Senhor Director,
A cerimónia de despedida do núncio apostólico em Lisboa, noticiada pelo jornalista Carlos Albino (DN de 24 de Outubro) foi um acto protocolar que o ministro dos Estrangeiros, Martins da Cruz, transformou num acto de subserviente genuflexão.
Não sei se foi o remorso pela conduta nos movimentos diplomáticos e a ausência de espírito de sacrifício para prescindir de aviões de luxo que o levou a procurar a absolvição dos pecados no acto de vassalagem que prestou ao núncio.
Mesmo que fosse – e não é – “inegável que a maioria da população portuguesa professa a religião católica ou se acolhe à Igreja em momentos importantes da sua vida” não tem o direito de prometer o reforço da sua influência, já excessiva, no domínio “do ensino, da assistência social, da cultura, nos múltiplos domínios em que nos habituámos a ver uma Igreja activa e empenhada em contribuir para a solução de problemas nacionais”.
“Como católico considero um privilégio ocupar a pasta dos Negócios Estrangeiros no momento desta importante negociação” – afirmou com a mesma convicção do seu homólogo do tempo de Salazar.
Como é que um diplomata de carreira não tem sentido de Estado e se comporta como beato representante de um governo de joelhos que pretende um país de cócoras? A Constituição, que é laica, não o obrigará a um mínimo de pudor republicano? O ministro é o representante do Governo ou da Conferência Episcopal?
Não tenho palavras para qualificar o acto de indignidade cívica do Sr. Ministro. A liberdade religiosa está em perigo e o País corre o risco de tornar-se um protectorado do Vaticano vergado ao peso de 44 hectares de sotainas, com a cumplicidade de um sacristão que tem o “privilégio” de ser Ministro.
Alfredo Carlos Barroco Esperança
Coimbra, 25 de Outubro de 2002
Nota: esta carta de leitor foi recusada pelo «Diário de Notícias». O título é da responsabilidade de «República e Laicidade».