CONCLUSÕES GERAIS

 

A questão da legitimidade da monarquia lusitana pode ser entendida como fator de unidade da obra do Padre Antonio Vieira, principalmente no período em que mais esteve em contato com a corte lusitana, entre os anos de 1641, quando chega a Lisboa acompanhando a comitiva brasileira de boas vindas ao novo monarca, e 1661, quando retorna das missões jesuítas do Maranhão. Neste período, foi confessor e conselheiro do rei, pregador régio, diplomata e missionário, participando como embaixador em diversas cortes européias, das quais podemos destacar sua atuação nas negociações de Haia. Propôs ainda projetos controversos, como a criação de uma companhia comercial com a utilização de dinheiro judeu e a cessão de Pernambuco para os Países Baixos, além de pagamento de impostos por parte da nobreza e do clero. Estas questões teriam como preocupação central a garantia da soberania do reino e a legitimidade do rei, fazendo de Vieira um dos grandes defensores da dinastia de Bragança.

A instabilidade do novo monarca exigira a elaboração de um discurso legitimatório, tendo em vista que as demais cortes européias não reconheceriam, de imediato, a nova dinastia. Mesmo o Papa, pressionado por embaixadores castelhanos, não aceitara D. João IV como rei de Portugal, negando-se até mesmo a confirmar os bispos lusitanos, ficando os prelados sem representantes até 1669, um ano após ser firmado o acordo de paz entre Portugal e Castela. Além disso, havia o fato de não ter se fixado embaixadas em Lisboa, apesar do estabelecimento de diplomatas lusitanos em diversas cortes da Europa.

Entre os súditos do rei também havia divergências no que se refere à aceitação do duque de Bragança no trono lusitano. A opção de parte da nobreza em apoiar Filipe IV e a desconfiança dos comerciantes e do povo em relação ao movimento de restauração nos revela uma sociedade politicamente plural, onde as expectativas em relação à coroa eram distintas. Mesmo entre os restauradores havia uma diversidade de sensibilidades que dificultava um acordo entre as partes. Estabelece-se assim conflitos internos, onde os nobres de vocação militar adquiririam uma larga vantagem, devido principalmente a situação de conflitos que vivia o reino. Vieira falava assim a partir de uma corte dividida, onde cada qual buscava garantir seu lugar. No entanto, o sucesso de todos dependeria primeiro da legitimidade do rei e da soberania de Portugal pois, caso o reino retornasse as mãos de Castela, seriam desprestigiados e colocados à margem da corte madrilena.

Havia assim uma unanimidade entre os restauradores, defender a legitimidade da nova dinastia, mesmo que os caminhos traçados para se alcançar tal objetivo não fossem unânimes. As questões mais controversas enfrentadas por Vieira neste período seriam os debates acerca do modo mais eficaz de obtenção recursos para o reino, opondo-se os defensores de uma política comercial e os que defendiam a necessidade de um desenvolvimento industrial para o reino, e o modo como Portugal deveria tratar com as demais potências européias, se diplomaticamente e evitando conflitos, ou de modo mais rígido, demonstrando a força dos lusitanos.

Apesar dos conflitos internos da corte, a característica principal do discurso de Vieira seria a legitimidade do rei, questão primordial nos primeiros anos após a restauração. Diluíam-se as disputas internas, tendo em vista que todos ansiavam pela garantia da soberania lusitana. Para tanto, havia a necessidade de garantir uma unanimidade em torno do rei, primeiro interna, e depois externamente. Com este intuito, elaborou-se teorias não só para legitimar o duque de Bragança, como também para marcar a impossibilidade de retomada da coroa por parte de Filipe IV. Buscava-se assim destacar as diferenças entre ambos, utilizando-se de elementos proféticos aliados aos jurídicos, procedimento tido como legitimo pelos portugueses da época.

Vieira parte do fato de que o Duque de Bragança não possuía descendência direta com a dinastia de Avis, estando ligado a ela por duas vias paralelas, mas não excludentes, sendo uma masculina e outra feminina. Pela linha feminina, D. João IV casara-se com D. Catarina, neta do rei D. Manuel. Desta forma, seria possível identificá-lo como herdeiro do trono português pois, como demonstrado pelas Cortes de Lamego de 1143, as mulheres só poderiam transmitir direitos sucessórios para nobres portugueses. Tal afirmação excluía definitivamente Filipe II, além de dispensar uma eventual eleição em Cortes após a queda de Filipe IV. Aliando argumentos teológicos aos jurídicos, Vieira afirmaria ainda que Deus preferira a prole feminina à masculina para restituir reinos, utilizando-se de tais meios com Jesus, e agora com D. João IV.

O Duque de Bragança levaria ainda outra vantagem em relação aos filipes, pois possuiria uma descendência masculina vinculada ao fundador da Dinastia de Avis, onde o primeiro duque de Bragança, D. Afonso, seria filho bastardo do rei D. João I. Tal descendência reforçaria o direito de D. João IV em assumir o trono lusitano, pois fazia parte de uma linhagem de restauradores.

