Chorinho

(1996-1997) 

(Por: Renato Araújo) à João Cabral de Melo neto    

                                                           

 

 

 

Que tu  chores coração partido.

Chore baixinho, pense!

Não quero mais que tua melodia seresteira

Mais que uma nota em tom menor,  arrependida

 

Que tu chores coração partido.

Chore baixinho, pense!

------------------------------------------------------------------------------------------------------

 

Deserto

 

Quer do vale à sombra o guie

perspicaz fervor se vai.

Quer sangria dos teus  pés se tire,

não te faz teu fim, teu ai!

 

Nenhuma vaga deste mar que areia!

Assobie uma canção daí da praia

que harmonize como sons de uma cheia!

Que pureza! Que canção! Que queda d'água!

 

Quer do vale à sombra o guie,

nunca a seca dor te estenderás,

sequer a sede neste, assombrarás...

Quer o vale, a sombra, ou água.

 

João, meu cabral tão cabralino.

Tu o pastor não o rebanho...

Se fico atordoado, isso ao pensar...

Já não vais levar de mim tudo que tenho,

pois o que tu levas não me traz senão saudade.

Claro é o que tu levas, toma de assalto o poético-brasileiro de tão genuíno.

Dono de passos ligeiros. Engenheiro de pedra fixa. Nume de estrelas no ar...

Ao cabo um só rogar não se inibe nunquinha, que entre as duas águas divisas,

fico com uma qualquer. Desde que fique comigo um cão sem plumas, sem lar.

Ó meu  João, meu cabralino, fique meu  pastor, venha pastorar !     

 

 

 

 

 

 

Chuva

 

Com uma risada fiz surgir a garoa.

Meio sem graça fui pedindo tua ajuda.

Logo, bem forte, pra mim, tanto veio

a chuva quedada que o dia pisava.

 

E o açoite é tão fato e o dia tão frio.

Que quando o invejara senti tanto medo.

Por mais desejado que é seu alívio,

jamais satisfeito decantou- se o desejo.

 

 

 

Fincado, imóvel feito mãos imóveis

Iludindo feito brincalhão que brinca ser criança

Fluido, feito  bolsa d'água que a chuva preludia.

Permaneci gozando, ouvindo esta canção...

 

 

  ser do nada ---   Ou os negros vapores da bile -

 

De nada vive o ser distante

por qual angústia de sua própria vida,

Aguarda a finitude desse amor.

 

Tal como a solidariedade de um infante,

que seja bem vinda a vez dessa partilha e;

Aguarda a finitude desse amor.

 

A guerra, a morte, perdido nesse instante.

A paz, a vida, borbulhante que fervilha;

Aguarda a finitude desse amor.

 

De nada vive o ser distante.

Calado que vive o ser do nada disso.

Aguardando a finitude desse amor.

 

E finda o ser com todo seu nadificante

por qual angústia de sua própria vida,

Aguardando a finitude desse amor. 

 

 

 

 

Porque não fiz

 

 

 

Vivendo que me deste um grande mal.

Morrendo minhas pálpebras caíram.

 

Persistindo um lábaro de forças emigrou.

Se abrindo um grande amor floriu.

 

 De alturas meus fervores reergueram-se.

 De paixão meus desejos se inflamaram.

Nunca por ternura meus pesares foram,

nunca os infortúnios meus intentos segredaram.

 

 

Mas te ausentas agora como na alegria um grande mal,

inundando um rio selvagem lágrimas ferozes.

Percebe agora que a vida, esta ferida que não sara,

inocenta-me  deveras numa justiça criminosa.

 

 

Foi vivendo que me deste um grande mal.

Acordada sempre pelo sacro-santo céu.

Não dormias nunca mesmo esta paz envelhecida,

mas na saudade te suplico por um momento de perdão.

 

 

Perdoe-me meus abraços, meus beijos, não dados.

Perdoe-me os traços , os rabiscos que não fiz.

Perdoe-me minhas graças, meus ritos infecundos.

Perdoe-me por nada, por isso, por tudo que não fiz.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Você

 

À luz que o culme ora

por crispar e enrolo chegua

na ascenção por muita glória

insaciada você indo incentivada.

 

 

São seus raios anais elétricas

envolvendo o céu elite a sós.

A sós consigo e uma luz,

como arbustos corados verdejando.

 

 

 

 À luz que o culme ora

na ascenção por muita, muita glória.

À sós consigo iluminada,

como arbustos corados verdejando.

 

 

-----------------------------------------------------------------------------------------------------

 

 

Feliz e inútil caminheiro,

quem virá a ti, no desalento?

Derramarás teu sorriso caminheiro?

Sonharás? Cantarás?

 

Feliz e inútil caminheiro,

os passos de teus pés descalços

às andanças te contentam,

como o sonho, canto alentam?

 

Feliz e inútil caminheiro,

que alegria de ti deslocará,

infeliz? Útil-caminheiro,

Quem a ti virá no desamparo?

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Memórias

 

 

Mamei ! Mamei porque todos mamam !

Vestígios agora desse leito materno e  íntegro,

deslizando pelos lábios nos seus cantos.

 

Os lábios de todos carregando vida,

algumas gotas evaporam sempre aos dias...

Deslizando pelos lábios nos seus cantos algo fica...

 

 

Alta voz clemente os arrepios dessa presença,

como a um vapor se insere formas singulares fixando-se,

enternecendo a fome nesses ritos a lembrança,

deslizando pelos lábios nos seus cantos.

 

-----------------------------------------------------------------------------------------------------

 

 

Sol inventor de sonhos

 

 

Ó  devaneio insano num clarão gigante repentino,

poupe-nos compassivo ao nada de um pior e trágico destino.

Tu que é mais sonhador e insano que nossa insanidade nos permite

leve-nos bem distante mas com amor e muito mais carinho.

 

 

Ó  Devaneio bárbaro pai de loucuras mil,

nutre-nos dessa força que cruel ferira,

mais que vingança num corte de espada estes tormentos,

rodiando a morte esta companheira tua inseparável.

 

 

Ó  Devaneio ancoradouro clarão gigante repentino,

Aumente-nos de nossa vontade hoje já bem amortecida,

naquela nascente bela cujo sol verão dourara

fazendo-nos humanos mais que somos parricidas...

 

 

 

 

 

 

Tempero ---   A cada passo

 

 

Perto da partida um encontro,

no legado uma esperança.

Todos esses passos convertidos

numa porta estreita aberta.

 

Assim são meus esforços,

Assim são meus trejeitos.

Tendo a todos esses passos vividos,

construi o espaço alerta.

 

Perto da partida um encontro,

no legado uma esperança.

Viva como cão minha vontade neste dia,

assim se chega como um passo esforçado a temperança.

 

 

 

Por que és dolorosa?

 

Por que és dolorosa

minha fruta de maio fora de época?

Meu legume impúbere,

meu herói em cárcere...

 

Por que és dolorosa

Meu perfume de flores em meu resfriado?

Minha esperança incontida,

minha lembrança de um fado...

 

Por que és dolorosa

minha  bolha de saúde cancerígena?

Minha glândula salivar,

minha dor de dor tão tenuemente dolorosa...

 

 

 

Ouvi rumores que florestas emanaram

inventando ruídos que do humos florescia.

Atento aos sons do ambiente verdejando,

eu carpi seios que habitei sorrindo.  

 

 

No breu da noite na floresta enveredava

toda a figura alegre que de lá aparecia.

Alento que faz ninar o alento em que me espera,

quando a natureza em seu perdão e paz me enaltecia.

 

E eu estava lá no momento como o aqui do agora.

Conquistando o espaço no presente que se ia.

E atento aos sons do ambiente verdejado,

eu carpi seios que habitei sorrindo.

 

 

 

 

Céu

 

 

Traça o céu gigante ave,

como um mal distante ele deixou.

Um afago de tristeza o amor padece,

de mal se aquece a dor da dor.

 

Range os dentes claros nesta raiva,

por paixão e angústia se fechou.

Nada que carece mais que o nulo desta face,

para sempre um riso entreaberto aprisionou.

 

E na altura segue ao céu gigante ave.

Restícios de ternura, frio ou de calor,

Perdurando uma esperança ele me fia,

entregando-se e vivendo no espaço em que ficou...

 

 

 

Espera ou partida

 

Eu sentia o suor em tuas mãos

                                regeladas.

E umas rugas esparças ao punho

                                         diluídas.

Éramos só nós pelo prado

                                          florido.   

Vistoriando a amplidão num regime

                                      de estrelas.

 

 

Sozinhos no bosque e este sonho já                   

                                                indo

uma promessa de amor se cobriu de

                                           pesares.

Pois com apoio dum espelho numa

                           lágrima refletida,

eu via a solidão em teus olhos nos

                                          ares.

 

Eu jamais amarei ao verão

                              toneladas.

Nem a estas orquídeas como nunca

                                 pisadas.

Que mesmo dizer a um coração tão partido?

Nem mesmo um sussurro se ouvia

                                       ao redor.

 

Ó meu doce maravilhoso,

meu sonho de primavera.

Sorriste? Choraste? Viveste?

Pois eu te farei tudo isso o que te resta

esperar mais de mim, exceto tu mesmo, tua falta de mim?