Aloísio Palmeira
Lima
Juiz do Tribunal Regional Federal da 1ª. Região e presidente
da 1ª. Turma da Corte
Todos são iguais perante a lei. Essa é a norma constitucional da igualdade, que formula princípio de isonomia jurídico-formal diante da lei. Abrange direitos e deveres individuais e coletivos, como o livre exercício de qualquer trabalho, o de inscrever-se como eleitor e de votar e ser votado, o de participar de licitações e concursos, ainda assim condicionados aos requisitos estabelecidos em lei. Necessários ao exercício do cargo, os deveres e as prerrogativas do presidente da República, do ministro de Estado, do parlamentar e do magistrado não os tornam iguais aos demais cidadãos. As restrições impostas ao juiz não o assemelham a todos os servidores públicos ou privados (CF, artigo 95, parágrafo único, incisos I a III). O médico, o advogado, o jornalista, o professor que exercem cargo público efetivo, o executivo da empresa privada ou o simples faxineiro podem, todos eles na atividade, transformar-se em pequeno, médio ou grande empresário. Os caminhos da livre iniciativa lhes estão abertos. A tais competidores, que, sem peias legais, trabalham e lutam para formar patrimônio, garantidor do futuro da família; aos preguiçosos, indolentes e despreparados, sempre dependentes do assistencialismo do Estado, e que se pretende, agora, igualar o juiz na inatividade. Retirado da iniciativa privada e só podendo exercer o magistério, sabidamente mal-remunerado entre nós, e, às vezes, desaconselhável para quem tem sobrecarga de trabalho, ao juiz só resta ser juiz. E nada mais.
Por tudo isso, a regra de igualdade na aposentadoria despreza outra regra de natureza constitucional: a desigualdade absoluta no serviço ativo.
É truísmo dizer que, na democracia, as instituições se fortalecem na medida em que seus membros sejam fortalecidos ou prestigiados. Por isso, no tradicional esquema de separação de poderes, a hipertrofia de um deles leva à atrofia dos demais; rompe o equilíbrio do sistema de forças. O exemplo mais citado da harmonia existente entre poderes é o da América do Norte, onde o país mais poderoso do mundo tem tradição secular não só de independência recíproca entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, como de prestígio de seus membros. No atual estágio de desenvolvimento da democracia brasileira, quando tudo indicava o caminho da plenitude, os membros do Judiciário, cujas conquistas e garantias são produto de lenta evolução histórica no mundo civilizado, vêem, a cada dia, ameaçada de desprestígio a relevância constitucional de suas funções. Reformadores apressados ora pretendem retirar-lhes prerrogativas, ora equipará-los a simples servidores públicos e — absurdo — só considerar como representantes do poder os presidentes de tribunais. Todos sabem que a independência da magistratura não se resume a garantias formais de suas prerrogativas. Infelizmente, deve ser sempre lembrada a questão da independência financeira, de sorte que, na aposentadoria, com a idade avançada, não venha o juiz a tornar-se um competidor envelhecido pelo peso da desigualdade excluidora do mercado de trabalho.
Os grandes reformadores devem assumir a posição de estadista. Na visão global dos problemas que afligem a sociedade, cabe-lhes saber distinguir o interesse público do interesse populista. Opinião pública mal-informada ou formada tendenciosamente contra supostos privilégios não é boa conselheira. Na sempre lembrada lição de Ruy Barbosa, a verdadeira igualdade não consiste em tratar igualmente os desiguais, mas desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualizam. Aposentadoria igual para quem trabalhou, anos a fio, em situação jurídica de desigualdade, não atende, a meu ver, ao interesse público. Pode satisfazer interesse econômico — menor dispêndio financeiro. Corre-se, entretanto, o risco de desestimular vocações para o serviço da Justiça. Não convém que, como simples servidor público, o juiz se limite a trabalhar tão-só no horário de expediente forense, sem sacrificar, permanentemente, horas de folga no período diurno ou noturno, finais de semana e dias feriados. Mesmo na matemática da economia, é um dado preocupante. Demais, a sociedade brasileira já não aceita, seja qual fora a forma pela qual se manifestem, tentativas de torná-la social e economicamente igualitária, e não apenas justa.
Não menos importante e urgente do que a reformulação da Previdência Social é ampla reforma do Poder Judiciário, que inclua modernização de sua estrutura, racionalização dos processos, revisão dos códigos e aumento substancial do número de juízes. Estima-se que, para reduzir a enorme desproporção entre esses e a população de jurisdicionados no país, a que aludiu o eminente juiz Carlos Fernando Mathias de Souza, em sua muito lida coluna ‘‘Ponto Final’’, em Direito & Justiça (20.10.97), necessário seria criar e prover, pelo menos, mais oito mil cargos de juiz não só para a Justiça Federal e do Trabalho, como para a Justiça estadual. A crônica morosidade da Justiça é questão insolúvel pelos magistrados. Entre o dilema da modernidade e eterna lentidão, estão aqueles que, com coragem e lealdade, devem assumir suas atribuições: tribunais, formulando propostas, Poder Legislativo, mediante elaboração do conjunto de leis, inclusive orçamentárias, que preparem as bases dessa reforma, e Poder Executivo, com a rápida sanção presidencial e sem cortes orçamentários dessas leis na previsão de vultosos recursos. Contudo, em época de crise financeira do Estado, falar é fácil, difícil é resolver — repita-se velho chavão. Evidentemente, o que nada resolve é alterar regra de aposentadoria de juiz. Entre devaneios de uma longa noite de primavera, sonhar é preciso, posto que inútil o melhor dos sonhos panglossianos.
(Artigo publicado no ano de 1997)