou seja, “das gentes de quem o rio rouba a terra[81]”, “dos navegantes que se utilizavam de embarcações com sinos e asas[82]” que teriam como destino esperar e esperar, pois foram os últimos, na América portuguesa, a serem cristianizados[83].

O elemento, no entanto, que mais aproximaria a história de Portugal com a história de Israel seria o cativeiro, tantas vezes sofrido pelos judeus, que nasceram cativos no Egito e passaram cativos pelos assírios, pela Babilônia e pelos romanos[84], e também sofrido pelos portugueses, que, estiveram quase todo submetido ao poder de Castela, e fora defendida pelo mestre de Avis D. João I, e que retornara ao cativeiro castelhano, em 1580, pelo tempo determinado de sessenta anos[85]. Portanto, da mesma forma que Deus mandara profecias para aliviar o cativeiro dos judeus, assim o fez com os portugueses, dando-lhes além de esperanças, a data de sua libertação, anunciada por Bandarra:

 

“Já o tempo desejado

É chegado

Segundo o firmal assenta;

Já se chegam os quarenta,

Que se ementa

Por um doutor já passado

O rei novo é levantado

Já dá brado,

Já assoma sua bandeira

Contra a grifa parideira[86],

Lagomeira,

Que tais pastos tem gostado (p.06)[87]”.

 

Ao fazer tais afirmações, Vieira estaria defendendo a superioridade de Portugal em relação à Espanha, pois o povo português estaria protegido por Deus. Ou seja, assim como Davi venceu Golias, Portugal também iria vencer a Espanha, pois Deus daria a vitória a quem desejasse, não a depositando no tamanho da empresa ou no número de soldados.

 

“E como Deus, e não o número de soldados, é o que dá as vitórias, bem pode Portugal, posto que menor, fiado no braço de Deus, sair a campo, não só com parte do poder contrário, senão com todo (p.340)[88].”

 

Vieira alerta, no entanto, para a necessidade do rei eleito por Deus para liderar seu reino possuir o apoio, e não a dúvida de seu povo[89]. Estava assim buscando garantir o apoio da nobreza lusitana, tendo em vista que muitos não acreditavam no sucesso da empresa portuguesa, e passara para o lado espanhol. Para tanto, alerta para os castigos divinos que estariam guardados para aqueles que duvidassem da palavra de Deus.

 

“A nobreza, em que tem maiores poderes o receio ou a esperança, como mais escrava da fortuna, não foi toda constante. Alguns grandes houve entre os grandes, uns que se passaram ao serviço de El-rei Dom Filipe, outros que, com maior ousadia, o quiseram servir em Portugal; a uns e outros castigou o mesmo braço da providência: a estes com a vida, àqueles com o desterro. Até agora não tiveram outro prêmio, nem mereciam outro, porque Castela nem pôde ressuscitar os primeiros, nem quis pagar os segundos (p.106)[90].”

 

Desta forma, ao demonstrar que Portugal era herdeira de Israel como povo de Deus, D. João IV seria o rei escolhido para executar seus desígnios, sendo crime contra fé não acreditar na vitória de Portugal contra a Espanha, ou seja, não aceitar a oposição do Duque de Bragança ao monarca espanhol. A história sagrada de Portugal servira como um discurso legitimador da nova dinastia, pois tais circunstâncias foram profetizadas, e como as profecias tinham um caráter divino, certamente deixariam de ser profecias para tornar realidade.

 

4.3 - Portugal como Império Universal: o Quinto Império

 

O discurso apologético do Padre Antonio Vieira teria seu auge na configuração de Portugal como sendo o Quinto Império do Mundo, um Império Universal Cristão que uniria todos os povos em torno do rei lusitano[91], garantindo assim mil anos de felicidades antes do Juízo Final[92]. Tal espera seria, para Hernani Cidade[93], mais católico que nacional, adquirindo porém grande importância na configuração política de Portugal do século XVII, pois teria uma manifestação na história objetiva, cronológica e institucional, devendo seguir um regime de poder político - religioso[94]. Tais interpretações proféticas da Bíblia seriam baseados, em um primeiro momento, em três grupos de imagens bíblicas: o sonho de Nabucodonosor com uma estátua de quatro metais (Daniel 2, 27 - 45)[95]; no sonho de Daniel[96] a respeito do conflito das quatro bestas no mar (Daniel 7, 1 - 27) e na visão do profeta Zacarias[97], que vira quatro carroças de cavalos de cores distintas (Zacarias 6, 1 - 15)[98].

Antes de apresentarmos o modo com Vieira interpretou tais profecias, faz-se necessário conhecer quais seriam os Impérios que antecederam o Quinto e último. Segundo Vieira, estes, ao contrário de Portugal, nunca foram mundiais, pois seus habitantes não conheciam o mundo em sua totalidade, apresentando-se assim maiores na voz que na grandeza[99]. Tais Impérios seriam o dos Assírios, que ocupara parte da Ásia e da África e que durara cerca de 1.300 anos, tendo ao longo de sua história 37 imperadores; os Persas, que se estendia da Índia à Etiópia, durando cerca de 230 anos, com 14 imperadores; os Gregos, que duraram apenas oito anos e se dividiu em três reinos, o da Ásia, o da Macedônia e o do Egito; e os Romanos, que ao Oriente tinham como limite o Rio Tigre, ao Ocidente o Mar de Cádis, ao Meio Dia o Rio Nilo, e ao Setentrião os Rios Danúbio e Reno. Durou 400 anos com 35 imperadores até Constantino, sendo que a partir daí o Império Oriental duraria 4.000 anos, com 84 imperadores até ser vencido por Maomet II, e o Ocidental fora passado para Carlos Magno, e posteriormente para a Alemanha, com 90 imperadores até o século XVII[100]. Todas as profecias apresentadas por Vieira falariam destes Impérios e indicariam a vinda de um próximo, o Quinto Império, que teria um caráter tanto cristão como mundial.

O sonho de Nabucodonosor apresentava uma estátua de quatro metais, que seria destruída por uma pedra. Esta estátua representaria a sucessão dos impérios e os metais as mudanças dos impérios no tempo e sobre nações diferentes: o ouro (cabeça), representaria os Assírios, a prata (peito), os Persas, o bronze (ventre) a Grécia e o ferro (pernas e pés), Roma. O ferro somaria todos os metais assim como Roma somou todos os impérios. As pernas e os pés representaria Roma e Constantinopla, e os dez dedos indicariam a divisão do império em dez reinos, sendo esta sua grande fraqueza e que permitiria a formação dos reinos medievais[101]. A pedra que derrubaria a estátua seria o Quinto Império, que suplantaria os demais e se tornaria universal.

No sonho de Daniel, o profeta vê quatro bestas saindo do mar: uma leoa com asas de águia, um urso com três ordens de dentes, um leopardo com quatro asas e quatro cabeças, e um monstro com dentes de ferro e dez chifres na testa, sendo que um deles seria menor, mas causaria maiores estragos. Todas as bestas teriam sido julgadas por um tribunal divino, sendo que as três primeiras seriam condenadas a perderem seus poderes, e a quarta queimada e transformada em cinzas.

 

“Primeiramente diz, Daniel (ou disse a Daniel o seu intérprete) que ‘aquelas quatro bestas grandes significavam quatro reinos ou quatro Impérios, que sucessivamente se haviam de levantar no Mundo, depois dos quais se havia de seguir outro quinto reino ou Império, que o mesmo Intérprete chama Reino dos Santos do Altíssimo, o qual não há-de ter mudança nem variedade, nem outro reino algum ou Império que lhe suceda, porque há-de durar sempre (p.265)[102].”

 

Este Quinto Império ainda estaria por vir e sucederia o Romano. Na profecia de Zacarias, diz o profeta que do meio de dois montes sairiam quatro carroças, a primeira com cavalos ruivos, a segunda com cavalos negros, a terceira com brancos e a quarta com vários. Tais carroças significariam os quatro impérios que Deus mostrou para Daniel, sendo representados aqui em formas de cavalos, porém declarado por anjos em metáfora de ventos, para demonstrar a violência e a velocidade com que os impérios conquistariam e sujeitariam os demais reinos.

Segundo Vieira, os cavalos da quarta cavalaria, ou seja os Romanos, conquistariam o mundo, porém só o por eles conhecido, pois nunca haviam chegado na América. Os cavalos mais fortes, no entanto, são aqui identificados com Portugal, por estarem predestinados a conquistarem não só os impérios antigos, mas toda a terra. Sanches identifica os Espanhóis como os mais fortes dos Romanos, porém Vieira demonstra que tal título só poderia caber aos portugueses:

 

 

“Estes foram os espanhóis, e entre os espanhóis, muito particularmente os portugueses; porque a conquista dos mares e terras do Oriente, pela distância remotíssima das Terras, pela dificuldade de navegações, pela diferença dos climas, pelo valor e potência das nações que se conquistaram, foi empresa de muito maior valor, resolução e esforço que a dos castelhanos (p.272/273)[103].”

 

Não fora apenas através da Bíblia que Deus mandara anunciar aos portugueses seu destino como povo eleito por Deus para estabelecer seu reino na terra. Escolhera um português para falar aos portugueses, assim como escolhera os filhos de Israel para falar a seu povo. Porém, devido a diversidade de falsos profetas que existiam no reino desde o século XVI, seria necessário identificar quais seriam os verdadeiros e separá-los dos falsos[104]. Para Vieira, o único meio de verificar o espírito profético seria a realização das coisas profetizadas, sendo esta um regra estabelecida por Deus[105]. Desta forma Vieira identifica Bandarra como o profeta que Deus mandara para falar aos portugueses, pois parte das questões anunciadas pelo sapateiro já teriam sido realizadas. Bandarra seria assim considerado o profeta da restauração, pois anunciara não só o ano em que ela ocorreria, mas também quem seria o rei aclamado pelos portugueses, D. João.

