PLURALISMO JURÍDICO: ANÁLISE E CRÍTICA A ESTA NOVA DOUTRINA EMERGENTE

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA - UFSC
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS - CCJ
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO
DEPARTAMENTO DE DIREITO PÚBLICO E CIÊNCIA POLÍTICA - DPC
DISCIPLINA: HISTÓRIA DO DIREITO - DPC 5403
PROFESSOR: ANTÔNIO CARLOS WOLKMER


FERNANDO RIBEIRO RAMOS


FLORIANÓPOLIS, JULHO DE 1996

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO
2. QUAL É O DIREITO MODERNO E VIGENTE?
2.1. Pressupostos fundantes do direito moderno
2.2. Os grandes ciclos do desenvolvimento do direito estatal moderno
2.3. Caracterização ideológica do monismo jurídico.
3. A CRISE DO MODELO VIGENTE DO DIREITO
3.1. O que é crise?
3.2 O saturamento da Dogmática Jurídica
3.3. Causas da crise do direito em uma sociedade em mudança
4. CRONOLOGIA DO DIREITO BRASILEIRO E, AS MUDANÇAS SOCIAIS
4.1. Histórico do direito brasileiro
4.2. Relação entre o direito e o modo de produção no Brasil
4.3. O poder judiciário e sua ineficácia instrumental
4.4. Necessidades, direitos e a questão dos conflitos
4.5. Conflitos coletivos no Brasil
5. O PLURALISMO COMO NOVO PARADIGMA DO DIREITO
5.1. O que é paradigma?
5.2. Pluralismo: um novo paradigma de fundamentação
5.3. O pluralismo jurídico como um projeto comunitário-participativo
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. INTRODUÇÃO

Não deixa de ser de certa forma perceptível, a crise pela qual passa atualmente o modelo clássico do direito positivo ocidental, modelo este originado em sua produção pelo Estado, e que se principia em uma ideologia, a liberal, que se funda no século XVIII com a intenção de colocar e firmar a nova classe insurgente, a burguesa, no poder. O que há hoje, é um esgotamento do paradigma existente, fazendo com que este não consiga dar, com eficácia, soluções aos novos problemas emergentes.

Ela, a crise, é vista no Ocidente, tanto em países com maior como nos com menor grau de desenvolvimento em todos os sentidos, como na área industrial, social, financeira, e institucional, sendo que esta última está intimamente ligada as outras. Tomando como base o nosso país, o Brasil, como exemplo. As instituições chegam, de certo modo, a estarem podres, tanto pelo descaso dado a elas como pela falta de educação existente em nosso povo. Vendo o modelo jurídico existente percebemos claramente isto. Ele passa por uma crise sem precedentes. O que acontece? Descaso, tanto por parte delas próprias, as autoridades, como pela população, que não se agiliza, pedindo reformas no sistema existente. Com a falta de educação, proporcionando o descaso, já que uma pessoa "não-instruída" é uma pessoa que não liga e não tem acesso às novidades, as pessoas também não se apercebem do surgimento de formas alternativas, que de um modo ou de outro já estão aparecendo.

Assim, seria de muito bom grado haver um questionamento geral e uma averiguação das já crescentes manifestações normativas de cunho não-estatal, isto é, informal, que são puro reflexo de um fato relevante que está se manifestando, o pluralismo jurídico, defendido já por vários autores como um novo paradigma de fundamentação que contempla a ação histórica dos novos sujeitos coletivos e de suas necessidades essenciais. Este pluralismo jurídico porém, deve ser realizado de uma forma em que as propostas e praticamente todas as decisões, isto é, que quase todo o poder emane do povo, plagiando com essa frase, de certa forma a idéia do francês Jean-Jacques Rousseau. É mister portanto, que venha do povo este pluralismo e que ele não fique concentrado na mão da classe dominante, que por sua vez, por ser tradicionalmente elitista e conservadora, quer e consegue privilegiar os desígnios de setores exclusivistas e de minorias com faculdade de deliberação em prejuízo de prioridades da vida comunitária.

Todavia, há problemas para com a implementação desta modalidade jurídica, não só aqui no Brasil como no restante do mundo ocidental. No que consiste basicamente o pluralismo jurídico-político? Em uma doutrina que "(...) designa a existência de mais de uma realidade de múltiplas formas de ação prática e da diversidade de campos sociais com a particularidade própria, ou seja, envolve o conjunto de fenômenos autônomos e elementos heterogêneos que não se reduzem entre si". - definição esta a ser explicada mais tarde. Mas como instalar um modelo de "múltiplas formas" e de "fenômenos (...) e elementos (...) que não se reduzem entre si"? Isto não seria, deveras complicado? Não seria melhor, ao invés de montar este pluralismo, fazer uma faxina e reformar o sistema existente? Respostas a seguir, no bojo deste trabalho, que além de falar um pouco sobre os assuntos já citados como a crise no modelo jurídico liberal-individualista em âmbito nacional, as mudanças sociais e a proposta de um pluralismo jurídico, o pluralismo comunitário-participativo como novo modelo político e jurídico, irá conter uma pequena parte caracterizando a situação existente, tanto através da análise do que representa hoje este monismo jurídico, quanto da análise também da questão da evolução histórica deste sistema.

2. QUAL É O DIREITO MODERNO E VIGENTE?

2.1 Pressupostos fundantes do direito moderno
Como já foi dito sucintamente na introdução deste trabalho, o direito que é trabalhado aqui, o direito positivo ocidental ou direito estatal do ocidente é um modelo fundado na Europa do final do século XVI, começo do século XVII e que se baseia em quatro fatores fundantes que são também os principais pressupostos que condicionaram sua formação.

O primeiro deles, é o modo de produção, que no caso é o capitalista. São relevantes aqui, duas interpretações sobre este tema. Interpretando o filósofo alemão Karl Marx, o capitalismo além de ser um sistema de produção de mercadorias, engloba também um sistema social no qual a força de trabalho se transforma em mercadoria e se torna como qualquer outro que se vende e se compra no mercado. Já para Max Weber, o capitalismo pode ser entendido como culminância de um processo de racionalidade da vida organizada. Esta última interpretação será explicada de forma um pouco mais abrangente daqui a pouco.

O segundo pressuposto é a formação social da época, uma sociedade burguesa. A burguesia é o setor intermediário entre a nobreza e o clero, e o campesinato e as classes populares. Trata-se de uma classe social insurgente, dinâmica e implementadora de mudança das estruturas feudais em crise até então. Essa categoria "ético-espiritual" está identificada da mesma forma, com a modernidade econômico-capitalista, sendo ela a dona dos meios de produção.

Já o terceiro fator fundante é a visão sócio política do mundo, o liberalismo. Ele "surgiu como uma nova visão global do mundo, constituída pelos valores, crenças e interesses de uma classe social emergente (a burguesia) na sua luta histórica contra a dominação do feudalismo aristocrático fundiário". O aparecimento do liberalismo deu-se a partir do desenvolvimento do comércio, do favorecimento de uma classe média individualista e produtiva e, em particular, do clima de tolerância que varreu a Inglaterra e a Holanda, após os conflitos religiosos gerados pela Reforma.

O último pressuposto que condicionou a formação do direito moderno é a estrutura de poder existente, o Estado soberano e absolutista. Este trata da moderna estrutura institucional do poder que mediante um processo de centralização assegura a especificidade dos novos interesses. Percebe-se destarte, que o paradigma jurídico dominante era aquele baseado nos princípios do monismo, da estatalidade e da racionalidade formal da certeza e da segurança jurídica. Esta modalidade jurídica se fundamenta em leis, normas gerais e abstratas, que são geradas de forma singular pelos órgãos estatais, sendo desligado de uma preocupação maior para com as práticas sociais comunitárias, assunto a ser visto mais tarde.

2.2 Os grandes ciclos do desenvolvimento do direito estatal moderno
O direito estatal do ocidente não só se revela como produção de uma dada formação social e econômica, como, mormente, constrói-se na dinâmica da junção histórica entre a legalidade estatal e a centralização burocrática. A evolução desse monismo jurídico ocidental irá se compreender em quatro ciclos evolutivos.

O primeiro deles é o que representa a própria formação do monismo jurídico. Esse ciclo se dá no período correspondente aos séculos XVI e XVII. Aqui, existe uma concepção onde a vontade do soberano é a que impera. Uma das maiores contribuições a este período foi dada por Thomas Hobbes, especialmente em sua obra Leviatã. Neste ciclo existem cinco características principais, a saber: * declínio do feudalismo e da Igreja Católica; * interesses predominantes das monarquias absolutas; * regulamentação centralizadora das práticas mercantis; * influência do direito romano, que estava em voga na época; * hegemonia do capitalismo mercantil.

A partir disso, percebe-se que o segundo ciclo deve ser uma etapa fundamental para a estruturação e solidificação da legalidade estatal burguês-capitalista no Ocidente. Este ciclo é a sistematização, que chega para consolidar as teorias do contratualismo e, como já foi dito, estabilizar o direito burguês, também chamado de civil, ocidental ou do Estado. Esta sistematização está compreendida na linha histórica do tempo desde a Revolução Francesa até as primeiras codificações do século XIX. As maiores contribuições desta fase foram dadas por dois dos maiores jurisconsultos da época: o histórico-teleológico Rudolf von Ihering e o utilitarista positivista John Austin, pois neste ciclo é perceptível a redução e postulação do direito estatal ao direito positivo; consagra-se a interpretação de que todo o direito não só é direito enquanto produção do Estado, mas, sobretudo, de que somente o direito positivo é verdadeiro. As principais características desta fase foram: * ascensão social da classe burguesa enriquecida; * liberalismo econômico; * mínima intervenção do Estado; * hegemonia do capitalismo concorrencial; * teoria da separação dos poderes.

Já o terceiro ciclo é o apogeu, onde o plano jurídico monista é identificado a uma legitimidade dogmática com rijas pretensões de cientificidade. O apogeu deste paradigma trabalhado como ciência, ocorre da década de 20 e 30 até a de 50 e 60 deste século. Possui três características principais: * corresponde a época do capitalismo monopolista de política keynesiana; * zênite de um formalismo dogmático no âmbito jurídico; * construção de uma ciência do direito representada pela Teoria Pura do Direito, de Hans Kelsen, que é fruto de determinados fatores como a expansão do intervencionismo estatal na esfera da produção e do trabalho, a passagem de um capitalismo industrial para um capitalismo monopolista " organizado", sustentado por oligopólios e corporações multinacionais, bem como já foi dito, a implementação, a partir dos anos 30 de políticas sociais no contexto de práticas keynesianas distributivas.

Após a II Guerra Mundial, o reforço do monismo se efetiva através do neopositivismo legal, tendo como principal teórico, Niklas Luhmann. Este quarto e último ciclo do monismo jurídico é o chamado declínio, que deve ser situado a partir da década de 60 e 70 em face de algumas coisas como: * novas necessidades sociais; * reordenação do capitalismo mundial; * integração de mercados; * privatização, descentralização e globalização do capital monopolista, que leva enfim a crise fiscal e ingovernabilidade do welfare state (estado de bem-estar social).

2.3 Caracterização ideológica do monismo jurídico
Após a análise dos pressupostos fundantes do direito moderno, é imprescindível reconhecer os pressupostos ideológicos que formam a moderna doutrina do monismo jurídico. São quatro estes princípios.

O primeiro é o princípio da estatalidade que diz basicamente que o direito moderno é um direito estatal, isto é, somente o sistema legal posto pelo Estado é que deve ser considerado direito positivo, não existindo positividade fora do Estado e sem ele (o Estado detém o monopólio da produção das normas jurídicas). Destarte, o Estado é a personificação do direito, pois ele é quem cria a ordem jurídica. Exclui-se assim toda e qualquer idéia de garantia jurídica fora do Estado.

Diferentemente da ordem jurídica feudal, pluralista e consuetudinária, o direito da sociedade moderna, além de encontrar no Estado sua fonte nuclear, constitui-se num sistema único de normas jurídicas, integradas, produzidas para regular os interesses de uma comunidade nacionalmente organizada. Constrói-se assim a segurança, a hierarquia e a certeza fundada numa normatividade dogmática de que só existe um único direito, o direito positivo do Estado. Este é o princípio da unicidade.

O terceiro pressuposto ideológico que caracteriza o monismo jurídico é o princípio da positividade. Como já foi dito por Miguel Reale "todo direito se reduz ao direito positivo e que se equivalem todas as expressões da positividade jurídica". Todo direito então, se reduz ao conjunto de normas coercitivas vigentes e aos mecanismos formais, tendo por trás uma organização centralizada que assegura o cumprimento das regras, no caso o Estado. Na verdade, a positivação da dogmática jurídica reduz o direito à ordem vigente. A instrumentalização do direito enquanto técnica de coação, abalizada pela sanção estabelecida, repousa na vontade própria do Estado e nas estruturas formais que desfazem as influências reguladoras das formas ideológicas. Além disso, toda a legitimidade e a eficácia da ordem jurídica alicerçam-se de forma preferencial na positividade amparada e asseverada pelo Estado.

Enfim, o quarto e último pressuposto é o princípio da racionalidade. O fenômeno da racionalização é pressuposto essencial para uma compreensão correta dos aspectos normativos, institucionais e decisionais do moderno direito ocidental, por mostrar a forma de ser, as regras do jogo, o procedimento. Esta racionalidade proposta por Max Weber, consiste na organização da vida, por divisão e coordenação das diversas atividades, com base em um estudo preciso das relações entre os homens, com seus instrumentos e seu meio com vistas à maior eficácia e rendimento . Este elemento da lógica do desenvolvimento capitalista, está ligada à estatalidade, a organização burocrática e ao formalismo legal; dominação legal-racional, portanto. Weber também distingue duas espécies de racionalidade: uma material de uma formal. A racionalidade material refere-se aos valores e acaba dando preferência a subordinação dos meios aos fins a serem atingidos; das normas individuais às normas gerais, basicamente em razão de seu conteúdo. Por sua vez, a racionalidade formal, privilegiada pelo Estado liberal, classifica as normas jurídicas pela maneira como são decididas e não pelo seu conteúdo, fazendo assim, uma universalização das regras jurídicas. Enfim, a racionalidade é o "fio condutor" da civilização ocidental, elemento essencial da lógica do desenvolvimento capitalista.

3. A CRISE DO MODELO VIGENTE DO DIREITO

3.1. O que é crise?
Crise, em uma visão dialética, representa a culminância das contradições de classes e dos conflitos sociais. Já em uma visão sistêmica, é a palavra que designa o esgotamento de um modelo teórico-prático aceito e tradicionalmente vigente. Uma situação histórica ou estado de coisas que não consegue dar, com eficácia, respostas aos problemas emergentes. É exatamente isto que acontece hoje com o modelo do direito positivo ocidental, com o monismo jurídico: ele está em crise.

3.2. O saturamento da Dogmática Jurídica
O grande sofisma da Dogmática Jurídica é a sua notória dificuldade em reconhecer a reunião do direito em formações sociais determinadas, permanecendo rigidamente preso à legalidade formal escrita e ao monopólio da produção normativa estatal, afastando-se das práticas sociais cotidianas, desconsiderando a pluralidade de novos conflitos coletivos de massas e finalmente, sendo omisso às mais recentes investigações interdisciplinares. Atualmente a Dogmática Jurídica implica um saturamento ideológico no conhecimento do direito, uma falta de interesse no que se refere à mudança social, um certo conformismo e uma inclinação pela adequação de seus conceitos às situações da conjuntura reinante.

3.3. Causas da crise do direito em uma sociedade em mudança
A crise no monismo jurídico reside no fato de que suas regras vigentes não só deixam de resolver os problemas emergentes como não conseguem mais controlar a convivência social. Não tendo mais condições de oferecer soluções, o modelo jurídico dominante apresenta-se como a própria fonte da crise. É a fonte, mas não é a causa.

O esgotamento do modelo jurídico nacional tradicional não é a causa, mas o efeito de um processo mais abrangente, que, tanto reproduz a transformação estrutural pela qual passa o sistema produtivo do capitalismo global, quanto exprime a convulsão cultural valorativa que atravessa as formas de sustentáculo dos diversos setores da vida humana. O exemplo mais expressivo do progressivo processo de desajuste estrutural das instituições jurídicas é a gradual perda de funcionalidade da própria idéia de Estado de Direito - um dos aspectos angulares da concepção de legitimidade forjada pelo liberalismo jurídico. Perdendo a força retórica de universalizar o contingente e neutralizar as valorações dos grupos e classes em conflito, a conceituação formal do Estado intervencionista esqueceu em aberto inúmeros problemas que aumentaram o arbítrio da burocracia estatal sem que a dogmática fornecesse os parâmetros de controle.

Mas se o citado esgotamento do modelo jurídico vigente não é a causa da crise, qual ou quais são elas? Basicamente, elas já foram citadas no ponto 2.2 deste trabalho, mais especificamente na parte que fala do quarto ciclo do monismo jurídico, o declínio. São elas: novas necessidades sociais, reordenação do capitalismo mundial, integração de mercados, privatização, descentralização e globalização do capital monopolista, que leva enfim a crise fiscal e ingovernabilidade do welfare state (estado de bem-estar social).

4. CRONOLOGIA DO DIREITO BRASILEIRO E, MUDANÇAS SOCIAIS

4.1. Histórico do direito brasileiro
Em momentos diferentes da história do nosso país, isto é, Colônia, Império e República, a cultura jurídica nacional foi sempre marcada pela grande preeminência do direito estatal sobre as várias figuras de pluralidade que já existiam, até mesmo antes da colonização e da incorporação do direito advindo de Portugal.

Nosso direito de cunho estatal sempre sofreu forte influência de codificações estrangeiras, se comprometendo com a estrutura elitista de poder.

Nosso ordenamento da época colonial, por exemplo, foi imputado de forma autoritária, subjulgando as práticas jurídicas de um direito comunitário, nativo e consuetudinário. Tal ordenamento visava atender aos interesses da Coroa Portuguesa e garantir que os impostos aduaneiros fossem pagos.

Mesmo com a independência do Brasil, não existiram notáveis transformações nesta tradição colonial e elitista. Nesta época do império, o direito estatal ficou um pouco mais fléxil e, conviveu de forma harmônica com o direito canônico - que por vezes chegava a possuir mais validade.

Com o advento da república, que consagra a democracia representativa, a separação dos poderes e o federalismo presidencialista, em nada diminui as profundas desigualdades existentes entre as oligarquias e a maioria pobre da população.

Destarte, é notório que o direito estatal em praticamente toda a sua existência, e especialmente com a república e a democracia, veio a regular os intentos dos proprietários de terra e da burguesia dona do capital.

Pela prática social do autoritarismo modernizante, o Estado define, de forma permanente, o papel da sociedade civil e exercita com exclusividade, seu monopólio de produção jurídica.

Observa-se assim, que o trajeto de nossas instituições jurídicas, estabelecidas em uma cultura liberal-individualista e em uma tradição patrimonialista, estatal e formalista, acaba aclamando o molde unitário e restritivo que se arraigou no país, independente de suas circunstâncias histórico-culturais e das reais carências de sua população.

4.2. Relação entre o direito e o modo de produção no Brasil
Levando em conta a especificidade brasileira, deve-se considerar a estrutura sócio-política do capitalismo periférico brasileiro (assim como o restante da América Latina, por exemplo), uma sociedade instável e conflituosa, submissa aos interesses das multinacionais e das economias dos países desenvolvidos, que detém a hegemonia hoje. A expansão dessa economia capitalista amplia as desigualdades do comércio mundial, restringindo à América Latina a mera função de exportadora de matérias-primas a preço de banana e importadora de capital e tecnologia.

Mas o que é que o direito tem haver com isso?

O modelo jurídico atualmente vigente é o paradigma normativo que prevalece tanto nos países desenvolvidos industriais (Estados Unidos e países da Europa Ocidental) quanto nos países em desenvolvimento (caso da América Latina), devido a imposição da cultura jurídica das metrópoles às suas colônias. Contudo, é mister estabelecer uma diferença no âmbito em que o direito trabalha nestas sociedades, pois cada uma possui seus próprios problemas e interesses. Apesar da existência de interesses jurídicos comuns a toda a humanidade como o respeito aos direitos humanos, a proteção ao meio-ambiente, o combate a ameaça nuclear etc., existem preocupações que dizem respeito mais a uma determinada sociedade do que a outra.

Nas sociedades industriais avançadas ocorre uma preocupação maior com os direitos sociais, com os direitos relativos às diferenças étnicas, com direitos das minorias, com a regulamentação de conflitos relacionados à ecologia e ao consumo. Já nas sociedades periféricas e dependentes, as prioridades são por direitos civis, direitos políticos e direitos sócio-econômicos, pelo controle de lutas obscuras, relacionadas às carências materiais e às necessidades de sobrevivência, tudo isso, regulamentado por normas coercitivas, repressivas e penais.

Diante de tudo o que foi explicitado, é sensível a falha do modelo da legitimidade produzido pela sociedade européia dos séculos XVIII e XIX, quando empregado nas estruturas sócio-políticas dos países em desenvolvimento, da periferia, em fins do século XX. Uma ordem jurídica dogmática e antiquada, que nunca traduziu as verdadeiras condições do todo social.

4.3. O poder judiciário e sua ineficácia instrumental
O poder judiciário e a legislação civil atuais, refletem as condições materiais e os interesses político-ideológicos de uma estrutura de poder consolidada já no início do século, que defendia uma ordenação positivista e de uma cultura jurídica inserida na tradição liberal-individualista.

As condições atuais da ordem político-econômica mundial, caracterizada por contradições sociais e crises afetam profundamente o poder judiciário, que funciona conforme as necessidades do sistema político vigente.

A crise de identidade do judiciário condiz com as próprias contradições da cultura jurídica nacional, construída sobre uma racionalidade técnico-dogmática e calcada em procedimentos lógico-formais, que é incapaz de acompanhar o ritmo das transformações sociais e a especificidade dos novos conflitos coletivos. O poder judiciário, tratando-se de um órgão elitista, preso às suas antigas e limitadas funções dogmáticas de resolução dos conflitos individuais e patrimoniais é ocultado por um "pseudo-neutralismo".

Esta situação acaba sendo bem demonstrada na seguinte passagem: "Trata-se de uma instância de decisão não só submissa e dependente da estrutura de poder dominante, como, sobretudo, de um órgão burocrático do Estado, desatualizado e inerte, de perfil fortemente conservador e de pouca eficácia na solução rápida e global de questões emergenciais vinculadas, quer às reivindicações dos múltiplos movimentos carentes de justiça e da população privada de seus direitos. A crise vivenciada pela Justiça oficial, refletida na sua inoperacionalidade, lentidão, ritualização burocrática, comprometimento com os 'donos de poder' e falta de meios materiais e humanos, não deixa de ser sintoma indiscutível de um fenômeno mais abrangente, que é a própria falência da ordem jurídica estatal".

As crises que atravessa o judiciário impõem a indispensabilidade de democratização e descentralização de Justiça e a urgência por novas formas de resolução dos confrontos, tomando uma posição comprometida com a realidade social, para desenvolver procedimentos de acesso e controle da população à administração da Justiça, não só para que os órgãos da jurisdição saibam aplicar fontes alternativas de Direito, como que haja uma aceitação dos canais institucionalizados do Estado, das práticas de negociação e resolução dos conflitos mediante mecanismos informais.

4.4. Necessidades, direitos e a questão dos conflitos
"O desenvolvimento da própria sociedade cria constantes e crescentes necessidades que nem sempre poderão ser completamente satisfeitas"
, e a não realização ou negação dessas necessidades essenciais acabam criando contradições, conflitos e lutas.

As manifestações de cada pessoa ou de um grupo estão voltadas, em vistas da aquisição e da legalização de direitos que a própria comunidade se concede, de uma forma independente da produção e distribuição legal. O reconhecimento desses "novos" direitos pela legislação e pelos códigos positivos, só são conseguidos por meio de um processo de lutas comunitárias e conflitos coletivos que acaba tornando-se natural onde a consciência das carências e necessidades acabem definindo reclamações por direitos que declaram-se como essenciais para a própria sobrevivência de grandes parcelas da população. Segundo Antônio Carlos Wolkmer, estas reivindicações são feitas em duas frentes: * exigência para tornar eficazes os direitos já alcançados e proclamados formalmente pela legislação oficial estatal; * reconhecimento dos direitos que surgem das novas necessidades que a própria população cria e se auto-atribui.

Após nos referirmos a questão das necessidades e dos direitos, resta-nos falar neste tópico sobre a questão dos conflitos.

Percebe-se que os conflitos são componentes fundamentais de toda e qualquer sociedade, pois se eles não existissem, como mudar algo no mundo? Tudo seria estático, nada dinâmico. Assim, à proporção em que a vida social é compreendida como evolução, rupturas e mudanças, os conflitos agem como fatores ou ferramentas que propiciam a interação entre as pessoas, com o objetivo de mudar algo já posto.

Estes conflitos não são apenas de um tipo, existindo diversos níveis deles, desde aqueles que vão das formas mais genéricas, como os conflitos sociais, até as mais específicas, como os conflitos políticos, conflitos de interesses, os conflitos de classe, os conflitos étnicos, et cetera. O tipo de conflito que mais vem ao encontro do nosso estudo são os conflitos sociais, pois eles são os fatores de mudança na sociedade, no aparelho estatal e no sistema de legalidade.

Em nações como o Brasil, onde as economias são dependentes, o processo de mudança se impõe com uma maior freqüência, na medida em que parcelas dos conflitos coletivos irão refletir manifestações de grupos de interesses ou movimentos sociais em torno de exigências não atendidas pelos canais legais institucionais. Desta maneira, a prática social cotidiana de "mudanças" são introjetoras de bases de um novo ajuste de convivência político-jurídica pluralista (democracia comunitário-participativa).

4.5. Conflitos coletivos no Brasil
Na sociedade brasileira é crescente os conflitos de natureza essencial (saúde, saneamento básico, transportes etc.), de cunho trabalhista, ecológico e de consumo, entre outros. Todavia, nenhum alcança tamanho grau de duração, intensidade e violência dos conflitos relacionados à propriedade da terra.

Como o nosso modelo jurídico, por meio de seu ordenamento positivo está limitado a regulamentar conflitos interindividuais/patrimoniais, não consegue regulamentar, por exemplo, as lutas de invasão e ocupação de terras públicas e privadas improdutivas.

O aspecto antiquado das instituições que produzem as normas , que provoca uma débil eficácia da legalidade dominante, abre espaço para os movimentos sociais como o dos "sem-terra", e os do "sem-teto". É preciso entender que a luta dos excluídos e despossuídos é a luta de um novo sujeito coletivo que busca construir sua própria cidadania participativa, contrapondo-se a uma ordem legal arcaica e a uma estrutura de poder elitista. As lutas sociais destes abrangem uma ampla reivindicação de direitos à vida, à vida digna com segurança e com garantias de subsistência.

Devem ser entendidos como sujeitos coletivos transformadores, os participantes de uma prática política cotidiana com reduzido grau de "institucionalização" que objetivam a realização das necessidades humanas fundamentais.

Há duas formas de resolução dos conflitos coletivos: * Aplicação do atual direito estatal conservador, onde a decisão final acaba geralmente agravando o conflito, já que como estamos cansados de dizer, este modelo vigente favorece a classe burguesa de natureza liberal-indvidualista. * Abandono do direito oficial e a intensificação de práticas normativas não-estatais de estilo informal e alternativo, vinculadas por meio da força e da luta dos novos agentes agregadores de interesses; o que acaba representando a formação de novos princípios e conceitos, de um novo paradigma no direito, que considera as necessidades e carências cotidianas.

5. O PLURALISMO COMO NOVO PARADIGMA DO DIREITO

5.1. O que é paradigma?
Paradigma é um conjunto de regras, regulamentos, padrões ou rotinas, nem sempre reconhecíveis, que mostra como resolver problemas dentro de certos limites. Paradigmas influenciam fortemente a maneira de ver e analisar problemas, afetando sensivelmente as decisões. Impedem a previsão do futuro, bloqueiam a criatividade. Com isso, todo mundo tende a buscar, nas experiências do passado, soluções para novos problemas, apoiadas em "velhos paradigmas".

Os paradigmas filtram novas experiências. As pessoas vêem o mundo, o tempo todo, através de seus paradigmas. Constantemente, selecionam informações do que de melhor se ajusta a suas regras e regulamentos, e tentam ignorar o resto. Por isso há tantas divergências na interpretação de um mesmo fato. A versão que cada pessoa dá a um acontecimento está condicionada a seu paradigma particular.

A mudança de paradigma representa um novo e revolucionário modo de se pensar nos velhos problemas. Esta mudança ocorre geralmente quando: (1) as regras do jogo estabelecidas não conseguem oferecer soluções eficazes para os problemas; (2) quando uma nova visão, uma explicação diferente ou uma descoberta oferecem perspectivas que revolucionam a compreensão; (3) quando a velha estrutura de percepção cede lugar à nova.

5.2. Pluralismo: um novo paradigma de fundamentação
Devido ao depauperamento do modelo jurídico estatal e ao saturamento do modelo de representação política, como já foi indicado na introdução deste trabalho e repetindo o que lá está escrito, estão existindo crescentes manifestações normativas de cunho não-estatal, que são puro reflexo de um fato relevante que está se manifestando, o pluralismo jurídico, defendido já por vários autores como um novo paradigma de fundamentação para a cultura política e jurídica, que contempla a ação histórica dos novos sujeitos coletivos e de suas necessidades essenciais. Um pluralismo jurídico que se revele aberto, centralizado e democrático caracterizado por formas alternativas de produção de juricidade e por modalidades democráticas e emancipatórias de práticas sociais.

Repetindo novamente sua definição, pluralismo é a doutrina que "(...) designa a existência de mais de uma realidade de múltiplas formas de ação prática e da diversidade de campos sociais com a particularidade própria, ou seja, envolve o conjunto de fenômenos autônomos e elementos heterogêneos que não se reduzem entre si".

Esta doutrina do pluralismo, não é composta de apenas uma espécie dele, e sim de várias. É mister distingui-las para que não haja algum tipo de confusão.

Um dos pluralismos existentes é o pluralismo progressista, que funciona como um plano democrático de emancipação de sociedades dependentes. Este gênero busca incitar a participação dos segmentos populares e dos novos sujeitos coletivos.

Outra espécie de pluralismo é o pluralismo conservador, que é exposta como a nova solução para os propósitos do neocolonialismo das nações desenvolvidas e está sendo "vendida" para a periferia, os países subdesenvolvidos. Ele torna inviável a organização das populações e dissimula a real participação delas na vida jurídica.

Para uma melhor visualização desta idéia, citamos o autor do livro Pluralismo Jurídico: "A hegemonia do pluralismo de sujeitos coletivos sedimentada nas bases de um largo processo de democratização, descentralização e participação, deve também resgatar alguns dos princípios da cultura política ocidental, como: o direito das minorias, o direito à diferença, à autonomia e à tolerância".

O intuito deste pluralismo jurídico não está em negar ou minimizar o direito estatal, mas reconhecer que este é apenas uma das formas jurídicas que podem existir na sociedade. Dessarte, o pluralismo legal envolve práticas autônomas com relação ao poder estatal, com práticas normativas oficiais/formais e práticas não-oficiais/informais.

Agora, supondo que esse pluralismo estivesse a nível da produção de normas e resolução dos conflitos, seria necessário redefinir as relações entre o poder centralizador de regulamentação do Estado e o esforço de auto-regulamentação dos movimentos sociais.

5.3. O pluralismo jurídico como projeto comunitário-participativo
Esta proposta é aquela que objetiva mostrar uma alternativa, de um pluralismo jurídico de teor comunitário-participativo, para os espaços periféricos do capitalismo latino-americano, e em nosso caso, no Brasil.

Para pressupor-se sua existência, necessita-se de determinadas condições:
* legitimidade de novos sujeitos coletivos: os novos sujeitos que ocupam o papel central do novo paradigma são vivos e atuantes, participam e modificam a mundialidade do processo histórico. Dentre uma pluralidade de sujeitos deve-se privilegiar os novos movimentos sociais que são hoje os sujeitos de uma nova cidadania, revelando-se autênticas fontes de legitimação da produção jurídica. As necessidades aqui postas envolvem exigências valorativas, bens materiais e imateriais. "O desenvolvimento conjuntural e estrutural do capitalismo dependente latino-americano favorece a interpretação das necessidades como produto de carências primárias, de lutas e conflitos engendrados pela divisão social do trabalho e por serviços vinculados à vida produtiva".
* implementação de um novo sistema de satisfação das necessidades: as más condições de vida experimentadas pelos segmentos populares latino-americanos produzem reivindicações que exigem a satisfação das necessidades relacionadas a sobrevivência e a subsistência.
* democratização e descentralização de um espaço público participativo: é o terceiro pressuposto para articular o novo pluralismo jurídico. Significa "(...) viabilizar as condições para a implementação de uma política democrática que direcione e ao mesmo tempo reproduza um espaço comunitário descentralizador e participativo". A ruptura com a estrutura societária (centralizadora, dependente e autoritária) exige profundas transformações nas práticas, cultura e valores do modo de vida cotidiano. É necessário reordenar o espaço político, individual e coletivo. Na reordenação política do espaço público, com o processo de consolidação da democracia participativa de base, é necessário propiciar uma legitimidade que se baseia nas necessidades essenciais dos novos sujeitos coletivos.
* defesa pedagógica de uma ética da alteridade: é o quarto aspecto para a composição do paradigma alternativo proposto. "A ética da alteridade é uma ética antropológica da solidariedade que parte das necessidades dos segmentos excluídos e se propõe a gerar uma prática pedagógica, capaz de emancipar os sujeitos oprimidos, injustiçados e expropriados".
* consolidação de processos que conduz a uma racionalidade emancipatória: esta última condição "(...) trata da construção de uma racionalidade como expressão de uma identidade cultural enquanto exigência e afirmação da liberdade, emancipação e auto-determinação".

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar deste trabalho ser dedicado praticamente a uma exposição sobre o pluralismo jurídico, as bases que o fundamentam, uma análise histórica para uma compreensão mais ampla, apesar disso tudo, ainda tenho ressalvas a essa doutrina, que poderia vir a derrubar a atual, o monismo.

Para isso, eu parto da premissa básica em que uma sociedade deva possuir uma certeza e uma segurança jurídica. O "x" da questão é exatamente este: o pluralismo jurídico-político não proporciona algo muito importante, a certeza e a segurança jurídica, preferindo correr riscos. No meu juízo, uma sociedade não pode viver sem esta segurança jurídica, garantida pelas normas gerais e abstratas. Esta abstração claro, não pode ocorrer como se vê hoje - as leis são vagas em demasia. Existem circunstâncias e ocasiões completamente diferentes acontecendo no mundo e, logicamente que uma codificação no papel não vai acompanhar todas as mudanças sociais que se sucedem e dar respostas eficazes aos novos conflitos coletivos e problemas emergentes. Porém, ela deve existir pois em minha opinião, nada ainda supera o monismo. Não que o pluralismo comunitário-participativo seja de todo mal ou que não sirva para ser o paradigma de alguma sociedade, mas não é a solução ideal para a resolução dos problemas existentes. Ao propor uma ruptura total com a ordem existente, o pluralismo torna-se quase como algo utópico, platônico.

A solução, mais uma vez segundo a minha opinião, seria uma reforma estrutural completa do quadro existente. O positivismo portanto seria reestruturado e assim, garantiria-se uma maior estabilidade a todos. Estabilidade por quê? Qual o direito que eu deveria obedecer em determinada situação pluralista?, respondo com outra pergunta. Como já disse, a certeza jurídica em uma sociedade é muito importante, até para dar uma maior segurança para ela.

Com o pluralismo mais democrático, as opiniões de muitos se confrontariam e provavelmente não se chegaria à conclusão racional alguma. Isto acabaria trazendo inevitavelmente duas coisas: (1) um individualismo muito grande e, (2) o surgimento de pessoas que acabariam querendo dominar as outras, através do poder das palavras por exemplo. Pessoas como estas são chamados de líderes carismáticos, segundo o sociólogo alemão Max Weber. Também poderiam existir líderes tradicionais, mas em menor escala. Para dar um pouco mais de consistência a isso, vou dar alguns exemplos que mostram que hoje em dia, só uma sanção institucionalizada garante a segurança jurídica. Faço uma observação, que este casos a serem apresentados são casos patológicos, isto é, deixam de existir em um dado momento, só que uma pessoa geralmente não vive de futuro, e sim do presente. 1º Caso: o levante zapatista em Chiapas, México. O que respeitar: as normas criadas pelo movimento ou a Constituição mexicana? 2º Caso: o Sendero Luminoso dominando alguns departamentos peruanos (até na época que Fujimori deu o auto-golpe). O Sendero tomava conta de alguns departamentos afastados. O que a população deve fazer: respeitar as leis impostas pelo grupo terrorista ou a Carta Magna peruana? 3º Caso: os assentamentos sem-terra no Brasil. Os sem-terra invadem propriedade alheia. Em relação ao ordenamento do Brasil isto é incorreto, mas não para os sem-terra, que passam necessidades e precisam daquele pedaço de terra para viverem.

E agora, o que respeitar? Arriscar-se a morrer na mão de terroristas ou da própria fome, ou respeitar estes ordenamentos "comunitários" (afinal, se passam em pequenas regiões ou não?).

Um outro pequeno caso: imagine-se em 1994, chegando ao aeroporto de Sarajevo, capital da Bósnia-Herzegovina, no meio de uma situação de guerra (logicamente patológica, mas vamos ao que interessa). Ao desembarcar, o leitor encontra três soldados a sua frente, pedindo seu passaporte: um é sérvio, outro bósnio e o terceiro é croata. Pergunta: a qual dos três você entregaria seu passaporte e, conseqüentemente respeitando seu ordenamento? Resposta: deveríamos ver quem, naquele momento, estava ganhando a guerra. Como historicamente sabemos que os sérvios naquele momento estavam em vantagem, logicamente o soldado sérvio conferiria o nosso passaporte.

Algum crítico da minha opinião poderia dizer: "Ah, mas isso é um caso de anomia (isto é, onde não há normas)". Não é não. Pode até parecer que sim, porém existe a norma que pretende ser hegemônica. Com essa pretensão e, possuindo este status temporário, percebe-se a existência da norma.

Outro ponto a ser analisado sob a óptica de um crítico do pluralismo, é que naturalmente as classes hoje dominantes seriam contra esse novo paradigma. Querem elas manter a dominação tradicionalmente existente, o poder conservador sobre o restante da sociedade como um todo, e desta maneira, não iriam contra um sistema onde as leis lhes são totalmente favoráveis e apoiariam uma modalidade jurídica que é produzida pelos conflitos e lutas sociais promovidos pelas outras classes. Elas, por serem as donas do meio de produção, do capital, exerceriam uma pressão muito grande para a manutenção do sistema em vigor.

Encerro este trabalho com a certeza que vi minhas posições, e foi ótimo confrontá-las com outra visão. Deixamos de fora algumas coisas importantes, como um pouco da história do pluralismo e suas duas fases: o historicismo jurídico e a fase institucional. Também de analisar o papel da articulação de um projeto pedagógico desmistificador e emancipatório - um discurso crítico, como instrumento de conscientização e preparação dos horizontes do paradigma de juridicidade, pluralismo comunitário-participativo. Não comentamos um pouco sobre as teorias críticas reformistas e revolucionárias de um modo mais explícito, mas tenho a convicção de ter feito um bom trabalho.

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

* BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. São Paulo: Pólis; Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1989, 184p.

* CD-ROM FOLHA 1994. São Paulo, 1994.

* FARIA, José Eduardo (Org.) A crise do Direito numa sociedade em mudança. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1988, p.13-28.

* ___________. Eficácia jurídica e violência simbólica. São Paulo: EDUSP, 1988.

* FREUND, Julien. Sociologia de Max Weber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1980.

* KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1994.

* REALE, Miguel. Teoria do Direito e do Estado. São Paulo: s/ed., 1984.

* WOLKMER, Antônio Carlos. Ideologia, Estado e Direito. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, 208p.

* _________. Instituições e Pluralismo na formação do Direito Brasileiro. In: __________. Teoria do Direito e do Estado. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1994, p.9-16.

* _________. Pluralismo Jurídico: Fundamentos de uma nova cultura no Direito. São Paulo: Alfa-Omega, 1994, 349p.

* __________. Teoria crítica e pluralismo jurídico. In: __________. Estudos Jurídicos. São Leopoldo: Unisinos, Abr.1994, v.27, n.69, p.5-12.



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Última Atualização Feita em 10/01/1998
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