EXORTAÇÃO
APOSTÓLICA PÓS-SINODAL
ECCLESIA IN
EUROPA DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II AOS BISPOS AOS PRESBÍTEROS E DIÁCONOS AOS CONSAGRADOS
E CONSAGRADAS E A TODOS OS FIÉIS LEIGOS SOBRE JESUS CRISTO, VIVO
NA SUA IGREJA, FONTE DE ESPERANÇA PARA A EUROPA
INTRODUÇÃO
Anúncio de alegria para a Europa
1. A Igreja na Europa, animada por sentimentos de solidariedade,
acompanhou os seus Bispos que se reuniram em Sínodo, pela segunda vez,
para meditar sobre Jesus Cristo, vivo na sua Igreja, fonte de esperança
para a Europa.
Trata-se de um tema que também eu, unido com os meus irmãos Bispos e
retomando as palavras da 1ª Carta de S. Pedro, quero proclamar a todos os
cristãos da Europa ao início do terceiro milénio: « Não temais
(...), nem vos deixeis perturbar. Mas venerai Cristo Senhor nos vossos
corações e estai sempre prontos a responder (...) a todo aquele que vos
perguntar a razão da vossa esperança » (3, 14-15).(1)
Este anúncio ressoou continuamente durante o Grande Jubileu do ano
2000, com o qual está intimamente relacionado o referido Sínodo, tendo
sido celebrado nas proximidades da sua abertura como se fosse uma porta
que desse para ele.(2)
O Jubileu constituiu « um único e incessante cântico de louvor à
Santíssima Trindade », um autêntico « caminho de
reconciliação » e um « sinal de genuína esperança para todos
os que levantam seu olhar para Cristo e para a sua Igreja ».(3) Tendo-nos
deixado em herança a alegria do encontro vivificante com Cristo, que
« é o mesmo ontem, hoje e sempre » (Heb 13, 8),
propôs-nos de novo o Senhor Jesus como o fundamento único e indefectível
da verdadeira esperança.
O segundo Sínodo para a Europa
2. Desde o princípio, o aprofundamento do tema da esperança constituía
o objectivo principal da II Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para
a Europa. Sendo o último na série dos Sínodos de carácter continental
celebrados como preparação para o Grande Jubileu do ano 2000,(4) tinha
por finalidade analisar a situação da Igreja na Europa e oferecer
indicações para promover um novo anúncio do Evangelho, como sublinhei ao
tornar pública a sua convocação a 23 de Junho de 1996, no fim da
Eucaristia celebrada no Estádio Olímpico de Berlim.(5)
A Assembleia Sinodal não podia deixar de retomar, verificar e
desenvolver as conclusões do Sínodo anteriormente dedicado à Europa, que
fora celebrado em 1991, logo a seguir à queda dos muros, debruçando-se
sobre o tema « Para sermos testemunhas de Cristo que nos
libertou ». Desta I Assembleia Especial resultou a urgência e a
necessidade da « nova evangelização », cientes de que «
a Europa, hoje, não deve simplesmente fazer apelo à sua precedente herança
cristã: é preciso, de facto, que seja posta em condições de decidir
novamente do seu futuro no encontro com a pessoa e a mensagem de Jesus
Cristo ».(6)
Nove anos mais tarde, a convicção de que « é tarefa urgente da
Igreja oferecer de novo aos homens e às mulheres da Europa a mensagem
libertadora do Evangelho » (7) ressurgiu
com a sua força estimuladora. O tema escolhido para a nova Assembleia
Sinodal colocava, agora sob a perspectiva da esperança, o mesmo desafio.
Tratava-se, por conseguinte, de proclamar este anúncio de esperança a uma
Europa que parecia tê-la perdido.(8)
A experiência do Sínodo
3. A Assembleia Sinodal, realizada de 1 a 23 de Outubro de 1999,
revelou-se uma preciosa oportunidade de encontro, escuta e
confronto: aprofundou-se o conhecimento recíproco entre Bispos de
diversas partes da Europa e com o Sucessor de Pedro, e, todos unidos,
pudemos edificar-nos mutuamente, graças sobretudo aos testemunhos daqueles
que, sob os regimes comunistas passados, tinham suportado duras e
prolongadas perseguições pela fé.(9) Vivemos
uma vez mais momentos de comunhão na fé e na caridade, animados pelo
desejo de realizar um fraterno « intercâmbio de dons »,
enriquecendo-nos mutuamente com a diversidade das experiências de cada
um.(10)
Era patente a vontade de acolher o apelo dirigido pelo Espírito às
Igrejas da Europa para se empenharem perante os novos desafios.(11) Com
um olhar cheio de amor, os participantes no encontro sinodal
detiveram-se sem medo a observar a realidade actual do continente,
ressaltando as suas luzes e sombras. Daí resultou claramente a noção de
que a situação está marcada por graves incertezas a nível cultural,
antropológico, ético e espiritual. Com igual nitidez, foi-se afirmando uma
vontade crescente de entrar dentro desta situação para interpretá-la e ver
as tarefas que esperam a Igreja: daí surgiram « orientações úteis
para tornar cada vez mais visível o rosto de Cristo mediante um anúncio
mais incisivo, corroborado por um coerente testemunho ».(12)
4. Vivendo a experiência sinodal com discernimento evangélico, foi
maturando cada vez mais a consciência da unidade que, sem renegar
as diferenças resultantes das vicissitudes históricas, entrelaça as
várias partes da Europa. É uma unidade que, tendo as suas raízes na
inspiração cristã comum, pode conciliar as diversas tradições culturais
mas requer, tanto a nível social como eclesial, um contínuo caminhar no
conhecimento recíproco procurando uma maior partilha dos valores de cada
um.
Ao longo do Sínodo, pouco a pouco foi-se evidenciando um forte
pendor para a esperança. Embora aceitando as análises da complexidade
que caracteriza o continente, os padres sinodais individuaram, como sendo
provavelmente a urgência maior que o atravessa de Leste a Oeste, a
necessidade cada vez mais sentida de esperança, que torne possível dar
sentido à vida e à história e caminhar de mãos dadas. Todas as reflexões
do Sínodo se encaminhavam para dar resposta a esta necessidade, a partir
do mistério de Cristo e do mistério trinitário. O Sínodo quis
repropor a figura de Jesus, vivo na sua Igreja, revelador do Deus-Amor que
é comunhão das três Pessoas divinas.
O ícone do Apocalipse
5. Sinto-me feliz por poder, com a presente Exortação pós-sinodal,
partilhar os frutos desta II Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para
a Europa. Pretendo assim corresponder ao desejo que me foi manifestado no
termo do encontro sinodal, quando os Pastores me entregaram os textos das
suas reflexões com o pedido de oferecer à Igreja peregrina na Europa um
documento sobre o próprio tema do Sínodo.(13)
« Quem tem ouvidos, oiça o que o Espírito diz às Igrejas
» (Ap 2, 7). Ao anunciar à Europa o Evangelho da esperança,
terei como guia o livro do Apocalipse, « revelação
profética » que desvenda à comunidade crente o sentido oculto e
profundo das coisas que acontecem (cf. Ap 1, 1). O Apocalipse
apresenta-nos uma palavra dirigida às comunidades cristãs, para ajudá-las
a interpretar e viver a sua inserção na história, com os seus problemas e
tribulações, à luz da vitória definitiva do Cordeiro imolado e
ressuscitado. Ao mesmo tempo, encontramo-nos com uma palavra que nos
obriga a viver deixando de lado a tentação frequente de construir a cidade
dos homens, prescindindo de Deus ou contra Ele. É que, se isto se
verificasse, a própria convivência humana acabaria, mais cedo ou mais
tarde, por conhecer uma irremediável derrota.
O Apocalipse contém um encorajamento dirigido a todos os crentes: para
além de qualquer aparência e apesar de os efeitos não serem ainda
visíveis, a vitória de Cristo já se deu e é definitiva. Daí o conselho a
olhar as vicissitudes humanas fundamentalmente com uma atitude de
confiança, que nasce da fé no Ressuscitado, presente e activo na
história.
CAPÍTULO I
JESUS CRISTO É NOSSA ESPERANÇA
« Não temas! Eu sou o Primeiro e o Último, o
Vivente » (Ap 1, 17-18)
O Ressuscitado está sempre connosco
6. Num tempo de perseguição, tribulação e crise para a Igreja como era
a época do autor do Apocalipse (cf. 1, 9), a palavra que ressoa na visão é
uma palavra de esperança: « Não temas! Eu sou o Primeiro e o
Último, o Vivente; conheci a morte, mas eis-Me aqui vivo pelos séculos dos
séculos. E tenho as chaves da Morte e do Inferno » (Ap 1,
17-18). Encontramo-nos assim com o Evangelho, o « feliz
anúncio », que é o próprio Jesus Cristo. Ele é o
Primeiro e o Último: n'Ele, toda a história encontra o seu
princípio, sentido, direcção e realização; n'Ele e com Ele, na sua morte e
ressurreição, já tudo ficou dito. É o Vivente: estava morto, mas
agora vive para sempre. Ele é o Cordeiro que está de pé no meio do
trono de Deus (cf. Ap 5, 6): aparece imolado, porque
derramou o seu sangue por nós no madeiro da cruz; está de pé,
porque voltou à vida para sempre e mostrou-nos a omnipotência infinita do
amor do Pai. Ele segura firmemente nas suas mãos as sete
estrelas (cf. Ap 1, 16), isto é, a Igreja de Deus
perseguida, que, embora em luta contra o mal e o pecado, tem motivos para
sentir-se alegre e vitoriosa, porque está nas mãos de Cristo que já venceu
o mal. Ele caminha no meio dos sete castiçais de ouro (cf.
Ap 2, 1): está presente e activo na sua Igreja em oração. Ele é,
enfim, « Aquele que vem » (Ap 1, 4) através da
missão e da acção da Igreja ao longo da história humana; vem como ceifeiro
escatológico, no fim dos tempos, para levar à perfeição todas as coisas
(cf. Ap 14, 15-16; 22, 20).
I. Desafios e sinais de esperança para a Igreja na
Europa
O ofuscamento da esperança
7. Esta palavra é dirigida hoje também às Igrejas na Europa,
frequentemente provadas por um ofuscamento da esperança. De facto, os
nossos dias, com todos os desafios que nos lançam, apresentam-se como um
tempo de crise. Muitos homens e mulheres parecem desorientados, incertos,
sem esperança; e não poucos cristãos partilham estes estados de alma.
Numerosos são os sinais preocupantes que inquietam, ao início do
terceiro milénio, o horizonte do continente europeu, o qual, «
apesar de estar na posse plena de imensos sinais de fé e testemunho e no
quadro duma convivência sem dúvida mais livre e mais unida, sente todo o
desgaste que a história antiga e recente produziu nas fibras mais
profundas dos seus povos, dando origem muitas vezes à desilusão ».(14)
De entre muitos aspectos, amplamente citados também durante o Sínodo,(15)
quero recordar a crise da memória e herança cristãs, acompanhada
por uma espécie de agnosticismo prático e indiferentismo religioso,
fazendo com que muitos europeus dêem a impressão de viver sem substrato
espiritual e como herdeiros que delapidaram o património que lhes foi
entregue pela história. Por isso, não causam assim tanta maravilha as
tentativas de dar um rosto à Europa excluindo a sua herança religiosa, e
de modo particular a sua profunda alma cristã, estabelecendo os direitos
dos povos que a compõem sem enxertá-los no tronco irrigado pela linfa
vital do cristianismo.
No continente europeu, certamente não faltam prestigiosos símbolos da
presença cristã, mas, com a afirmação lenta e progressiva do secularismo,
correm o risco de reduzirem-se a meros vestígios do passado. Muitos já não
conseguem integrar a mensagem evangélica na experiência diária; aumenta a
dificuldade de viver a própria fé em Jesus num contexto social e cultural
onde é continuamente desafiado e ameaçado o projecto de vida cristã; em
vários sectores públicos, é mais fácil definir-se agnóstico do que crente;
dá a impressão de que o normal é não crer, enquanto o acreditar teria
necessidade de uma legitimação social não óbvia nem automática.
8. Esta crise da memória cristã é acompanhada por uma espécie de
medo de enfrentar o futuro. A imagem que se forma do amanhã, aparece
muitas vezes vaga e incerta. Do futuro, sente-se mais medo que desejo.
Sinais preocupantes disto mesmo são, entre outros, o vazio interior, que
oprime muitas pessoas, e a perda do significado da vida. Como
manifestações e frutos desta angústia existencial, contam-se, de modo
particular, a dramática diminuição da natalidade, a queda das vocações ao
sacerdócio e à vida consagrada, a relutância, se não mesmo a recusa, de
tomar decisões definitivas na vida inclusive no matrimónio.
Assiste-se a uma generalizada fragmentação da existência;
predomina uma sensação de solidão; multiplicam-se as divisões e os
contrastes. Entre outros sintomas deste estado de coisas, a situação
europeia actual regista o grave fenómeno das crises familiares e do
esmorecimento do próprio conceito de família, a persistência ou reabertura
de conflitos étnicos, o reaparecimento de alguns comportamentos racistas,
as próprias tensões inter-religiosas, o egocentrismo que fecha indivíduos
e grupos em si mesmos, o crescimento de uma indiferença ética geral e de
uma preocupação obsessiva pelos próprios interesses e privilégios. Na
visão de tantos, a globalização em curso, em vez de apontar para uma maior
unidade do género humano, arrisca-se a seguir uma lógica que marginaliza
os mais débeis e aumenta o número dos pobres da terra.
A par do aumento do individualismo, nota-se um enfraquecimento
progressivo da solidariedade interpessoal: se as instituições de
assistência continuam a desempenhar um louvável trabalho, observa-se uma
atenuação no sentido da solidariedade, pelo que muitas pessoas, embora não
lhes falte o necessário a nível material, sentem-se mais sós, deixadas à
mercê de si mesmas, sem redes de apoio afectivo.
9. Na raiz da crise da esperança, está a tentativa de fazer
prevalecer uma antropologia sem Deus e sem Cristo. Esta forma de
pensar levou a considerar o homem como « o centro absoluto da
realidade, fazendo-o ocupar astuciosamente o lugar de Deus e esquecendo
que não é o homem que cria Deus, mas é Deus que cria o homem. O ter
esquecido Deus levou a abandonar o homem », pelo que « não
admira que, neste contexto, se tenha aberto amplo espaço ao livre
desenvolvimento do niilismo no campo filosófico, do relativismo no campo
gnoseológico e moral, do pragmatismo e também do hedonismo cínico na
configuração da vida quotidiana ».(16)
A cultura europeia dá a impressão de uma « apostasia
silenciosa » por parte do homem saciado, que vive como se Deus não
existisse.
Neste horizonte, ganham corpo as tentativas, verificadas ainda
recentemente, de apresentar a cultura europeia prescindindo do contributo
do cristianismo que marcou o seu desenvolvimento histórico e a sua difusão
universal. Estamos perante o aparecimento duma nova cultura,
influenciada em larga escala pelos mass-media, com características e
conteúdos frequentemente contrários ao Evangelho e à dignidade da pessoa
humana. Também faz parte de tal cultura um agnosticismo religioso cada vez
mais generalizado, conexo com um relativismo moral e jurídico mais
profundo que tem as suas raízes na crise da verdade do homem como
fundamento dos direitos inalienáveis de cada um. Os sinais da diminuição
da esperança manifestam-se às vezes através de formas preocupantes daquilo
que se pode chamar uma « cultura de morte ».(17)
A nostalgia irreprimível da esperança
10. Todavia, como sublinharam os padres sinodais, « o homem
não pode viver sem esperança: a sua vida perderia o sentido,
tornando-se insuportável ».(18) Muitas
vezes pensa-se que é possível satisfazer esta exigência de esperança com
realidades efémeras e frágeis. E assim a esperança, confinada
num âmbito intramundano fechado à transcendência, acaba por ser
identificada, por exemplo, com o paraíso prometido pela ciência e a
técnica, com as mais variadas formas de messianismo, com a felicidade de
natureza hedonista oferecida pelo consumismo, com o prazer imaginário e
artificial gerado por substâncias estupefacientes, com algumas formas de
milenarismo, com o fascínio das filosofias orientais, com a busca de
formas esotéricas de espiritualidade, nas diversas correntes da New
Age.(19)
Tudo isto, porém, se revela profundamente ilusório e incapaz de
satisfazer aquela sede de felicidade que o coração do homem continua a
sentir em si mesmo. Deste modo permanecem e agravam-se os preocupantes
sinais de enfraquecimento da esperança, que às vezes se manifestam mesmo
através de formas de agressividade e de violência.(20)
Sinais de esperança
11. Nenhum ser humano pode viver sem perspectivas de futuro. Menos
ainda a Igreja, que vive na expectativa do Reino que chega e já está
presente neste mundo. Seria injusto não ver os sinais do influxo
do Evangelho de Cristo na vida da sociedade. Os padres sinodais
encontraram-nos e evidenciaram-nos.
Entre estes sinais, conta-se a recuperação da liberdade da Igreja no
Leste europeu, com as novas possibilidades de acção pastoral que lhe foram
abertas; a concentração da Igreja na sua missão espiritual e o seu
compromisso de viver o primado da evangelização mesmo nas relações com a
realidade sócio-política; a ampla tomada de consciência da missão própria
de todos os baptizados, na variedade e complementaridade dos respectivos
dons e tarefas; a maior presença da mulher nas várias estruturas e
sectores da comunidade cristã.
