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ENTRE A REALIDADE HUMANA E A FALTA
CONSTITUTIVA
(Por Sérgio Luis Íscaro)
Um dos esquemas fundamentais de
sua ontologia fenomenológica e ponto de partida para suas reflexões
quanto ao estatudo da consciência é a noção
de que o “homem é o ser cujo ser está em constante questão”.
Na sua descrição ontológica da realidade da consciência,
Sartre parte da dedução cartesiana fundamental do cogito
dando ênfase em primeiro lugar à existência,uma vez
que a existência será o meio próprio do pensar e da
possibilidade do ser constituir-se.
O projeto de descrição
da realidade humana parte da perspectiva da subjetividade como o modo intrínseco
o qual subordina todas as relações humanas. A característica
principal entre a consciência e o mundo é a posição
desvendante na qual a consciência ocupa o mundo. Esse é o
papel da consciência, promover a articulação do ser.
Essa articulação pode ser entendida como uma relação
que é desenvolvida pela consciência, isto é,
pelo sujeito, em relação aos objetos do mundo.
A concepção
sartreana da consciência passa a ser fundamental para a compreensão
dos “fundamentos” da realidade humana. E ela não se define de outro
modo senão como liberdade. Quer dizer, não há alternativa,
a liberdade é um dado imediato da consciência, é seu
próprio modo de constituir-se. Falar em consciência é
falar sempre da consciência de alguma coisa. Não há
nada na consciência que poderíamos tratar por ser, portanto,
ela é, na medida em que é Para, ou seja, a consciência
é o movimento do sujeito em direção à realidade
mas só se fundamenta ontologicamente como forma de presença
a si, e, neste sentido, ela é identificada ao Para-si
Em oposição
à consciência( o Para-si), encontra-se o que Sartre
chama de Em-si, ou seja, o ser que é (constituido, realizado). Do
Em-si, sendo o que é, fala-se que ele se constitui de densidade
infinita e por isso, é igualado a si mesmo no pincípio de
identidade de ser. São infinitas sua densidade e sua compressão
de ser. Nas palavras de Sartre não há “a menor fissura pela
qual pudesse deslizar o nada”( O Ser e o Nada Pág. 122). Ao contrário,
é característico da consciência que haja descompressão
de ser. Pois esta não se coincide consigo mesma. Não há
lugar em si na consciência, dito grosso modo, a consciência
só existe em relação a um outro lugar para o qual
ela tende, ela desliza. Esse movimento imprescindível da consciência
torna o Em-si como seu objetivo. O Em-si constitui o ser e o Para-si, uma
vez não coincidindo consigo mesmo comporta neste “Si” em unidade,
o nada. Diz Sartre “Este ato perpétuo para o qual o ser coloca em
questão o seu ser, ou seja, precisamente a consciência ou
Para-si.
É preciso supor para
a consciência uma facticidade. É da estrutura da consciência
ser para o outro. Não se fala portanto, de isolamento reflexivo
do particular concreto. A translucidez da consciência a empurra para
a impossibilidde contemplativa. Ela lança-se feito projeto em direção
ao futuro. E portanto, em sentido subjetivo, mas também em todos
os sentidos a consciência vive seu projeto e procura incessantemente
realizá-lo. Sartre parte da subjetividade da moral kantiana para
exemplificar o mote da conduta humana e o seu compromisso com a realidade.
Cada homem reflete enquanto exemplo, o conceito universal da humanidade.
As qualidades que encontramos neste homem particular, encontramos no nível
do conceito em todo homem em sua definição. Daí procede
aquela noção apresentada por Sartre no texto “O Existencialismo
é um Humanismo”no qual diz que o homem se responsabiliza pela sua
individualidade restrita, mas, ligado a todos os homens por sua subjetividade
é também responsável por todos os outros. Escolhe-se
a si mesmo, enquanto sujeito individual, mas ao escolher-se a si, escolhe
com isso a toda humanidade.
A objetividade do mundo revela
sua contingência. Jogado ao mundo dos objetos, o homem possui um
caráter de coisa “existente em demasia”. No entanto, o ser da consciência
não faz do homem um ser igualado a esta mesa, a esta pedra, a esta
couve-flor. Ele possui uma dignidade maior. A consciência, em seu
estatuto subjetivo, permeia toda a realidade humana. O acontecimento, entretanto,
passa a agredir a consciência, tal que ela se vê forçada
a tomar uma posição diante deste acontecimento histórico.
Assim, tal como não escolho a época em que vou viver, e num
certo sentido não escolho também a situação
em que nasci, não tenho outra medida senão a medida futura
das possibilidades, que se me abrem para escolha. A escolha apresenta-se
então como algo irreversível. Há que se tomar uma
posição, seja ela qual for e mesmo que eu negue essa tomada
de posição a escolha assim mesmo já está feita.