 

“Saia, saia esse Infante

Bem andante

O seu nome é D. João (p.07)[106].”

 

A restauração seria então inevitável, pois Portugal deveria seguir seu caminho como Império Universal Cristão. Seria a partir de Bandarra, segundo Vieira, que estas considerações apareceriam com maior claridade. Primeiramente o jesuíta demonstra, partindo das trovas de Bandarra, que o rei lusitano conquistaria a Terra Santa. Depois, os turcos invadiriam a Itália, e Portugal lideraria os reis cristãos numa ofensiva com o intuito de expulsá-los da península, após serem convocados pelo Papa. Depois de derrotados, os turcos seriam rendidos e suas terras distribuídas entre os reis cristãos, cabendo Constantinopla à Portugal, sendo então o rei português coroado como Imperador:

 

 

“Coroado por Imperador, diz Bandarra que voltará el-rei vitorioso com dois pendões, que devem ser o de Rei de Portugal e de Imperador de Constantinopla (p.27/28)[107].”

 

 

Após conquistar Constantinopla, seriam reintroduzidas ao mundo as dez tribos de Israel, sendo que todos os judeus seriam convertidos e se submeteriam ao grande monarca. A redução dos turcos e a conversão dos judeus seria seguida da extinção das heresias e da paz mundial, debaixo de um só pastor e de um só monarca, que para Vieira seria o rei de Portugal, D. João IV, sendo que as profecias a ele destinadas por Bandarra seriam então sete:

 

“1ª Que sairá do reino com todo o poder dele, e navegará a Jerusalém. 2ª Que desbaratará o Turco na passagem de Itália a Constantinopla. 3ª Que o ferirá por sua própria mão, e que ele se lhe virá entregar. 4ª Que ficará senhor da cidade e Império de Constantinopla, de que será coroado por Imperador. 5ª Que tornará com dois pendões vitoriosos a seu reino. 6ª Que introduzirá ao Pontífice e à Fé de Cristo as dez tribos de Israel prodigiosamente aparecidas. 7ª Que será instrumento da conversão e paz universal de todo o Mundo, que é o último fim para que Deus o escolheu (p.36)[108].”

 

A restauração deveria assim ser considerada como uma das etapas para que Portugal se consagrasse como o Quinto Império do Mundo, sendo D. João IV escolhido por Deus para liderar o reino para tal fim. Vieira utiliza-se, neste momento, dos fenômenos celestiais para confirmar seu discurso profético sobre a monarquia portuguesa pois, para ele, tais fenômenos seriam a causa e a confirmação de tal discurso, sendo que os cometas que estariam aparecendo nos últimos anos viriam anunciar a vitória definitiva de Portugal e do reino da cristandade[109]. Além disso, o nascimento do rei escolhido por Deus para liderar seu império havia sido anunciado por uma estrela que aparecera em 1604, ano do nascimento de D. João IV[110]. Vieira parte assim das profecias para demonstrar que o rei escolhido seria mesmo o Duque de Bragança, e não um de seus concorrentes à Coroa. Devemos então considerar que, se o reino de Portugal fora fundado por Deus, só ele poderia determinar sua sucessão, sendo tal questão esclarecida a D. Afonso Henriques no ato de sua fundação:

 

“E o Império de Cristo qual é? O mesmo Senhor foi servido de nos explicar, quando disse ao nosso fundador, o senhor rei D. Afonso Henriques: Quero em vós e em vossa descendência estabelecer o meu Império (p.454)[111].”

 

Nesse caso, além de Vieira demostrar que a descendência de Portugal deveria partir de D. Afonso Henriques, Cristo teria afirmado que o reino lusitano seria seu Império na Terra. Tal profecia demonstraria ainda, como dito acima, que o reino seria restaurado na décima-sexta geração de reis portugueses, sendo que tal rei seria justamente o Duque de Bragança, D. João IV.

 

“Prometestes a El-rei D. Afonso (como ele testemunhou e jurou em seu testamento) que depois de atenuada a sua descendência poríeis os olhos de vossa misericórdia na décima sexta geração sua. Sendo pois o rei, por quem nos restaurastes, a mesma geração décima sexta; tempo é, senhor, de pordes nela e em nós os olhos de vossa divina misericórdia, senão por nossos merecimentos, pelos muitos e grandes daquele grande rei, que tanto vos soube servir então e obrigar para o futuro. Ponde os olhos, Senhor dos exércitos, no nosso exército; e lembre-vos que todo é daqueles portugueses, que no mesmo testamento escolhestes para conquistadores de vossa fé, e para debaixo de suas armas levarem vosso santíssimo nome às gentes tão remotas e estranha que antes de nós o não conheciam (p.359)[112].”

 

Portanto, Vieira utiliza-se da lenda de Ourique e da teoria acerca do Quinto Império para demonstrar a legitimidade do rei de Portugal, pois fora escolhido por Deus para realizar seus desígnios. No entanto, tais argumentos não seriam suficientes para legitimar D. João IV, sendo necessário padrões firmes de descendência. Apesar do Duque de Bragança ter direito legal ao trono português[113], como veremos adiante, Vieira passa a estabelecer tais padrões a partir das profecias de Bandarra, que, nestes termos, adquiriria importância tanto sagrada como jurídica[114]. A partir daí, o jesuíta defende que para herdar o trono de Portugal, o mais importante não seria a descendência direta de reis, mas sim a descendência colateral, como indicado pelas trovas.

 

“Diz que não é este rei de casta goleima, porque El-rei D. João não é descendente da casa de Áustria; e chama a casa de Áustria casta goleima, porque aos que comem muito se chama o vulgo goleima, e os príncipes da casa de Áustria, como todos os alemães, são notados de muito comer. Diz mais que é este rei primo e parente de reis, a qual propriedade admiravelmente está demonstrada a pessoa de El-rei D. João IV, porque toda a maior nobreza que Bandarra podia dar a El-rei D. João era ser primo e parente de reis; porque El-rei D. João não era filho nem neto de reis, como são os outros reis, senão somente primo e parente de reis: é primo de El-rei de Castela, primo de El-rei de França, primo do Imperador e parente dos mais reis de Europa. Mas posto que não é filho de reis, diz Bandarra que vem de semente mui alta de todos quatro costados: que é o Infante D. Duarte, filho de El-rei D. Manuel e da rainha D. Maria, filha dos reis católicos, e por estes dois avós vem El-rei a ser descendente dos maiores reis do levante e do poente que então havia, porque vem a ser descendente dos reis de Portugal, Castela e Aragão, que eram os maiores reis do poente, e dos reis de Nápoles e Sicília, que eram os maiores reis do levante (p.38)[115].”

 

Tornava-se assim fundamental, para que se identificasse com o rei apresentado nas trovas, estar à margem da realeza européia. É o que chama a atenção Vieira, ao demonstrar que o Ducado de Bragança não tinha ligações de parentesco com os Habsburgos, ou seja, que não eram de “casta goleima”. Demonstra também que não era candidato à coroa espanhola, tendo em vista que era primo distante de Filipe IV, pois Filipe II teria se casado com D. Maria, que era prima de D. Duarte, pai de D. Catarina, que havia se casado com o avô de D. João IV, D. João[116]. É interessante notarmos que justamente por estar também à margem da descendência portuguesa é que foi possível que o Duque de Bragança fosse aclamado rei de Portugal, pois segundo as profecias deveria ser primo e parente de reis, mas não filho e neto. Neste sentido, seu avô, D. João, casara-se com D. Catarina, que era filha de D. Duarte, e portanto neta de D. Manuel I. Sua ligação com a dinastia de Avis, pela via manuelina, era no entanto frágil, pois D. Duarte era infante e não tinha direito direto à sucessão. Seria, no entanto, esta fragilidade que daria legitimidade a D. João IV pois, caso sua descendência fosse direta de reis, a dinastia de Avis não seria atenuada e as profecias não se realizariam. Tal fragilidade era então fundamental para o Duque de Bragança, fato inclusive anunciado por Bandarra em suas trovas, e retomado por Vieira.

 

“O qual direito, afirmado e confirmado pelo Bandarra, é novo e claro sinal de ser El-rei D. João IV o sujeito de quem falam as profecias; porque se o direito de El-rei D. João fora direito reconhecido e recebido por todos, como é o direito de D. Sebastião e de outros reis, não tinha necessidade Bandarra de dizer que era rei de direito. Mas porque o direito de El-rei D. João é direito duvidado e pleitado, por isso declara o Bandarra que verdadeiramente é rei de direito; e porque este mesmo direito, posto que todos o confessaram com a boca quando aclamaram a El-rei, houve porém alguns que o negaram de coração, a estes atira pedrada o Bandarra, quando diz: Louvemos este varão do coração (p.41)[117]”.

 

Marca-se aqui a grandeza de D. João IV pelo fato de estar ligado as mais importantes dinastias européias, apesar de não ter direito de as herdar, exceto a coroa portuguesa. Desta forma estaria garantindo a pureza de sangue do rei, sem desconsiderar a sua condição de Infante, fator que fora determinado também por Bandarra em suas trovas:

 

“Saia, saia esse Infante

Bem andante,

O seu nome é D. João.

Tire e leve o pendão

Glorioso e triunfante.

