A diversidade religiosa requer o respeito de um estado laico



por

Daubi Piccoli (*)



Durante séculos a Igreja Católica tem influenciado o estado brasileiro, tentando impor normas de conduta à população. Não faz sentido, no entanto, que uma nação, possuidora de uma diversidade religiosa tão variada, deva seguir normas impostas por uma crença específica.

Justiça à multiplicidade de etnias e à diversidade religiosa seria feita respeitando-se a lei, pois por preceito constitucional (CF/88 - Art. 19. "É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança...") o Brasil é um estado laico e nenhuma religião, portanto, poderia exercer pressão ideológica junto aos cidadãos livres, nem imprimir sua marca em autarquias ou papéis do estado.

No entanto, o direito de crença ou não-crença é cerceado, por exemplo, quando se manuseia dinheiro em cédulas, onde há uma inscrição de cunho religioso, que não expressa unanimidade nacional. Ao passá-las, os cidadãos não-crentes consolidam um ato involuntário de disseminação de propaganda religiosa, ferindo seus direitos de liberdade ideológica, assim como dos que as receberão, simbolizando, com o ato, a aceitação da referência religiosa expressa nelas.

Outro exemplo de desrespeito à individualidade se dá na maioria das salas de aula nas escolas públicas estaduais, onde há um símbolo religioso dependurado, geralmente sobre o quadro negro, representando apenas as religiões cristãs, desrespeitando, deste modo, as demais; uma vez que foram adquiridos com dinheiro dos contribuintes de diversas crenças e de não-crentes também. Há ainda o agravante de que alguns alunos se sentem constrangidos em certas ocasiões, quando são levados a fazerem "sinais" que não condizem com os preceitos religiosos de sua família.

O próprio ensino religioso nas escolas públicas é uma afronta ao direito individual; sem questionar seu conteúdo, se tendencioso ou não, pois o agravo está na sua existência, não no pseudopluralismo de ideologias, divulgado como parte integrante da disciplina.

As recentes declarações do mais alto líder da Igreja Católica Apostólica Romana, dirigindo-se não apenas aos seus integrantes, o que seria de direito, mas incitando pessoas de todas as religiões e não-crentes a agirem de forma ofensiva contra um determinado grupo, apenas por não compartilharem da mesma ideologia de sua instituição, por exemplo, extrapolou os limites do aceitável nos dias de hoje, tornando-se o mais grave caso de interferência e pressão ideológica.

Sequer deveria ser cogitada a hipótese de uma instituição religiosa possuir tanto poder, quanto mais concedê-lo, em detrimento das leis que regem uma nação livre, democrática e laica. Pois, de outro modo, incorrer-se-á no risco da volta à Idade Média, onde o terror religioso praticado pelos mandatários da ICAR levava seres humanos livres a serem queimados vivos, em praça pública, por discordarem da ideologia da instituição, que se arvorava de detentora dos direitos de decidir sobre os destinos da humanidade, impondo seus dogmas na base da força e em forma de lei.

(*) Professor e jornalista


Publicado em 5/9/2003 no Jornal Boa Vista (Erechim/RS) e A Folha Regional (Getúlio Vargas/RS).

Associação República e Laicidade