UM HOMEM , UMA MULHER.

O homem afrouxou a gravata, subiu dois degraus, olhou - se no espelho , encontrou um rosto de traços abatidos, cabelos rareando, duas rugas profundas entre as sobrancelhas.

Caminhou até uma das mesas:

– Posso ?

A mulher levantou o rosto e sorriu.

– Continua bela.

Ela passou a mão pelos cabelos negros, tentativa inútil de afastá - los do rosto.

– Ainda os mesmos gestos.

Ela baixou o olhar:

– Nunca mudei meu penteado.

Com um movimento automático ele puxou o colarinho da camisa.

– Ainda com a gravata em desalinho.

Ela acendeu um cigarro com elegância, ele olhou:

– Continua fumando.

Ela baixou o olhar:

– Um médico me falou que se eu parasse de fumar e beber poderia viver mais mas o tempo passaria muito depressa – sorriu – atravessei uma grave doença fumando.

Ele passou a mão nas sobrancelhas.

– Ainda com o mesmo tique quando está nervoso . Deixou crescer a barba

– É pra esconder os sinais da idade....por que marcou o encontro?

Ela apagou o cigarro:

– Preciso escrever um roteiro...me lembrei da nossa historia, como lhe pertence também achei que precisava concordar

. – É sim ou não?

Ela movimentou a cabeça.

– Então não.

Surpresa ela o olhou mas não disse nada.

– Faz quanto tempo? – perguntou ele.

– Um pouco mais de vinte anos.

– E teve outros casos?

Ela sorriu sem jeito:

– Alguns, passageiros. Quem atendeu meu telefonema?

– Minha mulher.

– Voz jovem.

– O resto também é.

O celular tocou, ela atendeu:– ...te ligo mais tarde...estou ocupada...beijo.

– O meu ultimo caso – falou ela ao colocar o fone na bolsa.

Ele percebeu o mal - estar dela, desviou o olhar:

– Escreve roteiros agora. Cinema?

– Sim. Casei com um produtor e herdei o negócio . Produzo também. E você?

– Eu? Dou consultoria quando aparece.

Se entreolharam, a consciência do passado deles parecia essencial naquele momento, ele rechaçou a amargura, ela se entregou ao sopro da saudade.

– Então não viaja mais? – falou ela.

– As vezes...te conheci num vôo pra Curitiba, está lembrada?

O rosto dela iluminou - se com um sorriso:

– Está com ar cansado.

Sem inibição ele respondeu:

– Sim, estou entediado, não sei se quero casar, me suicidar ou fazer uma assinatura de CARAS...algum gesto desesperado...sei lá.

– Temos que manter o equilíbrio entre as necessidades do corpo e as exigências do espirito.

– Vamos mudar de assunto. Não gosto de conversa séria.

Ela cruzou as mãos:

– Seu filho como vai?

– Está ótimo. Cara de adolescente num corpo de homem.

– Casou?

– Está tão casado que já pensa em divorcio. A mulher dele é irmã da minha – respondeu ele encabulado – E sua filha?

– Não casou mas é mãe.

– Avó !

– Sim. Ela é atriz do teatro.

– È boa?

– Eu acho que sim.

Ela sentiu - se desamparada, ele cansado.

– Pode escrever o roteiro – falou ele – afinal foi muito lindo.

– É verdade – respondeu ela um tanto surpresa.

Ele levantou - se, estendeu a mão:

– Não considere trágica o que foi a nossa felicidade.

Ela sorriu:

– Não levarei muito a sério o que foi o nosso caso.

O homem tomou a direção da porta , a mulher ajeitou o cabelo.