Uma comunidade de povos
12. Olhando para a Europa como comunidade civil, não faltam sinais
indicadores de esperança: neles, mesmo entre as contradições da
história, podemos com um olhar de fé individuar a presença do Espírito de
Deus que renova a face da terra. Os padres sinodais, no termo dos seus
trabalhos, descreveram-nos assim: « Constatamos com alegria a
crescente abertura dos povos uns aos outros, a reconciliação
entre nações por longo tempo hostis e inimigas, o alargamento
progressivo do processo de união aos países do Leste Europeu.
Reconhecimentos, colaborações e intercâmbios de todo o tipo estão
em desenvolvimento, de maneira que, pouco a pouco, se cria uma cultura,
antes, uma consciência europeia, que esperamos possa fazer crescer,
especialmente nos jovens, o sentimento da fraternidade e a vontade da
partilha. Registamos como positivo o facto de todo este processo se
desenvolver segundo métodos democráticos, de modo pacífico e num
espírito de liberdade, que respeita e valoriza as legítimas
diversidades, suscitando e apoiando o processo de unificação da
Europa. Saudamos com satisfação aquilo que foi feito para determinar
as condições e as modalidades do respeito dos direitos humanos. Por
fim, no contexto da legítima e necessária unidade económica e política na
Europa, enquanto registamos os sinais de esperança oferecidos pela
consideração dada ao direito e à qualidade de vida,
formulamos ardentes votos por que, numa fidelidade criativa à tradição
humanista e cristã do nosso continente, seja garantido o primado dos
valores éticos e espirituais ».(21)
Os mártires e as testemunhas da fé
13. Desejo, porém, chamar a atenção especialmente para alguns sinais
surgidos na vida eclesial propriamente dita. Antes de mais nada, quero com
os padres sinodais apresentar novamente a todos, para que nunca seja
esquecido, o grande sinal de esperança constituído por tantas
testemunhas da fé cristã que viveram, no último século, tanto no
Oriente como no Ocidente. Souberam assumir o Evangelho em situações de
hostilidade e perseguição, frequentemente até à prova suprema do
sangue.
Estas testemunhas, particularmente as que enfrentaram a prova do
martírio, são um sinal eloquente e grandioso, que somos chamados a
contemplar e imitar. Atestam-nos a vitalidade da Igreja; apresentam-se
como luz para a Igreja e a humanidade, porque, nas trevas, fizeram brilhar
a luz de Cristo; pertencendo a diversas confissões cristãs, resplandecem
igualmente como sinal de esperança no caminho ecuménico, na certeza de que
o seu sangue « é também linfa de unidade para a Igreja ».(22)
Mais radicalmente ainda, elas dizem-nos que o martírio é
encarnação suprema do Evangelho da esperança. « De facto, os
mártires anunciam este Evangelho e testemunham-no com a sua vida até à
efusão do sangue, porque, certos de não poderem viver sem Cristo, estão
prontos a morrer por Ele na convicção de que Jesus é o Senhor e o Salvador
do homem e que este, por conseguinte, só n'Ele encontra a verdadeira
plenitude da vida.
Deste modo, segundo a advertência do apóstolo Pedro, mostram-se prontos
a dar a razão da esperança que está neles (cf. 1 Pd 3, 15). Além
disso, os mártires celebram o “Evangelho da esperança”, porque a oferta da
sua vida é a manifestação maior e mais radical daquele sacrifício vivo,
santo e agradável a Deus que constitui o verdadeiro culto espiritual
(cf. Rm 12, 1), origem, alma e apogeu de toda a celebração cristã.
Por último, eles servem o “Evangelho da esperança”, porque, com o seu
martírio, exprimem em sumo grau o amor e o serviço ao homem, enquanto
demonstram que a obediência à lei evangélica gera uma vida moral e uma
convivência social que honra e promove a dignidade e a liberdade de toda a
pessoa ».(23)
A santidade de muitos
14. Fruto da conversão realizada pelo Evangelho é a santidade de
muitos homens e mulheres do nosso tempo; não só daqueles que foram
proclamados oficialmente santos pela Igreja, mas também dos que, com
simplicidade e no dia a dia da existência, deram testemunho da sua
fidelidade a Cristo. Como não pensar aos inumeráveis filhos da Igreja que,
ao longo da história do continente europeu, viveram uma santidade generosa
e autêntica no mais recôndito da vida familiar, profissional e social?
« Todos eles, como “pedras vivas” aderentes a Cristo “pedra
angular”, construíram a Europa como edifício espiritual e moral, deixando
aos vindouros a herança mais preciosa. O Senhor Jesus havia prometido:
“Aquele que acredita em Mim fará também as obras que Eu faço; e fará obras
maiores do que estas, porque Eu vou para o Pai'' (Jo 14, 12). Os
santos são a prova viva da realização desta promessa, e ajudam a crer que
isto é possível mesmo nos momentos mais difíceis da história ».(24)
A paróquia e os movimentos eclesiais
15. O Evangelho continua a dar os seus frutos nas comunidades
paroquiais, no meio das pessoas consagradas, nas associações de leigos,
nos grupos de oração e de apostolado, nas diversas comunidades juvenis, e
também através da presença e difusão de novos movimentos e realidades
eclesiais. De facto, em cada um deles o mesmo Espírito consegue suscitar
renovada dedicação ao Evangelho, generosa disponibilidade ao serviço, vida
cristã caracterizada por radicalismo evangélico e zelo missionário.
Embora carecida de constante renovação,(25)
a paróquia continua ainda hoje a deter e a realizar na Europa, tanto
nos países pós-comunistas como no Ocidente, uma missão indispensável e de
grande actualidade no âmbito pastoral e eclesial. É capaz ainda de
proporcionar aos fiéis o espaço para um real exercício da vida cristã e
ser lugar também de autêntica humanização e sociabilização, quer no
contexto dispersivo e anónimo típico das grandes cidades modernas quer em
zonas rurais com pouca população.(26)
16. Com os padres sinodais, ao mesmo tempo que exprimo a minha grande
estima pela presença e a acção das diversas associações e organizações
apostólicas, em particular da Acção Católica, desejo pôr em relevo a
específica contribuição que podem, nunca isolando-se mas em comunhão com
as outras realidades eclesiais, oferecer os novos movimentos e as novas
comunidades eclesiais. De facto, estes últimos « ajudam os
cristãos a viverem mais radicalmente segundo o Evangelho; são berço de
diversas vocações e geram novas formas de consagração; promovem sobretudo
a vocação dos leigos e levam-na a exprimir-se nos diversos âmbitos da
vida; favorecem a santidade do povo; podem ser anúncio e exortação para
muitos que de outro modo não se cruzariam com a Igreja; frequentemente
apoiam o caminho ecuménico e abrem sendas para o diálogo inter-religioso;
servem de antídoto contra a difusão das seitas; são de grande ajuda para
irradiar vitalidade e alegria na Igreja ».(27)
O caminho ecuménico
17. Damos graças ao Senhor pelo grande e reconfortante sinal de
esperança constituído pelos progressos que o caminho ecuménico pôde
realizar sob o signo da verdade, da caridade e da reconciliação.
Trata-se de um dos grandes dons do Espírito Santo para um continente, a
Europa, que deu origem às graves divisões entre os cristãos no segundo
milénio e sofre ainda muito com as consequências das mesmas.
Recordo com emoção alguns momentos de grande intensidade vividos
durante os trabalhos sinodais e a convicção unânime, afirmada também pelos
delegados fraternos, de que o caminho ecuménico – não obstante os
problemas que ainda restam e os novos que vão surgindo – não pode ser
interrompido, mas deve continuar com renovado ardor, com mais profunda
determinação e com a humilde disponibilidade de todos para o perdão
recíproco. De bom grado faço minhas algumas expressões dos padres
sinodais, porque « o progresso no diálogo ecuménico, que tem o seu
fundamento mais profundo no próprio Verbo de Deus, constitui um sinal de
grande esperança para a Igreja actual: o crescimento da unidade entre os
cristãos é efectivamente de mútuo enriquecimento para todos ».(28)
É preciso « considerar com alegria os progressos até agora obtidos
no diálogo tanto com os irmãos das Igrejas Ortodoxas como com os irmãos
das comunidades eclesiais oriundas da Reforma, reconhecendo nisso um sinal
da acção do Espírito pelo qual devemos louvar e agradecer ao Senhor
».(29)
II. Voltar a Cristo, fonte de toda a esperança
Confessar a nossa fé
18. Da Assembleia Sinodal saiu, clara e veemente, a certeza de que a
Igreja tem para oferecer à Europa o bem mais precioso, que ninguém mais
lhe pode dar: é a fé em Jesus Cristo, fonte da esperança que não
desilude,(30)
um dom que está na origem da unidade espiritual e cultural dos povos
europeus e pode constituir, também hoje e no futuro, um contributo
essencial do seu progresso e integração. Sim, passados vinte séculos, a
Igreja apresenta-se no início do terceiro milénio com o mesmo anúncio de
sempre, que constitui o seu único tesouro: Jesus Cristo é o Senhor; só há
salvação n'Ele, e em mais ninguém (cf. Act 4, 12). A fonte da
esperança, para a Europa e para o mundo inteiro, é Cristo; « e a
Igreja é o canal pelo qual passa e se difunde a onda de graça que brotou
do Coração trespassado do Redentor ».(31)
Fundamentada nesta confissão de fé, brota do nosso coração e dos nossos
lábios « uma jubilosa confissão de esperança: Vós, ó Senhor,
ressuscitado e vivo, sois a esperança sempre nova da Igreja e da
humanidade; Vós sois a única e verdadeira esperança do homem e da
história; Vós sois entre nós “a esperança da glória” (Col 1, 27) já
nesta nossa vida e para além da morte. Em Vós e Convosco, nós podemos
alcançar a verdade, a nossa existência tem um sentido, a comunhão é
possível, a diversidade pode tornar-se riqueza, a força do Reino está em
acção na história e ajuda na edificação da cidade do homem, a caridade dá
valor perene aos esforços da humanidade, o sofrimento pode tornar-se
salvífico, a vida vencerá a morte, a criação participará na glória dos
filhos de Deus ».(32)
Jesus Cristo nossa esperança
19. Jesus Cristo é a nossa esperança, porque Ele, o Verbo eterno de
Deus que está desde sempre no seio do Pai (cf. Jo 1, 18), amou-nos
até ao ponto de assumir em tudo, excepto no pecado, a nossa natureza
humana tornando-Se participante da nossa vida, para nos salvar. A
confissão desta verdade encontra-se mesmo no âmago da nossa fé. A perda da
verdade sobre Jesus Cristo ou uma má compreensão da mesma impede de
penetrar no próprio mistério do amor de Deus e da comunhão trinitária.(33)
Jesus Cristo é a nossa esperança, porque Ele revela o mistério da
Santíssima Trindade. Este constitui o centro da fé cristã, que pode
oferecer ainda, como o fez até agora, um grande contributo para a
edificação de estruturas que, inspirando-se nos grandes valores
evangélicos ou confrontando-se com eles, promovam a vida, a história e a
cultura dos diversos povos do continente.
Múltiplas são as raízes que com a linfa dos seus ideais contribuíram
para o reconhecimento do valor da pessoa e da sua dignidade inalienável, o
reconhecimento do carácter sagrado da vida humana e do papel central da
família, da importância da instrução e da liberdade de pensamento, de
palavra, de religião, e contribuíram também para a tutela legal dos
indivíduos e dos grupos, a promoção da solidariedade e do bem comum, o
reconhecimento da dignidade do trabalho. Tais raízes favoreceram a
subordinação do poder político à lei e ao respeito dos direitos da pessoa
e dos povos. Importa recordar aqui o espírito da Grécia antiga e da
romanidade, os contributos dos povos celtas, germânicos, eslavos,
ugro-finlandeses, da cultura hebraica e do mundo islâmico. No entanto há
que reconhecer que historicamente estas inspirações acharam, na tradição
judaico-cristã, uma força capaz de as harmonizar, consolidar e promover. É
um facto que não se pode ignorar; pelo contrário, é preciso reconhecer, no
processo da construção da « casa comum europeia », que este
edifício deve assentar também sobre valores que encontram na tradição
cristã a sua plena epifania. Reconhecê-lo é vantajoso para todos.
Não sendo « sua atribuição manifestar preferência por uma ou
outra solução institucional ou constitucional » da Europa, a Igreja
coerentemente deseja respeitar a legítima autonomia da ordem civil.(34) Mas,
é sua missão reavivar nos cristãos da Europa a fé na Santíssima Trindade,
bem sabendo que uma tal fé é prenúncio de autêntica esperança para o
continente. Muitos dos grandes paradigmas de referimento atrás
mencionados, que estão na base da civilização europeia, têm as suas raízes
últimas na fé trinitária. Esta contém uma extraordinária força espiritual,
cultural e ética, capaz, para além do mais, de esclarecer inclusive
algumas das grandes questões que hoje se levantam na Europa, tais como a
desagregação social e a perda de uma referência que dê sentido à vida e à
história. Daí a necessidade de uma renovada meditação teológica,
espiritual e pastoral do mistério trinitário.(35)
20. As Igrejas particulares da Europa não são simplesmente entidades ou
organizações privadas. Na realidade, elas trabalham no quadro duma
dimensão institucional específica, que merece ser juridicamente valorizada
no pleno respeito dos justos ordenamentos civis. Quando reflectem sobre si
mesmas, as comunidades cristãs devem sentir-se como um dom de Deus para o
enriquecimento dos povos que vivem no continente. Tal é o jubiloso anúncio
que são chamadas a levar a cada pessoa. Quando aprofundam a sua dimensão
missionária, elas devem testemunhar constantemente que Jesus Cristo
« é o Mediador único e constitutivo de salvação para a humanidade
inteira: só n'Ele é que a humanidade, a história e o universo
encontram definitivamente o seu significado positivo e se realizam
totalmente; Ele tem em Si mesmo, na sua acção e na sua pessoa, as razões
definitivas da salvação; Ele não é apenas um mediador de salvação, mas é a
própria fonte da salvação ».(36)
No contexto do pluralismo ético e religioso actual que vai
caracterizando cada vez mais a Europa, é preciso, por conseguinte,
confessar e repropor a verdade de Cristo como único Mediador entre Deus e
os homens e único Redentor do mundo. Por isso, como fiz no termo da
Assembleia Sinodal, com toda a Igreja convido os meus irmãos e irmãs na fé
a procurarem constantemente e com confiança abrir-se a Cristo e a
deixarem-se renovar por Ele, anunciando, unicamente com a força da paz e
do amor, a todas as pessoas de boa vontade que, quem encontra o Senhor,
conhece a Verdade, descobre a Vida, acha o Caminho que a ela conduz
(cf. Jo 14, 6; Sal 16/15, 11). A partir do teor de vida e do
testemunho da palavra dos cristãos, os habitantes da Europa poderão
descobrir que Jesus Cristo é o futuro do homem. Segundo a fé da Igreja, de
facto, « não há debaixo do céu qualquer outro nome dado aos homens
que nos possa salvar » (Act 4, 12).(37)
21. Para os crentes, Jesus Cristo é a esperança da humanidade,
porque dá a vida eterna. Ele é « o Verbo da vida »
(1 Jo 1, 1), que veio ao mundo para que os homens « tenham
vida, e a tenham em abundância » (Jo 10, 10). Deste modo Ele
mostra-nos como o verdadeiro sentido da vida do homem não está confinado
ao horizonte terreno, mas abre-se para a eternidade. É missão de cada
Igreja particular da Europa ter em conta a sede de verdade dos indivíduos
e a necessidade de valores autênticos que animem os povos do continente.
Com renovada energia, ela deve repropor a novidade que a anima; trata-se
de concretizar uma acção cultural e missionária bem articulada, capaz de
demonstrar com gestos e argumentos convincentes que a nova Europa precisa
de reencontrar as suas raízes últimas. Neste âmbito, todos aqueles que se
inspiram nos valores evangélicos têm uma função essencial a desempenhar e
que diz respeito ao fundamento sólido sobre o qual se há-de edificar uma
convivência mais humana e pacífica porque respeitadora de todos e de cada
um.
É necessário que as Igrejas particulares da Europa saibam devolver à
esperança a sua fundamental componente escatológica.(38) De
facto, a verdadeira esperança cristã é teologal e escatológica, fundada
sobre Jesus ressuscitado, que de novo há-de vir como Redentor e Juiz e nos
chama à ressurreição e ao prémio eterno.
Jesus Cristo vivo na Igreja
22. Voltando a Cristo, os povos europeus poderão reencontrar a única
esperança que lhes dá plenitude de sentido à vida. Também hoje O podem
encontrar, porque Jesus está presente, vive e actua na sua Igreja:
Ele está na Igreja e a Igreja está n'Ele (cf. Jo 15, 1ss.;
Gal 3, 28; Ef 4, 15-16; Act 9, 5). Nela, em virtude
do dom do Espírito Santo, continua incessantemente a sua obra salvífica.(39)
Com os olhos da fé, somos capazes de ver a presença misteriosa de Jesus
nos diversos sinais que nos deixou. Está presente antes de mais nada na
Sagrada Escritura, que fala d'Ele em todas as suas páginas (cf. Lc
24, 27. 44-47); de modo verdadeiramente único, porém, Ele está presente
sob as espécies eucarísticas. Esta « presença chama-se “real” não a
título exclusivo como se as outras presenças não fossem “reais”, mas por
excelência, porque é substancial, e porque por ela se torna
presente Cristo completo, Deus e homem ».(40) De
facto, na Eucaristia « estão contidos, verdadeira, real e
substancialmente, o corpo e o sangue, conjuntamente com a alma e a
divindade de nosso Senhor Jesus Cristo e, por conseguinte, Cristo
completo ».(41) «
Verdadeiramente a Eucaristia é mysterium fidei, mistério que supera
os nossos pensamentos e só pode ser aceite pela fé ».(42) Real
é também a presença de Jesus nas outras acções litúrgicas da Igreja, que
esta celebra em seu nome. Entre elas, contam-se os sacramentos, acções de
Cristo, que Ele realiza por meio dos homens.(43)
Jesus está verdadeiramente presente no mundo ainda de outros modos,
especialmente nos seus discípulos que, fiéis ao duplo mandamento da
caridade, adoram Deus em espírito e verdade (cf. Jo 4, 24) e
testemunham com a vida o amor fraterno que os identifica como discípulos
do Senhor (cf. Mt 25, 31-46; Jo 13, 35; 15, 1-17).(44)
CAPÍTULO II
O EVANGELHO DA ESPERANÇA CONFIADO À IGREJA DO NOVO
MILÉNIO
« Desperta e reanima o resto que está para
morrer » (Ap 3, 2)
I. O Senhor chama à conversão
Jesus fala hoje às nossas Igrejas
23. « Isto diz Aquele que tem na sua mão direita as sete estrelas
e caminha no meio dos sete castiçais de ouro [...], o Primeiro e o Último,
que esteve morto e reviveu [...], o Filho de Deus » (Ap 2, 1.
8. 18). É o próprio Jesus que fala à sua Igreja. A sua
mensagem é dirigida a todas e cada uma das Igrejas particulares e diz
respeito à sua vida interna, a qual regista às vezes a presença de
concepções e mentalidades incompatíveis com a tradição evangélica, suporta
frequentemente diversas formas de perseguição e, pior ainda, é tentada por
preocupantes sintomas de mundanização, perda da fé primitiva, cedência à
lógica do mundo. Não é raro ver as comunidades já sem o amor de outrora
(cf. Ap 2, 4).
É fácil constatar fraquezas, cansaços, contradições com que se debatem
as nossas comunidades eclesiais. Também elas têm necessidade de
ouvir de novo a voz do Esposo, que as convida à conversão, desafia-as a
ousarem coisas novas e chama-as a comprometerem-se na grande obra da
« nova evangelização ». A Igreja deve submeter-se
constantemente ao julgamento da palavra de Cristo e viver a sua dimensão
humana num estado de purificação para tornar-se cada vez mais e melhor a
Esposa sem mancha nem rugas, adornada com uma veste de linho puro e
resplandecente (cf. Ef 5, 27; Ap 19, 7-8).
Deste modo Jesus Cristo chama as nossas Igrejas na Europa à
conversão e estas, com o seu Senhor e a força da sua presença,
tornam-se fonte de esperança para a humanidade.
A acção do Evangelho ao longo da história
24. A Europa foi ampla e profundamente penetrada pelo
cristianismo. « Não há dúvida que, na complexa história
europeia, o cristianismo representa um elemento central e qualificador,
consolidado sobre a base firme da herança clássica e das numerosas
contribuições fornecidas pelos diversos fluxos étnico-culturais
verificados ao longo dos séculos. A fé cristã plasmou a cultura do
continente e entrelaçou-se inextricavelmente com a sua história, de tal
forma que esta não seria compreensível se não se referisse aos
acontecimentos que caracterizaram primeiro o grande período da
evangelização e, depois, os longos séculos em que o cristianismo, apesar
da dolorosa divisão entre Oriente e Ocidente, se confirmou como religião
dos próprios europeus. Mesmo no período moderno e contemporâneo em que a
unidade religiosa se fragmentou ainda mais, tanto pelas novas divisões
havidas entre os cristãos como pelos processos que levaram a cultura a
separar-se do horizonte da fé, o papel desta última continuou a ser de
grande relevo ».(45)
25. O interesse que a Igreja nutre pela Europa nasce da sua
própria natureza e missão. Ao longo dos séculos, de facto, a Igreja
manteve laços muito estreitos com o nosso continente, de tal modo que o
rosto espiritual da Europa se foi formando graças aos esforços de grandes
missionários, ao testemunho de santos e mártires e ao trabalho incansável
de monges, religiosos e pastores. Da concepção bíblica do homem, a Europa
tirou o melhor da sua cultura humanista, recebeu inspiração para as suas
criações intelectuais e artísticas, elaborou normas de direito e, não
menos importante, promoveu a dignidade da pessoa, fonte de direitos
inalienáveis.(46)
Deste modo a Igreja, enquanto depositária do Evangelho, concorreu para
difundir e consolidar aqueles valores que tornaram universal a cultura
europeia.
Consciente disso, a Igreja actual sente, com renovada responsabilidade,
a urgência de não dissipar este precioso património mas ajudar a Europa a
construir-se a si mesma revitalizando as raízes cristãs que lhe deram
origem.(47)
Para realizar um verdadeiro rosto de Igreja
26. Que a Igreja inteira da Europa sinta dirigida a si mesma este
mandamento e convite do Senhor: arrepende-te, converte-te, «
desperta e reanima o resto que está para morrer » (Ap 3, 2)!