Vier-lhe-ão novas num instante

Daquelas terras prezadas,

As quais então declaradas

E afirmadas

Pelo rei de ali em diante (Bandarra, p. 07)”.

 

Ao utilizá-las para estabelecer as regras dinásticas que legitimariam o rei de Portugal, Vieira estaria adotando um discurso que excluiria os concorrentes de D. João IV ao trono, principalmente Filipe IV, de todos o mais direto. Seria um elemento que adquiriria um caráter jurídico, a partir de regras sucessórias que ultrapassariam as formas tradicionais de sucessão, tornando-se definitiva. D. João IV era então rei de direito, não só do direito português, mas também do direito divino, apresentado pelas trovas de Bandarra.

 

4.4 - O Sebaastianismo e o Mito do Encoberto como legitimadores de D. João IV

 

Uma questão importante que deve ser levantada ao nos propormos analisar o modo como Vieira elaborou seu discurso com o intuito de legitimar a nova dinastia é o caráter que as profecias adquirem no período da União Ibérica (1580 – 1640). Após o desaparecimento de D. Sebastião, em Alcácer – Quibir no ano de 1578, e a posterior anexação de Portugal à coroa espanhola, muitos esperavam a volta do rei anunciado por Bandarra, que libertaria os lusitanos e possibilitaria um novo período de glórias para Portugal, cujo retorno não ocorrera ainda por estar ele oculto, ou seja, que o rei salvador seria um rei encoberto, pois não poderia ser visto nem reconhecido por ninguém, até sua aparição[118].

Tal rei fora identificado, em um primeiro momento, com D. Sebastião, dando origem ao mito sebastianista[119]. Tal mito seria fortalecido ao longo do ano de 1579, devido às indecisões de D. Henrique a respeito de sua sucessão, e no primeiro semestre de 1580, quando o poder é confinado à uma regência de cinco governantes, que se inclinavam para Castela no que diz respeito à sucessão[120]. Muitos acreditavam na volta de D. Sebastião, após ser derrotado na África, pois segundo a lenda ele teria se dirigido para a Ilha do Encoberto, esperando o melhor momento de retornar[121].

O novo monarca, D. Filipe II (I de Portugal) fizera de tudo para acabar com o culto sebástico, mandando trazer de Ceuta os restos mortais do corpo de D. Sebastião, acolhendo-o em Lisboa e acompanhando as solenes exéquias no panteão de Belém, em 21 de dezembro de 1582[122]. No entanto, duvidava-se que o corpo trazido pelo rei fosse o de D. Sebastião, possibilitando a permanência do mito. Ainda sob o governo dos Filipes, surgiram quatro falsos reis que se diziam vindos da África para libertar o povo português, sendo eles: um noviço da Ordem do Carmo e filho de um combatente de Alcácer Quibir, que aparece em Penamaior no ano de 1584; Mateus Álvaro, natural da ilha terceira, que surge no ano de 1585; Gabriel de Espinosa, pasteleiro, aparece na vila castelhana de Madrigal no ano de 1594 e Marco Júlio Henrique, aventureiro calabrês que não falava português e que fora utilizado pelos que apoiavam D. Antonio, um dos candidatos ao trono português e que morrera no ano de 1593, aparecendo em 1595[123].

Nem todos, porém, esperavam a volta corporal do rei, mas sim uma pessoa de seu sangue, possibilitando a reencarnação de D. Sebastião em sua descendência. Um exemplo desta crença seria Bocarro Rosalco que, segundo Antonio José Saraiva:

 

“Em 1619, Bocarro Rosalco, no seu ‘Tratado dos Cometas’, previa o ressurgimento de Portugal para 1659; no entanto, o encoberto não seria o próprio D. Sebastião, mas uma espécie de reencarnação, uma pessoa de seu sangue (p.81)[124]”.

 

Como D. Sebastião não deixara herdeiros, o próprio Bocarro, na sua obra “Anacephaleosis da Monarquia Lusitana”, de 1624, identifica o rei encoberto com D. Teodósio, Duque de Bragança e pai de D. João IV, sendo que tal rei seria o líder lusitano a caminho de um Império Universal. As trovas de Bandarra eram assim desvinculadas de D. Sebastião e transferidas para sua descendência. No entanto, sua figura ainda predominava no início da década de quarenta do século XVII, como sendo o rei que retornaria para libertar Portugal de Castela. Desta forma, havia a necessidade de demostrar que as trovas eram dirigidas a D. João IV, e não a D. Sebastião, garantindo o caráter de restauração para o movimento de dezembro de 1640, apresentando a nova dinastia como uma continuação da antecessora[125]. Para tanto, é utilizado o discurso de que os Bragança pertenciam a uma linhagem paralela, e assim encoberta, pois, como fora apresentado acima, a avó de D. João IV, D. Catarina, seria neta de D. Manuel pelo Infante D. Duarte, ou seja, não era herdeira direta ao trono[126], possibilitando que o Duque de Bragança se estabelecesse como o rei encoberto anunciado por Bandarra e apresentado na lenda de Ourique, na fundação de Portugal.

A legitimidade de D. João IV passaria então pela negação à volta de D. Sebastião. Apresentarei aqui algumas proposições indicadas por Vieira para marcar as diferenças entre os dois monarcas e demostrar que o rei indicado nas profecias de Bandarra era o Duque de Bragança.

Como apresentado pelas trovas de Bandarra, o rei indicado pelas profecias deveria ser novo e manter guerra contra Castela[127]. Como nos demonstra Vieira, D. Sebastião não poderia ser novo, mas sim velho, por ter começado a governar com apenas três anos de idade. Desta forma, aos dezoito anos já era um ancião[128]. Além disso, teria tido boas relações com os reis de Castela, não levantando armas contra a corte de Madri. Já D. João IV seria rei novo, pois não havia rei em Portugal quando este assumiu o trono e, no que se refere à Castela, devido à separação do reino lusitano, manteve-se uma incessante conflito para que se aceitasse a independência. Além disso, Bandarra não deixaria dúvida em relação ao rei de quem falara, indicando tanto o seu nome, João, quanto sua situação no reino, Infante. Assim, não poderia se tratar de D. Sebastião que, segundo Vieira, sempre teve o mesmo nome, e sempre pertenceu, desde o nascimento, à corte de Lisboa como descendente do trono português[129]. Outro fato que teria sido profetizado por Bandarra seria a negação dos pontífices em atender o rei de Portugal[130]. Vieira chama a atenção para o fato de que  Roma não teria reconhecido Portugal como reino independente de Castela, o que só ocorreria no ano de 1669, durante a regência de D. Pedro, enquanto que D. Sebastião teria tido grande apoio do papado durante seu reinado[131].

Vieira procuraria também demonstrar que D. Sebastião não estaria enquadrado nos parâmetros estabelecidos por Bandarra, no que se refere à genealogia. Estaria assim novamente privilegiando as regras sucessórias estabelecidas nas trovas, relegando, neste momento, as regras tradicionais para segundo plano. Seguindo este caminho, consideraria que, devido ao fato de D. Sebastião ser descendente de Carlos V, pertenceria à uma “casta goleima”, por ser este rei da Áustria. Como visto anteriormente, o rei a que Bandarra se refere não poderia pertencer a esta casta, sendo que desta forma, não poderia estar se referindo à D. Sebastião. Vieira ainda faz uso do fato deste ser filho e neto de reis (rei por parte de pai, e de imperador por parte de mãe), e não ser apenas primo e parente, como indicado nas trovas. Desta forma, chega a conclusão de que as profecias não se referiam a D. Sebastião, mas sim a D. João IV, tendo em vista que este se encaixava em todas as exigências até então apresentadas[132].

Apesar de procurar demonstrar que o rei indicado não era D. Sebastião, Vieira acentua a importância deste para o cumprimento das profecias pois, segundo ele, após a morte do último rei e o início do cativeiro português, o reino seria remido em um tempo e um rei não esperado, pois todos esperavam a volta de D. Sebastião.

 

“Que seria remido Portugal não esperadamente por um rei não esperado. Segue-se logo evidentemente, que não podia el-rei D. Sebastião ser o libertador de Portugal, porque o libertador prometido deveria ser um rei não esperado; e el-rei D. Sebastião era tão esperado vulgarmente, como sabemos todos (p.323)[133].”

“Gemeu Portugal muito tempo, porque gemeu por espaço de sessenta anos debaixo da sujeição de Castela; e foi ocasião desta sujeição e destes gemidos ficar o reino órfão de seus reis, porque os dois últimos – D. Sebastião e D. Henrique – faltaram sem deixar sucessão; mas foi-lhe Deus propício, porque dispôs com tão notáveis sucessos a execução de sua liberdade e foi remido, não esperadamente, porque muitos não esperavam, antes desesperavam desta redenção; e remido por um não esperado, porque o redentor, por que geralmente se esperava, era outro e não el-rei D. João o Quarto (p.120).[134]

 

Desta forma, D. João IV estaria encoberto sob o próprio D. Sebastião, que garantira o sucesso da empresa contra Castela. Fora assim providencial, segundo Vieira, que Deus se utilizasse de um rei morto para encobrir um rei vivo, conservando as esperanças de Portugal em seu futuro. Além disso, a partir de tal argumento Vieira estaria diluindo a idéia de que D. Sebastião seria o encoberto, identificando-o como uma espécie de escudo que haveria servido para proteger o Duque de Bragança. Garante, assim, um lugar de destaque para D. Sebastião no processo que resultaria na restauração, buscando granjear o apoio dos sebastianistas para a causa portuguesa.

