FICHAMENTO DE:
FARIA, José Eduardo, CAMPILONGO, Celso Fernandes. A Sociologia
Jurídica no Brasil. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris,
1991.
1. O SABER JURÍDICO E OS DILEMAS DOS ANOS 80 E 90
Vemos que no Brasil, os advogados até a década de 60,
tinham uma extrema facilidade de trabalhar, pois as ofertas de emprego
realmente eram enormes. Praticamente todos que saíam das faculdades
conseguiam seu trabalho, mesmo aqueles das piores faculdades, que não
ofereci-am uma formação de bom nível. A partir de
1968 porém, com a Reforma Passarinho, que au-mentou e, em muito
o número de faculdades de direito no país - sendo que a grande
maioria era particular desprovida da preocupação de um ensino
realmente de qualidade, a situação começou a mudar.
O número de bacharéis era agora tão grande que não
havia emprego para todos. Também, esse número excessivo de
bacharéis, era composto por pessoas sem uma formação
crítica e humanista - sobre isso falar-se-á mais tarde. A
situação se agravou ainda mais com um problema econômico
a nível mundial: a crise do petróleo. As ofertas de emprego
não surgiam assim, do céu como na época da industrialização
do nosso país (décadas de 50 e 60). Resultado disso? A formação
de um verdadeiro exército de reserva de profissionais em direito
e um fenômeno agora novo, pelo menos para esta classe: sua proletarização.
É notório então, que houve uma modernização
no mundo, como no caso do Brasil, com sua recente industrialização.
Contudo, uma coisa continuou a mesma. O sistema jurídico brasilei-ro
de uma forma integral (não se referindo apenas aos órgãos
estatais de justiça e sim, tudo mes-mo) parece que parou no tempo.
O Poder Judiciário continuou arcaico, parece que sem ver que o tempo
passou e tudo se modernizou. O mesmo se podendo dizer do ensino jurídico.
Todos para-dos no tempo.
Bem, como foi dito no parágrafo passado, o sistema jurídico
no país não se modernizou, ficando parado no tempo. Podemos
então, ver bem o reflexo deste problema tanto na década pas-sada
como nessa própria. O aumento da quantidade de conflitos coletivos
e movimentos sociais, que procuram criar novos direitos, decorrentes da
cada vez mais complicada situação sócio-econômica,
mostram como o direito está atrasado porque, simplesmente, não
se julgam de uma forma justa casos assim, como o de ocupação
de terras. A estrutura, tão dependente da cultura patrimonialista,
arraigada nas entranhas deste poder desde sua criação no
Brasil, e voltada para atender a uma elite, não vê isto, ou
o finge que não.
E o que fazer para resolver este problema? Qual seria a solução
para isto? Nos anos 70, já se falava que o direito deveria ter uma
visão mais global sobre a sociedade, sempre modernizante. Para isso,
o ensino jurídico como um todo, deveria ser também modernizado.
E um dos passos nessa modernização, seria dar um realce na
importância de algumas disciplinas que não ficam paradas no
tempo, apenas em códigos, mas que fizesse aquele que aprende a pensar,
a discutir e a ver o mundo com outros olhos. Estou me referindo então,
a disciplinas como a Filosofia e a Sociologia, no caso, da área
jurídica.
2. O ENSINO DA SOCIOLOGIA JURÍDICA
REformulação, REnovação, REorganização.
Todos estes "RE" e mais alguns outros que existem podem ser muito
bem aplicados para as faculdades de direito em todo o país. Quem
suge-re isso bem que poderiam ser os estudantes, talvez os principais interessados
nisto, mas na verdade, muitos estão engajados nisto. Tanto juristas,
como professores de Sociologia Jurídica e até mesmo órgãos
que coordenam e fomentam a "manufatura" de pesquisas científicas
querem que os cursos de direito dêem uma visão mais ampla,
sistêmica e global de mundo para o seu corpo discente. Para isso
devem ser feitas aqueles três "RE" citados no começo
deste parágrafo. Vamos conhecer a seguir um pouco do problema que
assola o ensino jurídico e que são as causas destas exigências,
mais do que justas por sinal.
O Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Tecnológicas
(CNPq), em seu relatório mais recente, até a ocasião
do preparo do livro que está sendo trabalhado, acabou reconhecendo
as faculdades de direito mais ou menos como toca-fitas de carros, isto
é, puros reprodutores de algo que já está feito, no
caso das faculdades, do conhecimento jurídico. Não existe
uma produ-ção realmente nova, ou gravação voltando
ao exemplo do toca-fitas, apenas uma quase cópia de bibliografias
e das jurisprudências, como o é este e provavelmente, todos
os outros trabalhos desta e de todas as outras turmas em qualquer que seja
a disciplina, em qualquer que seja a faculdade.
A Fundação do Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo (FAPESP), em 1987, também percebeu a crise no ensino jurídico,
através da vulgaridade, da mediocridade das pesquisas jurídicas.
O ensino jurídico acabou sendo caracterizado segundo um relatório
desta fundação como extremamente formal, altamente dogmático
e retórico, muito longe da realidade do mundo, da sociedade. A solução
proposta, pelo menos no que se deve a pesquisa jurídica seria a
recuperação dos cursos de pós-graduação.
Destarte, a pesquisa teria um caráter mais crítico, investigativo,
interdisciplinar e formativo (não tecnicista), analisando toda a
realidade existente a sua volta, sem querer que o direito seja algo meramente
preocupado com a conduta e a sanção, ou apenas a conduta
que as pessoas e o próprio Estado deva assumir.
É mister ressaltar que à época que foi escrito
o livro aqui fichado, isto é, o ano de 1991, a Sociologia Jurídica
não era uma disciplina obrigatória nas faculdades de direito,
como é nos dias atuais. Até não muito tempo atrás,
essa disciplina era lecionada em poucas faculdades, entre elas, a nossa
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Voltando à análise do livro, é ressaltado, e é
uma verdade, que um dos empecilhos precí-puos para o ensino da Sociologia
Jurídica nas faculdades é, sem sombra de dúvida, a
escassez de docentes com uma formação mais sócio-jurídica
do que dogmática: ou os professores tem um conhecimento sociológico
proveniente de fora da universidade e nenhum conhecimento do universo jurídico,
ou são professores de Introdução ao Direito fazendo
reprodução de livros que inserem algumas noções
de humanismo. Por isso, é até comum de ver professores de
outras áreas como Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito
dando às suas cadeiras essa dimensão que a Sociologia Jurídica
deveria dar: a contestação da dogmática a nível
jurídico, fazendo com que se apreciem as normas de um âmbito
mais externo. Enquanto que os lecionadores de cadeiras mais técnicas
como Direitos Penal e Civil, fogem como o diabo da cruz e acabam se afastando
e desprezando a Sociologia Jurídica. Como são completamente
positivistas, alegam que a Sociologia Jurídica, e até o próprio
direito alternativo são bobagens abstratas que estão totalmente
fora da realidade, talvez em órbita...
Consoante o jurista alemão Eugen Ehrlich, o postulado básico
da Sociologia Jurídica é considerar que, para o direito não
ser algo estático e se desenvolver, deve tomar como referência
a sociedade e não a lei, como se faz nas faculdades de direito.
Desta maneira, a Sociologia Jurídica vem ocupando lugar na sociedade,
"apesar dos esforços desenvolvidos nas universidades, de acordo
com ele. Vale aqui destacar dois lugares onde isto ocorre:
1º) Universidade de Brasília (UnB), com o projeto "Direito
achado na Rua". Esta iniciativa con-siste em um "programa de
educação jurídica para organizações
sindicais, comunidades religiosas e associações de bairros,
entre outros grupos, se baseando em textos de professores de Sociologia
Jurídica". Nele, critica-se "o direito estatal, o pseudoneutralismo,
os diferentes direitos alternati-vos forjados por comunidade marginalizadas,
entre outros". O objetivo maior deste projeto é, "atuar
como transmissor de informações em favor de uma ordem normativa
mais legítima e descentralizada".
