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NOTAÇÕES ACERCA DO EMPIRISMO DE HUME

                                                                                                                        (Por Renato Araújo)
 
 
 

 “todas cores da poesia , por mais esplêndidas, jamais poderão pintar os objetos naturais de tal modo que a descrição seja tomada por uma verdadeira paisagem. O mais vivo pensamento é ainda inferior à mais embotada das sensações(Investigação  acerca do entendimento humano. sec. II §11)
 
 
 

   Toda metafísica medieval e até mesmo a antiga baseava-se na crença ingênua de que o mundo ou a realidade (ser das coisas) apareciam ao pensamento tal como são em si mesmos. O redirecionamento promovido pelos pensadores modernos no desenvolvimento de uma teoria do conhecimento condicionou toda metafísica à epistemologia. Com o pensamento moderno, o antigo questionamento quanto ao “que seja a realidade”, cedeu lugar a uma nova preocupação quanto ao “que seja o conhecimento” e, principalmente, à pergunta “como é possível o conhecer.” Passemos rapidamente a vista sobre algumas notações acerca do empirismo humeano que, na história desse desenvolvimento do pensamento que aponta afastar-se da metafísica (ou ao menos manter-se vigilante a certos preceitos desta), obteve um valioso reconhecimento, por exemplo, pela parte de Kant, que organiza sua reflexão avivado pelas sugestões teóricas de Hume. Para o autor das Críticas, David Hume o teria “despertado do sono dogmático”; a adoção pela razão pura de um método que multiplica enunciados acerca de “realidades”, sem submetê-los à crítica prévia. Obviamente, trata-se menos de entender como falsos os juízos metafísicos que propender sem prévia avaliação a juízos que acomodam-se em certos preceitos irredutíveis. É a metafísica tradicional a representante dogmática da história das idéias. Ela que, desprezando precipitadamente as lições da experiência, fundamenta-se total e puramente em conceitos. São essas as conseqüências do pensamento de Hume do qual faremos um pequeno registro, em plano, especialmente a partir das idéias desenvolvidas em seu livro “SUMÁRIO DO TRATADO DA NATUREZA HUMANA” bem como utilizando-nos de alguns trechos da INVESTIGAÇÃO ACERCA DO ENTENDIMENTO HUMANO”. O desenvolvimento geral fomentado no “SUMÁRIO” objetiva “anatomizar a natureza humana de modo regular” tão metodicamente quanto seria possível a regulação, precisão e ordem nas elaborações da filosofia natural. Tal interesse é apresentado por Hume de maneira a dar ao exame da natureza humana o STATUS de interdiciplinaridade e a importância de uma ciência que compreenda todas as outras. Para nosso autor, vale notar; sequer a GEOMETRIA deve ter status de uma ciência suficientemente exata. Pois, esta admite conclusões “tão sutis” referentes, por exemplo, à divisibilidade infinita, conceito da geometria ao qual Hume , contra a exatidão dessa ciência , faz uma objeção que se baseia na observação de que toda a geometria têm por fundamento as noções comparativas de igualdade e desigualdade. Assim, a exatidão dessa ciência dependerá exclusivamente de um PADRÃO que proporcione mais ou menos exatidão desta relação de igualdade e desigualdade. Desconstrói-se, deste modo, todo critério que justifica a necessidade ou exatidão para se referir a uma plano ad infinitum da divisibilidade. Mas como se colocará Hume face aos problemas do conhecimento? Bem, na constituição básica da teoria do conhecimento Humeano ele destaca a PERCEPÇÃO como sendo qualquer representação mental ; quer seja advinda dos sentidos (paixões) ou originadas da própria reflexão . Essas percepções são de duas espécies, a saber; IMPRESSÕES, que são as imagens dos objetos do mundo exterior que são captadas pelos sentidos, assim como as emoções e sentimentos mais imediatos a nós. Essas são as percepções mais fortes que se nos apresentam; e as IDÉIAS, que são resultado de nossa reflexão sobre uma paixão ou um objeto ausente. Essas percepções são nos mais fracas. Na “INVESTIGAÇÃO ACERCA DO ENTENDIMENTO HUMANO”, Hume classifica a