 

 “Perdeu-se, ou morreu na batalha de África el rei D. Sebastião, e puderam tanto as saudades de um rei, que se tinha perdido a si e a nós, que sem se divertirem aonde deviam, deram em esperar dele, e por sua vida e vinda, a nossa redenção; e este foi o altíssimo conselho, com que S. José, debaixo das cinzas do rei passado e morto, conservou e teve encoberto o rei futuro e vivo (p.449)[135].”

 

Vieira buscava legitimar D. João IV sem desvinculá-lo de D. Sebastião, identificando-o como seu herdeiro e descendente. Ao afirmar que o Duque de Bragança era seu herdeiro, estaria garantindo que este não retornaria mais para remir os portugueses, pois herança significa morte do rei anterior, sem possibilidades de retorno[136]. Vieira parte do legalismo português, que definiria a sucessão portuguesa pois, se um rei estava morto, não poderia suscitar interesses sucessórios, como é aqui o caso de D. Sebastião. Desta forma, o jesuíta estaria aproximando D. João IV de D. Sebastião e ao mesmo tempo demonstrando a impossibilidade de retorno do último.

 

“(...) que com o sangue e com a coroa, herdou juntamente daquele piedosíssimo rei o afeto e particular devoção à nossa companhia (p.68)[137].”

 

O Duque de Bragança estaria encoberto por dois motivos e por duas vias. Os motivos seriam, segundo Vieira, porque não era chegado a hora estabelecida para sua interferência e para se defender de seus inimigos, e as vias seriam a descendência lateral de D. João IV e a cegueira que Deus impôs aos seus inimigos, tendo em vista que, devido ao fato de o Duque de Bragança jamais ter saído de Portugal, sempre esteve debaixo dos olhos dos reis espanhóis.

 

“Dentro na mesma Espanha, dentro no mesmo Portugal, e diante dos olhos dos mesmos reis, escondeu e encobriu de maneira ao encoberto, que vendo-o, o não viam, nem viram (p.447).”

“Desde o princípio em que se fizeram senhores de Portugal aqueles reis estranhos, Filipe II tinha diante dos olhos a senhora D. Catarina; Filipe III ao Duque D. Teodósio; Filipe IV a sua majestade, que finalmente lhe tirou da cabeça a coroa; e vendo-os, não conheciam o que neles deviam recear e temer, cegando-os S. José com a mesma luz a de seus olhos, e cobrindo o seu e o nosso encoberto com o descobrir (p.448)[138].”

 

O rei de Portugal fora reconhecido por seus súditos no tempo certo, nem antes nem depois, pois o tempo fora determinado por Deus. Quiseram os homens que fosse antes, quando acorreu o levantamento de Évora, ou depois, quando decidiram que a aclamação seria em 1o. de janeiro, mas a providência havia determinado que a primeira intenção não se concretizasse, e a segunda fosse antecipada, para que as profecias fossem cumpridas em sua totalidade. Desta forma, Vieira estaria respondendo àqueles que questionavam a indecisão do Duque de Bragança em assumir a liderança do movimento, o que de certa forma fazia com que muitos não vissem no rei coroado o rei proclamado pelas profecias. O cuidado teria sido o motivo principal para a espera, pois seria melhor dilatar o remédio para evitar o perigo, sendo que a vitória de Portugal teria se dado pela sabedoria de se esperar o momento oportuno para a ação.

 

“(...) como a Providência Divina cuidava tão particularmente de nosso bem, por isso ordenou que se dilatasse nossa restauração tanto tempo, e que se esperasse o ano oportuno de quarenta, em que Castela estava tão embaraçada com inimigos, tão apertadas com guerras de dentro e de fora; para que na diversão de suas impossibilidades, se lograsse mais segura nossa resolução (p.328)[139].”

 

Ao desvincular a imagem do encoberto da de D. Sebastião, Vieira estaria garantindo a posição de D. João IV como herdeiro legítimo do trono português, identificando nele o rei encoberto, utilizando-se, para tanto, das mesmas profecias apresentadas pelos sebastianistas[140]. Coloca, porém, D. Sebastião como co-responsável pela restauração, pois possibilitara que as profecias se realizassem ao encobrir o Duque de Bragança. Desta forma, Vieira estaria responsabilizando D. Sebastião tanto pela perda do reino quanto pela sua restauração.

 

4.5 - Apoio Legal à Restauração

 

Mesmo partindo de seus escritos proféticos para buscar legitimar a nova dinastia e dar-lhe um caráter sagrado dentro da história de Portugal, era ainda necessário demonstrar a legalidade do movimento de 1640, ou seja, de que o Duque de Bragança era herdeiro legítimo ao trono português. Segundo Oliveira Marques,

 

“Do ponto de vista teórico, tornava-se necessário justificar a sucessão, mostrar o todos que o novo monarca, longe de figurar como usurpador, reavera simplesmente aquilo que por direito legítimo lhe pertencia (p.175)[141].”

 

Seguindo as regras de sucessão portuguesa, todos os candidatos à coroa remontariam suas pretensões à D. Manuel, tendo em vista que D. João III não deixara descendentes. Então, pela linha masculina, sua descendência reduzia-se a duas pessoas, ou seja, os infantes D. Luis e D. Duarte, sendo que suas filhas produziriam mais dois candidatos à Coroa: Filipe II, Rei da Espanha, e Manuel Felisberto, Duque de Sabóia[142].

Desta forma, os candidatos à coroa lusitana após a morte do cardeal D. Henrique, em ordem de direito, seriam: Ranuccio, futuro Duque de Parma, filho de D. Maria, que herdara os direitos sucessórios de D. Duarte, e de D. Alexandre, Governador dos Países Baixos e Duque de Parma. Tinha apenas nove anos em 1580, sendo que seu pai pertencia a linha sucesória de Filipe II, a quem estava a serviço; D. Catarina, neta de D. Manuel por D. Duarte. Casa-se com D. João, Duque de Bragança e avô de D. João IV; D. Antonio, futuro Prior de Crato, neto ilegítimo de D. Manuel, filho de D. Luis. Possuía a vantagem de ser o único varão da linhagem manuelina; D. Maria, neta de D. Manuel por D. João III. Casa-se com Filipe II da Espanha, futuro rei de Portugal. E Manuel Felisberto, Duque de Sabóia, que se casara com uma das filhas de D. Manuel[143]. Apesar de não estar em posição vantajosa na linha sucessória, alguns fatores beneficiaram D. Filipe II. Primeiramente, o fato de que o Cardeal D. Henrique não teve sucesso ao buscar garantir sua sucessão e, ao optar por uma regência constituída por cinco governadores, acabava privilegiando o rei da Espanha, tendo em vista que tais regentes tinham uma certa inclinação para o esposo de D. Maria. Devemos levar também em consideração que o Duque de Bragança e esposo de D. Catarina, D. João, preferiu a prudência, pois não pensava em arriscar sua casa opulenta em um jogo duvidoso. No entanto, os fatores que realmente favoreceram Filipe II foram sua força, sua fama de boa administração, a promessa de conservar a soberania portuguesa e, principalmente, a hábil diplomacia espanhola, que se utilizou freqüentemente de argumentos monetários para convencer os nobres portugueses. Segundo Oliveira Marques,

 

“O candidato mais viável era evidentemente Filipe II. Se lhe faltavam argumentos legais, possuía, no entanto, força e determinação bastantes para os suprir. Os seus embaixadores, enviados e espias, juntamente com subornos e ameaças militares, fizeram um excelente trabalho em convencer, ameaçar e comprar os elementos dirigentes da sociedade portuguesa (p.286)[144].”

 

É importante realçarmos aqui que o Padre Antonio Vieira não desconhecia tal linha sucessória, sendo encontrada no Sermão das Exéquias de D. João IV, onde apresenta os príncipes herdeiros à coroa portuguesa como sendo cinco: o da Espanha, o da França, o de Saboya, o de Parma e o de Bragança, ou seja, Filipe II, D. Antonio, Manuel Felisberto, Ranuccio e D. João IV[145]. Vieira afirma que, apesar da grandeza dos candidatos à coroa, Deus escolhera o melhor, pois era dentre os melhores que se destacaria o rei que lideraria o seu reino. Veja que desta forma, não desvinculava o direito sucessório do divino, utilizando-se de ambos os discursos para legitimar D. João IV.

 

“O que Deus buscou era um príncipe que pudesse ser rei e restaurador de Portugal: buscou-o entre os príncipes pretensores do reino, e achou-o na Casa de Bragança: buscou-o entre os príncipes da Casa de Bragança, e achou-o na pessoa de El rei D. João (p.308)[146].”

 

Atento a tal linha sucessória, Vieira não deixa de bucar a legitimação do Duque de Bragança a partir da exclusão dos demais. Sabendo das dificuldades de garantir a legitimidade da restauração pelo fato de D. João IV ser neto de D. catarina, e assim partir de uma linhagem feminina, afirma que Deus, a partir de sua sabedoria, preferiria a prole feminina à masculina. Assim fizera com Jesus, que herdara o reino de Davi por Maria e não por José, e assim fizera com D. João IV:

 

“(...) quis Deus significar, que quando o reino se restituísse, havia de ser preferindo a prole feminina à masculina, como verdadeiramente aconteceu; porque ainda que José e Maria eram filhos de David, Cristo, que foi o rei prometido, era filho de David por Maria, e não por José (p.389)[147].”

 

Havia a necessidade porém, como demonstrado acima, de excluir D. Filipe II, que também se casara com uma neta de D. Manuel e assim, de acordo com sua tese, também teria direito ao trono. Vieira estaria baseando-se nas Cortes de Lamego[148], de 1143, onde se afirmava que as mulheres só poderiam transmitir direitos sucessórios para nobres portugueses, o que excluiria o rei da Espanha. A partir de tal discurso seria possível afirmar que o trono português jamais teria sido vago, sendo de direito ocupado pelo Duque de Bragança, evitando a necessidade de eleições em cortes[149], sendo que as cortes de Lisboa de 1641 serviram apenas para legitimar um fato já estabelecido, ou seja, a subida ao trono de D. João IV, e não com a pretensão de eleger um novo rei para Portugal[150]. Este foi um principio de jurisprudência defendida por vários jurisconsultos portugueses, entre os quais podemos destacar, segundo Joaquim Veríssimo Serrão, os nomes de Antonio Pais Viegas, Francisco Velasco de Gouveia, João Pinto Ribeiro e Antonio de Souza Macedo, cujas obras partem do princípio de restituição a quem de início, pela força do direito, devia caber. D. João IV estaria assim, ao restituir a coroa portuguesa, retomando o direito de sua avó[151]. Invoca-se aqui o benefício da representação, demonstrando que os filhos representavam os pais em matéria de sucessão.

 

“Forte coisa é, e despejo grande que, estando em Portugal a senhora D. Catarina, neta legítima de El-rei D. Manuel e filha do Infante D. Duarte, e devendo preceder a todos os pretensos da coroa, assim pelo direito comum da representação, como pelas leis particulares do reino, que não admitem à sucessão príncipe estrangeiro, um rei que era semente de Fernando, por antonomásia chamado o Rei Católico, se viesse por força introduzir na casa alheia, sem mais razão nem justiça que meter-se nela e dizer: ‘esta casa é minha, em que agora cá me vejo’ (p.130).[152]

 

                        Apesar de, como apresentado acima, a linha sucessória após a morte de D. Henrique passar a ser definida por D. Manuel, Vieira não deixa de chamar a atenção para o fato de que, além de D. João IV possuir uma descendência feminina, a partir D. Catarina, possuía também uma masculina, a partir do fundador da dinastia de Avis, pois o primeiro Duque de Bragança, D. Afonso (1377 – 1461) seria filho do rei D. João I (1357 – 1433), por via de bastardia e casara-se com com Brites Pereira, filha do condestável do reino, Nuno Álvares Pereira[153]. Assim, os Bragança teriam uma ligação direta com a antiga dinastia, tanto por via masculina como feminina, o que certamente fortaleceu a posição do Duque de Bragança como rei de Portugal, possibilitando que utilizasse o algarismo quatro após o seu nome, indicando a confirmação dos laços com a dinastia precedente. Ao fazer uso de tal argumento, Vieira estaria afirmando que para ser restaurador, era necessário ser da geração de varões que Deus escolhera para este fim, estabelecendo mais uma linha sucessória.

 

 

“Duzentos anos antes dos tempos que hoje estamos, esteve o reino de Portugal quase todo debaixo do poder de Castela. Saiu à defesa dele o mestre de Avis El rei D. João o I, e o condestável D. Nuno Alvares Pereira, que restauraram o reino, e o conservaram na sua liberdade: e como Deus então tomou estas duas grandes cabeças e estes dois grandes braços por restauradores do reino de Portugal, quis deixar neles como hereditária e de juro para seus descendentes, esta singular prerrogativa de restauradores do reino, e assim foi. Fundou-se a casa de Bragança em um filho de El rei D. João o I, e em uma filha do conde D. Nuno Alvares, que foram os dois primeiros duques, e neles e seus sucessores se foi conservando a geração dos restauradores, e por este singular privilégio daquela Casa, buscando Deus restaurador em Portugal, não o achou senão dos duques de Bragança (p.309/310) [154].”

 

 

Vieira identifica D. João IV como sendo de uma geração de restauradores baseado na varonia, ampliando as possibilidades sucessórias do Duque de Bragança. Enquanto a discussão sobre a sucessão era baseada nos descendentes a partir de D. Manuel, Vieira foi buscar a legitimidade de D. João IV em uma varonia, além de identificá-lo como o descendente mais antigo, pois o era diretamente de D. João I. Ser restaurador estaria assim no sangue dos Bragança, sendo necessário apenas esperar o momento para que tal ocorresse. É retomado assim o discurso a respeito do rei encoberto, pois D. João IV fizera parte de uma linha lateral tanto a partir de D. João de Avis, como de D. Catarina, não podendo então ser identificado como o rei escolhido por Deus, a não ser na hora proclamada para tal.

Desta forma, Vieira buscou legitimar D. João IV a partir de diversas linhas sucessórias, que longe de se excluírem, completavam-se mutuamente, ou seja, a partir de D. Afonso Henriques, identificando D. João IV como o rei proclamado a retomar o reino, após ter atenuada a dinastia anterior, a partir de Bandarra, que estabelece novos padrões dinásticos para identificar o rei salvador de suas trovas e que Vieira utiliza para excluir os concorrentes de D. João, além de demonstrar que o rei encoberto não poderia ser um rei morto, ou seja, D. Sebastião, mas sim um rei vivo, o Duque de Bragança. Pela linhagem manuelina, identificando o rei como herdeiro do trono por ser neto de D. Catarina, que por sua vez era neta de D. Manuel, utilizando-se para tanto das Cortes de Lamego para excluir seu principal concorrente, D. Filipe II, e pela descendência masculina que o ligara ao fundador da Dinastia de Avis, D. João, sendo então eleito por Deus para se tornar restaurador do reino. Vieira procura assim garantir a legitimidade do rei a partir de um discurso que identificaria D. João IV, além de eleito por Deus, como o único homem com direito à sucessão da coroa portuguesa.

Vieira buscou constantemente a legitimidade do rei de Portugal, entendendo-o como um líder que levaria seu reino a se estabelecer como um Império Universal Cristão. Este seria o fim último da história sagrada de Portugal, e só por causa dele teria sido possível a restauração portuguesa, que Vieira identifica como sendo a segunda fundação de Portugal, sucedendo a D. Afonso Henriques e herdando seu brasão. Para o jesuíta, D. João IV era o rei das profecias, e só a ele caberia a liderança de Portugal em seu destino glorioso. Como ocorrera com o reino, o nascimento do Duque de Bragança estava presente nas profecias, assim como a sua morte e ressurreição. Seria o ressuscitar de Portugal que garantiria o apoio dos demais reis cristãos a segui-lo, pois este seria um sinal divino, e assim, os capitães do mundo não seguiriam a um rei de Portugal, mas a um capitão de Deus[155].

Segundo Vieira, Bandarra falara de um rei que iria acordar para realizar os desígnios a ele destinados, sendo que, segundo o jesuíta, o sono significaria a morte, e o acordar o ressuscitar.

 

“Já o tempo desejado

É chegado,

Segundo o firmal assenta;

Já se passaram os quarenta,

Que se amenta,

Por um doutor já passado;

O Rei novo é acordado,

Já dá brado,

Já ressoa o seu pregão,

Já Levi lhe dá a mão

Contra Sichem desmandado;

E, ao que tenho lido

E bem sabido,

A desonra de Diná

Se vingará,

Como estava prometido (Bandarra, p.49)”[156].

 

Ao afirmar que já havia passado os quarenta, estaria tratando do segundo tempo desejado, o da ressurreição, que não ocorreria no ano da restauração, mas depois. O rei novo que foi levantado em quarenta, é agora acordado, ou seja, o mesmo rei que possibilitou a restauração seria o rei que se levantaria para realizar as profecias. Em outras passagens das trovas também falaria Bandarra da ressurreição de D. João IV:

 

“Já o leão é despertado

Mui alerto,

Já acordou,anda caminho;

Tirará cedo do ninho

O porco, e é muito certo (Bandarra, p.51)”.

“O rei novo é acordado

Já o leão é desperto

Mui alerto,

Já acordou (Bandarra, p.52)[157]”.

 

Além das profecias proferidas por Bandarra, Vieira chama a atenção para o fato de que o próprio Isidoro de Sevilha havia profetizado a ressurreição de D. João IV, quando afirma que “Erir Rex pie datus”, ou seja, de que o rei seria dado duas vezes por piedade, piedade não do rei, mas do mundo, pois sem o ressuscitar do rei as profecias não se realizariam. Vieira no entanto vai além delas, partindo de um silogismo que para ele era o definidor do retorno de D. João IV:

 

“O Bandarra é verdadeiro profeta; O Bandarra profetizou que el-rei D. João o quarto há de obrar muitas coisas que ainda não obrou, nem pode obrar senão ressuscitado; Logo, D. João o quarto há de ressuscitar (p. 20)[158].”

 

Ou seja, se haviam coisas para se realizar, pois as profecias apresentavam a restauração como parte de suas realizações, era certo que o rei de Portugal retornaria para efetivá-las. O futuro de Portugal, que há muito vinha sendo escrito, não poderia ser interrompido, pois o que Deus prometera havia de se cumprir.

O ressuscitar de D. João IV ganha no entanto significado distinto ao pensarmos que o rei havia sido responsável pelo ressuscitar de Portugal, devolvendo ao reino[159] sua importância político imperial, além da retomada de um projeto evangélico que havia sido, segundo Vieira, interrompido no período da dominação filipina. D. João IV encarnava em si o ressuscitar de Portugal, que havia sido previsto pelas profecias.

 

“Quem considerar o reino de Portugal no tempo passado, no presente e no futuro, no passado o verá nascido, no presente ressuscitado e no futuro glorioso; e em todas estas três diferenças de tempos e estados lhe revelou sempre Deus e mandou interpretar primeiro os favores e as mercês tão notáveis com o que o determinava enobrecer: na primeira, fazendo-o, na segunda, restituindo-o, e na terceira, sublimando-o (p.72)[160]”.

 

O ressuscitar de D. João IV era a realização final das profecias e a garantia de que a Dinastia de Bragança era realmente escolhida por Deus para realizar seus desígnios na Terra, ou seja, a constituição do Quinto Império, o que se seguiria de mil anos de felicidade e, finalmente, do Juízo Final[161].


 



[1] MAINGUENEAU, Dominique. Novas Tendências em Análise do Discurso. Campinas: Pontes, 1989. p. 13-20.

[2] REIS, José Carlos. As identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC. Rio de Janeiro: Getulio Vargas, 1999, p. 10.

[3] BOURDIER, Pierre. A Economia das Trocas Lingüisticas. São Paulo: Edusp, 1991. p. 99.

[4] DELUMEAU, Jean. Mil anos de felicidade: uma história do paraíso. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

[5] BUESCU, Ana Isabel. Sentimento e Esperanças de Portugal. HESPANHA, Antonio Manuel (Dir.). A Restauração e sua época. Lisboa: Cosmos, 1993.

[6] PÉCORA, Alcir. O processo inquisitorial de Antonio Vieira. In: IANNONE, Carlos Alberto, GOBI, Marcia V. Zamboni & JUNQUEIRA, Renata Soares. Sobre as Naus da Iniciação: Estudos Portugueses de Literatura e História. São Paulo: UNESP, 1988.

[7] BOURDIER, Pierre. Op. Cit. p. 105.

[8] CARDIM, Pedro. O Processo Político. In: HESPANHA, Antonio Manuel (Coord.). História de Portugal: O Antigo Regime. Lisboa: Estampa, 1998, p. 404.

[9] CIDADE, Hernâni. Padre Antonio Vieira. Coleção A obra e o homem. Lisboa: Arcádia, 1947, p. 62.

[10] CARDOSO, José Luis. O Pensamento Econômico na Época da Restauração. In: HESPANHA, Antonio Manuel (Coord.). A Restauração e sua época. Lisboa: Cosmos, 1993, p. 139.

[11] SERRÃO, J. (Org). Dicionário de História de Portugal. Porto: Figueirinhas, 1990, p. 271-175.

[12] Papel Forte.

[13] PÉCORA, Alcir (Org). Escritos Históricos e Políticos. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

[14] Entre tais fracassos podemos citar: as dificuldades de angariar fundos para o reino; fracasso nas negociações de paz em Haia; não conseguir que os bispos lusitanos fossem aceitos pelo papado; fracassos nas negociações de casamento para o Príncipe D. Teodósio.

[15] CARDIM, Pedro. O Processo Político, p. 408.

[16] SERRÃO, Joaquim Veríssimo. História de Portugal: A Restauração e a Monarquia Absoluta (1640 - 1750). Lisboa: Verbo, 1982, p. 60.

[17] COSTA, João Paulo. O Império e os diplomatas da restauração. STVDIA. Lisboa: Instituto de investigação científica tropical. / Centro de estudos históricos e cartografia antiga, 1989. n° 48.

[18] CARDIM, Pedro. O Processo Político. Op. Cit.

[19] HESPANHA, Antonio Manuel. Introdução. In: HESPANHA, Antonio Manuel (Coord.). História de Portugal: O Antigo Regime. Lisboa: Estampa, 1998.

[20] Segundo Antonio Manoel Hespanha, não havia em Portugal do século XVII uma unidade entre estes grupos, o que nos impediria de pensarmos tal movimento como sendo de tipo nacionalista. HESPANHA, Antonio Manuel. A restauração portuguesa nos capítulos das cortes de Lisboa de 1641. In: HESPANHA, Antonio Manuel (Dir.). A Restauração e sua época. Lisboa: Cosmos, 1993.

[21] OLIVEIRA FRANÇA, Eduardo D’. Portugal na Época da Restauração. São Paulo: HUCITEC, 1997.

[22] Devemos levar em consideração aqui o fato de que, a fim de obter apoio da nobreza lusitana, Filipe III (II de Portugal) intensifica uma política de doação de territórios, em especial ao Duque de Bragança, por ser a mais importante casa Ducal de Portugal. MARQUES, A . H. de Oliveira. Breve História de Portugal. Lisboa: Presença, 1995.

[23] MARQUES, A . H. de Oliveira. História de Portugal: do Renascimento às Revoluções Liberais. 9a. ed. Lisboa, Palas, 1983. P.170 - 173.

[24] OLIVEIRA FRANÇA, Eduardo D’. Op. Cit.

[25] MARQUES, A . H. de Oliveira. Breve História de Portugal. Op. Cit.

[26] OLIVEIRA FRANÇA, Eduardo D’. Op. Cit.

[27] MARQUES, A . H. de Oliveira. Breve História de Portugal. Op. Cit.

[28] OLIVEIRA FRANÇA, Eduardo D’. Op. Cit.

[29] CARDIM, Pedro. O Processo Político. Op. Cit.

[30] Idem.

[31] Idem.

[32] Segundo Antonio Manuel Hespanha, o que uniu os interesses contraditórios em relação à restauração foi a idéia de tirania. HESPANHA, Antonio Manuel. A restauração portuguesa nos capítulos das cortes de Lisboa de 1641.Op. Cit.

[33] SERRÃO, Joaquim Veríssimo. Op. Cit. p. 61.

[34] HESPANHA, Antonio Manuel. A restauração portuguesa nos capítulos das cortes de Lisboa de 1641. Op. Cit.

[35] Em texto intitulado “A Representação da Sociedade e do Poder”, Angela B. Xavier e Antonio M. Hespanha apresenta-nos dois modelos de apreensão dos fenômenos sociais presentes nos séculos XVII e XVIII: o tradicional, onde a sociedade é entendida como um corpo, internamente organizado e dotado de um destino metafísico, e o moderno, onde a sociedade é apresentada a partir de sua materialidade. Estes dois modos de compreensão social geraram conflitos na elaboração de questões políticas e sociais. No momento aqui tratado, ou seja, em meados do século XVII, predominava o primeiro modelo, que derivaria do pensamento social e político medieval, entendendo-se que o que geraria a sociedade seria uma ordem universal única, com o objetivo final de alcançar o criador. Cada parte da sociedade colaboraria de modo distinto para a “realização do destino cósmico” da humanidade. Desta forma, têm-se a impossibilidade de existência de um poder absoluto, pois cada parte do corpo social teria sua instância autônoma, sendo obrigação da coroa manter o equilíbrio entre as partes. O poder era assim limitado pelo direito natural. No paradigma moderna, os indivíduos perderiam suas qualidades grupais, sendo que todos passam a ser entendidos como iguais. Como conseqüência desta individualidade, têm-se que a racionalidade ocuparia o lugar da fé na elaboração das relações sociais. A vontade soberana de Deus seria então substituída pela humana, e o direito baseava-se nesta vontade, e não em um equilíbrio pré-estabelecido. XAVIER, Ângela Barreto & HESPANHA, Antonio Manuel. A Representação da sociedade e do poder. In: HESPANHA, Antonio Manuel (Coord.). História de Portugal: O Antigo Regime. Lisboa: Estampa, 1998, p. 113-117. Ver também: TORGAL, Luís Reis. Restauração e “Razão de Estado”. In: HESPANHA, Antonio Manuel (Dir.). A restauração e sua época. Lisboa: Cosmos, 1993; COSTA, Ricardo da. A Guerra na Idade Média: um Estudo da mentalidade de cruzada na Península Ibérica. Rio de Janeiro: Paratodos, 1998.

[36] XAVIER, Ângela Barreto & HESPANHA, Antonio Manuel. Op. Cit.

[37] OLIVEIRA FRANÇA, Eduardo D’. Op. Cit.

[38] Idem.

[39] CARDIM, Pedro. O Processo Político. Op. Cit.

[40] ALVARES, Fernando Jesús Bouza. 1640 perante o Estatuto de Tomar: memória e juízo do Portugal dos Filipes. In: HESPANHA, Antonio Manuel (Dir.). A Restauração e sua época. Lisboa: Cosmos, 1993.

[41] XAVIER, Ângela Barreto & HESPANHA, Antonio Manuel. Op. Cit.

[42] Segundo Nuno Gonçalo Monteiro em texto intitulado “Poder Senhorial, Estatuto Nobiliárquico e Aristocracia”, o século XVII português, apesar de ser representado por um conjunto de corpos definidos, não significa que a estratificação social fosse imediatamente visível. Assim é possível de entendermos a política da coroa lusitana, principalmente após a restauração portuguesa, de criar privilégios que, além de exclusivos, fossem além da divisão tri-partida da sociedade. Instituía-se assim a chamada aristocracia de corte, que adquiria status de grandeza em relação à antiga fidalguia, estabelecendo-se uma diferenciação crescente entre aristocracia de corte e provinciana. Segundo o autor, seria esta nobreza que, em muitos momentos, controlariam os destinos da monarquia lusitana, sendo que “a estruturação e a afirmação das elites nobiliárquicas já não se fazia ‘periféricamente’, mas através da integração no ‘centro’ e da prestação de serviços no aparelho administrativo e militar da coroa (p.304)”. Houve assim, na dinastia de Bragança, uma aristocracia que se estruturou em função de sua integração na sociedade de corte, aproximando-se da coroa e abandonando seus senhorios. A nobreza que não estava presente na corte, no entanto, buscava garantir seus poderes jurisdicionais, afirmando a importância simbólica de seus senhorios, pois seria sua posse que delimitaria o topo da hierarquia nobiliárquica. Constituíam-se assim centros autônomos e periféricos de poder. Assim haveria, no século XVII, uma simetria entre os poderes jurisdicionais da corte e dos senhores, sendo que somente no século XVIII os senhores perderiam grande parte de suas jurisdições, predominando aí o poder da coroa. MONTEIRO, Nuno Gonçalo. Poder Senhorial, Estatuto Nobiliárquico e Aristocracia. In: HESPANHA, Antonio Manuel (Coord.). História de Portugal: O Antigo Regime. Lisboa: Estampa, 1998. Ver também: BETHENCOURT, Francisco. Os Equilibrios Sociais do Poder. In: MAGALHÃES, Joaquim Romero. História de Portugal: No Alvorecer da Modernidade. Lisboa: Estampa, 1997; OLIVEIRA FRANÇA, Eduardo D’. Op. Cit.

