Ramalho Eanes e o Opus Dei



por

Alfredo Carlos Barroco Esperança



Senhor Director,

Só o facto do General Ramalho Eanes não pertencer, nem ter pertencido, nunca, ao Opus Dei – como alega – o podem ter conduzido ao panegírico que fez de Josemaria Escrivá de Balaguer em artigo do Expresso de 5 de Janeiro.

Carece da leitura urgente, entre outros, de dois livros – “O Mundo Secreto do Opus Dei” de Robert Hutchison e “Uma vida na Opus Dei” vivida “do lado de dentro” pela autora, Maria del Carmen Tapia, que trabalhou directamente com Escrivá.

O artigo referido não tranquiliza, pois, quem quer que seja, relativamente à “associação secreta” que actua “ocultamente, com um máximo de opacidade nos seus assuntos", como reconheceu o Tribunal Federal Suíço, com sede em Lausanne.

Escrivá foi elevado a beato graças à cura miraculosa de cancro da freira Concepcion Boullón Rubio, prima de um ministro de Franco ligado ao Opus Dei, e cuja doença era desconhecida da madre superiora do convento. O processo de canonização foi aprovado em 20 de Dezembro p. p. (V. Expresso de 21 de Dezembro último) graças à intercessão num milagre na área da dermatologia. A cura do médico Mário Nevado Rey, que sofria de radiodermite, confirmou a preferência que Monsenhor Escrivá, já em vida, nutria pelas classes mais favorecidas.

O Sr. General não refere, seguramente por desconhecimento, o número de ministros do Opus Dei que serviram o ditador Franco, nem de que lado se colocou o taumaturgo na guerra civil que dilacerou Espanha, antecedentes pouco compatíveis com a “democracia de Escrivá, mais actual que nunca”, que lhe atribui. E talvez nunca tenha ouvido falar dos escândalos financeiros Rumasa, Matesa e Banco Ambrosiano.

A interferência em acontecimentos da Sérvia, Bósnia e Eslovénia, alguns recentes, bem como as ligações à CIA, o papel desempenhado na Polónia e, muito provavelmente, na eleição de João Paulo II, não são de molde a tranquilizar-nos. Mesmo que o Papa João Paulo I tenha morrido de morte natural a existência da seita ultraconservadora Opus Dei é deveras inquietante.


Alfredo Carlos Barroco Esperança

Coimbra, 5 de Janeiro de 2002


Nota: esta carta de leitor foi publicada pelo «Expresso». O título é da responsabilidade de «República e Laicidade».



República e Laicidade!