conexão entre as idéias em 3 princípios distintos de associação : a associação por SEMELHANÇA; quando, por exemplo, observamos um quadro e este remete nosso pensamento a imagem original; a associação por CONTIGÜIDADE (que pode ser de tempo ou lugar), caracteriza-se quando mencionamos a respeito de algo como um aposento de uma casa e este comentário desperta em nós naturalmente uma alusão a outro aposento desta casa; e por fim, a CAUSA e o EFEITO, quando pensamos em um ferimennto ou vemos um, e que dificilmente essa visão não acompanha uma idéia de dor. Assim, partindo dessa classificação, Hume organiza os “objetos da razão” a fim de que se conquiste com isso maior evidência nos conhecimentos adquiridos a respeito do mundo fenomênico e da natureza humana. Então, ele divide entre “relações de idéias, a qual é identificada às ciências da GEOMENTRIA ,ÁLGEBRA e ARITIMÉTICA, pois são do tipo de relações que fazem intuitiva ou demonstrativamente, afirmações certas. “Que o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos dois lados é uma proposição que expressa uma relação entre essas figuras. Proposições desse gênero podem ser sugeridas apenas por maquinações do pensamento, independentemente do que possa existir no universo .”Ainda que não existisse um círculo ou um triângulo na natureza, as verdades demonstradas por Euclides conservariam para sempre a sua certeza e evidência”(INVESTIG. ENTEND.HUMANO. sec. IV parte I § 20). E há ainda as questões de fato, pelas quais se afirma que seu contrário é sempre possível pois nunca implica em contradição. Desta maneira, por exemplo, o contrário da afirmação de que o “Sol nascerá amanhã” não é uma assertiva menos compreensível ou implica mais contradição que a afirmação contrária, a saber, “Que o sol não nascerá amanhã”. Ora, o que está contido por detrás desta idéia? É notório que nós concebemos determinadas relações causais entre os objetos da natureza .Por exemplo, que o sol nascerá amanhã ou que em minutos ele esquentará esta pedra etc. Hume pergunta-nos entretanto : -- “O que justifica essa notoriedade ?” Bem, movidos por algum desejo de compreendê-lo responderíamos : -- “Ora, tudo foi sempre assim!.” Partindo de questões como estas surge-nos o interesse em descobrir de que maneira se origina no espírito humano a idéia de uma relação causal. Como, de fato, autorizamo-nos a inferir que de uma causa específica origina-se um efeito específico? Hume, em suas obras, constrói diversos argumentos que se provará, como veremos, que a relação causal é injustificável. Observe: Quando um corpo em movimento atinge outro corpo que está estacionado e esse segundo corpo também adquire movimento, observamos claramente nesse evento, diz Hume, duas situações : 1o.) a da “contigüidade de causa e efeito”___ no tempo e no espaço ___ e 2o.) “prioridade da causa na ordem temporal” (SUMÁRIO DO TRATADO DA NATUREZA HUMANA., Introd. Pg 8).E por fim, a observação de uma terceira circunstância, quando em experiência posteriores, choques do mesmo tipo e em circunstâncias semelhantes promovem novamente o movimento do segundo corpo em questão, circunstância essa chamada por Hume de “conjunção constante” entre causa e o efeito. Deste modo, a assimilação de um evento futuro de um corpo dado movimentando-se em direção à outro leva um eventual espectador a supor prontamente que no choque entre esses corpos haverá o movimento do segundo corpo. Então, a condução dessa assimilação de um evento passado para outro evento futuro semelhante, caracteriza, com efeito, a idéia da inferência causal no âmbito do espírito humano. Para ilustrar sua teoria, David Hume lança mão de um exemplo, notoriamente extremo, em que se supõe um primeiro habitante do mundo, nomeadamente, Adão. Imagina-se assim que Adão tenha plena capacidade mental mas não seja capaz de fazer qualquer inferência causal do tipo, por exemplo, do choque entre dois corpos no movimento de um em direção ao outro. Adão não poderá inferir, tal qual aquele nosso hipotético espectador, que no choque entre esses dois corpos haverá o movimento do segundo, pois, Adão, como supomos, não tem qualquer experiência anterior do que ocorre nos eventos do mundo. A capacidade raciocinativa de Adão não o permitiu observar nada na causa que o faça inferir dali um efeito necessariamente conseqüente. Sendo assim, Adão dependerá do auxilio exclusivo da EXPERIÊNCIA para poder fundamentar seu raciocínio causal. Nós sabemos, por experiência, que algumas vezes, uma efeito segue uma causa específica, mas outras vezes, segue outra.. O que se constata nessa peculiaridade, afora a suposição que temos em um resultado predeterminado num efeito precisamente concebido; é o fato de que, analogamente à Adão, a maior parte dos raciocínios sobre o mundo fenomênico reduzem-se à experiência. Hume afirma também que há uma CONJUNÇAO CONSTANTE entre as ações da vontade e seus motivos, por isso é freqüentemente tão certo quanto um raciocínio sobre os corpos. Faz-se sempre uma inferência que seja proporcional à constância dos corpos. Também é importante notar que na assimilação da experiência há a passagem do plano o desconhecido, inferindo-se a causa do efeito, ao plano do conhecido, de tal modo que se supõe que o curso da natureza permanecerá sempre o mesmo. Assim como Adão, nós não poderíamos provar que há uma conformidade e repetição continuada de ocorrências no tempo na natureza. A observação e a experiência, (com a repetição de certos acontecimentos similares, na linguagem de Hume, com as "uniformidades" que revelam), fazem nascer o HÁBITO de crer que tais conformidades se verificarão também no futuro e tornam portanto possível conceber "previsões" sobre as quais se funda nossa vida cotidiana. Mas essa previsão, segundo Hume, não é justificada por nada, mesmo depois que se fez a experiência, a conexão entre causa e efeito permanece arbitrária (já que causa e efeito permanecem dois acontecimentos distintos) de modo que permanece arbitrária a previsão fundada naquela conexão. Tudo que concebemos , diz Hume , “ao menos no sentido metafísico” é possível. Até mesmo nossas idéias mais insólitas. Nossa mente é capaz de formular quaisquer eventos produzindo quaisquer causas. Somos capazes, por exemplo, de juntar duas idéias compatíveis formando uma só, ainda que essa terceira idéia não tenha realidade, ela é de certo concebível ___ de duas idéias como; MONTANHA, OURO; unindo-as, obtemos: MONTANHA DE OURO e assim por diante. Se algumas dessas idéias, todavia , forem demostradas, o contrário delas será IMPOSSIVEL, ou seja , implicará numa contradição. Então, conclui Hume, todas as nossas “idéias ou percepções mais fracas são cópias de nossas impressões, ou percepções mais vivas”(INVEST. ACERCA DO ENTENDIMENTO HUMANO sec. LL § 13) Dizer simplesmente que de uma causa não se segue necessariamente seu efeito e que nossa mente é capaz de formular quaisquer eventos produzindo quaisquer causas, não significa dizer que “qualquer coisa pode de fato produzir qualquer coisa", mas sim, que não podemos por meio da intenção ou qualquer tipo de demonstrabilidade sugerir que de uma causa tal obteremos o efeito tal, para todas as vezes que observarmos novamente tal causa. Na realidade, Hume não descarta a necessidade de um princípio causal. É claro que deve haver um número indefinido de causas na natureza pelos quais produz-se efeitos possíveis. Só que tais efeitos, insondáveis, através meramente de uma análise de causa e efeito nunca poderão ser constituidos no domínio da necessidade, ou seja, nunca poderão ser deduzidos “a priori”.
 

BIBLIOGRAFIA
 

ABRAGNANO, NICOLAS “DICCIONÁRIO DE FILOSOFIA” trad.ESPANHOLA, ALFREDO N. GALLETTI , 2ed. Fondo de cultura econômica, MÉXICO.1974.

LEIBNIZ, GOTTIFRIED W., col. [“OS PENSADORES”] ; “A MONADOLOGIA’__ “DISCURSO DE METAFÍSICA”___ “NOVOS ENSAIOS SOBRE O ENTENDIMENTO HUMANO”. Trad. Diversos.1ed Abril , SÃO PAULO 1974.

RUSSEL, BERTRAND., “A FILOSOFIA DE LEIBNIZ”. Trad. JOÃO R. VILLALOBOS,  HÉLIO L. DE BARROS e JOÃO P. MONTEIRO. SÃO PAULO, Ed. Nacional1968.
 

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ALUNOS DA TURMA DE 1997 - UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO