CAPÍTULO SEGUNDO
PADRE ANTONIO VIEIRA:
VIDA E OBRA
“A vida dos oradores está principalmente nos seus discursos; e um grande triunfo oratório é para eles, como para um general, o ganho de uma batalha.”
João Francisco Lisboa
Vida do Padre Antonio Vieira
2.1 - Padre Antonio Vieira e seus biógrafos
A obra de Vieira, vasta e complexa, possui elementos que possibilitam as mais variadas interpretações. Muito se falou a seu respeito, procurando o sentido de seu discurso e de sua vida. No Brasil, privilegia-se sua postura como missionário, principalmente no período em que esteve na província do Maranhão (1651-1661). Porém, outras caracterizações acerca do jesuíta já foram apresentadas. Como nos indica Eduardo Hoornaert:
“Sua figura histórica sempre foi bastante controvertida: seu primeiro biógrafo, André de Barros SJ (1746), o descreve como o jesuíta modelo, dedicado e santo, enquanto o bispo de Viseu, Francisco Alexandre Lobo (1826), apresenta-o como homem vaidoso e ambicioso, seguido nisso pelo historiador maranhense João Francisco Lisboa (1865). No final do século XIX, dois autores, Carel (1889) e Cabral (1900), realçaram sua vida sacerdotal e religiosa, enquanto o português João Lúcio de Azevedo (1918-1921) pôs em evidência sua personalidade política e Serafim Leite SJ, na sua monumental ‘História da Companhia de Jesus no Brasil’ (HCJB, 1938-1950, 10 vols.) fez dele retrato predominantemente apologético.
Vieira foi descrito como político (Hernâni Cidade: 1955) e missionário (Maxime Haubert: 1964), pregador (Luiz Gonzaga Cabral: 1901) e teólogo (Raymond Cantel: 1960). Qual a imagem verdadeira? Como foi Antonio Vieira ‘objetivamente?’ (p. 63)”[1]
Para melhor compreendermos os seus escritos faz-se necessário uma especial atenção ao contexto em que sua obra é produzida, pois se negligenciarmos tal aspecto, teremos um entendimento fragmentário dela. Ao traçarmos seu perfil biográfico, devemos levar em conta a eleição de um elemento norteador, para que não nos percamos na infinidade de questões tratadas pelo jesuíta. Utiliza-se aqui da legitimação da nova dinastia por parte do jesuíta e sua teoria acerca do Quinto Império, elementos indissociáveis, como veremos abaixo. Tais questões aparecem em sua obra mesmo antes de sua ida à Portugal em 1640, demonstrando suas preocupações em relação ao futuro do reino[2]. Assim, estaremos aqui privilegiando tais aspectos, negligenciando propositadamente outros caminhos possíveis de análise[3].
Para tanto, utilizaremos, além dos escritos de Vieira, de quatro de seus mais respeitados biógrafos, João Francisco Lisboa[4], João Lucio de Azevedo[5], Hernâni Cidade[6] e Serafim Leite[7], apresentando a forma como entenderam o jesuíta e o apresentaram em seus respectivas trabalhos.
A biografia intitulada “Vida do Padre Antonio Vieira”, de João Francisco Lisboa[8], não deve ser entendida como uma única obra, mas sim como duas, confeccionadas em momentos e com objetivos distintos. A primeira parte, “Vida do Padre Antonio Vieira (na Europa)”, é uma obra inacabada e sem revisão, publicada pela primeira vez após a morte de seu autor, em 1901, juntamente com suas obras completas. Possui uma narrativa linear, dando destaque para as atividades políticas e diplomáticas do jesuíta. Privilegia, como indica o título, o período europeu de Vieira, apesar de tratar rapidamente de suas passagens pela Bahia, ou seja, dos antecedentes a sua partida para a Europa e após sua decadência na corte. Já a segunda parte, “Vida do Padre Antonio Vieira (Jornal do Timon) no Brasil”, foi publicada pela primeira vez em 1852 como parte integrante do Jornal do Timon, sendo assim uma obra acabada. Apesar do título, trata apenas da atuação do jesuíta no Maranhão, não se atendo aos demais períodos de sua vida, deixando de apresentar referências até mesmo ao pequeno espaço de tempo em que Vieira esteve em Lisboa para tratar da questão indígena junto à coroa. Estas duas partes foram publicadas juntas pela primeira vez em 1891, pela Livraria Granier, com o título acima mencionado.
Apesar desta distinção em sua obra, há pontos em comum que podemos aqui destacar. Uma questão que transcorre todo discurso de Lisboa é a ambição do jesuíta, que apresentara tais sentimentos já quando entrara para a Companhia de Jesus pois, segundo o biógrafo, Vieira vira no instituto o caminho mais curto para se alcançar a grandeza humana, sendo este um sinal de ambição precoce. Em relação ao pedido de seus pais para que não seguisse tal caminho, afirma Lisboa que,
“Vieira perseverou, despontando nele por este modo em ocasião tão solene, e desde a aurora da vida, aquele ferrenho desprezo dos sentimentos mais ternos e suaves, e aquela ambição aspérrima e insaciável que o dominaram depois em todo o curso dela (p.07)[9].”
Tal ambição estaria ainda mais presente quando o autor trata das questões políticas em que o jesuíta atuara onde, segundo ele, abandonara em muitos casos sua vocação apostólica em favor de seus projetos para o reino, sempre em defesa da dinastia de Bragança, propondo até mesmo a entrega do reino em favor da manutenção dinástica[10].
Ao analisarmos a biografia de Vieira escrita por João Francisco Lisboa temos que levar em consideração duas questões importantes: o fato de o biógrafo ser maranhense, sendo que seus pais e avós foram donos de terra neste estado, trazendo consigo a marca dos conflitos ocorridos no século XVII, e de ter vivido nos princípios do Império brasileiro. No primeiro caso devemos considerar a oposição que a população do Maranhão tinha em relação aos jesuítas, o que resultara na expulsão dos últimos em 1661 e na Revolta de Beckman, em 1684. No segundo, devemos levar em consideração a oposição que havia entre os brasileiros e portugueses no início do Império[11], sendo que, neste caso, Vieira encarnaria o português explorador que não se preocupava com o Brasil, daí o destaque dado à questão da entrega de Pernambuco, na primeira parte da obra, e sua atuação missionária, na segunda.
Devemos levar em consideração que Lisboa confecciona sua obra em um momento de afirmação nacional, onde havia a necessidade de estabelecer uma continuidade entre a ex-colônia e o reino recém independente. O biógrafo fazia parte de um grupo de intelectuais que tinham como objetivo compor uma história do Brasil que possibilitasse a constituição de uma nação branca e européia, tendo no Estado seu elemento constituinte[12]. Era este, por exemplo, o trabalho desenvolvido pelos membros do Instituto Histórica e Geográfico Brasileiro, que, segundo Lucia Maria Paschoal Guimarães:
“Significou dotar o país, carente de unidade e recém-saído da condição de colônia, de um passado comum (p.474)[13].”
O projeto político dos membros do referido Instituto era marcado pela fidelidade ao Imperador. Tal característica estaria presente também na obra de João Francisco Lisboa, que chegaria a ser enviado a Lisboa, pelo Imperador, com o objetivo de catalogar e copiar documentos considerados importantes para a História do Brasil[14].
Buscava-se, assim, legitimar uma estrutura política herdada do período anterior, havendo a necessidade de manter um relacionamento entre as três raças que compunham a sociedade brasileira, sem alterar a dominação expressa pela colonização branca[15]. Tal projeto possibilitou o entendimento de um estado forte e centralizador representado pela figura da Dinastia de Bragança[16], marcando uma continuidade entre os reis portugueses e o imperador brasileiro[17].
Desta forma, ao apresentar uma leitura da obra de Viera, João Francisco Lisboa o vê como um elemento de cisão deste Estado centralizador, entendendo as posições de Vieira como perigosas à soberania de Portugal e, consequentemente, do Brasil. Lisboa apresenta-se como um defensor da restauração portuguesa, apontando com grandeza a superação das dificuldades para sua consolidação. Não é de se estranhar, assim, a indignação de Lisboa com a proposta de unir novamente as duas coroas ibéricas a partir do casamento[18] pois, para ele, estaria Vieira esquecendo-se “da velha nacionalidade de cinco séculos”, a revolução de 1640, o sangue e o tesouro sacrificado na guerra contra Castela, as antipatias nacionais, o ódio estrangeiro, o amor, a liberdade e a independência. O que ocorreria seria uma simples negociação entre senhores, onde a dinastia menor e mais fraca cederia o trono para a maior e mais sólida. Ainda segundo Lisboa:
“O príncipe era exaltado ao trono, em proveito exclusivamente seu, e do inimigo, que assim dum golpe esquivava todas as dificuldades de uma aliança matrimonial, e recuperava sem trabalho um reino perdido. Além de que, circundado de uma corte, onde predominaria em enorme desproporção o elemento espanhol, seria o príncipe, o primeiro absorvido e transformado (p.137/138)[19].”
Como visto anteriormente, o modo como os intelectuais do Império entendiam a história do Brasil era essencialmente por um viés político. Seria este também o aspecto que João Francisco Lisboa privilegiaria em sua obra, dando atenção aos aspectos políticos da obra de Vieira, principalmente no que se refere à diplomacia e as relações internacionais na primeira parte, e às missões e conflitos com os maranhenses na segunda, pouco destacando o messianismo do jesuíta e a sua teoria acerca do Quinto Império, relegando a segundo plano o discurso apologético do jesuíta na confecção de sua biografia.
Já Serafim Leite[20], padre membro da Companhia de Jesus, trata o Padre Antonio Vieira a partir de sua “História da Companhia de Jesus no Brasil”, dando assim destaque para sua atuação como missionário no Maranhão, entendendo-o como o nome mais importante do instituto no norte do Brasil, ultrapassando Nóbrega e Anchieta no que se refere à literatura[21]. A parte em que trabalha a obra de Vieira está inserida no tomo IV, livros I e II, sendo o capítulo I do livro I, intitulado “Antonio Vieira antes de embarcar para o Norte do Brasil (1608-1652)” e o capítulo II “A Liberdade dos Índios”. Trata ainda do jesuíta no capítulo III, “Do Perdão de 1662 ao Motim de 1684”, quando narra as revoltas do Maranhão contra a Companhia de Jesus, e no IV, “O Regimento das Missões”, onde apresenta o regimento elaborado por Vieira e que nortearia todo o trabalho jesuítico a partir de então. No livro II, Serafim Leite ocupa-se especificamente do trabalho missionário de Vieira, sendo os capítulos intitulados: I, “As Aldeias”, II, “Regulamento das Aldeias ou a ‘Visita’ do Padre Antonio Vieira”, III, “Governo das Aldeias”, IV “Antonio Vieira, Visitador Geral (1688-1691)” e V, “Os Cargos de Governo e os Missionários Estrangeiros”.
O autor entende o jesuíta como grande político e diplomata, intitulando-o orador da restauração portuguesa. Ao destacar tal habilidade como a mais importante em suas passagens por Lisboa, o identifica como um dos grandes defensores do rei D. João IV nos momentos mais difíceis de seu reinado. Apesar da atenção dada ao discurso apologético de Vieira, o vê como alegórico e complementar as suas preocupações políticas.
Serafim Leite faz uma apologia do jesuíta, destacando seu trabalho para o engrandecimento da Companhia de Jesus. Como o objetivo central do autor é traçar a história dos jesuítas em terreno brasileiro, e pelo fato de ser ele mesmo um membro do instituto, acaba por proporcionar uma interpretação que parte da própria Companhia, apresentando uma versão da ordem sobre um de seus mais ilustres membros.
Um autor contemporâneo de Serafim Leite foi Hernâni Cidade[22], grande conhecedor da obra de Vieira, colaborou com a reedição, no nosso século, de muitas de suas obras. Português de Lisboa, procurou entender a vida do missionário como uma trajetória, daí a linearidade de sua obra, que se divide em: “Na Bahia”, onde destaca o período de formação do jesuíta e sua atuação frente as guerras contra os holandeses, “Na Europa”, onde chama atenção para a atuação de Vieira como político e diplomata, sendo considerado aqui um dos maiores defensores da nova dinastia. Hernâni Cidade apresenta seus projetos políticos vinculados as suas esperanças messiânicas, entendendo a restauração portuguesa como parte de um processo que levaria Portugal a se consolidar como um Império Universal Cristão. Seguindo na divisão da biografia, temos o capítulo intitulado “Regresso ao Brasil”, onde trata da atuação missionária de Vieira, “A Utopia do Quinto Império e a Inquisição”, destacando o debate entre o jesuíta e o Tribunal do Santo Ofício, “Longe das Graças da Corte”, período final da vida de Vieira, onde inclui sua ida a Roma e seu retorno definitivo para o Brasil. Inclui ainda um capítulo intitulado “A Obra Literária de Vieira”, onde trata do estilo e do discurso do jesuíta, incluindo trechos de sermões e demais obras.
Cidade, desde o princípio de sua obra, elogia o talento de Vieira e sua precoce intervenção nas coisas públicas[23], destacando seu profetismo, sempre aliado ao realismo histórico e as suas resoluções políticas. Desta forma, seu discurso apologético aproxima a história de Portugal com a do povo Hebreu, contida no Antigo Testamento, sendo que, segundo o autor, seria tal discurso que o levaria ao duelo teológico com a Inquisição. Hernâni Cidade observa assim que não seria possível desvincular, na análise do discurso de Vieira, as preocupações espirituais das temporais, uma vez que, para o jesuíta, a história se adaptaria aos fatos bíblicos. Há aqui uma atenção para o discurso profético de Vieira que, segundo Cidade, permearia toda sua obra, sendo então um ponto fundamental para entendê-la, além de sua atuação frente aos problemas do reino português.
Uma questão fundamental para o jesuíta seria seu trabalho missionário, sendo que dele dependeria a conversão mundial e o estabelecimento do Quinto Império pois, para ele, Portugal seria a nação escolhida para levar a cristandade para todos os outros povos, impossibilitando assim uma desvinculação da Igreja em relação ao Estado. Desta forma, a expansão da fé deveria ser seguida da expansão do Estado Português. Neste sentido, a proposta de cristianização contida nas obras analisadas não excluía a diversidade dos povos mas, pelo contrário, a aceitava, desde que inserida nos quadros do cristianismo português[24].
Temos aqui que Hernâni Cidade apresenta sua versão da vida do Padre Antonio Vieira identificando-o com as preocupações do reino como um todo, sendo sua atuação fundamental para a consolidação do reino e do rei. Ao contrário da análise feita por João Francisco Lisboa, não o vê como opressor aos colonos brasileiros mas, ao contrário, defende tais regiões como parte integrante de Portugal e, desta forma, preocupa-se com o reino como um todo, incluindo-se aí a América portuguesa.
Uma das biografias mais detalhadas e com maior número de fontes citadas é a de João Lucio de Azevedo[25]. Um dos maiores estudiosos sobre a história de Portugal de seu tempo, consegue, de maneira brilhante, apontar as questões que preocupavam Vieira no momento da confecção de sua obra, levando o leitor ao contexto da restauração portuguesa, com suas intrigas e contradições, destacando o espírito profético do jesuíta que, segundo o biógrafo, não o abandonara até o fim de sua vida.
A obra, que possui dois volumes, é apresentada de uma forma linear e temática, estando dividida em: “1o. Período: O Religioso”, onde trata em especial da formação do jesuíta, “2o. Período: O Político”, com destaque para sua atuação diplomática e defesa dos cristãos novos, “3o. Período: O Missionário”, “4o. Período: O Vidente”, onde apresenta suas teorias messiânicas e o conflito com a Inquisição, “5o. Período: O Revoltado”, onde, sentindo-se desprezado pelo rei, parte para Roma com o intuito de receber o perdão do Papa em relação as penas recebidas pela Inquisição de Portugal. É neste período também que se estabelece um dos grandes debates acerca dos cristãos-novos, onde Vieira teria uma atuação marcante na defesa destes e que, por algum motivo, é desprezado pelos demais biógrafos. E, finalmente, o “6o. Período: O Vencido”, onde se apresenta o fim da vida de Vieira, na Bahia, ainda com significante atuação política, mesmo que se restringindo a uma esfera local.
João Lucio de Azevedo destaca em sua biografia a atuação política de Vieira, principalmente no que se refere a defesa dos cristãos-novos e da nova dinastia. Apesar de tratar especificamente do Vieira profético somente no quarto capítulo, o autor identifica seu messianismo em quase todos momentos de sua vida, tendo-o como um elemento norteador de todo seu discurso, principalmente no que se refere a restauração, por entender Portugal como um futuro Império Cristão, e desta forma, toda sua história estaria marcada por intervenções divinas.
Assim como Hernâni Cidade, João Lucio de Azevedo apresenta Vieira a partir de uma perspectiva portuguesa, sendo que toda sua atuação política e missionária deve ser entendida a partir de sua ligação com a coroa, além de suas perspectivas messiânicas para o reino.
Após apresentarmos, de modo sucinto, o modo com tais autores entenderam e analisaram a obra do Padre Antonio Vieira, podemos concluir que todos eles, apesar de perspectivas distintas, dão destaque a sua postura política frente a restauração, mesmo que, como no caso de Serafim Leite, trate de sua atuação missionária na América, pois não a desvincula de uma preocupação do jesuíta com o reino. A questão messiânica, no entanto, só é tida como fundamental para a compreensão da obra de Vieira por Hernâni Cidade e João Lucio de Azevedo. Já sua atuação missionária, apesar de apontada por todos, é analisada com maior atenção por Serafim Leite, devido ao caráter de sua obra, e na segunda parte da obra de João Francisco Lisboa. Apesar disto, há uma oposição entre os dois biógrafos pois, como visto acima, Serafim Leite vê a atuação de Vieira como engrandecedora pois, além de estar levando a verdadeira fé aos nativos estaria auxiliando no engrandecimento da coroa portuguesa, enquanto que para João Francisco Lisboa, a atuação de Vieira como missionário fora marcada pela ambição, estando mais preocupado em angariar poder político sobre as missões que com a fé indígena, além de prejudicar os colonos que dependiam dos nativos para sobreviver.
As posições de tais biógrafos influenciaram as análises feitas por estudiosos brasileiros da obra de Vieira. Estes, no entanto, destacam geralmente sua atuação missionária, por estar mais próximo a realidade brasileira. Apontarei aqui alguns dos mais importantes estudiosos do jesuíta da atualidade e que, de alguma forma, terão suas reflexões debatidas neste capítulo, sendo eles: Sezinandro Luis Menezes, Alfredo Bosi, Alcir Pécora, Eduardo Hoornaert e Luís Palacin. Há, no entanto, outros autores que tratam da obra de Vieira e que não serão destacados aqui, seja por apresentarem trabalhos isolados, seja devido ao fato de que suas preocupações centrais não sejam a vida e obra de Vieira, onde cito como exemplo: Janice Theodoro, Anita Novinsky, Ronald Raminelli e Evaldo Cabral de Melo, além de destacar duas grandes ausências, Ivan Lins e Luis Felipe Baêta Neves[26].
Uma das mais recentes biografias, apresentada em forma de dissertação de mestrado, é a redigida por Sezinandro Luiz Menezes[27] intitulada “Padre Antonio Vieira, a cruz e a espada”[28]. Neste trabalho, o autor tem por objetivo encontrar o conteúdo social da obra de Vieira. Apresenta-o, no entanto, com preocupações estritamente econômicas, entendendo os seus conflitos com os diversos setores da sociedade portuguesa como oposição entre a nova sociedade mercantil, representada por ele, e a velha sociedade feudal, representada pelos nobres e pela Inquisição. Acentua assim que, no século XVII, aqueles que se opunham ao dinheiro seriam conservadores, impedindo o avanço da sociedade portuguesa. Argumenta ainda que a vitória da antiga sociedade seria a causa da derrota de Portugal e da decadência do reino.
Sezinandro Menezes classifica como burguesas algumas posições de Vieira, como, por exemplo, o fato de propor a extensão da cobrança de tributos para a nobreza, o que confirmaria um questionamento dos privilégios da aristocracia portuguesa e o classificaria como um homem moderno, afastando-se da escolástica para se aproximar do espírito de Francis Bacon. A partir daí o autor busca compreender a política portuguesa em relação à América, entendendo que as colônias só se justificariam enquanto portadoras de um valor mercantil, podendo assim ser abandonadas quando o perdessem. Também os escravos estariam inseridos nesta interpretação, estando sua liberdade espiritual condicionada ao trabalho e ao lucro. Desconsiderando a posição de Vieira frente às questões políticas da restauração portuguesa, apresenta os naturais não como súditos do rei, mas como mão-de-obra jesuítica, endossando a tese de que os padres da companhia não permitiam a escravização destes para se utilizarem dos mesmos em proveito próprio. Ao privilegiar o aspecto econômico em detrimento do político, acaba por apresentar uma visão fragmentária da obra de Vieira, e, ao percebê-la como voltada para os interesses econômicos de Portugal, acaba por endossar a tese de João Francisco Lisboa, de que o Padre objetivava a exploração dos colonos brasileiros, legitimando assim a revolta destes contra os membros da Companhia de Jesus.
A posição de Sezinandro Menezes à respeito do Padre Antonio Vieira ao mesmo tempo se aproxima e se distancia da apresentada por Alfredo Bosi[29] no texto intitulado “Dialética da Colonização”[30]. Neste trabalho, o autor apresenta como principal dificuldade da atuação de Vieira a tentativa de ajustar características feudais presentes na sociedade portuguesa com os valores mercantis emergentes. Sua obra buscaria não a eliminação de conceitos medievais como a honra, a fidalguia e a nobreza, mas sim reordená-los dentro de uma realidade que estava ainda em construção, a da centralização dos estados nacionais e da expansão econômica européia, ou seja, o mercantilismo. Alfredo Bosi apresenta assim o Padre Antonio Vieira como um homem de seu tempo, identificando em sua obra as dificuldades de se entender um período de profundas transformações como o foi o século XVII[31].
Alfredo Bosi, ao compreender Vieira como um homem integrado às mudanças que vinham ocorrendo na sociedade, principalmente no que se refere as práticas mercantilistas, enfatiza suas preocupações políticas com o reino de Portugal pois, como nos mostra o autor, em nenhum momento foi proposto a passagem do poder político para as mãos da burguesia em ascensão mas, pelo contrário, reafirmava-se a importância da atuação dos nobres na restauração portuguesa. O fundamento político da obra de Vieira seria, segundo Alfredo Bosi, as contradições existentes entre o discurso universalista, onde se objetivava a consolidação de Portugal como reino cristão, e o particularismo das ações necessárias para se alcançar tal objetivo. Os interesses coloniais seriam parte de um projeto maior, onde muitas vezes havia a necessidade de se fazerem concessões para garantir seu sucesso. Como Serafim Leite, Alfredo Bosi apresenta o Padre Antonio Vieira como elemento de engrandecimento da Companhia de Jesus, traçando uma imagem apologética do jesuíta.
Já Alcir Pécora[32], ao destacar a atuação do Padre Antonio Vieira como missionário, entende os interesses espirituais da evangelização associados aos temporais, ou seja, à expansão do reino português. Atenta-se assim ao messianismo do jesuíta e ao seu discurso legitimador, pois o sucesso da empresa missionária dependeria da consolidação da coroa lusitana. Além disso, chama a atenção para o fato de Vieira ser um idealizador do Quinto Império, o que justificaria o pragmatismo do jesuíta na sua atuação na colônia pois, segundo ele, só o esforço missionário levaria a instituição do Império Universal Cristão.
“Se há idealização, em Vieira, não é diretamente em relação ao índio, mas ao projeto global que se insere: o do avanço decisivo do corpo do exército dos novos conversos, sob o comando da cabeça cristianíssima do Rei de Portugal, formado no espírito da igreja militante - vanguarda de instrumentos a afinar os aparentes desconcertos da história com o oculto da providência - , e prestes a gerar o sublime de um império, o quinto e último, que se estende, em mansidão e sossego, milenarmente até quando chegar o juízo final e o eterno bem após dele.” (p.44)[33]
Alcir Pécora entende assim que, para Vieira, havia a necessidade de inserção do índio brasileiro no corpo místico da igreja, afirmando que a finalidade dos descobrimentos seria a conversão e a conseqüentemente expansão e solidificação da coroa portuguesa. O índio seria súdito do rei de Portugal, o que impossibilitaria sua escravidão. A liberdade indígena estaria assim vinculada à sua inserção na igreja e no reino. Ao apresentar Vieira como idealista em relação ao seu projeto de instauração de uma igreja universal cristã sob a égide da coroa portuguesa, e que tal idealismo justificaria seu pragmatismo, estaria compartilhando do discurso de Hernâni Cidade e João Lucio de Azevedo acerca da atuação de Vieira frente aos nativos americanos.
Eduardo Hoornaert[34] analisa a obra de Vieira a partir de uma perspectiva teológica, onde o messianismo português ocuparia lugar central. Vieira entenderia a história de Portugal como sagrada, que culminaria na formação de um Império Universal Cristão, sendo que, desta forma, “a separação entre igreja e estado não teria sentido, pois poderia enfraquecer a obra missionária (p.65)” [35]. O jesuíta teria assim uma perspectiva sagrada da história de Portugal, onde a coroa portuguesa assumiria o papel de estado evangelizador universal[36], entendendo a atuação dos jesuítas junto aos naturais brasileiros a partir da necessidade da expansão de Portugal e, conseqüentemente, do cristianismo, aproximando-se, assim como Alcir Pécora, das questões apontadas por Hernâni Cidade e João Francisco Lisboa.
Luis Palacin, ao tratar da obra de Vieira, parte da idéia de consciência possível, ou seja, de que o meio imporia limites na forma de se pensar. A partir daí, o vê como representante do barroco português e do pensamento social jesuíta, que partiria de um estado de espírito nacional, ultrapassando os motivos de classes ou grupos.
“As contradições e impossibilidades do Portugal da Restauração são indispensáveis para a compreensão de Vieira, e em contrapartida a obra de Viera torna-se, por sua vez, um dos testemunhos mais ricos para a interpretação desta época histórica (p.10)[37].”
Desta forma, Palacin estaria preocupado em analisar os limites que o período histórico imporia a Vieira, identificando sua crença milenarista como uma poluição mental da época da restauração, que se oporia a sua extraordinária inteligência. Uma questão para qual o autor chama atenção seria o fato de que, apesar de fazer críticas à política colonial portuguesa, Vieira não teria elementos para lhe negar, pois tal conceito lhe seria estranho, entendendo as possessões portuguesas como parte do reino, e não como colônia. Tal oposição teria suas raízes no conflito entre uma perspectiva escolástica jesuítica, onde as essências são tidas como imutáveis, e a época de profundas mudanças em que vivia.
Luis Palacin, ao mesmo tempo que se aproxima de Alcir Pécora e Eduardo Hoornaert, por demonstrar que no discurso de Vieira estariam presentes duas motivações que se complementavam , ou seja, uma patriótica e outra religiosa, se distancia deles, pois considera que a idéia de uma intervenção divina na história de Portugal atrapalhara suas elaborações políticas e sua atuação tanto na Europa como na América. Apesar disto, não tece uma crítica ao jesuíta por tal fato, entendendo-o como o modo de pensar de seu tempo e, desta forma, limitaria a visão de mundo do jesuíta.
Em relação ao trabalho aqui apresentado, há uma preocupação primordial com o aspecto político da obra do Padre Antonio Vieira, principalmente no que se refere a busca de uma legitimação para a nova dinastia, que estaria em processo de consolidação. Seu discurso legitimatório seria formulado a partir de suas expectativas messiânicas, elaborando para tanto padrões sucessórios que, partindo das profecias, iriam além das regras tradicionais.
O discurso do Padre Antonio Vieira seria parte de um esforço para garantir a soberania lusitana, estando inserido em um ambiente de disputas políticas no interior da corte. É neste sentido que devemos entender muitas de suas posições, como a proposta de criação de companhias comerciais com dinheiro judeu ou da entrega de Pernambuco aos Países Baixos, vendo nesta o único meio de garantir a paz com os neerlandeses.
O discurso profético de Vieira estaria assim fortemente marcado por suas preocupações em relação ao futuro da dinastia, aliando seu messianismo e a teoria do Quinto Império ao seu discurso legitimador. Além disso, trataremos das questões jurídicas referentes a restauração portuguesa, tendo em vista que o jesuíta tinha conhecimento delas. Porém ao inserir novos elementos que garantiriam a soberania do reino e a permanência do rei na corte, ultrapassava-as, o que dava um ar de originalidade aos seus escritos.
Apesar de autores como João Lucio de Azevedo e Hernani Cidade privilegiarem o aspecto político da obra de Vieira, aliado ao seu messianismo, deixam de destacar seu discurso legitimador e sua importância no processo de consolidação da restauração portuguesa. Em relação aos autores brasileiros, poucos foram além da atuação de Vieira como missionário, relegando a segundo plano as demais facetas de seu discurso. Dentre os que ultrapassaram tal barreira estão Alcir Pécora e Alfredo Bosi, que entendem sua atuação missionária vinculada as suas preocupações com o reino. Não tratam, no entanto, da questão da legitimidade do rei e, no que se refere ao seu messianismo, o entende como fundamental para a conversão dos nativos, mas não como forma de garantir a soberania lusitana.
Entendemos, no entanto, que só se pode compreender a atuação de Vieira no Brasil a partir de suas preocupações com o futuro do reino, pois entendia o índio como possível súdito do rei, fortalecendo-o e garantindo a expansão do reino em direção a sua missão universal.
Ou seja, parte-se do princípio de que Vieira estaria integrado a um grupo de nobres lusitanos que teria por objetivo garantir a legitimidade da restauração e a permanência do rei no trono. Para tanto, faz uso das profecias e da teoria acerca do Quinto Império, elaborando regras sucessorias que iriam além das tradicionais, procurando demonstrar que D. João IV teria legitimidade não só através do direito dos homens, mas também do divino.
2.2 - Padre Antonio Vieira: Vida e Obra
2.2.1 - Antes de sua partida para Portugal (1608 - 1640)
Será apresentado aqui um perfil biográfico da vida do Padre Antonio Vieira, para que assim possamos ter uma idéia geral de sua trajetória e de sua postura em relação às coisas do reino nos diferentes momentos de sua vida. Procurar-se-á privilegiar sua postura frente a restauração portuguesa, o que não nos impede de traçar, mesmo que brevemente, outros aspectos que marcaram o jesuíta, como o questão indígena ou judaica. Daremos destaque, no entanto, para o período em que teve maior prestígio junto a corte, por ser este o recorte temporal da presente dissertação, que está, neste capítulo, denominado de “Orador e Diplomata da Restauração” e “O missionário”, representando o intervalo entre os anos de 1640 à 1661.
Antonio Vieira nasceu em 06 de fevereiro de 1608, na Rua dos Cônegos, cidade de Lisboa. Vinha de uma família modesta, tendo como pai Cristóvão Vieira Ravasco, de origem alentejana e neto de uma serviçal mulata, e como mãe Maria de Azevedo, filha de Brás Fernandes, armeiro da casa real[38]. Com o casamento, seu pai recebeu como parte do dote um ofício de justiça ou fazenda, que fora obtido por Brás Fernandes como carta de lembrança a quem se casasse com sua filha. Cristóvão Vieira Ravasco parte então para a Bahia, em 1609, com o intuito de ocupar o cargo de ofício de escrivão de agravos e apelações da relação da Bahia, retornando para Lisboa em 1612, para buscar mulher e filho[39].
Na Bahia, Vieira aprende a ler e escrever no Colégio dos Jesuítas, onde, segundo Hernâni Cidade, recebera os estímulos que lhe teriam inclinado o espírito[40]. Aos quinze anos de idade, após ouvir o Auto de São Lourenço, prédica do inferno apresentado pelo Padre Manuel de Conto[41], foge de casa e pede permissão para que fosse aceito junto a Companhia de Jesus[42]. Seus pais, em um primeiro momento, opuseram-se a decisão do filho, porém acabaram aceitando o destino que lhe fora reservado[43].
Inicia a seguir o seu noviciado, período de provação que exigia a abolição de quaisquer relações com o mundo exterior, privilegiando-se a educação da vontade, expressa nos votos de pobreza, castidade e obediência, sendo três os graus de obediência que os jesuítas deveriam alcançar: subordinar sua vontade ao do superior, identificar-se com ela e, em um momento mais avançado, o identificar não só da vontade, mas também do pensar[44]. Havia também a necessidade de se sacrificar as curiosidades temporais em favor das espirituais, investindo-se no estudo da retórica, filosofia e teologia.
Em 1624, quando Vieira ainda cumpria suas obrigações como noviciado, foi recebida na Bahia a notícia de que navios da Companhia das Índias Ocidentais[45] se dirigiam para a região. É importante ressaltarmos aqui que tal investida fora uma ação planejada pelos Países Baixos, com o intuito de conquistar o Brasil e apoderar-se principalmente de seu mercado açucareiro pois, desde o fim da trégua entre Castela e os Países Baixos em 1621, quando os neerlandeses perderam o controle que tinham sobre o comércio do açúcar brasileiro, desejavam obter este mercado[46].
Frente a tal ameaça, o governador Diogo de Mendonça Furtado convoca a população para defender a cidade, melhorando os fortes do porto e construindo outro[47]. A demora do ataque, no entanto, fez a população acreditar que a atitude do governador fora precipitada e, com o apoio do Bispo D. Marcos Teixeira, abandonaram as armas e retornaram a seus afazeres[48]. Em 08 de maio de 1624 as velas inimigas são avistadas, sendo que na madruga seguinte trinta e três navios se fundam em frente à cidade, desviando-se dos fortes. Nesta ocasião, reúne o governador os soldados que eram possíveis e os redistribui, enquanto o Bispo apresenta uma Companhia de Eclesiásticos. Com o desembarque de mil homens, manda o governador toda a gente a cavalo que possuía, que, ao prever as dificuldades do combate, deserdam. A população, vendo-se desamparada, foge da cidade, acompanhadas pelo Bispo, dirigindo-se para o colégio da Companhia[49]. No dia seguinte os neerlandeses, comandados por Jacob Willekens, tomaram a cidade sem resistência, prendendo o governador e o enviando imediatamente para a Europa.
Vieira, que fugira junto com os demais padres da companhia, permaneceria até a retomada da cidade, em 30 de abril de 1625, na aldeia do Espírito Santo, observando os fatos que seriam relatados na Carta Ânua, documento enviado ao Geral da Companhia de Jesus onde se narra os acontecimentos relativos ao instituto no Brasil. Neste documento, podemos encontrar uma descrição pormenorizada da invasão holandesa na Bahia e da resistência dos portugueses[50], onde destaca, devido ao caráter do documento, o papel dos jesuítas no referido confronto, principalmente no que se refere ao apoio espiritual aos soldados.
“Tanto que se assentou a arraial, nele assistiram sempre os nossos padres, dois e quatro às vezes, pregando, confessando, exortando e animando a gente, no que colheram grande fruto, não só do esforço dos soldados, mas também de muitas confissões, umas gerais, outras de muitos anos, outras de muita importância, desarraigando ódios, torpezas e outros muitos pecados (p.23)[51]”.
Vieira opta por uma descrição pormenorizada dos fatos, dando uma idéia do terror que se estabeleceu na cidade com a chegada da armada holandesa. Nas palavras do jesuíta:
“E foi tal a tempestade de fogo e de ferro, tal o estrondo e confusão, que a muitos, principalmente aos poucos experimentados, causou perturbação e espanto, porque, por uma parte os muitos relâmpagos fuzilando feriam os olhos, e com a nuvem espessa do fumo não havia quem se visse; por outra, o contínuo trovão da artilharia tolhia o uso das línguas e orelhas, e tudo junto, de mistura com as trombetas e mais instrumentos bélicos, era terror a muitos e confusão a todos (p.11)[52].”
Com o retiro da população para o interior e o aprisionamento do governador, o Bispo é nomeado Capitão-mor, estabelecendo arraial fortificado junto ao Rio Vermelho[53]. A atuação deste é glorificada por Vieira, que caracteriza a ocupação do cargo como uma necessidade de defesa da fé católica e da lealdade ao rei[54]. Após longo sítio feito à cidade, onde se sucederam mais dois capitães-mores, é mandada da Europa uma armada com 52 navios de guerra que, em menos de um mês, auxilia na retomada da cidade[55]. Em relação a tal fato, Vieira afirma que os jesuítas, ao saberem da notícia acerca da armada, realizaram procissões com ladainhas, pedindo a Deus misericórdia, sendo que:
“(...) no dia da redenção do mundo, nos quis [Deus] mostrar a nossa, antecipando-nos as aleluias com a primeira vista da nossa armada, a qual, dia de Páscoa da Ressurreição, primeiro de abril de 1625, amanheceu toda dentro da Bahia, posta em ala, para que as velas inimigas, que no porto estavam, não pudessem sair nem escapar (p.31)[56].”
Três semanas após a assinatura da capitulação de rendição, que tinha como termos a entrega da cidade com toda artilharia, armas, munições e todos os demais pertences, além dos navios que estivessem no porto; que na entrega se incluiria dinheiro, pedras preciosas, mercancias, escravos e tudo o mais que houvesse na cidade e nos navios; que se restituiriam todos os prisioneiros; que não tomariam armas contra a Espanha até chegarem nos Países Baixos; que retornariam impunemente, com todas suas roupas; que lhes seriam dadas embarcações com mantimentos e tudo o mais para permanecerem no mar por três meses e que entregariam uma das portas da cidade, recebendo em troco reféns a contento[57], chegam ao porto da Bahia 34 naus que vinham em socorro aos invasores, trazendo consigo um édito de proclamação aos povos do Brasil, onde prometia tolerância religiosa, liberdade de comércio e segurança à propriedade, dentre outras garantias àqueles que os aceitassem como senhores. Vieira afirma aqui que fora graças a intervenção divina que a armada católica chegara primeiro e garantira a segurança da cidade.
“Demos graças a Deus pelas desviar e deter, de maneira que, se chegassem antes de nossa armada, então custara muito mais sangue a restauração da cidade (p.36)[58].”
Com a paz, de certa forma, restabelecida, pois o perigo neerlandês não deixara de rondar as fronteiras baianas, Vieira é nomeado, em 1626, professor de retórica no Colégio de Olinda[59], e ao concluir o curso, é levado à aldeia do Espírito Santo, próxima a Salvador, onde tem sua primeira experiência como missionário. Admirado com a atuação dos padres da companhia na missão, vê no trabalho apostólico o meio privilegiado de atuação para um jesuíta, passando assim a dar maior atenção ao estudo da língua e dos costumes indígenas, estando disposto a abandonar tudo o que aprendera. Teria sido neste momento que Vieira realizara seus votos de dedicação à doutrina e conversão dos gentios, votos estes que iriam ser relembrados quando de sua partida de volta ao Brasil, porém desta vez ao Maranhão, em 1652. A Companhia de Jesus, prevendo o perigo de perder o talento de Vieira[60], o obriga a retornar a Salvador, onde inicia seus estudos sobre teologia.
Apesar desta tendência ao trabalho missionário, Vieira, desde o início de sua carreira oratória[61], com o sermão, pregado em 1633 em Salvador, demonstra interesse em intervir na vida pública, preocupando-se principalmente com os perigos que o Brasil corria devido à ameaça constante dos holandeses que, mesmo após serem derrotados pelos portugueses da Bahia, não deixavam de aspirar pela conquista do território[62].
Em 1634 apresenta sua tendência messiânica ao compor uma sátira ao Sebastianismo, no Sermão de São Sebastião, onde compara a vida do santo com a vida do rei desaparecido em Alcácer Quibir[63]. Tais aproximações eram instigadas pelos padres da Companhia de Jesus, que se utilizavam de tal discurso como forma de se oporem ao governo espanhol. Vieira faz uso aqui de argumentos que seriam retomados após a restauração portuguesa, referindo-se então a D. João IV, como, por exemplo, o questionamento de que como poderia alguém estar morto com tantas profecias para realizar. Ou seja, se as profecias estariam para se realizar, a morte não poderia impedi-las.
“E assim, no mesmo teatro onde Sebastião despido, chagado, envolto em seu sangue, parecia que estava morto, ai mesmo perseverava, ai mesmo se conservava, e ai mesmo triunfava vivo. Porque, como milagroso encoberto na vida e na morte, debaixo da aparência da morte encobria a realidade da vida (p.348)[64].”
Vieira não deixa claro, no entanto, que D. Sebastião retornaria para retomar seu trono e livrar Portugal da opressão estrangeira, como queriam os jesuítas pois, como veremos adiante, esperava a volta de D. Sebastião não em si, mas reencarnado em seu sangue, teoria já difundida no período[65].
No entanto, seu maior triunfo oratório ainda estava por vir, tendo por inspiração a tentativa do Conde Maurício de Nassau de invadir e conquistar a Bahia, depois de seus sucessos em Pernambuco[66]. Em 14 de abril de 1638 foram avistadas velas da armada do conde, ancorando a uma légua da cidade, na praia de Tapagipe. O capitão-mor de Salvador, Conde de Bagnuolo, a quem o governador dera todos os poderes de decisão para o combate[67], entrincheira-se junto à Igreja de Santo Antônio, impedindo que o inimigo avançasse pela cidade. Ao perceber que não poderia resistir ao sítio imposto pelos portugueses, retira-se sem deixar notícia no dia vinte e cinco, sendo que os soldados, sem aperceberem do ocorrido, permaneceram atirando no campo vazio[68]. No decorrer da batalha, foram convocados os jesuítas para pregarem ao povo, ao mesmo tempo que pediam auxílio à Deus para que os portugueses vencessem a contenda. Vieira, grande orador que era, apresentou-se para tal, ficando reservado para o último de uma série de pregadores. Nas palavras de Hernâni Cidade:
“Mais profundamente impressionante é o Sermão pela vitória de nossas armas contra os Holandeses. Com o invasor às portas da Bahia, ocupado na devastação do seu Recôncavo, em todos os templos se erguem ao céu preces angustiosas. No sermão celebérrimo, Vieira leva sua audácia ao ponto de tentar convencer Deus do excesso - e do perigo para Ele próprio - para a provação que a nós aflige (p.38)[69].”
Vieira alia, neste sermão, a necessidade de resoluções políticas por parte do governo civil ao apelo à proteção divina, apresentando o reino de Portugal como reino divino, sendo então Deus responsável pela segurança de seus súditos[70]. Daí não ser considerado abusivo cobrar de Deus a sua responsabilidade frente à possibilidade de perda do território, pois se estaria entregando não só o seu povo para os hereges[71], mas também os inocentes que não saberiam discernir entre a verdadeira e a falsa doutrina cristã.
“Mude a vitória as insígnias, desafrontem-se as cruzes católicas, triunfem as vossas chagas nas nossas bandeiras, e conheça humilhada e desenganada a perfídia, que só a fé romana, que professamos, é fé, e só ela a verdadeira e vossa (p.310)[72].”
Este sermão traria ainda em seu bojo uma importante questão de caráter político, ou seja, ao clamar pela ajuda de seu rei, clama por Deus, e não por Filipe IV (III de Portugal). Afirma ainda que as afrontas que os portugueses vinham recebendo de seus inimigos era castigo de Deus e não devido a perda de seus monarcas.
“Ocorre aqui ao pensamento o que não é lícito sair a língua; e não falta quem discorra tacitamente, que a causa desta diferença tão notável foi a mudança da monarquia. Não havia de ser assim (dizem) se vivera um D. Manuel, um D. João o terceiro, ou a fatalidade de um Sebastião não sepultará com ele os reis portugueses (p.304)[73].”
Ainda não seria aqui que Vieira aclamaria D. Filipe IV como rei de Portugal, o que aconteceria no “Sermão de Dia de Reis”, em tributo à D. Sebastião e em oferta ao vice rei, Marquês de Montalvão[74], em nome de Filipe IV, indentificando-o como herdeiro de D. Sebastião no trono português:
“(...) que com o sangue e com a coroa, herdou juntamente daquele piedosíssimo rei o afeto e particular devoção à nossa companhia (p.68)[75].”
É valido ressaltar aqui que o ano de 1640 já havia chegado e as novas acerca da restauração portuguesa não[76], fazendo com que Vieira identificasse Filipe IV como sendo o rei indicado pelas trovas de Bandarra. Assim, apesar de não citar as referidas trovas, as utiliza, o que se percebe claramente quando, antes de proclamar o monarca espanhol como rei de Portugal, destaca primeiro que o ano de quarenta já havia passado[77]. Estaria aqui afastando-se, de forma definitiva, dos sebastianistas pois, ao afirmar que Filipe IV seria herdeiro de D. Sebastião, partia do pressuposto que este não poderia mais retornar, pois herança, como afirma o próprio Vieira, significa que a morte de seu antecessor fora verdadeira[78].
Com a notícia da restauração portuguesa, o vice rei Marquês de Montalvão, demonstrando lealdade absoluta a D. João IV, envia comitiva de adesão onde estariam presentes o seu filho, D. Fernando de Mascarenhas e os jesuítas Simão de Vasconcelos e Padre Antonio Vieira[79]. Após uma viagem tumultuada, chegam em Peniche a 18 de abril de 1641, onde são tidos como traidores e ameaçados de morte, pois o irmão de D. Fernando e filho do vice-rei do Brasil havia se posicionado a favor de Castela. Assim que desembarcam em Lisboa, a 30 de abril de 1641, apresentam-se ao rei, tendo a comitiva boa acolhida na corte. A partir de então, a figura de Vieira estaria presente em quase todas reuniões do palácio, manifestando-se com tratados e pareceres, além do púlpito, nos assuntos mais relevantes[80].
2.2.2 - Orador e Diplomata da Restauração (1641-1652)
Vieira adquiriu fama de grande orador em Lisboa desde que pregou pela primeira vez na Capela Real, em 1642. Neste sermão, intitulado “Sermão dos Bons Anos”, trata de questões estritamente políticas, como a necessidade de medidas urgentes para a manutenção da independência de Portugal e a consolidação de D. João IV no trono, utilizando-se de um discurso apologético, a partir das trovas de Bandarra[81]. Seu discurso era direcionado para os opositores da nova monarquia, sabendo que a posição do duque de Bragança como rei de Portugal não estava consolidada, pois muitos esperavam ainda a volta de D. Sebastião para assumir o trono lusitano. Desta forma, ao utilizar-se das trovas de Bandarra, estaria utilizando dos mesmos elementos que os sebastianistas para demonstrar que D. João IV era o rei indicado pelas profecias[82].
“Que seria remido Portugal não esperadamente por um rei não esperado. Segue-se logo evidentemente, que não podia el-rei D. Sebastião ser o libertador de Portugal, porque o libertador prometido deveria ser um rei não esperado; e el-rei D. Sebastião era tão esperado vulgarmente, como sabemos todos (p.323)[83].”
A partir de tal sermão, Vieira ganharia total confiança do monarca, configurando-se como um de seus principais conselheiros, chegando a receber o título de pregador régio, em 1644. Porém, a pressão dos adversários do rei ainda era grande e Vieira, que se posicionara como defensor da nova dinastia, voltaria a tratar da legitimidade de D. João IV em sermão pregado no dia de seu aniversário, em 19 de março de 1642[84]. Para tanto, compara D. João IV com S. José, pois ao mesmo tempo que este fora escolhido para proteger o restaurador do mundo, também o fora para proteger o homem que iria restaurar Portugal[85].
“Sendo pois estes dois reis nascidos ambos reis, ambos redentores, e ambos encobertos; o primeiro como diz a profecia de Isaías, o segundo prometido pela profecia, e tradição de Santo Isidoro a Espanha, não com outro nome, ou antonomásia, senão a do encoberto (p.446)[86].”
Neste sermão, Vieira procuraria manter no povo a esperança de redenção portuguesa. Esta era, afinal, a maior preocupação da corte no período: convocar o povo a volta do trono e incitá-los aos sacrifícios necessários para a segurança da pátria[87]. Devemos entender que, neste momento, Vieira pregava em um contexto de instabilidade política, onde a questão que mais o preocupava seria como garantir a soberania de Portugal contra um inimigo tão grande e poderoso quanto Castela, ou seja, como reconquistar o papel que tivera outrora, o de senhor dos mares e do comércio colonial? Nas palavras de Antonio Vieira:
“Como se há
de sustentar um poderoso exército para resistir às forças de Castela e com
que se há de refazer este, no caso que se rompa, ou diminua (P.287)[88]?”
A falta de recursos consistia no maior problema para Portugal, pois eram grandes os gastos com a guerra[89], considerando-se que, após a restauração, o exército e a marinha portuguesa estavam desorganizados, as finanças exaustas, o comércio e a indústria[90] quase arruinados e parte das possessões perdidas[91]. Tal situação seria, segundo Vieira, desastrosa, pois poria em dúvida a própria manutenção da Coroa portuguesa[92], dúvida já sentida pelas demais nações européias, que temiam uma aliança com Portugal devido à sua instabilidade. Desta forma, deixavam de enviar embaixadores para Lisboa, apesar dos esforços dos diplomatas portugueses em garantir apoio internacional ao novo rei.
É neste sentido que prega o Sermão de Santo Antonio, em 14 de setembro de 1642, às vésperas da realização da reunião das cortes que decidiriam sobre aumentos de impostos sob a alegação de insuficiência de recursos para manter a guerra contra Castela e a segurança do reino e das conquistas[93]. A proposta feita por Vieira seria a de distribuição de impostos para todos os estados, ou seja, a nobreza, o clero e o povo. A solidificação dos estratos sociais dificultava a aceitação de seu discurso, pois entendiam que a posição social de cada indivíduo era determinada por Deus e, desta forma, não poderia ser modificada pelo homem[94].
Vieira inicia o sermão identificando qual seria o grande problema português no que se refere ao sistema tributário, tendo-o no particularismo das cobranças. A solução deveria ser a universalização dos impostos, suavizando assim a carga estabelecida sobre o povo. Desta forma, todos estariam contribuindo para o bem maior de Portugal, ou seja, sua conservação. Nas palavras de Vieira:
“Bom era que nos igualássemos a todos; mas, como pode-se igualar extremos que têm a essência na mesma desigualdade? Quem compõe os três estados do reino é a desigualdade das pessoas. Pois, como se hão de igualar os três estados, se são estados porque são desiguais (p.17)[95]?”
Para resolver tal questão, Vieira utiliza-se da alegoria “sal da terra” para denominar os portugueses, pois a grande propriedade do sal seria conservar, unindo os três elementos: fogo (eclesiástico), ar (nobreza) e água (povo) para conservar o quarto, a terra[96], sendo que somente desta maneira e por este motivo poder-se-ia compreender a união de algo tão desigual, como eram os três estados que compunham a sociedade lusitana. Tal questão levou autores como Alfredo Bosi a considerar o seu discurso como avançado, ao defender o concurso de todos para aliviar os únicos sacrificados. Faz-se necessário lembrar aqui que, apesar do autor fazer tal afirmação, não deixa de demonstrar que Vieira não excluíra o nobre de suas obrigações. Assim, apesar de avançar no discurso, na prática o jesuíta mantinha as relações de poder inauteradas, não deixando de distinguir os três estados, demonstrando a responsabilidade de cada um e o porquê da necessidade de contribuições para o fisco, reafirmando que o único que teria tais obrigações seria o terceiro estado[97]. Os nobres não estariam mais que reafirmando sua função no reino, a de proteger o povo e defendê-lo de todas as ameaças[98], pois, como afirma o próprio jesuíta, só poder-se-ia vencer uma batalha quem tivesse sangue nobre pois o valor não estaria no braços, mas sim nas veias[99]. Vieira não estaria aqui fazendo um discurso para além de sua época, mas, ao contrário, estaria mais próximo das máximas medievais de divisão de funções de acordo com sua posição social[100].
Uma das questões que mais o preocupou, não só neste período como em toda sua vida, fora a condição dos cristãos-novos portugueses[101]. Segundo João Lucio de Azevedo, tal questão ganhara força após um conflito entre a Inquisição e a Companhia de Jesus, em Évora, que abalaria a relação entre os dois institutos e que teria seu auge na regência de D. Pedro II, afetando diretamente Vieira, pois fora neste período que sofrera seu processo inquisitorial[102]. Sua posição frente a tal problemática se mostrava arriscada, pois Portugal vivia um momento de reestruturação do reino, e:
“Uma das queixas, e não das menores, alegadas contra os Filipes era a de favorecerem os hebreus. As cortes de 1641, em vários capítulos, se tinha manifestado contra eles, pedindo fossem excluídos de honras e cargos, e igualmente os cristãos novos que contraíssem casamentos em famílias com mácula de judaísmo. Por seu turno, os espanhóis acusavam perante o Papa a D. João IV de chamar ao reino os portugueses judaizantes que andavam no estrangeiro, imputação com empenho repelida de seus delegados em Roma. Tudo isto mostra quanto era a proposta arriscada e temerário o autor dela, e faz crível que a maioria dos sócios o não acompanhassem no excesso (p.72)[103].”
A questão do cristão novo não era pensada isoladamente, sendo acompanhada de uma proposta de obtenção de recursos para a manutenção da guerra contra a Espanha que, devido a possibilidade de um acordo de paz com os Países Baixos, poderia voltar toda sua força contra Portugal. Tal acordo favoreceria ambas as partes, pois possibilitaria que ao mesmo tempo navios castelhanos freqüentassem os portos da América sob domínio neerlandês e que se normalizassem as relações comerciais entre os Países Baixos e a América Espanhola. Era dificultado, no entanto, pelo fato de que havia um contrato firmado entre os Países Baixos e a França de que nenhum dos dois reinos poderiam negociar com Castela separadamente[104]. Assim, caso a união entre os dois reinos fosse firmada, a instabilidade financeira lusitana poderia, segundo Vieira, arruinar as pretensões do rei de consolidar uma nova dinastia, havendo sempre o perigo de reanexação por parte de Castela, onde, o único meio possível de alcançar uma estabilidade seria através do fortalecimento do comércio[105], que serviria de elemento estimulante e unificador das atividades econômicas do reino. Para tanto, deveria o rei convocar os portugueses de cabedais espalhados pelo mundo, ou seja, os judeus que viviam fora do reino por temerem as investidas do Santo Ofício contra sua pessoa e seus bens[106].
Esta não era, no entanto, a única proposta de reestruturação da economia lusitana, onde podemos destacar a posição de Duarte Ribeiro de Macedo, que propõe como solução o desenvolvimento da indústria metropolitana, configurando-se como antagonista daqueles que viam no comércio a saída para os problemas portugueses, como é o caso do Padre Antonio Vieira. No entanto, os dois teriam um objetivo comum, ou seja, garantir a soberania do reino frente à ameaça espanhola[107].
A principal proposta de Vieira, neste sentido, seria a criação de duas Companhias de Comércio, aos moldes daquelas existentes nos Países Baixos, que seriam financiadas principalmente por dinheiro dos cristãos-novos[108]. Para tanto, seria necessário tomar as seguintes medidas[109]: limitação do direito de fisco pela inquisição, pois causava embaraço nos investidores, que se ausentavam de Portugal e investiam seu dinheiro no estrangeiro, fortalecendo os inimigos; criação de um banco, como o de Amsterdã; proibição de navegação de navios pequenos e mal artilhados, propondo o mínimo de 400 toneladas e 20 peças de artilharia; facilitar a comunicação e o comércio com as nações inimigas de Castela, nobilitar a profissão do comércio[110]; abolir a distinção entre cristão velho e cristão novo e, finalmente, moderar e reformar os estilos da inquisição. Desta forma, afirma Vieira que:
“Enfim, Senhor, Portugal não poderá continuar a guerra presente e muito menos a que infalivelmente havemos de ter, sem muito dinheiro; para este dinheiro não há meio mais efetivo, nem Portugal tem outro senão o comércio; e comércio considerável não o pode haver sem a liberdade e segurança das fazendas dos mercadores (p.69/70)[111].”
A instituição das companhias de comércio serviriam como oposição ao predomínio comercial dos Países Baixos, além de incrementarem as possibilidades de relações de trocas do reino português, sendo, para Vieira, o único meio que possibilitaria o engrandecimento de Portugal frente as demais cortes européias. A questão das companhias de comércio é apresentada como solução aos problemas de Portugal pela primeira vez através da “Proposta feita a El-rei D. João IV, em que lhe representava o miserável estado do Reino e a necessidade que tinha de admitir os judeus mercadores que andavam por diversas partes da Europa”, e é proclamado no púlpito em 1644, no Sermão de São Roque, ao mesmo tempo em que era publicada sua proposta acerca dos cristãos novos, escrito polêmico, onde trata da utilização do dinheiro dos homens de nação como forma de possibilitar tal empreendimento[112].
Na prática, o que Vieira propunha era a liberdade de toda a renda aplicada no comércio, de qualquer pessoa, fosse ela natural ou estrangeira, ou seja, que os bens ficassem seguros, sem possibilidades de confisco ou embargo, sendo que tais privilégios ficariam restritos àqueles mercadores que investissem nas companhias comerciais[113]. Além disso, não seria todo tipo de bens que estariam livres do confisco, mas somente os bens móveis, continuando os imóveis sujeito ao fisco. Não se estava assim buscando garantir exclusivamente uma imunidade pessoal, mas uma proteção aos investimentos, essenciais para o crescimento do comércio lusitano[114].
Além da oposição da Inquisição a tal proposta[115], outro fator ainda dificultaria a utilização do capital judeu junto às Companhias Comerciais: a alegação de que o uso de dinheiro “infiel” poderia contaminar o dinheiro “fiel” dos portugueses. Vieira argumentaria que, para sua defesa e conservação, poderia um reino utilizar-se de todo tipo de recurso, inclusive do infiel[116] e, além disso, utilizava-se o dinheiro judeu contra o herege sendo que, ao negá-lo, engrossaria as fileiras da heresia, pois possibilitaria a união dos dois tipos de infiéis[117]. Os fins justificariam os meios, pois para o jesuíta a bondade das obras estaria no fim, nas obras de Deus, que seriam sempre boas, e não nos instrumentos, que poderiam ser bons ou maus.
“(...) a bondade das obras está nos fins, e não nos instrumentos; as obras de Deus, todas são boas; os instrumentos de que se serve, esses sim, podem ser bons e maus (p.84)[118].”
Atentando-se às dificuldades do comércio colonial e enfrentando a severa oposição inquisitorial, decide o rei pela constituição de uma Companhia de Comércio, a Companhia Geral do Comércio do Brasil, instituída em 1649, devendo equipar-se com uma frota de trinta e seis navios de guerra, formando duas esquadras que defenderiam os navios mercantes que fossem para a América, recebendo para tanto o exclusivo no fornecimento de vinhos, farinha, azeite e bacalhau, além da extração e transporte do pau brasil[119]. A Companhia fora incorporada ao Estado em 19 de agosto de 1664, sendo extinta em 01 de fevereiro de 1720. Apesar das duras criticas que recebe a Companhia, pode-se considerar que sua instituição fora importante para a manutenção e defesa das conquistas contra os Países Baixos, sendo um dos elementos que possibilitou a vitória dos portugueses em Pernambuco[120]. Segundo Evaldo Cabral de Melo, sem a Companhia, havia o risco de se perder o Brasil ou até mesmo a independência de Portugal[121]. Nas Palavras de Gustavo de Freitas:
“(...) podemos
dizer que a Companhia Geral do Comércio do Brasil foi num grave momento de
nossa história um fator importante da manutenção da independência [portuguesa]
(p.61) [122].”
Outro ponto que não deve deixar de ser abordado quando tratamos deste período da vida de Vieira é a sua atuação diplomática junto as diversas cortes européias pois, como nos alerta Evaldo Cabral de Mello, este período da história de Portugal deve ser entendida como a história de sua reinserção como nação soberana nas relações internacionais, buscando apoio de reinos como a França, para se defender de Castela, e da Inglaterra, para preservar seu Império Colonial[123]. Entre as questões mais controversas tratadas pelos diplomatas portugueses no período está a da cessão de Pernambuco aos Países Baixos, defendida por Vieira no documento intitulado “Papel que fez o Padre Antonio Vieira a favor da entrega de Pernambuco aos Holandeses”, e chamado pelo rei de “Papel Forte”. Tal episódio ganha importância ao o analisarmos como ponto central dos conflitos entre Portugal e os Países Baixos pelo controle do comércio atlântico e do tráfico negreiro[124].
Devemos entender este documento em um contexto onde Portugal, em guerra contra Castela, não poderia correr o risco de entrar em conflitos com outra grande potência européia, como era o caso dos Países Baixos. Assim, a paz com os neerlandeses era tida como fundamental para a manutenção da soberania portuguesa[125]. Além disso, havia a necessidade de Portugal resolver uma questão herdada do período da União Ibérica, ou seja, a restituição das possessões tomadas pelos Países Baixos no período em que o reino lusitano estava sob domínio estrangeiro sendo que, caso tal questão não fosse resolvida com rapidez, a segurança do reino estaria ameaçada, pois como nos alerta Evaldo Cabral de Melo:
“Produto do conflito com a Espanha, a expansão colonial dos Países Baixos pusera em xeque o controle português ao açúcar, ao tráfico de mão de obra africana e do comércio das especiarias, base do império ultramarino e da riqueza do reino (p.71)[126].”
Para entendermos melhor a posição de Vieira frente a tal questão, faz-se necessário uma contextualização do período e dos conflitos entre portugueses e neerlandeses, tanto na América como na Europa. No ano de 1645, após a restauração do Maranhão por André Vidal, exalta-se os ânimos brasileiros com a possibilidade de se realizar o mesmo em Pernambuco[127]. Segundo J. A. Gonsalves de Melo, alguns fatores favoreceram a realização da sublevação de Pernambuco, como por exemplo: discrepância de interesses entre os senhores de engenho luso-brasileiros e os comerciantes, neerlandeses e judeus, sendo que estes eram favorecidos pela política da Companhia das Índias Ocidentais; inconciliação e divergências entre os grupos religiosos dominantes, ou seja, os católicos e os protestantes, principalmente após o retorno do Conde Nassau para os Países Baixos sendo este, aliás, outro fator de descontentamento tendo em vista que os futuros insurretos reclamariam sobre a saída deste da administração local; e, finalmente, a restauração portuguesa, que segundo o autor reavivara o sentimento luso de se verem livres do domínio estrangeiro, tanto que os mesmos líderes que reclamaram da saída do Conde de Nassau, escreveram ao rei dando glória ao sucesso da investida[128].
Tais notícias chegam rapidamente em Haia, onde o embaixador Francisco de Souza Coutinho negociava um tratado de paz com os neerlandeses em troca da compra do nordeste brasileiro[129]. Tais notícias desagradam o embaixador que, assim como Vieira, era contrário à uma ofensiva militar, sendo favorável a um acordo diplomático entre as partes. Nas palavras de Evaldo Cabral de Mello:
“Do ponto de vista da coroa, o levante luso-brasileiro podia ser descrito como um meio sucesso ou um meio fracasso, o que diplomaticamente era simplesmente desastroso (p.61) [130].”
Para evitar a interrupção das negociações, afirma Souza Coutinho que o rei não tivera participação em tal evento[131]. Porém, os neerlandeses mostravam-se intransigentes, exigindo a devolução dos territórios e a punição dos culpados.
A questão complica-se quando, em 1646, parecia próximo um acordo entre os Países Baixos e Castela, o que colocaria em risco todo o domínio português na América pois, como parte deste, Castela estava disposta a ceder toda a América portuguesa[132]. Tal perspectiva faz com que a coroa portuguesa buscasse um acordo com os Países Baixos pois, como afirmava Vieira:
“Baste por único fundamento na suposição, e circunstâncias do tempo presente, que em todo passado, Castela e Portugal juntos, não puderam prevalecer, assim no mar, como na terra, contra Holanda; e como poderá agora Portugal só permanecer e conservar-se contra Holanda, e contra Castela (p.74)[133]?”
Como parte das negociações, esperava-se a inclusão de Portugal no tratado
de paz que se negociava com Castela. É neste sentido que devemos compreender
a proposta de cessão de Pernambuco pois, naquele momento, seria o único meio
de garantir a soberania lusitana e, caso contrário, Portugal não teria meios
de defender sua capital e muito menos suas possessões, o que poderia resultar
numa perda fatal dos domínios portugueses no ultramar. Desta forma, seria
conveniente para Portugal ceder uma pequena parte de suas possessões para
garantir a segurança e conservação do reino[134].
Tais questões levantaram grandes debates em Lisboa, opondo os que preferiam negociar com os neerlandeses em troca da paz, como é o caso de Vieira, e os que se negavam a ceder a qualquer pressão, preferindo a guerra que a paz em troca de dinheiro ou territórios, tendo como seu mais ilustre representante Duarte Ribeiro de Macedo.
Enquanto isso, os conflitos no Brasil continuavam, sendo que em 1646 os neerlandeses ocupam a Ilha de Itaparica, colocando a Bahia em alerta. Ao tomar conhecimento de tal fato, D. João IV envia para o Brasil, como novo governador da Bahia, o conde de Vila Pouca de Aguiar, juntamente com forças tiradas do Alentejo e mais quatro companhias[135]. Assim, a posição do embaixador português em Haia ficara comprometida, pois afirmara que Portugal estaria disposto a ceder Pernambuco, ao mesmo tempo que o rei enviava uma armada para o Brasil. Desta forma, as negociações são interrompidas, à espera do resultado de tal envio. A vitória portuguesa, no entanto, trouxe, de imediato, resultados negativos para a embaixada, pois os neerlandeses passam a aumentar ainda mais suas exigências. D. João IV, frente a tais acontecimentos, exige o retorno de Souza Coutinho. Em seu lugar, no entanto, retorna o Padre Antonio Vieira, que o acompanhava, persuadindo o rei pela manutenção do embaixador, além de alegar a necessidade de negociações pois, com a Paz de Munster e o fim da Guerra dos Trinta Anos, aquela poderia utilizar de todo seu poderio contra Portugal[136].
É neste momento que D. João IV, tendendo pela cessão de Pernambuco, consulta os conselhos do reino, que se posicionam contra a entrega, sendo que o procurador da fazenda, Pedro Fernandes Monteiro elabora um parecer com tais posições. É contra tal parecer que Vieira redige seu Papel Forte, rebatendo ponto a ponto os argumentos do procurador. Neste, o jesuíta alegaria que: não se deveria sacrificar o reino por uma parte; havia de se negociar passagem livre de todos os habitantes de Pernambuco, acompanhados de seus bens; que a indenização proposta não chegaria nem perto dos custos que a Holanda havia tido após o levantamento de Pernambuco.
O sucesso da armada do conde de Vila Pouca faz com que o rei tenda para os primeiros, apelidados por Vieira de “valentões”, sendo este, segundo Evaldo Cabral de Mello, o primeiro sinal de decadência do jesuíta na corte, que seria chamado de “entreguista” pelos seus inimigos. Como defesa de tal acusação afirmaria, em Carta ao Conde de Ericeira de 1689, afirma que o Papel Forte fora redigido por ordem do rei e que não teria tido a intenção de entregar Pernambuco.
“Onde se deve advertir que nesta circunstância tão justa, e que se não podia negar, de tal modo dávamos Pernambuco aos holandeses, que juntamente lhe o ficávamos tirando; porque eles nunca tiveram indústria para tratar dos negros, nem lavouras ou engenhos de açúcar, e sem os lavradores portugueses nenhuma utilidade poderiam tirar daquela terra, antes fazer grandíssimos gastos, de sustentar tantas fortalezas, com que se resolveriam a no-las vender facilmente (p.340)[137].”
A vitória dos portugueses em Pernambuco, após as sucessivas derrotas neerlandesas em Guararapes, é tida por Vieira como milagre da providência, algo que não se poderia esperar, procurando também aqui justificar sua posição frente a proposta de entrega da região. Apesar da capitulação dos neerlandeses em Pernambuco ter sido realizada à 26 de janeiro de 1654, as negociações entre Portugal e os Países Baixos se estenderam até 06 de agosto de 1661, quando é assinado o tratado de paz entre os dois reinos, ficando Portugal com a obrigação de pagar uma indenização no valor de 5.000.000 cruzados em doze anos, sendo que o pagamento deveria ser realizado com o açúcar, fumo e o Sal de Setúbal. O não cumprimento do tratado por parte de Portugal, que não pagara a indenização exigida pelos Países Baixos, levou a assinatura de um novo, em 30 de julho de 1669, onde Portugal se comprometeria em pagar a referida indenização com as regiões de Cochim e Cavanor, além do Sal de Setúbal, o que demonstra uma clara opção da coroa portuguesa pelo Brasil[138].
Vieira atuaria ainda como diplomata na missão em que levara proposta de casamento do infante D. Teodósio com a filha do duque de Orleans, Melle de Montpensier, o que garantiria uma aliança permanente com a França e uma possibilidade de inclusão em um possível acordo de paz com Castela. Se tal proposta fosse aceita, D. João IV estaria disposto a renunciar seu cargo e partir para o Brasil[139]. Parte de Lisboa em 30 de agosto de 1647, chegando em Paris a 11 de outubro de 1647, tendo como opositor a tal proposta o embaixador português na França, Marquês de Niza, assim como a maioria dos portugueses. Apesar do esforço de Vieira em convencer o duque de Orleans, a proposta de casamento acabaria no esquecimento, pois as negociações não teriam continuidade.
Fato que revoltou muitos de seus conterrâneos fora sua ida a Roma, em janeiro de 1650, com o intuito de promover, simultaneamente, uma revolta contra Castela em Nápoles[140] e o casamento de D. Teodósio com a herdeira do trono espanhol, D. Maria Teresa. Segundo João Francisco Lisboa, tal proposta possuía as duas condições que Castela mais desejava no momento: a união das monarquias e a paz com seus vassalos.
“O casamento portanto devia fazer-se com as seguintes condições. Não tendo El-rei de Castela filho varão, como até agora não tinha, suceder-lhe-iam a infanta e o príncipe, reunidos sob o mesmo ceptro Portugal e Espanha; se porém sobreviesse, reinariam aqueles em Portugal, politicamente separado, mas com estreita aliança na paz, e na guerra (p.130)[141].”
D. João IV estaria disposto, assim, a renunciar a Coroa a favor de seu filho, garantindo a paz com Castela. Única condição: que a capital da monarquia fosse Lisboa. Para João Francisco Lisboa, o que ocorria era uma simples negociação entre senhores, onde o menor acabaria cedendo o trono para a dinastia que fosse herdeira de um trono mais sólido. O monarca espanhol, desconfiado da proposta, a rejeita, sendo que seu embaixador em Roma ameaça Vieira de morte, que retorna fugido para Lisboa. Após estas duas tentativas malogradas de casamento do príncipe D. Teodósio, vê-se logo que a coroa portuguesa não possuía prestígio internacional pois, mesmo com condições claramente favoráveis para os possíveis aliados, no caso aqui expresso da França e de Castela, houve desconfianças em relação a sinceridade das propostas portuguesas.
“O reino fraco e ameaçado de inimigos poderosos; a nobreza titubeante ainda; se D. João IV, em oito anos de rei, não conseguira consolidar o trono, como havia de alcançar tal um príncipe estrangeiro, contra quem era de esperar a má vontade ciosa dos naturais? Além disso desconfiava, e com razão, que chegando o momento, o rei, que agora tudo sacrificava, desistiria do propósito de abdicar (p.105) [142].”
Tais desastres diplomáticos foram acompanhados de uma súbita perda de prestígio, por parte do jesuíta, na corte. Ao mesmo tempo, temos uma pressão da Companhia de Jesus para que Vieira deixasse Lisboa e atuasse como missionário. Os motivos para tal pressão seriam: o modo explícito com que Vieira defendia os cristãos-novos, o que trazia problemas de convivência entre o instituto e o Santo Ofício; o privilégio das questões temporais em detrimento das espirituais e, a considerada mais importante tanto para João Lucio de Azevedo como para João Francisco Lisboa, a defesa que Vieira fizera ao rei em relação a divisão da província de Portugal da Companhia de Jesus, sendo que , segundo tal proposta, uma seria sediada em Lisboa e outra no Alentejo, região de origem de D. João IV[143]. Devido a tais conflitos, a Companhia de Jesus pedira a saída de Vieira do instituto, o que só não ocorrera devido a intervenção do rei[144].
Como meio de reconciliação com a Companhia de Jesus, Vieira vê-se obrigado a abrir mão da vida palaciana e retornar para a província do Brasil. Inicia assim, por ordem do Geral da Companhia, a partir de 1652, as preparações para as missões do Maranhão, recusando ofertas de novas atuações diplomáticas na Europa. Procura, no entanto, adiar ao máximo sua partida, esperando que o rei interferisse e não permitisse que tal ocorresse. No entanto, sem interromper suas preparações, solicita dispensa ao rei e a envia ao Geral da Companhia, para que este não tivesse dúvidas a respeito de suas intenções.
Em meados de 1652 , Vieira embarca sigilosamente com destino ao Maranhão. Ao chegar tal notícia ao palácio, D. João IV ordena que se encontre o jesuíta e o desembarque, o que é feito de imediato. Vieira insiste em sua partida, conseguindo uma licença real, datada de 21 de outubro de 1652. Este, no entanto, manifesta a Vieira sua vontade para que fique, prometendo uma revogação pública de sua licença. Tal documento, no entanto, não chega às mãos do jesuíta, que embarca a 22 de novembro de 1652 para o Maranhão[145].
No caminho, após ancorarem em Cabo Verde devido aos perigos de tempestades e corsários, Vieira escreve ao príncipe D. Teodósio[146], apresentando os fatos que ocorreram na noite anterior de sua partida, com o intuito de provar ao rei que tal se dera contra sua vontade[147], buscando demonstrar que os fatos é que o levaram para o embarque, e não os seus pés. Em relação a tais fatos, Vieira os coloca na seguinte ordem: S. M. o aconselhara a proceder como se fosse viajar, enquanto não mandava revogar a licença. Assim o fizera e, na véspera de sua partida, S. M. afirmou que esperasse recado de Pedro Vieira, recado que não veio, mas sim a notícias de embarque para a manhã seguinte. Ao ter tal notícia, mandara recado ao rei, via Bispo do Japão, do que ocorrera. Ao amanhecer, se dirigira ao navio, o mais devagar que podia. No caminho, recebera notícia que o rei havia escrito a Salvador Correia avisando da não partida do jesuíta, sendo que ao embarcar na caravela, não recebera notícias alguma[148]. Nas palavras de Vieira:
“As velas se largaram, e eu fiquei dentro dela e fora de mim, como ainda agora estou e estarei, até saber que S. M. e V. A. têm conhecido a verdade e sinceridade do meu ânimo, e quem em toda a fatalidade deste sucesso não houve da minha parte anão, nem ainda pensamento ou desejo, contrário ao que S. M. ultimamente me tinha ordenado e eu prometido (p.146/147)[149].”
Após esta inesperada parada, Vieira continua viagem, desembarcando em São Luis no dia 16 de janeiro de 1653.
2.2.3 - O missionário (1653-1661)
A colonização americana deve ser pensada a partir da importância que o cristianismo adquirira na Península Ibérica, onde os descobrimentos ultramarinos são acompanhados de uma necessidade de expansão da fé cristã. Desta forma, o avanço do reino de Portugal deve ser entendido como avanço do cristianismo, tendo em vista que a conversão deveria ser seguida pela submissão ao rei de Portugal[150]. Assim, quando Vieira trata da questão do nativo, vê-os como possíveis súditos do rei, tendo na sua conversão um grande passo para a solidificação do domínio português sobre o mundo[151]. A partir daí, o outro adquiriria a condição de súdito, de igualdade em relação ao português peninsular. A alteridade, neste caso, era aceita, desde que não ameaçasse a cristandade ou a coroa[152]. Assim, a colonização se justificaria não só pela expansão territorial, mas também pela necessidade de conversão dos nativos americanos[153].
“Saiba o mundo, saibam os hereges e os gentios, que não se enganou Deus quando fez aos portugueses conquistadores e pregadores de seu santo nome (p.20)[154].”
O outro adquiria importância na medida que houvesse possibilidade de inserção na cristandade, tornando-se assim igual sem perder seu caráter diferencial[155]. Desta forma, temos que a questão da liberdade indigena só poderia ser discutida no interior da igreja, pois a igualdade só teria lugar dentro de seu organismo coletivo.
“(...) todos são iguais por natureza, e mais iguais ainda por fé, se crêem e adoram a Cristo, como os Magos. (...) e entre cristãos e cristãos não há diferença de nobreza, porque todos são filhos de Deus, e não há diferença de cor porque todos são brancos (p.44)[156].”
O trabalho jesuítico na América, no entanto, não se deu de modo pacífico, tendo em vista que a atitude de inserir o índio no universo cristão ia contra os interesses dos colonos, que justificavam a escravidão indígena a partir da impossibilidade destes de se tornarem súditos do rei. Tal fato ocorreria principalmente em regiões onde a escravidão negra era dificultada, como é o caso do Maranhão no período analisado.
Ao chegar ao Maranhão, com o título de superior dos missionários jesuítas[157], Vieira estaria disposto a evitar conflitos com os colonos, apesar de enviar relatório a coroa pedindo a liberdade de todos os nativos escravizados. Tal pedido teria sido conclamado logo após sua chegada, por uma Ordem Régia, provocando um principio de motim. Diante tal situação, a câmara de São Luis redige uma proposta, com o intuito de enviá-la para Lisboa, onde se afirmava ser impossível a sobrevivência na região sem cativos, além de alegarem a legalidade dos resgates. Assinaram tal documento o capitão-mor governador, em nome da nobreza, religiosos e povo da província do Maranhão, sendo os jesuítas os únicos que se negaram a assinar. Ao invés disto, prega Vieira o sermão das Tentações, onde deixa claro suas posições frente aos cativeiros[158], afirmando que todos que praticavam o cativeiro injusto o faziam por tentação do demônio, sendo seu destino o inferno.
“ No Maranhão, não é necessário ao demônio tanta bolsa para comprar todos: não é necessário oferecer mundos; não é necessário oferecer reinos; não é necessário oferecer cidades, nem vilas, nem aldeias. Basta acenar o Diabo com um Tujupar de Pindoba, e dous tapuias e logo está adorado com ambos os joelhos: Oh, que feira tão barata! Esse negro será seu escravo esses poucos dias que viver: e tua alma será minha escrava por toda a eternidade, enquanto Deus for Deus (p.08)[159].”
Ainda neste sermão, Vieira classificaria os índios do Maranhão em: os que servem como escravos; os que moram nas aldeias de El-rei como livres e os que vivem no sertão com sua natural liberdade. Ao realizar tal classificação, proporia que os que servissem como escravos, se quisessem permanecer com seus donos, assim o fariam, e os que não, iriam viver nas aldeias de El-rei; seriam realizadas entradas nos sertões para resgatar aqueles que estivessem para ser comidos em cordas, tornando-se cativos, assim como os escravos tomados em guerra justa. Além disso, propõe que os índios que vivessem nas aldeias de El-rei trabalhassem seis meses por ano para os colonos, recebendo pelo serviço duas varas de pano de algodão[160].
Ao tratar de tais questões, estaria refletindo acerca do direito indígena, onde se colocava em primeiro lugar o direito dos portugueses, que constituía ao mesmo tempo em um doloroso dever, ou seja, o de promover a cristianização e expansão da fé. Desta forma, seria justificável os descimentos e a guerra justa contra os nativos, desde que estes se encontrassem em cordas, prestes a serem comidos, ou como escravos de seus inimigos. A escravização não poderia ocorrer em relação aos nativos convertidos, pois se tornariam, como demonstrado acima, igual ao português e, desta forma, deveriam viver nas aldeias de El-rei. O cativeiro, para Vieira, deveria ocorrer somente em casos extremos, ou seja, quando a salvação da alma necessitasse da salvação do corpo. Além disso o nativo, antes da conversão, não era cristão, o que possibilitaria uma relação de superioridade entre este e o colono[161]. Temos então que, quando Vieira critica o cativeiro ilícito, está criticando o cativeiro entre iguais, o que só seria aceito caso o nativo manifestasse tal vontade pois, após a conversão, adquiria razão e vontade própria[162].
A atuação dos jesuítas junto aos nativos era constantemente dificultada pela intervenção do governo civil, o que pode ser demonstrado nas duas tentativas de expedição a tribos indígenas, ambas programadas por Vieira e ambas frustradas. Na primeira delas, preparada para o Rio Itapirucú, fora malograda pelo fato de que os nativos que participariam da missão estavam sendo usados nas lavouras do governador. A segunda, para o Rio Tocantins, fora realizada, mas não trouxera proveito para os jesuítas, pois fora dirigida pelo capitão-mor Gaspar Cardoso, que impedira o trabalho missionário. Nas palavras de João Lucio de Azevedo:
“Pela segunda vez a experiência fazia ver ao missionário que da parte das autoridades nenhum auxílio podia esperar. (...) Era necessário mudar o sistema adotado, tornar as missões autônomas e a cargo dos religiosos, sem ingerência da administração civil (p.205) [163].”
A partir de tal constatação, decidem os jesuítas solicitar o poder temporal sobre as missões, além do exclusivo da prática missionária para os jesuítas. Para tanto, tinham como necessário a ida do superior das missões para Lisboa, com o intuito de realizar tal requerimento. Parte então Vieira para a capital portuguesa, chegando em novembro de 1654.
Em Lisboa, encontra D. João IV enfermo. Otimista em relação a saúde do monarca, não acredita em sua morte, contrariando a expectativa da maioria dos que estavam a volta do rei. Segundo Hernâni Cidade:
“D. João IV - brada do púlpito o visionário do Quinto Império - não podia morrer. E se morresse, ressuscitaria para cumprimento das profecias que a mística patriótica, salvo a dos sebastianistas mais ferrenhos, transferira do Desejado para o Restaurador (p.116)[164].”
A presença do jesuíta causara grande alvoroço na corte, sendo todas as atenções para ele dirigidas[165]. Prega neste período dois sermões que lhe causariam problemas a posteriori, o primeiro com a ordem rival dos jesuítas, os dominicanos, e o segundo com a nobreza lisboeta, que se vira atingida pelo seu discurso. No Sermão da Sexagésima, pregado na Capela Real, critica o modo de pregar dos dominicanos e seu distanciamento do trabalho missionário, e no Sermão do Bom Ladrão, pregado no Templo da Misericórdia[166], critica simultânea o rei e seus subordinados, afirmando que da mesma forma que o rei não podia ir ao paraíso sem o ladrão, os ladrões não poderiam ir ao inferno sem os reis. Tal sermão seria uma alusão a Baltasar de Souza e Inácio do Rego que dificultaram as expedições no Maranhão por utilizarem do trabalho indígena para proveito próprio[167].
Com a melhora do rei, Vieira pode dar continuidade aos negócios que lhe trouxeram a Lisboa, reunindo-se em uma Junta onde estariam presentes o novo governador do Maranhão e do Pará, André Vidal de Negreiros, e procuradores da câmara do Estado, tendo como tema de discussão o novo regimento dos nativos livres, optando pela proibição dos resgates até a promulgação de nova lei. De acordo com a provisão de 09 de abril de 1655[168], levada ao Maranhão por Vieira, ficara decidido: pela suspensão dos resgates; proibição de guerras ofensivas contra os nativos; governo dos índios pelos seus principais, sob a superintendência dos párocos; em caso de entradas, os jesuítas indicariam o cabo que comandaria a missão; criação da Junta das Missões, presidida pelo Padre André Fernandes[169].
Com estas decisões tomadas, parte de volta para o Maranhão em 16 abril de 1655, chegando no Brasil um mês depois. Busca imediatamente por em prática as ordens régias, que foram recebidas com protestos e promessas de desobediência, sendo necessário a intervenção do governador para evitar motins contra o jesuíta[170]. Apesar dos protestos, reinicia seu trabalho missionário, preparando novas missões e visitando as já instaladas, sendo então apelidado de “Payassu”, pai grande, pelos nativos. Além disso, participa de uma junta para analisar se os cativeiros efetuados pela população do Pará, no período em que esteve em Portugal, teria um caráter lícito ou ilícito[171].
Com a morte de D. João IV, no início de 1657, a obra missionária de Vieira sofre grande golpe, pois o conselho de Estado, juntamente com a rainha regente, D. Luisa, assumiriam uma postura de favorecimento aos colonos. Ao ter notícias do falecimento, prega Vieira, em 19 de março de 1657, o Sermão das Exéquias de D. João IV onde, ao invés de fazer uma oração fúnebre, celebra um “hino triunfal panegírico”[172], sendo também desta época a carta “Esperanças de Portugal”, escrita ao Bispo do Japão, apresentando sua tese acerca da ressurreição do rei, baseada nas trovas de Bandarra[173].
Não interrompe, no entanto, sua atuação missionária, partindo no ano de 1658 para missão aos Nheengaíbas. Vale aqui lembrar que, como tais nativos haviam se aliado aos neerlandeses, havia um certo temor dos habitantes do Maranhão de que favorecessem uma nova investida dos Países Baixos na região. Baseando-se nestes argumentos, a câmara proporia guerra aos nativos. Vieira opõe-se a tal decisão e propõe uma negociação com os índios[174]. Envia assim mensagem a eles, avisando que os cativeiros injustos tinham acabado. Ficaram os principais das aldeias comprometidos em construir igrejas para receberem os jesuítas, que partiram em direção a elas em 10 de agosto de 1659.
Lá chegando, são recebidos com festa pelos nativos. Em seguida, os chefes das tribos rezaram missas e juraram fidelidade ao rei de Portugal. Combinou-se então que no inverno todos os índios desceriam para as margens da Ilha do Marajó, local onde se encontravam as tribos, e que no verão retornariam os missionários com o intuito de doutriná-los. Tal promessa é cumprida no ano de 1660, com a ida de Vieira para verificar se as feitas pelos Nheengaíbas também haviam sido.
Enquanto Vieira trabalhava em sua obra missionário, os habitantes maranhenses formulavam meios de desobedecer as leis de proteção aos nativos, arrumando pretextos para a realização de entradas que, na maior parte das vezes, eram organizadas de modo ilegal. Os colonos reclamavam constantemente da falta de escravos e do acumulo do poder espiritual e temporal dos jesuítas.
No mês de janeiro de 1661, a câmara, alegando a miséria pela qual passava o povo, exige à Companhia de Jesus que se realize com urgência resgates no sertão, o que é negado por Vieira, respondendo que a miséria era mais por circunstâncias próprias que por falta de escravos[175]. Tal resposta gera protestos por parte da população, que envia suas queixas ao governador, além de um emissário ao reino com o intuito de apresentá-las diretamente a corte. Dois outros fatos ainda proporcionariam hostilidades entre o jesuítas e os habitantes do Maranhão. Um deles seria a prisão do principal da aldeia de Marecuá, Lopes de Souza Guarapaúba, que segundo se conta, fora atraído de forma amigável por Vieira, para depois ser preso, e a carta que enviara ao Bispo do Japão, e que fora interceptada, aberta e enviada de volta para o Maranhão. Nesta carta, apresentava os problemas identificados no Maranhão, constando nomes e irregularidades por ele identificadas.
Tendo tais fatos como ponto de partida, e aproveitando a ausência de Vieira, que se encontrava em Belém debatendo com a câmara municipal a questão dos cativeiros, a população assalta o colégio dos jesuítas, com o auxílio da guarda governamental. Informado da sedição por carta do governador, Vieira parte imediatamente para São Luis, detendo-se em Gurupi, posto entre as duas capitais. Temendo que a revolta se estendesse até Belém, decide retornar para a cidade, onde o colégio dos jesuítas também seria tomado, os padres detidos e Vieira preso em separado, sendo então enviados para São Luis, onde dois navios os esperavam para os transportar de volta ao reino, para onde embarcam, chegando em Lisboa no início de janeiro de 1662.
No reino, Vieira teria sua primeira vitória, porém efêmera, pois a rainha se posicionara a favor dos jesuítas. Aproveitando tal favorecimento, prega na Capela Real em 06 de janeiro de 1662, dia de reis, o Sermão da Epifania, onde trata da situação do Maranhão. Neste sermão, compara os jesuítas com a estrela que guiara os reis magos, e os colonos com Heródes. Além disso, chama a atenção para a dificuldade do trabalho jesuíta devido a infinidade de línguas da região. Desta forma, o trabalho dos jesuítas era ainda maior que a efetuada pela estrela que guiara os reis magos, pois:
“(...) aqueles gentios que hoje começaram a ser homens, ontem eram feras, eram aqueles mesmos bárbaros, ou brutos, que sem uso da razão, nem sentido de humanidade, se fartavam de carne humana; que das caveiras faziam taças para lhe beber o sangue, e das canas dos ossos frautas para festejar os convites” ... “e assim nos tratam os gentios e tais gentios, quando assim nos tratam cristãos e cristãos da nossa nação e do nosso sangue: quem se assombra de uma tão grande diferença (p.18)[176]?”
Além disso, segundo Vieira, a estrela convertera três homens em dois anos, e os jesuítas quatro nações em seis meses, sendo elas os Tupinambás, os Puxiguaras, os Nhembaíbas e os Memaianes. Identifica assim a grande maldade das missões, ou seja, trazer os índios a Cristo e depois entregá-los a Heródes[177]. Apresenta como única solução para a questão a entrega não só do poder espiritual para os jesuítas, mas também do temporal.
Com a subida ao trono de D. Afonso VI, Vieira perderia seu prestígio na corte, pois apoiara o Infante D. Pedro, adversário do rei recém entronado. Desta forma, a resolução da questão favoreceria os colonos, sendo retirada dos jesuítas não apenas as prerrogativas temporais sobre as missões, mas também a exclusividade missionária na região, e, apesar da possibilidade de retorno dos jesuítas, ficara o Padre Antonio Vieira proibido de o fazer, sendo, como muitos inimigos do rei, desterrado, primeiro para o Porto, e depois para Coimbra, onde sofreria seu inquérito inquisitorial.
2.2.4 - O dessprestígio na corte e seu retorno à Bahia (1662 - 1697)
O desprestígio de Vieira na corte facilitou a abertura do processo inquisitorial contra sua pessoa. Apesar de tal ameaça, manteve seu apoio a D. Pedro, defendendo a destronação de D. Afonso VI. Segundo João Francisco Lisboa, a parte que Vieira tomaria na conspiração seria limitada a fé e a interpretações de profecias, atentando-se mais do que nunca aos cometas e prodígios.
“Certo é que nunca foram objeto de suas esperanças nem D. Sebastião, que lhe era indiferente, nem D. Afonso, a quem não amava, ou que ante o não amava; senão principalmente D. João IV, que imaginava ressuscitado, e com ele a sua privança; e também ora o príncipe D. Pedro, ora um seu filho, que morreu logo depois de nascido - notável e pronta advertência da temeridade de suas predições, porém não menos inútil para um homem tão aferrado às suas opiniões, e tão obstinado no sustentá-las (p.182)[178].”
Desde a morte de D. João IV, estabelece-se em Portugal tensões entre os vários grupos que disputam o poder, notadamente o conflito entre o chamado partido velho, liderado por D. Francisco de Faro, e o partido novo, liderado pelo Marquês de Marialva, D. Antonio Luis de Menezes. Tal situação tornava-se cada vez mais complexa à medida que os desentendimentos dentro do seio da família real, motivado pela crescente influência política alcançada pela casa do infantado, onde D. Pedro atraia para si a atenção de muitos cortesãos, agravava-se, tendo também o infante a preferência da Rainha, D. Luísa. É a partir daí que ganha destaque a figura do conde de Castelo Melhor, conselheiro de Estado de D. João IV, que alicia D. Afonso VI a assumir o poder do reino, que desde a morte do rei estava nas mãos de D. Luísa.
Efetivamente, porém, o poder de decisão estaria consolidado nas mãos do Conde, que inicia uma política de centralização às custas da capacidade política dos diversos campos da sociedade e da marginalização de grande parte da elite dirigente[179]. Passa a perseguir os adversários do rei, com uma política de desterramento que, como visto acima, atingiria Vieira.
A Inquisição, aproveitando-se do momento político desfavorável ao jesuíta, dá inicio ao processo inquisitorial contra ele pois, como nos informa Alcir Pécora, desde 1649 Vieira vinha sendo denunciado junto a Inquisição por diversos motivos, onde podemos destacar o comentário de livros proibidos, injúrias contra ordens religiosas rivais e declarações de caráter judaizante[180]. Temos que considerar também a queixa que o Tribunal tinha com o jesuíta devido a sua defesa nas mudanças no procedimento inquisitorial, com o intuito de favorecer os cristãos novos e o investimento em projetos mercantis, como a criação de companhias comerciais. Outra questão importante, levantada por João Francisco Lisboa, seria o fato de que os dominicanos, maioria nos altos postos do tribunal, se utilizaram de Vieira com o intuito de ferir a ordem rival, objetivo que, segundo o autor, teria sido alcançado[181].
O motivo principal da abertura do processo contra Vieira teria sido a carta “Esperanças de Portugal”, datada de 25 de abril de 1649 e enviada ao Padre André Fernandes, então confessor da rainha, pela morte do rei D. João IV. Neste escrito, Vieira afirmara que este seria o rei destinado a levar Portugal a se tornar um Império Universal Cristão e, como havia profecias à serem realizadas, havia a necessidade da ressurreição do rei.
Tal escrito teria recebido várias censuras em Coimbra, sendo então enviado para Roma, onde destacam os seguintes problemas: falsidades doutrinárias, abusos na interpretação de textos e suspeita de heresia. Segundo Hernâni Cidade, o que incriminara Vieira não fora sua interpretação hagiografica da história de Portugal, pois tal prática era comum desde que se admitira a intervenção divina na fundação do reino, mas sim sua inclinação à gente hebraica[182]. Tal constatação também é feita por Alcir Pécora, ao afirmar que:
“(...) a maior revelação a surgir com nitidez dos autos [de Vieira] é justamente a de que a Inquisição acerta o alvo, quando afirma que Vieira quer conciliar o judaísmo, ou a admissão de algumas de suas práticas, com lugares nas escrituras restritos à exegese católica, com o fim de agradar ou favorecer, sobretudo, a expectativa dos judeus batizados (p.59)[183].”
O processo inquisitorial teve início à 21 de junho de 1662, quando Vieira é convocado a comparecer junto ao Tribunal Inquisitorial de Coimbra. Sua primeira visita seria em outubro do mesmo ano, sendo que até o ano de 1664 seriam realizadas ainda mais sete visitas. Em outubro é dado o libelo inquisitorial à Vieira, considerando-o culpado. É permitido, no entanto, que se defendesse, o que não é atendido prontamente pelo jesuíta, que só se propõe a entregar após um ultimato do inquisidor[184]. Em 14 de setembro de 1665, Vieira comparece ao Santo Ofício com o intuito de apresentar sua defesa, o que não fora permitido pois, devido a demora no comparecimento do jesuíta, seu processo já havia sido julgado e encaminhado para o conselho geral, em Roma. Seus papéis são então recolhidos ao Tribunal e, em primeiro de outubro é encarcerado pela Inquisição[185].
A partir daí temos um verdadeiro duelo teológico entre o Padre Antonio Vieira e o Inquisidor Alexandre da Silva. Segundo este, sua concepção acerca do Quinto Império seria judaica, pois mantinha a temporalidade que os judeus atribuíam a seu messias. A maior divergência entre eles seria o caráter temporal que Vieira dava ao Império de Cristo, o que iria contra as determinações da igreja, desde Santo Agostinho[186]. O debate configurou-se como uma oposição teológico-jurídica entre duas concepções metafísicas de poder[187].
Vieira permaneceria intransigente no que se refere as suas posições, o que pode ser verificado na defesa por ele entregue, em 23 de julho de 1667[188], onde reafirma todas as proposições tratadas anteriormente. Só aceita encerrar as discussões após ser noticiado de que o Papa censurara suas proposições, afirmando no entanto que estava cedendo por obediência, e não por argumentos. No dia 23 de novembro, ouviu Vieira as acusações e a pena a ele atribuída, ou seja, a proibição de pregar, a privação de voz ativa ou passiva e a reclusão, por tempo indeterminado, em uma casa da ordem. Na manhã seguinte, o ritual é repetido, porém no colégio da Companhia em Coimbra sendo que, quando Vieira se levanta para ouvir as penas, todos os jesuítas presentes fazem o mesmo, em sinal de protesto ao Tribunal e de apoio ao irmão jesuíta[189].
Ao retornar a Lisboa, após a condenação inquisitorial, Vieira esperava encontrar seu lugar na corte pois, em novembro de 1667 , D. Pedro assumira o governo de Portugal, estabelecendo-se no palácio real e apresentando em seguida a renúncia de seu irmão, D. Afonso VI. D. Pedro ainda casar-se-ia com D. Francisca de Sabóia, ex mulher de seu irmão, após um tumultuado processo de anulação do casamento, alegando que a comunhão não teria sido realizada[190]. O príncipe afastaria de seu convívio todos aqueles que outrora lhe prestaram serviço e que o auxiliaram em sua escalada ao trono[191]. Diante tal postura do monarca, a influência de Vieira no reino mantinha-se restrita. Novamente encontra no púlpito lugar privilegiado para intervir nos negócios da coroa[192]. Demonstrando todo seu ressentimento frente a atitude de D. Pedro, prega no ano de 1669, afirmando que o rei deveria herdar não só os decretos do pai, mas também seus conselheiros e amigos, pois os novos conselheiros, inexperientes ainda, poderiam lhe destruir. Vieira estaria aqui buscando convencer o rei a aceitá-lo novamente na corte, porém, o que prevalece é o descontentamento do príncipe que pouco a pouco ia afastando o jesuíta de seu convívio[193].
Frente a esta posição régia, resolve Vieira partir para Roma, com o intuito de garantir o perdão de suas penas inquisitoriais, tendo por missão oficial a canonização do Padre Inácio de Azevedo e mais trinta e nove padres que teriam sido trucidados por corsários calvinistas em 1570[194]. Assim que chega à Itália, é recebido por duas carruagens ocupadas pelo assistente de Portugal em Roma, Gaspar Gouveia, e autoridades romanas amigas dos jesuítas, sendo encaminhado a presença do Geral da Companhia, que o recebera com lisonja[195]. Não pode tratar de imediato com o Papa Clemente IX, pois este estava muito doente, chegando a falecer logo em seguida, sendo eleito para o cargo o Papa Clemente X, em 26 de abril de 1670.
Vieira encontrava-se no centro do mundo cristão[196], estando a par de todas questões políticas que nele ocorriam. Não deixara, desta forma, de entreter-se com as coisas de Portugal, principalmente no que se refere à questão dos cristãos-novos. Nas palavras de Hernâni Cidade:
“Continuando, porém, vigilante perante as coisas de Portugal, nenhuma lhe tomou mais o interesse e a atividade que a velha e revelha questão dos cristãos novos (p.182/183)[197].”
O debate acerca da situação dos cristãos-novos em Portugal ganharia novas proporções após a violação do sacrário da Igreja de Odivelas, em 11 de junho de 1671, quando são acusados de realizarem tal ato. Devido a pressões populares, é ordenado, em agosto do mesmo ano, a expulsão de todos os cristãos-novos penitenciados pela Inquisição, incluindo sua descendência. Tal decreto fora reprovado tanto por Roma como pelas demais cortes européias, exceto pelos castelhanos que, segundo João Lucio de Azevedo, esperavam para Portugal os mesmo danos que Castela tivera com a expulsão dos judeus de seus domínios[198]. Mesmo após a descoberta do ladrão, em outubro, continuaram as perseguições em Portugal. Diante tais fatos, Vieira busca intervir no assunto, defendendo a liberdade religiosa e a tolerância como o melhor meio de levá-los à fé católica.
“Pensava o jesuíta que o único processo de evitar injúrias à Fé era não coagir ninguém a aceitá-la. Uma vez concedida a liberdade de cada um adorar a Deus a seu modo, já os que, entre os cristãos-novos, se resolvessem manter-se fiéis à Igreja, não podiam ser objeto de desconfiança e de leis de exceção (p.183)[199].”
A situação política em Portugal era, em um primeiro momento, favorável ao jesuíta, pois tendia D. Pedro a filiar-se a favor dos cristãos-novos, podendo inclusive em aceitar uma proposta, feita pelo Padre Baltasar da Costa, recém chegado da Índia, de criação de uma Companhia de Comércio com capital destes. Com o investimento na empresa, teriam isenção do fisco, negociação com Roma de um perdão geral e a substituição dos estilos da Inquisição portuguesa pela romana. Diante tal proposta, os cristãos novos estariam comprometidos a: mandar cinco mil homens para à índia; doar vinte mil cruzados para sustento de guerra; mandarem missionários para as Índias; comprometerem-se com os gastos com o envio de Bispos e a organização da referida companhia[200]. A Inquisição colocara-se imediatamente contra tais propostas, tendo para tanto o apoio da população em geral que se revoltara contra a possibilidade de apoio do rei. Este, por sua vez, sentia-se ameaçado pelos partidários de D. Afonso VI, que se utilizavam da contenda para promover sua volta ao trono. Diante tal situação, D. Pedro toma uma postura de imparcialidade, pois temia tanto seus adversários afonsistas como a Inquisição. Com a demora da resolução, o Santo Ofício decide convocar as cortes, que seriam realizadas no ano de 1674. Nesta, os três Estados posicionaram-se contra os cristãos novos. Sem saída, D. Pedro ordena que, em Roma, impedisse-se qualquer alteração nos regulamentos do Santo Ofício, enquanto são enviados um representante do episcopado e um do Santo Ofício à Roma.
Em Roma, Vieira era acusado de favorecer os cristãos novos, sendo-lhe atribuído a autoria de quase todos os escritos a favor destes[201]. Temendo que o jesuíta manobrasse contra a Inquisição, D. Pedro ordena o regresso de Vieira à Portugal, o que é negado pelo mesmo. Aproveitando-se deste episódio, seus inimigos o acusam de estar tramando contra a coroa pois, para estes, Roma seria o lugar propício para entendimentos e traições[202]. A questão dos cristãos novos seria dilatada até o ano de 1681, quando é aceito certas alterações nos procedimentos inquisitoriais o que, na prática, não alterara o modo de atuação do instituto em Portugal.
Em meio a tais debates, Vieira conseguiria mais um triunfo oratório, ao pregar em italiano em outubro de 1672, sendo que João Lucio de Azevedo chega a afirmar que o sucesso do jesuíta chegara a eclipsar o da rainha Cristina da Suécia, possuidora de uma corte onde estavam presentes os maiores artistas de seu tempo. Vieira não demoraria a ser convidado a ocupar o cargo de pregador régio da rainha. Nega o convite, temendo uma represaria por parte do príncipe D. Pedro, que poderia ter em tal atitude um ato de infidelidade, o que eqüivaleria a exclusão definitiva da pátria[203]. Apesar de seus sucessivos sucessos oratórios, Vieira não tinha ainda conseguido realizar o objetivo central de sua ida a Roma, ou seja, o perdão em relação ao seu processo inquisitorial. O Geral da Companhia, no entanto, aconselhara-o a não requerer a revisão de seu processo, mas somente sua imunidade em relação ao tribunal português, o que evitaria maiores conflitos entre a Companhia de Jesus e o Santo Ofício. Tal isenção seria adquirida a partir de um Breve de 17 de abril de 1675, ficando o jesuíta sujeito à Congregação do Santo Ofício em Roma[204]. Após alcançar seu objetivo, e devido à pressões de Lisboa, retorna Vieira à Portugal, pretendendo recuperar a influência perdida no paço[205]. Na corte lusitana, no entanto, é acolhido friamente, pois criara uma esfera de desconfiança em torno de sua figura devido ao apoio que dera aos cristãos-novos, sendo ainda acusado de promover alianças com Castela e com os Países Baixos. Um fato que demonstra a pouca influência do jesuíta na corte seria a negação de seu epitáfio, redigido para o túmulo de D. João IV.
“Para os desalentos do patriotismo seu refrigério eram as profecias, segundo as quais estavam destinado à pátria um futuro magnífico; prognósticos avulsos ou estrofes do Bandarra, estas que fixavam prazos, de cada vez transferidos, ao soar da hora, para uma esperança nova. A ressurreição de D. João IV a que fora algum tempo infiel, tornara a cativar-lhe o pensamento (p.167)[206].”
Devido a tais desgostos, resolve partir para o Brasil. Antes porém, recebe convite da rainha da Suécia para retornar a Roma como seu confessor, o que é prontamente negado pelo jesuíta, alegando idade avançada e enfermidades. Após autorização de D. Pedro e do Geral da Companhia parte para a Bahia, em 22 de janeiro de 1681, para jamais retornar a Lisboa.
Assim que Vieira chega ao Brasil, é acolhido na Quinta dos jesuítas denominada de “O Tanque”. Apesar de pretender cortar relações com o mundo exterior, nem seu temperamento nem as ocorrências o permitem pois, em 1682, quando Antonio de Souza de Mendes assume o governo do Bahia, inicia-se um conflito entre este e o irmão de Vieira, Bernardo Ravasco. Ocorre que em 04 de junho de 1683, o alcaide-mor Francisco Teles de Menezes, aliado do governador, é assassinado, sendo que os criminosos se refugiam no colégio dos jesuítas. Dentre os acusados de cometer tal ato estaria o irmão de Vieira[207].
“Eis o Padre Antonio Vieira obrigado a defender a honra ameaçada e a probalíssima inocência dos seus (algum tempo depois ilibados de culpa) e, no complicado e longo decorrer do processo, igualmente a desafrontar a sua própria inocência e honra, negadas por um dos sindicantes (p.204)[208].”
Sabendo da prisão de Bernardo Ravasco, decide Vieira defendê-lo frente ao governador. Ocorre aí uma discussão entre as duas personalidades, o que leva o governador a reclamar da interferência do jesuíta em assuntos do estado junto ao rei[209]. As circunstâncias, no entanto, favoreceriam o jesuíta pois o governador seria substituído pelo Marquês de Minas e seu irmão absolvido em 1687[210].
É também deste período as mortes de D. Afonso, um alívio para D. Pedro, pois aquele poderia a qualquer momento ser utilizado por seus inimigos com o intuito de fazê-lo perder a coroa, e da rainha Maria Francisca de Sabóia. Tais falecimentos enchem de júbilo o jesuíta pois, com a morte do primeiro, estava a coroa garantida, e com a segunda, possibilitaria ao rei adquirir novo matrimônio, e assim ter um filho varão e herdeiro do reino. O falecimento da Rainha teria assim um caráter providencial pois garantiria o futuro glorioso de Portugal, além de possibilitar uma nova interpretação para a Lenda de Ourique, ou seja, que a 16a. geração seria alcançada em D. João IV, atenuada em D. Pedro e restabelecida daí para frente[211]. É a partir daí que podemos entender a satisfação de Vieira com o nascimento do filho varão, resultado do segundo casamento de D. Pedro, pois via neste nascimento a realização das promessas de Cristo para com Portugal. O príncipe, no entanto, morrera dezoito dias após nascer, desenganando novamente o jesuíta. Nas palavras de João Lucio de Azevedo:
“Era a segunda vez que a morte lhe anulara os prognósticos do quinto império próximo: na primeira em D. João IV, desta outra em uma criança em quem, por menos que o autor dos vatícinios nele cresse, dificilmente podia esperar em vida a contradita (p.215)[212].”
Diante tal circunstância, Vieira escreve a rainha com o intuito de consolá-la, alegando que o próximo varão seria o herdeiro do Império Universal Cristão. Tal príncipe nasceria no ano de 1689, vindo a ser o sucessor de D. Pedro com o título de D. João V.
No ano de 1688 Vieira ocuparia o cargo de Visitador do Brasil e do Maranhão, o que daria ensejo para comunicar-se novamente tanto com Lisboa como com o governo local. Tomou posse no dia 15 de maio de 1688 e, no período de três anos que ocupou o cargo, não se ausentou da Bahia, devido a sua idade avançada e sua saúde precária, o que não o impediu de intervir nos assuntos relacionados às missões jesuítas[213]. Tanto que ao ser indagado sobre a possibilidade de mandar padres jesuítas para Palmares, Vieira negara, pois, para ele, os negros, por serem cativos e rebeldes, estavam e perseveravam em pecado, sendo que só poderiam ser absolvidos ao retornarem aos seus senhores[214].
Após o fim de suas atividades como Visitador, retorna para “O Tanque”, onde dá continuidade à compilação de seus sermões, trabalho iniciado desde a sua vinda para o Brasil, sem estabelecer uma ordem cronológica ou temática. Tais sermões, que teriam sido deixados com lacunas e rasuras no momento da pregação, eram atualizados no momento da compilação, contendo assim toda sua experiência ulterior.
“Assim, ao refazê-los, mais de uma vez os atualiza com referências e comentários a acontecimentos que lhes eram posteriores, como sucede no Sermão de São Roque (p.208)[215].”
Os sermões, que teriam um número de doze tomos, foi um dos trabalhos aos quais Vieira dedicaria os últimos anos de sua vida, tendo em vista que o mesmo navio que levara a notícia de sua morte, em 1697, levara também o último tomo para publicação e algumas cartas[216]. Antes de sua morte, porém, Vieira iria ainda defender os nativos contra a escravidão quando, em 1694, descobrem-se as primeiras minas de ouro no interior do país e seus descobridores propõe a extração do mineral através do trabalho indígena. Tais protestos, no entanto, não seriam suficientes para evitar que, com o apoio de padres da Bahia e de Lisboa, a metrópole aprovasse o uso da mão de obra nativa.
[1] HOORNAERT, Eduardo. Teologia e ação pastoral em Antonio
Vieira (1552-1661). In: História
da Teologia na América Latina. São Paulo: Paulinas, 1981.
[2] A respeito de tais obras, podemos citar: Sermão de São Sebastião; Sermão pelo Bom Sucesso das Armas de Portugal contra as de Holanda; Sermão de Dia de Reis.
[3] Em livro intitulado “Olhares sobre a Colônia: Vieira e os Índios”, o jesuíta é apresentado a partir de outras preocupações, ou seja, a de sua atuação evangelizadora, o que nos levou ao encontro de seu discurso acerca da legitimidade do rei e do estabelecimento do Quinto Império. Desta forma, este parece ser o caminho mais viável para uma análise da obra de Vieira. MAGALHÃES, Leandro Henrique. Olhares sobre a colônia: Vieira e os Índios. Monografia de especialização apresentada junto ao Curso de Especialização em História Social da Universidade Estadual de Londrina, 1997.
[4] LISBOA, João Francisco. Vida do Padre Antônio Vieira. São Paulo: W.M. Jackson, 1964.
[5] AZEVEDO, João Lucio. História de Antonio Vieira. 2. vol. Lisboa: Clássica, 1992.
[6] CIDADE, Hernâni. Padre Antônio Vieira. Lisboa: Arcádia, 1947.
[7] LEITE, Serafim. História
da Companhia de Jesus no Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional,
1943.
[8] Filho e neto de fazendeiros, nasceu no Maranhão em 22 de março de 1822. Autodidata, freqüentou a escola até os onze anos, quando interrompeu seus estudos por problemas de saúde. Tornou-se jornalista, fundando seu primeiro jornal em 1831, intitulado “O brasileiro”. Em 1834 foi eleito deputado na primeira assembléia provincial pelo Partido Liberal. Foi acusado de ser mentor intelectual do movimento da balaiada, o que prontamente foi negado pelo próprio. Sem sucesso na política, diz que “homem de grande talento não serve para governar”. Em 20 de julho de 1852 publicou o primeiro fascículo de sua mais importante obra, o Jornal do Timon. Deixa o Maranhão pela primeira vez em 1855, com destino a Corte Real no Rio de Janeiro. Daí, parte para Portugal com o intuito de recolher documentos importantes para a história do Brasil. Viajou por toda a Europa e morreu, em Portugal, no dia 26 de abril de 1863.
[9] LISBOA, João Francisco. Op. Cit.
[10] É o caso da proposta de casamento de D. Teodósio com a filha do duque de Orleans (Melle de Montpensier) e o de casamento com a infanta espanhola. Se qualquer dos dois casos fosse aceito, D. João IV abdicaria ao trono de Portugal a favor de seu filho, retirando-se para o Brasil, que se tornaria uma monarquia independente. Tal fato, no entanto, só seria aceito com a manutenção de um Bragança no poder. LISBOA, João Francisco Op. Cit., p. 109.
[11] Existiam, no Primeiro Reinado, uma grande variedade
de grupos e raças que dividiam o mesmo espaço no território. Este fato possibilitara
a propagação de conflitos, onde o entre estrangeiros e brasileiros era apenas
um deles. No caso específico deste tipo de conflito, devemos levar em consideração
a dificuldade de se identificar o estrangeiro, sendo que, na maioria das
vezes, era tido como o português. Este apresentava ainda, segundo Gladys
Sabina Ribeiro, duas representações, uma que o tinha como inimigo da nação
e que a qualquer momento poderia tentar recolonizar o Brasil, e outra que
o via como o mais capacitado para permanecer ao lado da corte, gerando assim
invejas por parte de muitos ditos brasileiros. RIBEIRO, Gladys Sabina. "Pés-de-chumbo"
e "Garrafeiros": conflitos e tensões nas ruas do Rio de Janeiro
no Primeiro Reinado (1822-1831). Revista
Brasileira de História. São Paulo: ANPUH: Marco Zero, v. 12, n. 23/24,
Set.91/Ago.92, 141-165; MAGALHÃES, Leandro Henrique. Tensões e Conflitos
no I Reinado: A Relação do Eu com o Outro. Boletim
do CCH. Londrina: UEL, 1997, n º 32.
[12] ODÁLIA, Nilo (Org.). Varnhagen. São Paulo: Ática, 1974, p. 15-21.
[13] GUIMARÃES, Lucia Maria Paschoal. A percepção dos fundadores do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. In: MARTINS, Ismênia de Lima, MOTTA, Rodrigo Patto Sá & IOKOI, Zilda Gricoli (Orgs.). História e Cidadania: coletânea do XIX Simpósio Nacional de Históira - ANPUH. São Paulo: Humanitas, 1998. Tomo II.
[14] LISBOA, João Francisco. Op. Cit.
[15] REIS, José Carlos. As identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC. Rio de Janeiro: Getulio Vargas, 1999.
[16] ODÁLIA, Nilo (Org.). Op. Cit.. p. 17.
[17] GUIMARÃES, Lucia Maria Paschoal. Op. Cit. p. 475.
[18] Em 08 de janeiro de 1650 Vieira parte para Roma, em missão diplomática, com o intuito de promover uma revolta de Nápoles contra a Espanha e propor casamento do príncipe D. Teodósio com a herdeira do trono espanhol, D. Maria Teresa, sendo que, se a proposta de casamento fosse aceita, D. João IV abdicaria o trono em favor de seu filho, partindo para o Brasil.
[19] LISBOA, João Francisco Op. Cit.
[20] Nasceu no dia 06 de abril de 1890, na cidade de São João da Madeira, Portugal. A partir do quinze anos inicia suas viagens pelo mundo, estando no Brasil por oito anos, estabelecendo-se nas margens do Rio amazonas e do Rio Negro. Em meados de 1914 entra para a Companhia de Jesus, na Bélgica. Se viu na condição de fugitivo quando, em 1915, o país é invadido pela Alemanha. Em 1926 foi ordenado sacerdote pela Universidade de Comillas, na Espanha. Iniciou seu estudo sobre a história da Companhia de Jesus em 1932, consultando arquivos públicos portugueses, espanhóis, franceses, belgas e italianos, além de arquivos particulares da Companhia de Jesus. Ao concluir sua obra intitulada “História da Companhia de Jesus no Brasil” recebeu, em 1939, do governo brasileiro, a ordem nacional do Cruzeiro do Sul.
[21] LEITE, Serafim. Op. Cit.
[22] Crítico literário português, foi responsável, em nosso
século, pela reedição das obras do Padre Antonio Vieira.
[23] CIDADE, Hernâni, Op. Cit. P. 29.
[24] Sobre a questão da alteridade em Vieira ver: MAGALHÃES, Leandro Henrique. Olhares sobre a colônia. Op. Cit.
[25] Nasceu em Sintra, no ano de 1855, emigrando muito novo para o Brasil. Trabalhou em livrarias e, posteriormente, como livreiro proprietário. Retornou rico para a Europa onde, em Paris, e depois em Portugal, deu execução a diversos projetos historiográficos. Falava e escrevia em sete idiomas. Suas obras eram redigidas em Português de perfil clássico, estudando constantemente o dicionário na busca de um enriquecimento vocabular. Morreu em 1927, no Rio de Janeiro.
[26] Não incluir estes autores na presente análise, não significa que não os utilizarei no decorrer da dissertação, por entender como trabalhos essenciais para a compreensão tanto da obra como do contexto vivenciado por Vieira. Como tratarei aqui do modo como o jesuíta fora entendido pela historiografia brasileira recente, creio ser necessário justificar tais ausências. No caso do trabalho de Janice Theodoro, intitulado “A retórica do cativo: Padre Antonio Vieira e a Inquisição”, não o incluo seja pela sua amplitude, seja pela sua limitação pois, ao mesmo tempo que o texto faz parte de um estudo maior sobre o barroco, trata de uma questão especifica, ou seja, do discurso de Vieira frente o Tribunal do Santo Ofício. Já a obra de Anita Novinsky, onde podemos destacar o livro “Cristãos Novos na Bahia: a Inquisição” e o texto “Sebastianismo, Vieira e a messianismo judaico”, trata de modo especifico da questão judaica, dando tal enfoque quando analisa a obra do jesuíta. Ronald Raminelli, em seu livro “Imagens da Colonização”, trata da forma como os nativos brasileiros foram entendidos pelo Europeu. Desta forma, utiliza-se da obra de Vieira como um dos elementos de análise, o que nos impede de utilizar tal obra. Por fim, temos a obra de Evaldo Cabral de Melo, onde destacamos os livros “O negócio do Brasil: Portugal, os Países Baixos e o Nordeste (1641-1669)” e “Olinda Restaurada: guerra e açucar no nordeste (1630-1654)”, onde se utiliza da obra de Vieira como fonte de análise para compreender a política de Portugal referente a ocupação neerlandesa no nordeste brasileiro. CABRAL DE MELLO, Evaldo. O negócio do Brasil: Portugal, os Países Baixos e o Nordeste (1641-1669). Rio de Janeiro: Topbooks, 1998; CABRAL DE MELLO, Evaldo. Olinda Restaurada: guerra e açúcar no nordeste (1630-1654). Rio de Janeiro: Topbooks, 1998. NOVINKY, Anita. Cristãos Novos na Bahia: A Inquisição. São Paulo: Perspectiva, 1992; NOVINSKY, Anita. Sebastianismo, Vieira e o messianismo judaico. In: IANNONE, Carlos Alberto; GOBI, Márcia V. Zamboni & JUNQUEIRA, Renata Soares (Org.). Sobre as naus da iniciação: estudos portugueses de Literatura e História. São Paulo: UNESP, 1998; RAMINELLI, Ronald. Imagens da Colonização: a representação do índio de Caminha a Vieira. São Paulo/Rio de Janeiro: FAPESP/Zahar, 1996; THEODORO, Janice. A retórica do cativo: Padre Antonio Vieira e a Inquisição. In: América Barroca: Tema e Variação. São Paulo/Rio de Janeiro: EDUSP/ Nova Fronteira, 1992;
[27] Mestre em história pela Universidade de São Paulo. Leciona atualmente na Universidade Estadual de Maringá.
[28] MENEZES, Sezinandro Luiz. Padre Antônio Vieira, a cruz e a espada. Dissertação de mestrado apresentada ao Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo em 1992.
[29] Nasceu em 1936, filho de Teresa e Alfredo Bosi. Formou-se em letras neolatinas pela USP, onde atualmente leciona Literatura Brasileira. Estudou filosofia da Renascença e estética na Universidade de Florença. É autor de “História Concisa da Literatura Brasileira”.
[30] Utilizo-me aqui do texto intitulado “Vieira e a cruz da desigualdade”, inclusa no livro “Dialética da Colonização”. Apesar de ter publicado outros textos acerca do tema, este seria o de maior importância por ter marcado de maneira mais consistente a historiografia que trata tanto da colonização portuguesa como especificamente do jesuíta, sendo assim leitura obrigatória para todos os especialistas do tema. BOSI, A. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
[31] Para Bosi, Vieira viveria em um momento de transição, onde suas concepções escolásticas estariam em conflito com o mundo moderno, o que causaria as contradições de seu discurso. Seu paradoxo seria Antonil, um homem do século XVIII que entenderia a colonização e os nativos como condicionados ao trabalho e ao lucro. BOSI, Alfredo. Op. Cit.
[32] Dentre as obras de Alcir Pécora acerca do Padre Antonio Vieira, destaco: PÉCORA, Alcir. Vieira, o Índio e o corpo místico. In: NOVAES, Adauto (Org.). Tempo e História. São Paulo: Companhia das Letras, 1992; PÉCORA, Alcir. O demônio mudo. In: NOVAES, Adauto (Org.). O Olhar. São Paulo: Companhia das Letras, (S/D); PÉCORA, Alcir. Política do céu (anti-Maquiavel). In: NOVAES, Adauto (Org.). Ética. São Paulo: Companhia das Letras, (S/D); PÉCORA, Alcir. O desejo. In: NOVAES, Adauto (Org.). O Desejo. São Paulo: Companhia das Letras, (S/D); PÉCORA, Alcir. Vieira: retórica e teologia (um projeto de estudo). Estudos portugueses e africanos. Campinas: UNICAMP, 1985, nº 5; PÉCORA, Alcir. Vieira segundo Bernardo Soares. Remate de Males. Campinas: UNICAMP, 1988, nº 8, p.69 - 83. PÉCORA, Alcir. O bom e o boçal ou o selvagem americano entre calvinistas franceses e católicos ibéricos. Remate de Males. Campinas, UNICAMP, 1992, n° 12, p. 35 - 44; PÉCORA, Alcir. O processo inquisitorial de Antonio Vieira. In: In: IANNONE, Carlos Alberto; GOBI, Márcia V. Zamboni & JUNQUEIRA, Renata Soares (Org.). Sobre as naus da iniciação: estudos portugueses de Literatura e História. São Paulo: UNESP, 1998; PÉCORA, Alcir. Teatro do Sacramento. São Paulo/Campinas: EDUSP/UNICAMP, 1994.
[33] PÉCORA, Alcir. O bom e o boçal. Op. Cit.
[34] Nasceu na Bélgica em 1930. Estudou filosofia clássica e História Antiga em lovaina e teologia em Bruges, É professor de história da Igreja no Instituto de Teologia e Pastoral de Fortaleza, Ceará.
[35] HOORNAERT, Eduardo. Op. Cit.
[36] Aproxima-se assim da visão apresentada por Serafim Leite, onde Vieira trabalharia para o engrandecimento da Companhia de Jesus aliada as preocupações temporais da Coroa.
[37] PALACIN, Luis. Vieira e a visão trágica do barroco. São Paulo: HUCITEC, 1986.
[38] LEITE, Serafim. Op. Cit. p. 04.
[39] retorna para a Bahia em 1614, sendo que João Lucio de Azevedo data de 1615. AZEVEDO, João Lucio. História de Antonio Vieira. Op. Cit.
[40] CIDADE, Hernâni. Padre Antonio Vieira. Op. Cit. p. 12
[41] AZEVEDO, João Lucio. História de Antonio Vieira. Op. Cit.
[42] Em relação a sua educação, afirmam tanto João Lucio de Azevedo como João Francisco Lisboa que Vieira não fora um gênio precoce, pois decorava mal e tinha dificuldades no aprendizado. Sua sorte mudara com um pedido feito a virgem e que, após um estalo, se torna um gênio, vencendo todos os desafios que as disputas oratórias da companhia exigiam.
[43] Para João Francisco Lisboa, a partida de Vieira para o instituto simbolizava o desprezo de Vieira pelos sentimentos mais ternos e suaves, apresentando, já no inicio de sua vida, sua insaciável ambição. LISBOA, João Francisco. Op. Cit. p. 07.
[44] AZEVEDO, João Lucio. História de Antonio Vieira. Op. Cit. p. 21 - 22.
