Um talibã na versão apostólica romana



por

Alfredo Carlos Barroco Esperança



Senhor Director,

Não acredito que o DN seja obrigado às normas de serviço público que lhe imponham espaço disponível para as diversas confissões religiosas, com reserva de grossa fatia para o fundamentalismo católico.

A coluna de João César das Neves (JCN) tem sido o espaço onde o apóstolo evangeliza e apela à conversão. Não faltam nas suas homilias hosanas à bondade da sua igreja e referências laudatórias à santidade dos seus taumaturgos.

Mas é excessivo que, no seu beato proselitismo, acuse a Associação para o Planeamento Familiar (APF) de "associação de malfeitores".

A benemérita instituição tem prestado relevantes serviços no que se refere à educação sexual, prevenção de gravidezes indesejadas e de doenças sexualmente transmissíveis.

Mas JCN não pensa assim. Corrobora, aliás, a secretária de Estado Mariana Cascais, a mesma que em 24 de Maio advertiu os deputados de que "em Portugal a religião oficial é a religião católica" e que em 11 de Outubro voltou a surpreender a A.R. com um infeliz e violento ataque à APF.

JCN não se conforma que o Ministério da Educação tenha renovado por mais um ano o protocolo de cooperação com a APF, porque confunde moral com religião e só aceita a sexualidade como interrupção da castidade ao serviço da reprodução e, quiçá, exclusivamente dentro do casamento canónico. Aderiu ao plano quinquenal da castidade que Bush tenta levar à prática nos Estados Unidos.

"Debaixo da sua influência [da APF] dominarão as 'posições morais' da pedofilia e da pornografia" - escreve JCN. A falta de rigor intelectual assusta, a calúnia confrange, o proselitismo arrepia.

JCN é um talibã na versão apostólica romana. Pertence a uma Associação de benfeitores que a Pátria dispensa. Deve prosseguir a salvação da alma por via da oração, da confissão e da penitência e deixar de fazê-lo à custa da divulgação de preconceitos.


Alfredo Carlos Barroco Esperança

Coimbra, 9 de Dezembro de 2002


Nota: esta carta de leitor foi publicada pelo «Diário de Notícias» em 13/12/2002 com o corte em itálico.



República e Laicidade!