Escolher é para Sartre assumir a situação e por isso,
assumir a historicidade. Já que não há um tribunal
isento para o qual a consciência poderia se apoiar, algo que lhe
serviria de consultor, cabe estritamente a ela essa decisão, trata-se
de um caráter absoluto de escolha no qual a consciência se
vê como liberdade.
Do que foi dito fica claro
que a compreensão ontológica da existência passa necessariamente
pelo plano existencial das condutas humanas. Assim, temos alguns indícios
importantes que indicam o aspecto da situação do homem no
mundo. De um lado, vemos que a conduta cocreta do indivíduo expressa
a liberdade, de outro, faltou considerar a conduta primeira que permite
a elucidação ontológica, será preciso identificar
qual é essa conduta – ela, vale dizer, permitirá o acesso
ao exame das outras condutas. Essa conduta primeira não é
outra senão o próprio questionamento do ser. Em outras palavras
o problema se encaminha para resolução na próprio
ato de colocar-se enquanto problema. Ao perguntar-se pela conduta o homem
já institui a conduta primeira, pois a atitude começa por
esta interrogação. Como o ser não se constitui, a
conduta interrogativa é o primeiro momento da situação
da existência.
Partindo da subjetividade,
o estudo da realidade humana revelou que a estrutura cartesiana do cogito
é concebido numa temporalidade instantânea. Em “O Ser
e o Tempo” Heidegger emprega em sua analítica existencial a descrição
do Ser-aí (Dasein), no entanto, como faz Sartre, a recorrer à
consciência. Heidegger quis apreender as estruturas existenciais
para elaborar uma noção de filosofia compreendida em seu
significado novo que postula a inessencialidade do mundo. A própria
pergunta interrogativa é melhor entendida se se parte dos termos
Heideggerianos. Para ele, aquilo que molda o existente faz compreender
seu significado. O significado da conduta interrogativa parte, então
dessa noção de compreensão heideggeriana. Em sua analítica,
Heidegger enumera as estruturas existenciais e fala do ser do existente
– entre as estruturas existenciais fundamentais está a compreensão(Verstand)
{ Ver “O Ser e o Tempo” paragr. 31 Pág. 198 Ed Vozes}. Essa descrição
do Ser-aí Heideggeriano mostra o Dasein “escapando a si no projeto
de si rumo às possibilidades que ele é” ( O Ser e o Nada
Pag. 135). A compreensão é justamente esse projeto de si
fora de si. Neste sentido, a realidade humana constitui-se como “reveladora-revelada”.
A dificuldade deste projeto faz Sartre não suprimir a dimensão
“consciência”. Toda consciência é consciência
de... Desta forma a compreensão só tem sentido enquanto consciência
de compreensão.
A descreção
da consciência como translucidez Para-si, na qual tudo se ilumina,
tudo se desvela Para-si. Mostrou que o ser do Para-si é afetado
por uma nadificação. A consciência se mostrou como
uma falta de ser. Somos envolvidos em nossa realidade pela falta e esta
é envolvidada por nós enquanto eterno constituir-se, eterno
vir-a-ser. Isso justifica o título de nosso presente estudo, o nosso
ser é algum ponto “entre a realidade humana e a falta constituitiva”.
Não basta introduzir o vazio na consciência. A determinação
do Para-si como a negação de ser Em-si “significa que só
pode fundamentar-se a partir do Em-si e contra o Em-si. O Em-si é
por isso nadificado pela consciência e é essa nadificação
que representa a falta constitutiva.
Sartre,
nesta visão da realidade humana como existente nessa negação
interna primitiva diz que essa negação não pertence
à natureza do Em-si, visto que este é plena compressão
de ser, plena positividade. Esse momento de negação é
o momento de determinação subjetiva que só aparece
no mundo com o surgimento da realidade humana. Os objetos existem por si
como coisas, mas é correto falarmos que toda realidade é
realidade humana , pois supõe sempre uma consciência que lhe
permite o estatuto da presença. De uma maneira inelutável
( salvo o processo de ideação dos objetos) estes são
reconstituidos para o sujeito e ao mesmo tempo, reconstitui-se a
visão da historicidade. O real, em todos os seus aspectos não
será desvinculado da experiência vivida.
BIBLIOGRAFIA
SARTRE, J. P. “O Ser e o Nada” Trad. Paulo Perdigão, Petrópolis Rj: Vozes 1997.
____________ “O que é Literatura” Trad. Carlos F. Moisés Ed. Ática SP. 1999.
____________ “Com a Morte na Alma” Trad. Sérgio Milliet 6ed Difusão Européia do livro Sp. 1969.
____________ “Sursis”
Trad. Sérgio Milliet ed. Difusão Européia do livro
SP. 1958
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Revista de filosofia e cultura
ALUNOS DA TURMA DE 1997 - UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO