Waldemir Banja
Advogado, professor da Escola da Magistratura do D. Federal, juiz de Direito
do TJDF (aposentado)
A Lei Federal nº 9.437, de 20 de fevereiro de 1997, em seu art. 10, diz que é crime possuir, deter, portar, ceder, transportar ou emprestar arma de fogo. A pena, para quem incorre no rime, é de um a dois anos de detenção e multa. O povo tem direito à segurança. O cidadão tem o direito de exigir do Estado garantias de integridade física, para si e para sua família. Quando o Estado negligencia o cumprimento desse dever, o cidadão busca uma solução alternativa, se necessário armando-se. Afinal, a busca de sobrevivência é um direito natural.
No Brasil, nas últimas décadas, as pessoas armaram-se contra o marginal, o ladrão, o estuprador, o assaltante, na tentativa de suprir a omissão do Estado. À medida que o Estado mostrava sua impotência, sua incapacidade, sua negligência e, até, seu descaso com a segurança pública, os homens de bem, pais de famílias ameaçados, agredidos e acuados em seus próprios lares, armaram-se, levantaram muros e colocaram grades em suas casas. Mas não foi só o homem de bem que armou-se. Muito pelo contrário, pois o marginal, aqui e alhures, tem seu fuzil AR-15, sua pistola 765, sua organização criminosa e uma elevadíssima carga de periculosidade. Quantos menores de idade, desses que andam em duplas ou grupos pelas ruas do Distrito Federal, portam armas de fogo? Quantos as usam, diariamente, para agredir e assaltar trabalhadores honestos?
O governo, admitindo sua incapacidade de enfrentar o "monstro" que ele próprio gerou, puniu a todos, homens de bem e criminosos, por portar, transportar, emprestar ou possuir arma de fogo, ainda que muito bem guardada nas residências de pais de famílias. Assim, o art. 5º da Lei nº 9.437 estatui que o proprietário, possuidor ou detentor de arma de fogo tem o prazo de seis meses, a partir da data da sua promulgação, para promover o registro da sua arma, sendo que o Regulamento da mencionada lei poderá estabelecer o recadastramento geral de todas as armas existentes no países (parágrafo único do art. 19). O prazo para o proprietário proceder ao registro de suas armas expira-se agora, no final, no final deste mês de agosto, salvo se o Poder Executivo resolver prorrogá-lo por mais seis meses. Vencido o prazo, será crime ter consigo, em sua residência, na sua empresa ou local de trabalho de que seja o titular, arma de fogo não registrada.
Agora, pergunta-se: e o marginal por acaso vai se incomodar com isso? O marginal vai deixar de andar armado somente porque os homens de bem cadastraram suas armas? O marginal vai requerer registro ou porte de arma à autoridade policial? Vão ser apreendidas as armas não registradas dos marginais? Claro que não. É óbvio que não. Seria muito mais fácil retomar o controle de armas no país se houvesse uma legislação severa e uma efetiva fiscalização que coibisse a fabricação e a venda clandestina de armas. Não é segredo para ninguém que em Goiás se compra, facilmente, uma arma de fogo com trezentos reais e que, em Campina Grande-PB, existem inúmeras fábricas de armas de fogo em fundos de quintas. É na fabricação e na importação que se deve concentrar um real esforço governamental para conter a circulação de armas clandestinas e não sobre o pacato pai de família com ficha limpa na polícia.
O governo não possui um plano nacional de segurança pública eficaz. E os estudos que atualmente estão sendo feitos, por força da rebelião generalizada dos policiais militares que clamam por salários condignos, caminham desastrosamente pela desconstitucionalização. A "emenda" vai ser pior que o "soneto". Quem já atuou por alguns anos, como juiz, promotor ou advogado, pelas comarcas do interior do país, sabe muito bem das pressões imorais e ilegais que são feitas sobre o policial. Sua única garantia é a Lei Maior, justamente o que querem lhe tirar. É difícil entender esses neoliberais.
(Artigo publicado no mês de setembro de 1997)