[43] HESPANHA, Antonio Manuel. História de Portugal: O Antigo Regime. Op. Cit., p. 11-16.

[44] GOMES DA SILVA, Nuno J. Espinosa. História do Direito Português: Fontes de Direito. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1985.

[45] Sobre o vida e a obra de Vieira, ver segundo capítulo da presente dissertação, onde traço uma biografia do jesuíta.

[46] PELOSO, Silvano. O paradigma bíblico como modelo universalista da leitura em Antonio Vieira. Brotéria: Cultura e Informação. Lisboa: Fundação Oriente, 1997. v. 145. HOORNAERT, Eduardo. Formação do catolicismo brasileiro: 1550 - 1800. Petrópolis: Vozes, 1991.

[47] Esp. Port.

[48] BUESCU, Ana Isabel. Op. Cit.

[49] HESPANHA, Antonio Manuel. (Coord.). História de Portugal: O Antigo Regime. Op. Cit. p. 9-10.

[50] BUESCU, Ana Isabel. Op. Cit.

[51] A idéia de um príncipe cristão vem sendo retomado, na Península Ibérica, desde a conversão dos visigodos ao cristianismo. No Concílio III de Toledo temos a afirmação de que o rei deveria ser católico, sendo que esta regra passa a ser entendida como elemento fundamental para a sucessão, tendo como modelo institucional o Império Romano do Oriente. Nos Concílios posteriores, tal questão é constantemente  retomada, sendo que no IV Concílio vincula-se a fidelidade dos súditos com o fato do reis ser um verdadeiro cristão. FRIGHETTO, Renan. Aspectos da teoria política isidoriana: o cânone 75 do IV Concílio de Toledo e a constituição monárquica do reino Visigodo. Revista de Ciências Históricas. Universidade Portucalense, V. XII, 1997, p. 73-82.

[52] Daí a importância das missões jesuíticas na América e da conversão dos nativos à fé cristã. MAGALHÃES, Leandro Henrique. Olhares sobre a colônia: Vieira e os índios. Londrina: EDUEL, 1999.

[53] CIDADE, Hernâni. Prefácio. In: VIEIRA, Padre Antonio. Obras Escolhidas: História do Futuro ( I ). Lisboa: Sá da Costa, 1953.

[54] DELUMEAU, Jean. Mil anos de felicidade: uma história do paraíso. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

[55] Diplomata português em Roma, baseia sua argumentação na inevitabilidade da independência portuguesa, partindo da hipótese de que a História Sagrada de Portugal garantiria a legitimidade de D. João IV, pois este teria proteção divina. BUESCU, Ana Isabel. Op. Cit.

[56] CIDADE, Hernâni. Prefácio. Esperanças de Portugal. Op. Cit.

[57] a quem Vieira enviara sua carta intitulada “Esperanças de Portugal”. Esp. Port.

[58] Um dos primeiros a identificar o Duque de Bragança como herdeiro de D. Sebastião e líder de um Império Universal Cristão e Português. SARAIVA, Antonio José. Antonio Vieira, Menasseh Bem Israel e o Quinto Império. In: História e Utopia: estudos sobre Vieira. Lisboa: Ministério da Educação, 1992.

[59] BAÊTA NEVES, Luis Felipe. Palavra, Mito e História no Sermão dos Sermões do Padre Antonio Vieira. In: RIEDEL, Dirce Côrtes (Org.). Narrativa, Ficção e História. Rio de Janeiro: Imago, 1988.

[60] MAGALHÃES, Leandro Henrique. Op. Cit.

[61] PALACIN, Luis. Vieira e a visão trágica do barroco. São Paulo: HUCITEC,.1986.

[62] VILELA, Magno. Uma questão de igualdade: Antonio Vieira e a escravidão negra na Bahia do século XVII. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1997.

[63] OLIVEIRA FRANÇA, Eduardo D’. Op. Cit.

[64] HOORNAERT, Eduardo. Teologia e ação pastoral em Antonio Vieira. Op. Cit.

[65] PALACIN, Luis. Op. Cit.

[66] BAÊTA NEVES, Luis Felipe. Op. Cit.

[67] HERMANN, Jacqueline. No reino do desejado. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 151.

[68] Sermão das Exéquias De El Rei D. João IV.

[69] Hist. Fut.

[70] Idem.

[71] Idem.

[72] Idem; Sermão pelo Bom Sucesso das Armas de Portugal.

[73] NOGUEIRA DA SILVA, Ana Cristina & HESPANHA, Antonio Manuel. A Identidade Portuguesa. In: HESPANHA, Antonio Manuel (Coord.). História de Portugal: O Antigo Regime. Lisboa: Estampa, 1998.

[74] PÉCORA, Alcir. O processo inquisitorial de Antonio Vieira. Op. Cit.

[75] SARAIVA, Antonio José. Op. Cit.

[76] Hist. Fut.

[77] SARAIVA, Antonio José. Op. Cit.

[78] Hist. Fut.

[79] Idem, p. 206.

[80] Idem.

[81] O Maranhão seria uma região onde haveria os maiores rios do mundo, e onde vários bosques e árvores ficavam em baixo da água e que as casas eram construídas sobre os rios.

[82] Os habitantes da região faziam canoas com um só tronco, que teriam o nome de maracaim, uma derivação de maracá, o sino dos nativos, sendo enfeitadas com penas.

[83] Hist. Fut., p. 211 a 216.

[84] Sermão da Primeira Dominga do Advento, p. 115

[85] Sermão das Exéquias D’el Rei D. João IV, p 309/310

[86] Grifa = Espanha; Parideira = heranças por meio de parto e casamentos.

[87] Deve-se levar em consideração que as citações de Bandarra aqui apresentadas são retiradas do texto de Vieira, pois como nos alerta João Lucio de Azevedo, no seu livro “A evolução do sebastianismo”, tais trovas eram reproduzidas de forma manual, o que certamente levaria a mudanças de uma cópia para outra. Além disso, há as alterações propositadas das trovas. Segundo João Lucio de Azevedo, deve-se considerar a possibilidade de alteração propositada, para sustentar argumentos e dar legitimidade a determinadas posições políticas no reino, como a restauração portuguesa. AZEVEDO, João Lucio de. A evolução do Sebastianismo. Lisboa: Presença, 1958. Esp. Port.

[88] Sermão pelo Bom Sucesso de Nossas Armas.

[89] Segundo Sermão de São Roque, p. 69.

[90] Hist. Fut.

[91] SARAIVA, Antonio José. Op. Cit.

[92] DELUMEAU, Jean. A espera de Deus. IN: A História do Medo no Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

[93] CIDADE, Hernâni. Padre Antonio Vieira. Op. Cit.

[94] BORGES, Paulo Alexandre Esteves. Metáforas e símbolos escatológicos em Antonio Vieira. Revista Portuguesa de Filosofia. Braga: Faculdade de Filosofia, 1997. Tomo LIII, Fasc. 3.

[95] Segundo Norman Cohn, o sonho de Daniel seria o mais antigo apocalipse bíblico, imaginado-se pela primeira vez um reino glorioso que englobaria a terra, ultrapassando todos os anteriores e não deixando descendentes, pois seria o último. COHN, Norman. Na senda do milênio: milenarismo revolucionários e anarquistas místicos da Idade Média. Lisboa: Presença, 1970, p. 16-17

[96]Daniel era membro de uma família nobre judaica que fora escolhido por Nabucodonosor, rei da Babilônia, para exercer a função de escriba em sua corte. Após alguns anos, é revelado a Daniel um sonho que o rei havia tido e que ninguém conseguia decifrar (alegoria da estátua de ouro, prata, ferro e barro). Dirige-se assim ao rei, decifra seu sonho e, como gratidão, recebe o título de governador da província da Babilônia. Profetizaria ainda a tomada do poder por Dario, o Meda. Estas histórias, que haviam ocorrido no século VII a. c. foram registradas por escrito séculos mais tarde, apresentando-se então um Deus mais poderoso que os governadores. Nas palavras de Joan Comay: “Tal reafirmação era necessária na Judéia do século II a. c., quando o livro de Daniel foi escrito, apropriadamente, durante a revolta dos Macabeus contra o opressão religiosa de Antíoco IV Epífanes (ver apócrifos). À medida que se afasta do passado na Babilônia para o perigoso presente na Judéia, o estilo do autor vai se tornando mais sombrio e mais obscuro. Daniel passa a relatar suas próprias visões, nas quais criaturas imaginárias simbolizam a história da dominação estrangeira sobre os judeus, culminando com as perversidades do governo de Antíoco (p.81)”. COMAY, Joan. Quem é Quem no Antigo Testamento. Rio de Janeiro: Imâgo, 1998. Ver Também: COHN, Norman. Op. Cit.; DELUMEAU, Jean. Mil anos de felicidade. Op. Cit.

[97] Profeta Pós exílio que vivera durante o reinado de Dario, o Grande. Auxilia na reconstrução do Templo destruído por Nabucodonosor, trabalho que é completado em cinco anos. Suas profecias seriam reflexo da instabilidade política do Império Persa, que se seguiu à ascensão de Dario, e das esperanças messiânicas em um reino judaico restaurado e purificado. Antevê um futuro no qual os judeus viveriam em paz em seu país, sob a proteção do senhor. COMAY, Joan. Op. Cit. p. 314-315.

[98] Sermão da Primeira Dominga do Advento, p. 111 ; Hist. Fut.

[99] Hist. Fut., p. 64.

[100] Idem, p. 245.

[101] Idem. p. 246.

[102] Idem.

[103] Idem.

[104] Esp. Port.

[105] Idem, p. 04.

[106] Idem.

[107] “De perdões e orações/ Irá fortemente armado,/ Dará nele Santiago./ Na volta que faz depois/ Entrará com dois pendões/ Entre porcos sedeúdos/ Com fortes braços e escudos/ De seus nobres infações (Bandarra, p.28)”. Vieira estaria retomando aqui a traição imperial bizantina de príncipe cristão. Idem.

[108] Idem.

[109] DINIZ, Alfredo. Astrologia e Profecia no pensamento do Padre Antonio Vieira. Brotéria: Cultura e Informação. Lisboa: Fundação Oriente, 1997. v. 145.

[110] DINIZ, Alfredo. Metafísica da Natureza e Profetismo na obra do Padre Antonio Vieira. Revista Portuguesa de Filosofia. Braga: Faculdade de Filosofia, 1997. Tomo LIII, Fasc. 3.

[111] Sermão de São José.

[112] Sermão pelo Bom sucesso de nossas armas.

[113] Tal questão fora apresentada também no primeiro capítulo, porém em uma perspectiva distinta, ou seja, a partir das preocupações sucessórias no momento da anexação de Portugal por Castela, em 1580, e aqui quando da restauração da coroa lusitana, em 1640. São duas perspectivas distintas acerca da sucessão, daí a necessidade de se retomar tal debate neste momento.

[114] SARAIVA, Antonio José. Op. Cit.

[115] Esp. Port.

[116] Ver genealogia em anexo.

[117] Esp. Port.

[118] Idem. p. 46.

[119] Segundo João Lucio de Azevedo, as trovas de Bandarra e o Sebastianismo seriam constantemente aclamados em momentos de crise nacional. AZEVEDO, João Lucio. A evolução do sebastianismo. Op. Cit.

[120] SERRÃO, Joaquim Veríssimo. História de Portugal: governo dos reis espanhóis. Lisboa: Verbo, 1979.

[121] AZEVEDO, João Lucio de. A evolução do Sebastianismo. Op. Cit.

[122] SERRÃO, Joaquim Veríssimo. História de Portugal: governo dos reis espanhóis. Op. Cit. p. 20.

[123] Idem.

[124] SARAIVA, Antonio José. Op. Cit.

[125] AZEVEDO, João Lúcio de. História do Padre Antonio Vieira. Lisboa: Clássica, 1992, vol. 1, p. 59.

[126] Ver genealogia em anexo.

[127] “Já o tempo desejado/ É chegado,/ Segundo o firmal assenta;/ Já se chegam os quarenta,/ Que se ementa/ Por um doutor já passado./ O rei novo é levantado,/ Já dá brado,/ Já assoma sua bandeira/ Contra a grifa parideira,/ Lagomeira,/ Que tais pastos tem gostado (Bandarra, p. 06)”. Grifa = Espanha; Parideira: Herança por meio de partos e casamentos. Esp. Port.

[128] Vieira partiria aqui da idéia de tempo de governo, e não da idade do rei, ou seja, como D. João III morrera quando D. Sebastião tinha três anos de idade, parte-se do principio de que aí se iniciou o reinado do novo rei, ignorando-se os períodos regências que antecederam o governo de D. Sebastião. Desta forma, aos dezoitos anos de idade o monarca teria quinze de governo, e assim, seria considerado um ancião pelo jesuíta.

[129] “Saia, saia esse Infante/ Bem andante,/ O seu nome é D. João./ Tire e leve o pendão/ Glorioso e triunfante./ Vier-lhe-ão novas num instante/ Daquelas terras prezadas,/ As quais então declaradas/ E afirmadas/ Pelo rei de ali em diante (Bandarra, p. 07)”. Esp. Port.

[130] “O rei novo é acordado./ Já da brado,/ Já ressoa o seu pregão,/ Já Levi lhe dá a mão,/ Contra Sichem desmandado (Bandarra, p. 13)”. Levi = Papa; Sichem = Turco. Idem.

[131] Idem.

[132] Idem.

[133] Sermão dos Bons Anos.

[134] Hist. Fut.

[135] Sermão de São José.

[136] CUNHA, Mafalda Soares da. A questão jurídica na crise dinástica. In: MAGALHÃES, Joaquim Romero. História de Portugal: No Alvorecer da Modernidade. Lisboa: Estampa, 1997.

[137] Vieira admite aqui que D. Sebastião não poderia mais retornar, pois estaria morto. Neste caso, seu herdeiro seria D. Filipe IV, pois este sermão foi pregado na Baía em 06 de janeiro de 1641, e a notícia acerca da restauração só foi recebida em 15 de fevereiro de 1641. Vieira vai justificar depois que não identificara, neste momento, D. João IV como herdeiro de D. Sebastião devido ao fato de que o primeiro estava encoberto, e assim, não poderia ser reconhecido antes do tempo indicado pelas profecias. VARNHAGEN, Francisco Adolfo. História Geral do Brasil. Vol. I, Tomo I e II. São Paulo/Belo Horizonte: Edusp/ Itatiaia, 1981; Sermão de Dias de Reis

[138] Sermão de São José.

[139] Sermão dos Bons Anos.

[140] AZEVEDO, João Lucio. História de Antonio Vieira. Op. Cit. vol. 1, p. 36.

[141] MARQUES, A. H. Oliveira. História de Portugal. Op. Cit.

[142] MARQUES, A. H. Oliveira. Breve História de Portugal. Op. Cit. p. 286.

[143] Ver genealogia em anexo.

[144] MARQUES, A. H. Oliveira. Breve História de Portugal. Op. Cit.

[145] Sermão das Exéquias de D. João IV.

[146] Idem.

[147] Sermão do Esposo da mãe de Deus, São José.

[148] É importante chamarmos a atenção aqui para o fato de que as Cortes de Lamego, assim como outros documentos que foram utilizados para legitimar D. João IV como rei de Portugal, sejam oficiais sejam de caráter profético, são suspeitas de falsificação. Segundo Oliveira Marques, as atas de tais cortes teriam sido forjadas no mosteiro de Alcobaça, provavelmente no segundo cartel do século XVII, e publicadas em 1632. A respeito de outros documentos falsificados, temos as trovas de Bandarra que, como nos lembra João Lucio de Azevedo, foram constantemente alteradas de acordo com os interesses e as situações, além da carta S. Bernardo teria escrito à D. Afonso Henrique que, segundo Maria Leonor Buesco, teria sido publicada no ano de 1649, em Lisboa por Nicolau Monteiro. O teor da referida carta seria o seguinte: “Dou graças a Vossa Senhoria pela mercê e esmola que nos fez do sítio e terras de Alcobaça para os frades fazerem mosteiro em que sirvam a Deus, o qual em recompensação desta, que no céu lhe pagará, me disse lhe certificasse eu da sua parte que a seu reino de Portugal nunca faltariam reis portugueses, salvo se pela graveza de culpas por algum tempo o castigar. Não será, porém, tão comprido o prazo deste castigo, que chegue a termo de sessenta anos. De Claraval, 13 de março de 1136. Bernardo.” MARQUES, A . H. Oliveira. Breve História de Portugal. Op. Cit., AZEVEDO, João Lucio. A evolução do Sebastianismo. Op. Cit. BUESCU, Maria Leonor C. (Org). IN: VIEIRA, Padre Antonio. História do Futuro. Op. Cit.

[149] GOMES DA SILVA, Nuno J. Espinosa. Op. Cit.

[150] HESPANHA, Antonio Manuel. A restauração portuguesa nos capítulos das cortes de Lisboa de 1641. Op. Cit.

[151] SERRÃO, Joaquim Veríssimo. História de Portugal: A Restauração e a Monarquia Absoluta. Op. Cit.

[152] Hist. Fut.

[153] Sobre a trajetória da família Pereira no século XIV, ver: FERNANDES, Fátima Regina. O Reinado de D. Fernando no Âmbito das Relações Régio-Nobiliárquicas. Porto: Tese Policopiada defendida na Universidade do Porto, 1997, p. 141-177.

[154] Sermão das Exéquias de D. João IV.

[155] Esp. Port.

[156] Sichem = turco; Diná = Igreja; Levi = Papa. Idem.

[157] Leão = D. João; Porco = Turco. Idem.

[158] Idem.

[159] Mesmo que apenas no discurso saudosistas de seus defensores.

[160] Hist. Fut.

[161] DELUMEAU, Jean. Mil anos de felicidade. Op. Cit.