[45] Companhia de comércio fundada em 1621, mesmo ano do fim da trégua entre Castela e os Países Baixos, onde estes concederam o monopólio, por vinte e quatro anos do comércio, navegação e conquistas das terras da América e da África banhadas pelo Atlântico. Seu maior objetivo era, como indicado em sugestão de 12 de setembro de 1622, a conquista do reino do Brasil. MELLO, J. A. Gonsales de. O domínio holandês na Bahia e no Nordeste. In: HOLANDA, Sérgio Buarque. História Geral da Civilização Brasileira: A Época Colonial. Tomo I, vol. I. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.
[46] Sobre o domínio holandês no nordeste brasileiro, ver: MELLO, J. A. Gonsales de. O domínio holandês na Bahia e no Nordeste. Op. Cit.; MELLO, J. A. Gonsales de. A rendição dos holandeses no Recife. Recife, 1979; CABRAL DE MELLO, Evaldo. O negócio do Brasil: Op. Cit.; CABRAL DE MELLO, Evaldo. Olinda Restaurada. Op. Cit.; CABRAL DE MELLO, Evaldo. Rubro veio: o imaginário da Restauração Pernambucana. Rio de Janeiro: Topbooks, 1997; MARQUES, Oliveira. O Império Tridimensional. In: Breve História de Portugal. Lisboa: Presença, 1996; BOXER, C.R. Os holandeses no Brasil (1624-1654). São Paulo: Nacional, 1961; BOXER, C.R. A idade de ouro no Brasil. São Paulo: Nacional, 1969.
[47] Ao utilizarmos da obra de Francisco Adolfo de Varnhagen, devemos ter em mente seu papel como historiador no século XIX. Este período foi marcado pela necessidade de se forjar uma memória nacional que fornecesse elementos de continuidade entre o período colonial e o imperial, dando assim uma idéia tanto de processo, onde se tem o colonizador como vitorioso na sua posição de conquista e reconquista do território brasileiro, como de pacificidade na transição entre os dois períodos, além de garantir uma legitimidade da elite imperial frente aos demais grupos do reino. Desta forma, Varnhagen apresenta a história do Brasil como a de uma nação branca e européia que, devido a sua superioridade étnica e cultural, teria conquistado o direito sobre a terra. Devemos entender tal obra em um momento de construção de uma identidade nacional que buscava legitimar um processo de dominação social e de centralização do poder ao mesmo tempo que se preocupava com a formação do homem brasileiro. Tais preocupações eram apresentadas pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, do qual Varnhagen era membro, que viam no Estado Monárquico Brasileiro o legítimo herdeiro do Império Ultramarino Português. Segundo José Carlos Reis, a obra de Varnhagen teria como características: priorizar a continuidade em relação a mudança, dando preferência ao Brasil português, ao tradicional ao invés do moderno; entende a história como um progresso linear e gradual, ou seja, o presente seria o mesmo que se aperfeiçoa; os problemas do passado seriam resolvidos sem problemas, rupturas ou revoluções e via no futuro, no máximo, um passado resolvido. Há, no entanto, algumas semelhanças entre as questões tratadas por Varnhagen e por Vieira onde podemos destacar a fidelidade ao Estado e a busca de uma nação unitária, onde a heterogeneidade seria limitada e somente aceita quando não colocasse em risco a lealdade ao rei. Além disso, há a idéia de superioridade européia pois, segundo o historiador, a vitória dos colonos sobre os nativos se deu pela superioridade das leis, da ordem, da religião e da autoridade portuguesa, enquanto o jesuíta afirma que a maior dificuldade para a evangelização seria a falta das letras F, R e L do vocabulário indígena, o que significaria a ausência de fé, rei e lei. VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História Geral do Brasil. 10a. ed. São Paulo: Itatiaia, 1981, Vol 1, Tomo I e II, p. 187-188; ODÁLIA, Nilo. Op. Cit. p. 07-23; GUIMARÃES, Lucia Maria Paschoal. Op. Cit. p. 471-481; REIS, José Carlos. Op. Cit. p. 16.
[48] É valido lembrar aqui que havia uma disputa política na região entre o Bispo e o Governador.
[49] Nas palavras de Varnhagen: “Assim, a milícia do país, sem a necessária disciplina, abandonara os seus postos, à medida que o perigo deles se aproximava; e os moradores, vendo fugir os que deviam defendê-los, fugiam também, abandonando os seus lares, e procurando levar consigo quanto podiam (p.190).” VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. Op. Cit.
[50] Ao apresentar o modo como os habitantes organizaram a resistência e posterior retomada da cidade demonstra, sem no entanto denominar, o que J. A. Gonsales de Mello chama de “estilo de guerra brasílica”, que teria como característica o ataque de surpresa, a dispersão, a mobilidade dos combatentes e a iniciativa individual. MELLO, J. A. Gonsales de. O domínio holandês na Bahia e no Nordeste. Op. Cit. p. 239.
[51] Carta Ânua.
[52] Idem.
[53] Em um primeiro momento, fora eleito para o cargo o desembargador Antão de Mesquita de Oliveira. Eleição, no entanto, não agradara o bispo, que consegue a deposição do desembargador e, logo em seguida, sua nomeação. VARNHAGEN. Francisco Adolfo de. Op. Cit. p. 191.
[54] Carta Ânua, p.19.
[55] BOXER, C.R. Os Holandeses no Brasil. Op. Cit. p. 36.
[56] Idem.
[57] VARNHAGEN. Francisco Adolfo de. Op. Cit. p. 197-198.
[58] Carta Ânua.
[59] Segundo João Lucio de Azevedo, o ensino era tido como parte das obrigações do jesuíta, sendo que quando estivesses aptos a lecionar, deveriam fazê-lo, como fora o caso de Vieira. AZEVEDO, João Lucio. História de Antonio Vieira. Op. Cit. p. 29.
[60] CIDADE, Hernâni. Op. Cit. p.
[61] Segundo João Francisco Lisboa, seus triunfos oratórios cresceriam na mesma proporção que sua inata ambição. LISBOA, João Francisco. Op. Cit. p. 18.
[62] CABRAL DE MELLO, Evaldo. O negócio do Brasil. Op. Cit.
[63] Segundo João Lucio de Azevedo, apesar de os jesuítas serem os maiores propagadores do sebastianismo de seu tempo, tal sermão seria apenas um exercício de retórica, pois não havia ainda despertado em seu espírito a oposição ao reino de Castela. AZEVEDO, João Lucio. História de Antonio Vieira. Op. Cit. p. 29.
[64] Sermão de São Sebastião.
[65] SARAIVA, Antonio José. Antonio Vieira, Menasseh Bem Israel e o Quinto Império. In: História e Utopia: estudos sobre Vieira. Lisboa: Ministério da Educação, 1992.
[66] Após conquistar Pernambuco, em 1630, a Companhia das Índias Ocidentais tinha como objetivo a tomada da Capital do Brasil, Salvador da Bahia. Em 1637, após expulsar os últimos resistentes ao governo neerlandês, Maurício de Nassau, chefe político dos domínios neeerlandeses no Brasil, tenta um ataque à Bahia, saindo no entanto derrotado. Apesar deste infortúnio, teria novos sucessos no Maranhão e em Sergipe, em 1641. Após realizar tais atos, dedica-se ao trabalho de administrador das terras conquistadas. MELLO, J. A. Gonsales de. O domínio holandês na Bahia e no Nordeste. Op. Cit. p. 237.
[67] Governador cede todo o poder que lhe fora confiado pelo rei a Bagnuolo, seja por patriotismo, seja por querer se livrar de toda responsabilidade. VARNHAGEN. Francisco Adolfo de. Op. Cit. p. 298.
[68] A respeito da derrota de Nassau, afirma Varnhagen: “Na Bahia, perdeu não só prestígio, mas muito boa parte de seu exército, que veio a lhe fazer falta; pois ao regressar ao Recife, em vez de reforços, recebeu ordens de entregar ao almirante Cornelis Corneliszoon Jol as forças que pudesse, para uma expedição (que se malogrou) às Antilhas; e teve que privar-se da melhor parte de sua esquadra e de seiscentos soldados (p.299).” Idem.
[69] CIDADE, Hernâni. Padre Antonio Vieira. Op. Cit.
[70] João Francisco Lisboa chama atenção para o fato de que, com este sermão, Vieira alcançaria um grau de eloquência poucas vezes alcançados posteriormente, deixando transparecer todo seu patriotismo e seu sentimento de português e de católico. Observamos que, neste ponto, João Lucio de Azevedo discorda da posição de Lisboa, pois este afirma que neste período ainda não havia despertado em Vieira seu sentimento patriótico. LISBOA, João Francisco. Op. Cit. p. 09.
[71] Sermão pelo Bom Sucesso das Armas de Portugal contra as de Holanda.
[72] Idem.
[73] Idem.
[74] Após a vitória dos portugueses sobre Maurício de Nassau, Castela envia uma armada para o Brasil com o intuito de restaurar Pernambuco, tendo por general D. Fernando de Mascarenhas. Este, no entanto, prefere não atacar de imediato, partindo para a Bahia, onde tomaria posse como governador e capitão-mor. Em 1640, lhe sucede D. Jorge de Mascarenhas, Marquês de Montalvão, com o título de primeiro vice rei do Brasil. VARNHAGEN, Francisco Adolfo. História Geral do Brasil. Op. Cit.
[75] Sermão de dia de reis.
[76] A notícia sobre a restauração portuguesa só fora recebida na Bahia em 15 de fevereiro de 1641, com grande surpresa para o vice rei e seus conterrâneos. VARNHAGEN, Francisco Adolfo. História Geral do Brasil. Op. Cit.
[77] ”Viva pois o santo e piedoso rei (que já é passado o
ano de 40), viva e reine eternamente com Deus, e sustente-nos desde o céu
com suas orações, o reino que com seu demasiado valor nos perdeu na terra
(p.68)”. Sermão de dia de Reis.
[78] “Herdou, disse, e conforme teologia de São Paulo, quem diz herança supõe verdadeira morte, que como fim de uma vida tão suspirada, não é muito que não seja bem crida (p.68)”. Sermão de dia de reis. Acerca de tal questão, ver João Lucio de Azevedo. AZEVEDO, João Lucio. História de Antonio Vieira. Op. Cit. p.46, AZEVEDO, Jão Lucio de. A evolução do Sebastianismo. Lisboa: Presença, 1958.
[79] Segundo João Francisco Lisboa, Vieira deve ter se insinuado para compor tal comissão, tendo o apoio da Companhia, pois era de seu interesse que Vieira tivesse sucesso na capital e trouxesse glórias para o instituto. LISBOA, João Francisco. Op. Cit. p. 19.
[80] Segundo João Francisco Lisboa, Vieira não soube utilizar de sua glória com moderação, atraindo para si ódios e ingratidão de seus rivais. LISBOA, João Francisco. Op. Cit. p. 25.
[81] Vieira não cita o sapateiro neste sermão, mas pelas questões tratadas fica claro o conhecimento de suas trovas.
[82] AZEVEDO, João Lucio. História de Antonio Vieira. Op. Cit. p. 56.
[83] Sermão dos Bons Anos.
[84] Dia em que se festeja São José.
[85] Vieira dá a entender aqui que S. José patrocinaria D. João IV a restaurar o mundo, como exemplo do primeiro restaurador, Cristo. Assim, D. João IV seria rei de um Império Universal.
[86] Sermão de São José.
[87] AZEVEDO, João Lucio. História de Antonio Vieira. Op. Cit. p. 63.
[88] Proposta ...
[89] CIDADE, Hernâni. Padre Antonio Vieira. Op. Cit. p. 62
[90] Entende-se aqui o termo indústria como os produtos manufaturados produzidos por Portugal. A produção industrial portuguesa permaneceu em segundo plano nas preocupações econômicas do reino, apesar de seu crescimento e diversificação nos séculos XVII e XVIII, sendo que no século XX a perspectiva em relação à indústria nacional era animadora. Tal crescimento, no entanto, não acompanhara aos demais setores da economia, sendo que o avanço promovido por Duarte Ribeiro de Macedo após 1640 sofre um recuo considerado com a descoberta das minas de ouro no Brasil no final deste século SERRÃO, José Vicente. O Quadro Econômico. In: HESPANHA, Antonio Manuel (Coord.). História de Portugal: O Antigo Regime. Lisboa: Estampa, 1998, p. 83.
[91] LISBOA, João Francisco. Op. Cit. p. 26.
[92] Proposta ...
[93] BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. Op. Cit. p, 127.
[94] CIDADE, Hernâni. Padre Antonio Vieira. Op. Cit. p. 59
[95] Sermão de Santo Antonio.
[96] Idem.
[97] MAGALHÃES, Leandro Henrique. Vieira e a Economia da Restauração. III Congresso Brasileiro de História Econômica e IV Conferência Internacional de História de Empresas. Curitiba: UFPR, 1999.
[98] Em sermão pregado na Capela Real no ano de 1650, Vieira lembra que uma omissão da nobreza poderia resultar na perda do reino, sendo considerado um dos maiores pecados que se poderia cometer, pois estariam abandonando sua função de proteção do Estado. Sermão da Primeira Dominga do Advento.
[99] AZEVEDO, João Lucio. História de Antonio Vieira. Op. Cit. p. 39.
[100] Sobre esta questão, ver: MATTOSO, José, (dir.). História de Portugal. A Monarquia Feudal: (1096-1480). Lisboa:
Estampa, 1993. V. 2; DUBY, Georges. As três Ordens ou O Imaginário do Feudalismo. Lisboa: Estampa,1982;
LE GOFF, Jacques. Para um Novo Conceito
de Idade Média: Tempo, Trabalho e Cultura no Ocidente. Lisboa: Estampa,
l979; LE GOFF, Jacques. A Civilização
do Ocidente Medieval. Lisboa: Editorial Estampa, 1984. V. 1-2.
[101] Para Hernâni Cidade, a defesa que Vieira fazia dos cristãos novos parecia indiscreta até mesmo para os membros da Companhia de Jesus. CIDADE, Hernâni. Padre Antonio Vieira. Op. Cit. p. 62. Sobre a situação dos cristãos novos em Portugal, podemos citar como a mais importante estudiosa a Profa. Anita Novinsky, com vários trabalhos publicados sobre o assunto, onde podemos destacar: NOVINSKY, Anita. Cristãos-novos na Bahia: A Inquisição. São Paulo: Perspectiva, 1992; NOVINSKY, Anita. Inquisição: Rol dos Culpados. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1992; NOVINSKY, Anita. O papel dos judeus nos grandes descobrimentos. Revista Brasileira de História: América, Américas. Vol. 11, no. 21. São Paulo: Marco Zero: set/90-fev/91; NOVINSKY, Anita. Sebastianismo, Vieira e o messianismo judaico. Op. Cit. Sobre o assunto, podemos citar ainda: SARAIVA, Antonio José. Inquisição e cristãos-novos. Lisboa: Estampa, 1985; SIQUEIRA, Sonia A . A Inquisição portuguesa e a sociedade colonial. São Paulo: Ática, 1978; AZEVEDO, João Lucio de. História dos Cristãos Novos Portugueses. Lisboa: Clássica, 1975; HERMANN, Jacqueline. No reino do desejado. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
[102] Favorecimento dos judeus seria, assim, uma forma de ataque à Inquisição. AZEVEDO, João Lucio. História de Antonio Vieira. Op. Cit. p. 69.
[103] Idem.
[104] CABRAL DE MELLO, Evaldo. O negócio do Brasil. Op. Cit. p. 103.
[105] Desta forma, temos que a restauração política dependeria
da restauração do comércio lusitano. CARDOSO, José Luis. O Pensamento Econômico
na Época da Restauração. In: HESPANHA, Antonio Manuel (Coord.). A
Restauração e sua época. Lisboa: Cosmos, 1993, p. 139.
[106] Havia então a necessidade de se rever os procedimentos inquisitoriais, o que possibilitaria o retorno destes para o reino.
[107] Para maiores informações, ver termo Mercantilismo In:
SERRÃO, J. (Org). Dicionário de História
de Portugal. Porto: Figueirinhas, 1990.
[108] Sobre as propostas acerca da criação de Companhias de Comércio, e a efetiva criação da Companhia do Comércio do Brasil, em 1649, ver: BOXER, C. R. Os Holandeses no Brasil. Op. Cit.; CABRAL DE MELLO, Evaldo. O negócio do Brasil. Op. Cit.; CARDOSO, José Luis. Op. Cit.; FERREIRA REIS, Arthur Cesar. O Comércio Colonial e as Companhias Privilegiadas. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. História Geral da Civilização Brasileira: A Época Colonial. Tomo I. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1993; FREITAS, Gustavo de. A Companhia Geral do Comércio do Brasil (1649 - 1720). Coleção da Revista de História. São Paulo, 1951; SERRÃO, J. (Org). Companhias Privilegiadas. In: Dicionário de História de Portugal. Op. Cit.; SERRÃO, José Vicente. O Quadro Econômico. Op. Cit.
[109] LISBOA, João Francisco. Op. Cit. p. 44 - 47.
[110] MONTEIRO, Nuno Gonçalo. Poder Senhorial, Estatuto Nobiliárquico e Aristocracia. In: HESPANHA, Antonio Manuel (Coord.). História de Portugal: O Antigo Regime. Lisboa: Estampa, 1998, p. 297 - 314.
[111] Guerra futura que Vieira afirma ser infalível a Portugal seria as guerras para estabelecimento do Império de Cristo na Terra. Proposta ...
[112] SERRÃO, José Vicente. O Quadro Econômico. Op. Cit. p. 67 - 109. Proposta ... , Segundo Sermão de São Roque.
[113] Razões ..., p.64-65.
[114] Ver termo Companhias Comerciais. In: SERRÃO, J. Dicionário ... Op. Cit.
[115] O Santo Ofício que, prevendo uma grande diminuição de seus fundos, alegava que se fossem atendidas as intenções do jesuíta, logo toda a cristandade estaria ameaçada. Vieira, no entanto, vai sustentar o contrário, ou seja, que a admissão dos mercadores seria de grande serviço a Deus e a Portugal pois, de um lado, impediria o avanço dos hereges dos Países Baixos nas conquistas, e de outro, aumentar-se-ia a fé dos mesmos homens de nação por conviverem juntos a verdadeiros cristãos Proposta ...
[116] Idem.
[117] BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. Op. Cit. p. 122.
[118] Proposta ...
[119] FREITAS, Gustavo de. Op. Cit. p. 29-32.
[120] VARNHAGEN, Francisco Adolfo. História Geral do Brasil. Op. Cit. p. 14.
[121] CABRAL DE MELLO, Evaldo. O negócio do Brasil. Op. Cit. p.15.
[122] FREITAS, Gustavo de. Op. Cit.
[123] CABRAL DE MELLO, Evaldo. O negócio do Brasil. Op. Cit. p. 14.
[124] Idem, p. 13.
[125] Papel Forte
[126] CABRAL DE MELLO, Evaldo. O negócio do Brasil. Op. Cit.
[127] VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. Op. Cit. p. 13.
[128] MELO, J. A. Gonsales. Op. Cit. p.250-251.
[129] BOXER, C.R. Os holandeses no Brasil. Op. Cit. p. 283,
[130] CABRAL DE MELLO, Evaldo. O negócio do Brasil. Op. Cit.
[131] A respeito da participação do rei na sublevação de Pernambuco, Varnhagen afirma que tal notícia fora recebida em Portugal com satisfação, e que teria feito o rei promulgar um decreto em 27 de outubro de 1645 onde fazia dos herdeiros do trono príncipe do Brasil. Além disso, fora descoberta junto a frota de Serrão de Paiva, capturadas às margens de Recife, documentos que apresentavam o envolvimento do governador da Bahia e do rei de Portugal. VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. Op. Cit. p. 35.
[132] Tal acordo não se concretizou graças a interferência da França, que tinha um acordo com os Estados Gerais de que só seria feita a paz com Castela se ambos os reinos fizessem parte do acordo. CABRAL DE MELLO, Evaldo. Op. Cit. p. 75-76.
[133] Razões ...
[134] Papel ...
[135] VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. Op. Cit. p. 50. Tal fato é narrado por Vieira na carta escrita ao Conde de Ericeira, em 1689, onde afirma ter conseguido adquirir o dinheiro para o envio de tal frota. Carta ao Conde de Ericeira.
[136] CABRAL DE MELLO, Evaldo. O negócio do Brasil. Op. Cit. p. 108-118.
[137] Carta ao conde de Ericeira.
[138] Sobre as negociações entre Portugal e Países Baixos, ver CABRAL DE MELLO, Evaldo. O negócio do Brasil. Op. Cit.
[139] “Portugal sem Brasil era trono que não merecia aventura (p.71)”. CIDADE, Hernâni. Padre Antonio Vieira. Op. Cit.
[140] Não queria Portugal arrancar Nápoles da Espanha, mas sim inquietar Castela e tornar recomendável a proposta de casamento e a paz com Portugal. AZEVEDO, João Lucio. História de Antonio Vieira. Op. Cit. p. 143.