2º) Escola Superior de Magistratura do Rio Grande do Sul: mesmo
aqui, em um local onde se pensa que o estudo seria totalmente dogmático,
já começa a perceber-se também uma penetração
da Sociologia Jurídica e até mesmo do direito alternativo.
A iniciativa gaúcha proporciona que pelo menos os virtuais juízes
tenham uma visão um pouco mais aberta do que aqueles puramente técnicos.
Esta visão mais ampla terá grande valia, pois assim pode
com certeza, haver uma "ten-tativa de conscientização
dos problemas" existentes e a "modernização do
pensamento jurídico", ao examinar-se "as relações
entre o direito e as mudanças sociais e os novos direitos".
3. A PESQUISA EM SOCIOLOGIA JURÍDICA
Pouca pesquisa científica em virtude, principalmente, das limitadas
injeções de recursos: é esta, a difícil conjuntura
existente no campo jurídico. Além disso, outros problemas
que ocorrem prejudicando a pesquisa são a inexistência de
um programa de pesquisa formulado claramente, a falta de auxílio
por parte tanto do poder público como da comunidade científica
e por fim, a falta de preparo científico do corpo docente. Todos
estes problemas estão ligados, e não é resolvendo
um só que os outros também serão solucionados; apenas
haverá um abrandamento desta dura situação. E que
situação é esta? Aquela que mostra que as faculdades
de direito torna-ram-se simples reprodutores de conhecimento, sem que haja
dentro destas verdadeiras fontes culturais, tanto a pesquisa como mesmo
uma maior produção teórica.
A Sociologia Jurídica aqui no Brasil, apesar de não ter desenvolvido
uma quantidade realmente expressiva de estudos empíricos, coopera
para que haja uma maior criticidade na visão do pensamento jurídico
nacional, além de que essa visão seja também mais
reflexiva, sendo que em quase todas as faculdades, nota-se a existência
de grupos com a ciência da indispensabilidade de "reformulação
na metodologia da investigação em direito".
O progresso da Sociologia Jurídica em nosso país acabou sendo
um processo moroso, "cumulativo" e pluralista (tanto se analisarmos
ideo como metodologicamente) em virtude em primeiro lugar da verdadeira,
digamos, antipatia que sofrem pela "disciplina" os professores
mais dogmáticos e tecnicistas; também por causa de um aspecto
cultural: o autêntico arraigamento da linha positivista no "pensamento
sócio-jurídico nacional" desde seus primórdios;
além disso, a influência exercida pelas correntes sistêmico-funcionalistas;
e enfim, a "introdução de modelos dialéticos".
Bem, virando de lado e olhando agora para um novo horizonte, aquele
que está fora do mundo do ensino jurídico, é perceptível
a existência de um certo número de instituições
interes-sadas em produzir pesquisas e estudos na zona de atividade da Sociologia
do Direito. Eis alguns deles:
* Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (CEDEC): este
centro realizou trabalhos na década passada sobre diversos aspectos,
sobressaindo-se no campo dos direitos humanos, da legislação
trabalhista, dos conflitos coletivos, da violência urbana, do Direito
Penal e finalmente, do Poder Judiciário.
* Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP): na
mesma época que o insti-tuto acima citado, o centro agora destacado
acabou efetuando uma extensa investigação sobre o sistema
presidiário do estado de São Paulo, hoje considerada clássica
no gênero.
* Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ):
os ensaios de Wanderley Guilherme dos Santos sobre a política social
na ordem jurídico-política do nosso país, aca-baram
tornando também, este centro conhecido nos meios interessados neste
determinado tipo de assunto.
* Instituto de Medicina Social e de Criminologia de São Paulo
(IMESC): na época comandada por Sérgio Adorno, acabou
produzindo pesquisas na área de Direito Penal e criminolo-gia sob
a óptica da Sociologia Jurídica. Diante do que foi apresentado
nesses exemplos, torna-se sensível a visão de que na déca-da
que se passou, acabou existindo uma espécie de aproximação
da concepção de Sociologia do Direito para os juristas e
Sociologia do Direito para os sociólogos.
As diferenças entre elas, apesar da certa aproximação
ocorrida são:
Sociologia do Direito dos juristas |
Sociologia do Direito dos sociólogos |
tem como "domicílio" as faculdades de direito
e |
produzida em centros de ciências sociais |
analisa os problemas relativos às normas jurídicas nos aspectos da: |
realiza pesquisas teórico-empíricas sobre: |
elaboração |
pluralismo jurídico |
aplicação |
relação entre mudança jurídica e mudança social |
interpretação |
funcionamento dos tribunais |
eficácia |
acesso à justiça |
Mas falou-se em aproximação. E afinal, onde ela está? Bem, como é dito na pág. 49 do livro que se ficha, a convergência acabou se dando no campo de ação da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais, em especial no grupo de trabalho "Direito e Sociedade", entretanto não de maneira integral, pois haviam desacordos em dois pontos: na definição da "especificidade" do direito e quanto aos critérios para a articulação de uma política científica e de auxílio.
Bem, se formos analisar a situação agora, um pouco fora dos meios relativos às universidades, pode-se visualizar o aumento da quantidade de grupos de estudos e de centros de pesquisas e pólos de difusão da produção sócio-jurídica brasileira com uma assumida orientação política, que tem o objetivo de fazer uma renovação das análises jurídicas utilizando elementos proporcionados pela Sociologia Jurídica como o Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares, de Recife, e o Instituto Apoio Jurídico Popular, do Rio de Janeiro. Também podemos ver movimentos como o "Direito ao Avesso" (da década de 80), do prof. Roberto Lyra Filho (in memorian) que era mais voltada para a Sociologia Jurídica propriamente dita. Seu movimento tinha a finalidade de fazer um estudo do direito, agora como um processo histórico. Outro movimento, feito pela Associação Latino-Americana de Metodologia do Ensino do Direito (da década retrasada), tendo como expoente principal o prof. Luís Alberto Warat, visava a reformulação dos cursos jurídicos através de uma análise crítica do direito. Já à época em que o livro analisado aqui foi escrito, o instituto que havia sido criado de maneira mais nova (1988), tinha sido o Centro de Estudos Di-reito e Sociedade (Cediso), localizado em São Paulo, com o fim de pesquisar e divulgar a Sociologia Jurídica.
4. OS DESAFIOS DO FUTURO
A vida é uma sucessão. O novo vem, torna-se velho e é
substituído por outro algo novo que também tornar-se-á
velho e assim por diante, num ciclo contínuo. E é seguindo
essa verdade (pelo menos agora a Sociologia Jurídica TEM que ser
um pouco positivista) que a Sociologia Jurídica aqui no país
deve partir para linhas investigativas originais, deixando de discutir
objetos já lidados e transpostos em todas as suas nuanças.
Visto a diversidade de temas ainda inexplorados, os autores sugerem mais pesquisas. No livro, estão propostos os seguintes temas: a questão da eficácia dos direitos sociais assegurados pela CF/88, relação entre os novos movimentos sociais e o direito positivo (não sob o prisma do pluralismo jurídico e sim, vendo a influência na legislação entre essa relação) e a questão das mudanças nas profissões jurídicas devido às transformações ocorridas na sociedade (como a proletarização).
Como se diz na parte final do livro: "Diante desse vasto referencial, fica patenteada a grandiosidade das tarefas a serem enfrentadas pela Sociologia Jurídica no Brasil"
Fernando Ribeiro Ramos
Florianópolis, 06 de novembro de 1996