Senhor Director,
João Carlos Espada (JCE) manifesta-se preocupado, no EXPRESSO de 15/11/2003, com a propagação de uma “ideologia terceiro-mundista” cujos sinais se encontrariam no movimento de contestação às propinas, nos escândalos dos telejornais, na publicitação do conteúdo de escutas telefónicas, e até na ausência de uma referência ao cristianismo no projecto de Constituição europeia. JCE rejeita tanto esta “ideologia” como a “Europa pós-moderna” - que acusa de não ter “orgulho na herança judaico-cristã” e de pretender “abolir a religião” convertendo-se, simultanea e ilogicamente, ao islamismo.
Sem pretender responder à totalidade das questões levantadas por JCE, gostaria no entanto de fazer alguns pequenos reparos.
Primeiro, a insistência de JCE em fazer do cristianismo o paradigma ético central das nossas sociedades assenta na ideia, totalitária, de que uma ética fundada na crença de uma facção pode ser imposta a todos.
Segundo, a ideia muito difundida (e recorrente nos escritos de JCE, que já a repetiu a 15/11, 4/10 e 13/7) de que o projecto de Constituição europeia de algum modo ofende as igrejas tradicionais -por não mencionar especificamente a tal “herança cristã”- é profundamente errada. Na realidade, a Constituição garante -no seu artigo 51º- que as igrejas europeias serão ouvidas nos processos legislativos em que se entenda que possam dar um contributo específico. Desse modo, dá-se um lugar às igrejas na arquitectura constitucional europeia que é muito mais importante do que aquele que seria conferido por uma referência preambular meramente simbólica.
Lisboa, 19 de novembro de 2003
Nota: esta carta de leitor não foi publicada pelo EXPRESSO.