Vieira aliaria o debate sucessório com as profecias, partindo principalmente da teoria acerca do Quinto Império do Mundo, onde Portugal teria um papel fundamental na expansão do cristianismo e na conversão dos povos, tendo a história lusitana como sagrada, pois o reino teria sido fundado diretamente por Deus. Entenderia a restauração como uma segunda fundação de Portugal, onde D. João IV sucederia D. Afonso Henriques e herdaria seu brasão. Assim, quando se refere à ressurreição do rei para que as profecias pudessem ser cumpridas, está tratando também da retomada de um projeto que teria sido interrompido com a anexação de Portugal por Castela, configurando-se como uma ressurreição política e imperial, além de evangélica, pois, como ele próprio o diz, não se poderia fazer as coisa que faltavam sem se ressuscitar seu empreendedor, ou seja, Portugal, representada na figura de D. João IV. Estaria partindo-se de uma concepção particularista, a restauração portuguesa, para alcançar uma universalista, o estabelecimento do Quinto Império Universal.

Apesar dos esforços por parte de Vieira para elaborar um discurso legitimador para a nova dinastia e de apoio ao monarca, seu prestígio junto aos nobres lusitanos é abalado, após sofrer sucessivas derrotas na corte. Dentre elas, podemos destacar seu papel frente a um possível acordo de paz com os Países Baixos, onde o jesuíta afirmaria que Portugal não teria meios para sustentar uma guerra contra os neerlandeses, pois ainda não haviam cessados os conflitos contra Castela. A derrota seria assim inevitável, sendo mais vantajoso ceder uma parte do reino, no caso Pernambuco, e garantir a independência lusitana, que provocar um conflito que seria desastroso para Portugal. Enquanto isso, grande parte dos conselheiros do rei posicionaram-se contrários a tal negociação, preferindo a guerra que a paz com cessão de territórios. É contra o parecer de Pedro Fernandes Monteiro, procurador da fazenda, que Vieira elaboraria seu Papel Forte, onde apresentaria as questões acima apontadas. Com a vitória dos pernambucanos frente aos neeerlandeses, considerada milagrosa pelo jesuíta, Vieira seria apelidado de entreguista pelos seus inimigos, marca que carregaria consigo pelo resto de sua vida.

Apesar da tentativa de afastá-lo do centro das decisões políticas ao enviá-lo às missões do Maranhão, Vieira não cessaria de influir junto a corte. Um exemplo seria a aprovação de leis favoráveis aos jesuítas no que se refere ao cativeiro indígena no Brasil, garantindo o governo temporal e espiritual sobre os nativos e criando a Junta das Missões, presidida pelo seu amigo e confessor da rainha Padre André Fernandes, Bispo do Japão. Sofreria porém grande golpe com a morte de D. João IV em 1657, sendo que, a partir daí, o conselho de Estado passaria a posicionar-se, na questão indígena, a favor dos colonos.

Outro golpe para seu prestígio seria a subida ao trono de D. Afonso VI, apoiado pelo Conde de Castelo Melhor, que fora conselheiro de estado de D. João IV. Os adversários do novo monarca, que teriam se posicionado a favor de D. Pedro no disputa sucessória, seriam desterrados. Vieira seria então preso e condenado pela inquisição de Coimbra, sem deixar, no entanto, de manifestar seu interesse na destronação de D. Afonso VI. Porém, nem mesmo com a vitória de D. Pedro sobre seu irmão o traria de volta a corte, continuando a ser marginalizado, ficando definitivamente excluído das decisões políticas do reino.

A trajetória de Vieira demonstra-nos que, no início da década de quarenta do século XVII, havia uma necessidade imediata de elaborações teóricas acerca da legalidade da restauração portuguesa, principalmente no que se refere a fundação de uma nova dinastia, papel ao qual Vieira se prestou com incrível habilidade, ao aliar as questões jurídicas às suas expectativas messiânicas em relação a Portugal. Tal necessidade, no entanto, atenua-se após o reconhecimento da independência lusitana por parte de Castela, em 1668, e do acordo de paz firmado com os Países Baixos primeiro em 1661, e depois em 1669, que reconhecem o predomínio lusitano no nordeste brasileiro. O perigo de perda da soberania seria amenizado, e os problemas econômicos do reino atenuados com a descoberta de ouro no interior do Brasil.

As interpretações messiânicas de Vieira acerca do futuro de Portugal perderiam fôlego, não tendo o mesmo vigor de outrora. O jesuíta, no entanto, não cessaria sua produção profética, que estaria presente nos seus escritos apresentados à Inquisição, na expectativa de conclusão de seu livro “Clavis Propheratum” e nos sermões “Das Exéquias da Rainha D. Maria Francisca Isabel de Saboya”, onde vê com jubilo a possibilidade de novo casamento do príncipe D. Pedro II, e o “Sermão de Ação de Graças pelo Nascimento do Príncipe D. João (Palavra de Deus Empenhada)”, onde celebra o nascimento do filho varão do rei com a nova esposa, vendo neste a promessa do monarca que estabeleceria o Quinto Império do Mundo. Suas esperanças seriam frustradas imediatamente, pois o infante morreria dezoito dias após seu nascimento. O reino estaria em outra fase, onde a garantia da legitimidade da dinastia não era a preocupação primordial dos governantes, mas sim a consolidação de sua inserção no mundo político europeu, o que seria buscado principalmente através de acordos econômicos com a Inglaterra.

Assim, temos que o discurso de Vieira fora fundamental nos primeiros anos após a restauração portuguesa, apresentando argumentos que seriam utilizados não só por ele, mas por aqueles que defendiam a legitimidade do rei, sendo este um interesse em comum a todos que pertenciam a corte. Seu discurso, no entanto, perderia força à medida que a dinastia se consolidava, aliada a desmobilização daqueles que o apoiavam, levando-o cada vez mais à marginalidade política, o que só não ocorrera definitivamente graças ao seu prestígio dentro da Companhia de Jesus e de sua persistência em não abandonar as preocupações com as coisas do reino.