[141] LISBOA, João Francisco. Op. Cit.
[142] AZEVEDO, João Lucio. História de Antonio Vieira. Op. Cit.
[143] A província não fora dividida, mas sim sua administração, nomeando-se um Visitador para o Alentejo. No entanto, a antiga unidade é restabelecida em 1665. AZEVEDO, João Lucio. História de Antonio Vieira. Op. Cit. p. 170.
[144] Segundo João Francisco Lisboa, Vieira não aceitara se desvincular da Companhia de Jesus por dois motivos: primeiro, por ser uma ordem poderosa e de grande influência, e segundo, por prever que o ódio da companhia poderia lhe trazer inúmeros problemas, inclusive a perda total da amizade real. LISBOA, João Francisco. Op. Cit. p. 160.
[145] Em relação ao não envio de tal documento, João Francisco Lisboa afirma que a pressão dos inimigos do jesuíta, poderosos o bastante para mudar a vontade do monarca, não hesitaram em o fazer. Em relação a partida de Vieira para o Maranhão, Serafim Leite apresenta-nos uma restituição passo a passo de tal fato, desde a ordem de desembarque do rei até sua partida definitiva. LISBOA, João Francisco. Op. Cit. p. 173; LEITE, Serafim. Op. Cit. p. 34.
[146] Além desta carta, Vieira escreve outra ao Padre André
Fernandes, Bispo do Japão, com o intuito de apresentar-lhe a situação das
almas nativas daquela região, que segundo os jesuítas era um grande número
de almas perdidas e desprezadas, rogando assim por providência. Afirma ainda
Vieira, nesta carta, a facilidade de catequese devido ao fato de viverem
todos sem idolatrias e ritos gentílicos, o que dificultaria a conversão.
Nas palavras de Vieira: “São todos pretos, mas somente neste acidente se
distinguem dos europeus. Têm grande juízo e habilidade, e toda a política
que cabe em gente sem fé e sem muitas riquezas, que vem a ser o que ensina
a natureza (p.79)”. Vendo tal situação, afirma Vieira que houvera a necessidade
de controlar o impulso para não permanecer na região. Carta
ao Padre André Fernandes.
[147] Lisboa afirma que Vieira, ao escrever tal carta, teria uma atitude hipócrita pois, em um primeiro momento, afirmara desejar ir ao Maranhão, chegando a escrever ao Geral da Companhia sobre suas intenções. Já Serafim Leite tem posição distinta em relação a tal carta, afirmando que fora mera cortesia com o rei, pois seu intuito era mesmo partir para o Maranhão. Tal posição também seria a de André de Barros e José de Moraes, que colocam tal carta como sendo uma desculpa de Vieira para que o rei não encarasse como desobediência sua partida. Devemos no entanto levar em consideração que todos eles são membros da Companhia de Jesus, e assim, estavam a defender seu mais ilustre membro. MORAIS, P. José de. História da Companhia de Jesus na extinta província do Maranhão e Pará. Rio de Janeiro, 1860, Citado a partir de Francisco Lisboa.
[148] Carta ao Príncipe D. Teodósio.
[149] Idem.
[150] HOORNAERT, Eduardo. Teologia e ação pastoral em Antonio Vieira. Op. Cit.
[151] Sobre o papel da conversão para a manutenção da soberania portuguesa, ver: MAGALHÃES, Leandro Henrique. Olhares sobre a colônia Op. Cit. Acerca do modo como Vieira entendia a evangelização, ver: BOSI, A. Dialética da colonização. Op. Cit.; HOORNAERT, Eduardo. Teologia e ação pastoral em Antonio Vieira. Op. Cit.; LEITE, Serafim. Op. Cit.; LISBOA, João Francisco. Vida do Padre Antônio Vieira. Op. Cit.; MENEZES, Sezinandro Luiz. Op. Cit.; PÉCORA, Alcir. Vieira, o Índio e o corpo místico. Op. Cit.; PÉCORA, Alcir. O desejo. Op. Cit.; PÉCORA, Alcir. Vieira: retórica e teologia. Op. Cit.; PÉCORA, Alcir. O bom e o boçal. Op. Cit.; RAMINELLI, Ronald. Op. Cit.; THEODORO, Janice. Op. Cit. Sobre a evangelização de um modo em geral, ver: BRUIT, Héctor Hernán. Derrota e Simulação: Os índios e a conquista da América. Resgate Revista de Cultura. Campinas, nº2, 1991; BRUIT, Héctor Hernán. América Latina: Quinhentos anos entre a Resistência e a Revolução. Revista Brasileira de História. São Paulo, v 10, n 20, p. 147-171, 1994; CARNEIRO DA CUNHA, Manuela. (Org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras/Secretaria Municipal de Cultura, 1992; VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. O mármore e a murta: sobre a inconstância da alma selvagem. Revista de Antropologia. São Paulo: USP, 1992, v.35, p. 21-74; GALVÃO, Eduardo. Encontro de sociedades, índios e brancos no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979; GOMES, Mércio P. Os índios e o Brasil. Petrópolis: Vozes, 1988; GOMES, Plínio F. O ciclo dos meninos cantores (1550-1552) - Música e aculturação nos primórdios da colônia. Revista Brasileira de História. São Paulo: Marco Zero set.90/fev.91, v11, n 21; HOORNAERT, Eduardo. A igreja no Brasil Colônia (1550-1580). São Paulo: Brasiliense, 1994; HOORNAERT, Eduardo. Formação do Catolicismo Brasileiro (1550-1580). Petrópolis: Vozes, 1991; KOK, Maria da Glória Porto. Os vivos e os mortos no Brasil Colonial: da antropofagia à água do batismo. Dissertação de mestrado apresentado ao Departamento de História, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo; LANCIANI, Giulia. O Maravilhoso como critério de diferenciação entre sistemas culturais. Revista Brasileira de História. São Paulo: Marco Zero, set.90/fev.91, v. 11, n 21; MELLO E SOUZA, Laura de. O diabo e a Terra de Santa Cruz. São Paulo: Companhia das Letras, 1986; PIRES, D.J.M. 500 anos de resistência negra e indígena. Extensão. Belo Horizonte, v 2, n 3, p. 17-32, junho/1992; PRIORE, Mary del. Religião e religiosidade no Brasil colonial. São Paulo: Ática, 1997; SEBE, José Carlos. Os jesuítas. São Paulo: Brasiliense, 1982; SUBIRATS, E. A lógica da colonização. In: NOVAES, A. (org.). Tempo e história. São Paulo: SMC/ Companhia das Letras, 1992, p. 399-410; TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a questão do outro. São Paulo: Martins Fontes, 1988; VAINFAS, Ronaldo. A heresia dos índios: catolicismo e rebeldia no Brasil colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1995; VAINFAS, Ronaldo. Colonialismo e Idolatria: Cultura e Resistência Indígenas no Mundo Colonial Ibérico. Revista Brasileira de História. São Paulo: Marco Zero, set.90/fev.91, v. 11, n 21; CARVALHO, Laerte Ramos de. Ação missionária e educação. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. História Geral da Civilização Brasileira. TOMO I, Vol. I. Rio de Janeiro: Beltrand Brasil, 1989; LACOMBE, Américo Jacobina. A igreja no Brasil Colonial. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. História Geral da Civilização Brasileira. TOMO I, Vol. II. Rio de Janeiro: Beltrand Brasil, 1989; NOVAIS, Fernando A. & SOUZA, Laura de Mello e (Org.). História da Vida Privada no Brasil. Vol. I. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
[152] Como é o caso dos cristãos-novos que mesmo depois de convertidos são constantemente molestados devido a possibilidade de manutenção de costumes judaicos, o que incorreria em perigo para o cristianismo e para a unidade de Portugal.
[153] “Para Vieira, a incorporação e integração dos diferentes povos, sob a égide da dominação portuguesa, seria fundamental para a consolidação da independência e para a promoção e expansão do reino (p.49).” MAGALHÃES, Leandro Henrique. Olhares sobre a Colônia: Vieira e os Índios. Op. Cit.
[154] Sermão da Primeira Dominga da Quaresma.
[155] Como nos mostra o próprio Padre Antonio Vieira em Sermão pregado na Capela Real logo após os jesuítas serem expulsos do Maranhão (1662), o povo Português, ao contrário do que fizera Jesus Cristo em relação aos três Reis Magos, tiravam a soberania dos nativos, consentindo que perdessem a pátria, terras e a própria liberdade, não respeitando assim o diferente, como fizera Jesus: “ Como defendeu Cristo os Magos! Defendeu-os de tal maneira que não consentiu que perdessem a pátria, nem a soberania, nem a liberdade: e nós não só consentimos que os pobres gentios que convertemos, percam tudo isto, senão que os persuadimos a que o percam, e o capitulamos com eles, só para ver se se pode contentar a tirania dos cristãos: mas nada basta. Cristo não consentiu que os magos perdessem a pátria (...) e nós não só consentimos que percam a sua pátria aqueles gentios, mas somos os que à força de persuasões e promessas (que se lhes não guardam) os arrancamos das suas terras, trazendo as povoações inteiras a viver ou a morrer junto das nossas. Cristo não consentiu que os magos perdessem a soberania, porque reis vieram e reis voltaram: e nós não só consentimos que aqueles gentios percam a soberania natural com que nasceram e vivem isentos de toda a sujeição; mas somos os que sujeitando-os ao jugo espiritual da igreja, os obrigamos também, ao temporal da coroa, fazendo-os jurar vassalagem. Finalmente, Cristo não consentiu que os magos perdessem a liberdade, porque os livrou do poder e da tirania de Herodes, e nós não só não lhes defendemos a liberdade, mas pactuamos com eles e por eles, como seus curadores, que sejam meios cativos, obrigando-se a servir alternadamente a metade do ano.” (p. 42/43). Sermão da Epifania. É necessário constatar também que nas missões jesuíticas se mantinha o poder local dos principais das tribos reduzidas, como apresentado no Regulamento das Aldeias ou a “Visita” da Padre Antonio Vieira, publicado por Serafim Leite, o que demonstra a necessidade, para Vieira, de manutenção de certas características tribais, desde que não se opunha à evangelização jesuítica: “ ... tudo que houvemos de fazer, se forem coisas de momento, convém que não o façamos imediatamente por nós, senão pelos Principais de sua nação, os quais com isto se satisfazem, e nos acrescentamos respeito e autoridade.” LEITE, Serafim. Op. Cit.
[156] Sermão da Epifania.
[157] CIDADE, Hernâni. Padre Antonio Vieira. Op. Cit. p. 95.
[158] LEITE, Serafim. Op. Cit. p. 44-50.
[159] Sermão da Primeira Dominga da Quaresma.
[160] Tal proposta seria retomada no Sermão da Epifania, pregado na corte após expulsão dos jesuítas do Maranhão. Idem, Sermão da Epifania.
[161] Serafim Leite ao mostrar quais seriam os três pontos principais “sem os quais não pode ter conversão”, coloca como primeiro ponto: “que não se faça guerra ofensiva sem ordem de Vossa Majestade, nem se lhes faça injúria, violência ou moléstia alguma, e somente se possam resgatar deles os escravos que forem legitimamente cativos, para que com este bom trato queiram receber a fé, e se afeiçoem a vassalagem de Vossa Majestade e a viver com os portugueses”. Os outros dois pontos seriam a não utilização da mão de obra indígena fora dos prazos estabelecidos pela lei e a não submissão das missões ao poder temporal colonial. LEITE, Serafim. Op. Cit.
[162] MAGALHÃES, Leandro Henrique. Olhares sobre a colônia. Op. Cit. p. 60-61.
[163] AZEVEDO, João Lucio. História de Antonio Vieira. Op. Cit.
[164] CIDADE, Hernâni. Padre Antonio Vieira. Op. Cit.
[165] AZEVEDO, João Lucio. História de Antonio Vieira. Op. Cit. p. 220.
[166] Segundo João Lucio de Azevedo, Vieira não ousara pregar tal sermão na Capela Real, daí escolher o Templo da Misericórdia para tal fim. Idem. P. 226.
[167] Idem. P. 227.
[168] De acordo com Serafim Leite, tal legislação serviria de base para toda atividade posterior dos jesuítas no que se refere às missões. LEITE, Serafim. Op. Cit. p. 53.
[169] CIDADE, Hernâni. Padre Antonio Vieira. Op. Cit. p. 120.
[170] LISBOA, João Francisco. Op. Cit. p. 318.
[171] AZEVEDO, João Lucio. História de Antonio Vieira. Op. Cit. p. 231-239.
[172] Idem. p. 253.
[173] Tal carta seria utilizada pela Inquisição para incriminar o Padre Antonio Vieira. Esp. Port.
[174] LISBOA, João Francisco. Op. Cit. p. 320-325.
[175] Dentre estas circunstâncias, João Lucio de Azevedo destaca a dificuldade de comércio devida as complicações de navegação para o reino, a escassez de mantimentos naturais, falta de açougues e mercados, guerra no reino, o que aumentava o preço dos produtos e, por fim, a vaidade dos colonos. AZEVEDO, João Lucio. História de Antonio Vieira. Op. Cit. p. 275.
[176] Sermão da Epifania.
[177] “Querem que tragamos os gentios a fé, e que os entreguemos
a cobiça; querem que tragamos as ovelhas ao rebanho, e que as entregamos
ao cutelo; querem que tragamos os magos a cristo e que os entreguemos a
Heródes (p.32)”. Sermão da Epifania.
[178] Segundo João Francisco Lisboa, as cartas de Vieira do período são as que mais contemplam sua credulidade. LISBOA, João Francisco. Op. Cit.
[179] Transparece aqui, segundo Pedro Cardim, o conflito entre duas concepções de governo, onde: “de um lado estavam todos aqueles que se diziam representantes de uma visão jurídica, pautada pelo processo ordinário de decisão, ou seja, pelo recurso aos ancestrais e lentos procedimentos de consulta aos diversos corpos do reino; do outro, encontravam-se homens como Castelo Melhor ou Souza de Macedo, que corporizavam uma perspectiva administrativa e ‘política’, baseada na mais expedita delegação comissarial, na postura voluntarista, e a quem não repugnava o recurso a meios extraordinários de governação, como por exemplo, a tomada de decisões por grupos restritos e privados, prescindindo na consulta dos tribunais e dos conselheiros (p.409)”. CARDIM, Pedro. Portugal: o processo político. In: HESPANHA, Antonio Manuel (Org.). História de Portugal: O Antigo Regime. Lisboa: Estampa, 1998.
[180] PÉCORA, Alcir. O processo inquisitorial de Antonio Vieira. Op. Cit. p. 50.
[181] LISBOA, João Francisco. Op. Cit. p. 208.
[182] CIDADE, Hernâni. Padre Antonio Vieira. Op. Cit. p. 143.
[183] Desta forma, temos que para Alcir Pécora o ponto central do discurso profético de Vieira seria a atração dos cristãos-novos e a possibilidade de convivência com os católicos portugueses. PÉCORA, Alcir. O processo inquisitorial de Antonio Vieira. Op. Cit.
[184] Hernâni Cidade enumera em três os motivos pela demora de Vieira entregar sua defesa: 1) por doença; 2) pela sua numerosa correspondência; 3) pela fé na realização das profecias para 1666. CIDADE, Hernâni. Padre Antonio Vieira. Op. Cit. p. 143.
[185] Sobre os passo do processo inquisitorial de Vieira, ver: PÉCORA, Alcir. O processo inquisitorial de Antonio Vieira. Op. Cit.; LISBOA, João Francisco. Op. Cit.; MUHANA, Adma (Org.). Os autos do processo de Vieira na Inquisição. São Paulo/BAHIA: UNESP, Fundação Cultural do Estado da Bahia, 1995.
[186] Sobre este tema, vide capítulo terceiro.
[187] Sobre tal debate, além da introdução aos Autos Inquisitoriais apresentado por Adma Muhana e o texto de Janice Theodoro, intitulada “Padre Antonio Vieira e a retórica do Cativo” podemos citar a obra de Hernâni Cidade, dentre os biógrafos aqui tratados, como o que mais trabalha tais questões. MUHANA, Adma. Op. Cit.; THEODORO, Janice. Op. Cit.; CIDADE, Hernâni. Padre Antonio Vieira. Op. Cit.
[188] Tal defesa fora publicada por Hernâni Cidade em 1957, em dois volumes, como fora entregue por Vieira ao Tribunal, sendo que no primeiro busca demonstrar que Bandarra era verdadeiro profeta, e no segundo que Portugal era o destinado a ser o Quinto Império do Mundo, liderado por D. João IV ressuscitado. VIEIRA, Padre Antonio. Defesa Perante o Tribunal do Santo Ofício. CIDADE, Hernâni (Org). Lisboa: Progresso, 1957.
[189] AZEVEDO, João Lucio. História de Antonio Vieira. Op. Cit. Tomo II, p. 67-68.
[190] CARDIM, Pedro. Op. Cit. p. 410.
[191] AZEVEDO, João Lucio. História de Antonio Vieira. Op. Cit. Tomo II, p. 87.
[192] A proibição de pregar fora revogada logo após a subida de D. Pedro ao poder.
[193] AZEVEDO, João Lucio. História de Antonio Vieira. Op. Cit. Tomo II, p. 87.
[194] Segundo João Lucio de Azevedo, tais canonizações nunca foram alcançadas. Porém, a respeito de seu objetivo principal, conseguira um Breve Papal isentando-o de toda jurisdição ao Tribunal Português. Tal questão será tratada com mais detalhe adiante. LISBOA, João Francisco. Op. Cit. p. 232.
[195] AZEVEDO, João Lucio. História de Antonio Vieira. Op. Cit. Tomo II, p. 96.
[196] Segundo João Lucio de Azevedo: “Roma era naquele tempo
uma cidade cosmopolita, como nenhuma das outras capitais da Europa. Metrópole
do mundo católico, ali repercutia a política de todas as nações da cristandade.
Além dos interesses de ordem espiritual, que a religião representava, o
estado pontifício tinha de zelar em cada país católico interesses materiais,
que constituíam parte avultada de seu patrimônio; e assim príncipes e chefes
da Igreja se achavam em recíproca dependência: a de autoridade, que pretendiam
forrar-se os primeiros, a pecuniária, de que não convinha ao último ver-se
excluído (p.99).” AZEVEDO, João Lucio. História de Antonio Vieira. Op.
Cit. Tomo II.
[197] CIDADE, Hernâni. Padre Antonio Vieira. Op. Cit.
[198]. AZEVEDO, João Lucio. História de Antonio Vieira. Op. Cit. Tomo II. p. 106.
[199] CIDADE, Hernâni. Padre Antonio Vieira. Op. Cit.
[200] CIDADE, Hernâni. Padre Antonio Vieira. Op. Cit. p. 184-185.
[201] Idem. P.188
[202] AZEVEDO, João Lucio. História de Antonio Vieira. Op. Cit. Tomo II. p. 151.
[203] Idem. P. 134-136.
[204] Idem. P. 154.
[205] CIDADE, Hernâni. Padre Antonio Vieira. Op. Cit. p. 193.
[206] AZEVEDO, João Lucio. História de Antonio Vieira. Op. Cit. Tomo II.
[207] LISBOA, João Francisco. Op. Cit. p. 249.
[208] CIDADE, Hernâni. Padre Antonio Vieira. Op. Cit. p. 193.
[209] Vieira é então advertido pelo rei, o que demonstra mais uma vez o pouco prestígio de Vieira na corte. AZEVEDO, João Lucio. História de Antonio Vieira. Op. Cit. Tomo II. p. 199.
[210] LISBOA, João Francisco. Op. Cit. p. 253.
[211] Vieira apresentaria tais idéias em Sermão pregado pelas exéquias da rainha.
[212] AZEVEDO, João Lucio. História de Antonio Vieira. Op. Cit. Tomo II.
[213] Nas palavras de Serafim Leite: “Surpreendeu-o a nomeação; e logo no ano seguinte, ao ir a Roma o Padre Antonio Rangel, procurador do Brasil, o primeiro de seus postulados era da parte do Visitador que se lhe abreviasse o tempo do governo; e que apenas o Provincial visitasse as casas de Província e lhe desse conta: ele, Vieira, com parecer dos consultores, desse também por terminada a sua comissão sem esperar confirmação do geral, por achar que semelhante ofício era incompatível com a idade que tinha (p.72).” LEITE, Serafim Op. Cit. Tomo VII.
[214] Segundo João Lucio de Azevedo, neste momento, o governo tendia a um acordo com Palmares, voltando atrás após as observações de Vieira. Idem. p. 238.
[215] CIDADE, Hernâni. Padre Antonio Vieira. Op. Cit.
[216] Apesar de enviar carta circular, em 06 de fevereiro de 1694, pedindo para que ninguém mais se comunicasse com ele, não corta total relações com seus amigos em Lisboa, mantendo correspondências com estes, como vimos, até o fim da vida.