Educação sexual e castidade



por

Alfredo Carlos Barroco Esperança



Senhor Director,

No J. N. de 1 de Fevereiro encontra-se um artigo de opinião do jornalista Hugo de Azevedo que é um verdadeiro anacronismo, à semelhança, aliás doutros que sobre o mesmo assunto tem publicado.

É a primeira vez que me dirijo ao J.N. e desconheço, pois, se o pluralismo que as suas páginas inegavelmente refletem, e de que o artigo referido é exemplo, se conforma com os comentários que gostava de ver publicados na página do leitor. Comentários, de resto, mais serenos que os do articulista.

São saborosas as pérolas que me deliciaram na prosa virulenta com que o jornalista se insurge contra o "kit" informativo "Haja Saúde" que é distribuído pelo Ministério da Saúde aos jovens universitários, inserido na campanha de luta contra a Sida.

Por esse motivo chama ao Estado "corruptor ordinário, acanalhado, reles, aldrabão, um gatuno que rouba o dinheiro dos pais para corromper os filhos à sua revelia."

Apesar de nos tranquilizar quanto ao facto de "omitir os pormenores mais nojentos" não deixa de se interrogar se haverá diferença entre essa conversa do Estado, essa bodega a que chama "educação sexual", e a de uma rameira.

Sobre rameiras não me vou pronunciar por me encontrar seguramente em desvantagem. E nem sequer pretendo documentar-me.

Já quanto à educação sexual é outro assunto que indiscutivelmente me interessa. Que interessa a todos, como pais e cidadãos.

Julguei que o artigo do Dr. Hugo de Azevedo era um contributo para uma melhor educação sexual. Nada disso. Era uma defesa intransigente da castidade.

Senti-me ludibriado. Apenas verifiquei que tem mais ódio ao preservativo que os peregrinos de Meca às sanduíches de presunto. Não traz nenhuma ideia nova para a educação sexual. Limita-se a fazer um libelo contra a sexualidade.

Se o autor tivesse alguma experiência sexual, o que nem me atrevo a insinuar, saberia que, além de agradável, pode ter efeitos secundários gratificantes: os filhos. Com uma só experiência em vez do anátema que ora profere talvez optasse pela militância. Em vez do ódio que acalenta seguramente que despertaria para o sortilégio do amor.

Além disso o acto sexual, sobre o qual deixa transparecer tanta repugnância, continua a ser o mais eficaz e popular modo de reprodução.

Ao ler o artigo, não sei porquê, lembrei-me que Camilo chamou a Frei Gaspar da Encarnação "uma santa besta". Não uso semelhante epíteto para este jornalista. Em primeiro lugar porque não o conheço. Depois, porque posso ser injusto. E, finalmente, porque ele pode não ser santo.

Aceite, Senhor Director, os meus cumprimentos.


Alfredo Carlos Barroco Esperança

Coimbra, 2 de fevereiro de 2000


Nota: esta carta de leitor foi publicada pelo «Jornal de Notícias».



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