Novos valores



por

Ricardo Gaio Alves



J. César das Neves (JCN) reincide numa postura pessimista ante o que alguns chamam a «crise de valores». Afirma que "no campo íntimo e privado o nosso tempo luta para a mais completa eliminação de regras, hábitos e costumes", e "nunca a opressão feminina foi tão profunda". A evolução legislativa desmente-o categóricamente: a criminalização da violação dentro do matrimónio tem menos de três décadas; a violência conjugal tornou-se crime público em 2000; a AR considerou a mutilação genital feminina um crime específico (e público) há pouco. São sinais de um notável progresso social em que a velha "moral pública" (de inspiração católica) é substituída -como valor primacial- pela autodeterminação sexual sob consentimento esclarecido. A comparação com o Ballet Rose (durante o mui católico Estado Novo) evidencia-o. À época, a reacção das instituições e da sociedade foi norteada pelos valores da impunidade conferida pelo poder ou prestígio social, do desprezo pela autonomia sexual da criança ou adolescente e da ocultação de crimes sexuais. Hoje, assistimos às detenções de cidadãos, sejam anónimos ou famosos, à legislação sobre delitos domésticos anteriormente escondidos pelo consenso social ou mesmo esquecidos pela Lei e à divulgação pública de actos criminosos. Os novos valores (do Estado de Direito democrático e laico) parecem ser portanto a igualdade perante a Lei, a autonomia do mais fraco perante quem sobre ele tiver poder e a denúncia pública. É uma salutar mudança de valores, e as novas regras e costumes protegem mais eficazmente a mulher -assegurando-lhe simultaneamente liberdade individual. JCN -desejando talvez regressar aos "bons velhos tempos" da opressiva "Shari´a" católica- persistirá em afirmar o contrário.


Nota: esta carta foi publicada com destaque na secção «Meu Caro DN» do «Diario de Notícias» de 13/03/03, com o corte assinalado a itálico na parte final.



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