É uma exigência que nasce também da observação do tempo actual: « A
grave situação de indiferença religiosa de tantos europeus, a presença de
muitos que, mesmo no nosso continente, ainda não conhecem Jesus Cristo e a
sua Igreja nem são baptizados, o secularismo que contagia uma ampla faixa
de cristãos que habitualmente pensam, decidem e vivem “como se Cristo não
existisse”, longe de extinguirem a nossa esperança, tornam-na mais humilde
e mais capaz de confiar só em Deus. Da sua misericórdia recebemos a
graça e o empenho da conversão ».(48)
27. Apesar de poder parecer às vezes, como sucedeu no episódio
evangélico da tempestade acalmada (cf. Mc 4, 35-41; Lc 8,
22-25), que Cristo dorme e deixa a sua barca à mercê das ondas impetuosas,
é pedido à Igreja da Europa que cultive a certeza de que o Senhor,
através do dom do seu Espírito, está sempre presente e activo nela e na
história da humanidade. Ele prolonga no tempo a sua missão, fazendo da
Igreja uma corrente de vida nova que flui dentro da vida da humanidade
como sinal de esperança para todos.
Num contexto onde é fácil sentir a tentação do activismo mesmo a nível
pastoral, é pedido aos cristãos da Europa que continuem a ser uma
transparência real do Ressuscitado, vivendo em comunhão íntima com
Ele. Há necessidade de comunidades que, contemplando e imitando a
Virgem Maria, figura e modelo da Igreja na fé e na santidade,(49) preservem
o sentido da vida litúrgica e da vida interior. Deverão antes de mais nada
e sobretudo louvar o Senhor, invocá-Lo, adorá-Lo e escutar a sua Palavra.
Só assim poderão assimilar o seu mistério, vivendo totalmente orientadas
para Ele, como membros da sua Esposa fiel.
28. Perante os repetidos incitamentos à divisão e hostilidade, as
várias Igrejas particulares da Europa, fortalecidas nomeadamente pela sua
união com o Sucessor de Pedro, devem esforçar-se por ser um verdadeiro
espaço e instrumento de comunhão de todo o povo de Deus na fé e no
amor.(50) Por
isso, cultivem um clima de caridade fraterna, vivida na sua radicalidade
evangélica em nome de Jesus e no seu amor; criem um ambiente impregnado de
relações amigas, intercomunicação, corresponsabilidade, solidariedade,
consciência missionária, atenção e serviço; sejam animadas por atitudes de
estima, acolhimento e correcção mútua (cf. Rm 12, 10; 15, 7-14), e
atitudes também de serviço e apoio recíproco (cf. Gl 5, 13; 6, 2),
de perdão (cf. Col 3, 13) e edificação mútua (cf. 1 Ts 5,
11); empenhem-se na realização duma pastoral que, valorizando todas as
legítimas diversidades, promova também uma cordial colaboração entre todos
os fiéis e as suas associações; relancem os organismos de participação
enquanto preciosos instrumentos de comunhão para uma harmónica acção
missionária, suscitando a presença de agentes pastorais adequadamente
preparados e qualificados. Deste modo as próprias Igrejas, animadas pela
comunhão que é manifestação do amor de Deus, fundamento e razão da
esperança que não desilude (cf. Rm 5, 5), serão reflexo mais
esplendoroso da Santíssima Trindade e também sinal que interpela e convida
a crer (cf. Jo 17, 21).
29. Para que a comunhão da Igreja possa ser vivida mais plenamente, é
preciso valorizar a variedade dos carismas e das vocações de modo
que convirjam cada vez mais para a unidade e possam enriquecê-la (cf. 1
Cor 12). Nesta perspectiva, é necessário por um lado que os novos
movimentos e as novas comunidades eclesiais, « pondo de parte toda a
tentação de reivindicar direitos de primogenitura e toda a incompreensão
mútua », avancem pelo caminho duma comunhão mais autêntica entre si
e com todas as outras realidades eclesiais e « vivam com amor e em
plena obediência aos Bispos »; e por outro lado que os Bispos,
« manifestando-lhes aquela paternidade e aquele amor que são
próprios dos pastores »,(51) saibam
reconhecer, valorizar e coordenar os seus carismas e a sua presença em
ordem à edificação da única Igreja.
De facto, com o crescimento da colaboração entre as diversas realidades
eclesiais sob a guia amorosa dos pastores, a Igreja inteira poderá
apresentar a todos um rosto mais belo e credível, transparência mais clara
do rosto do Senhor, e assim contribuir para dar esperança e consolação
quer àqueles que a procuram quer a quantos, mesmo não a buscando, carecem
dela.
Para poder responder ao apelo do Evangelho à conversão, « é
necessário que todos juntos façamos um humilde e corajoso exame de
consciência para reconhecer os nossos temores e os nossos erros, para
confessar com sinceridade as nossas lentidões, omissões, infidelidades e
culpas ».(52) Longe
de favorecer atitudes abdicadoras que levam ao desânimo, o reconhecimento
evangélico das próprias culpas não poderá deixar de suscitar na comunidade
a mesma experiência que sente o indivíduo baptizado: a alegria duma
profunda libertação e a graça dum recomeço, que permite prosseguir com
maior vigor no caminho da evangelização.
Para avançar rumo à unidade dos cristãos
30. O Evangelho da esperança é também estímulo e apelo à conversão
no âmbito ecuménico. Na certeza de que a unidade dos cristãos
corresponde à vontade do Senhor, tendo Ele rezado « para que todos
sejam um só » (cf. Jo 17, 11), e de que aquela aparece
actualmente como uma necessidade para haver maior credibilidade na
evangelização e um contributo para a unidade da Europa, é preciso que
todas as Igrejas e Comunidades eclesiais « sejam ajudadas e
estimuladas a considerar o caminho ecuménico como um “caminhar juntos”
para Cristo » (53) e
para a unidade visível por Ele desejada, de tal modo que a unidade na
diversidade brilhe na Igreja como dom do Espírito Santo, artífice de
comunhão.
Para que isto se torne realidade, é preciso um esforço paciente e
constante de todos, animado por uma esperança autêntica e simultaneamente
um sóbrio realismo, tendente à « valorização do que já nos une, à
sincera estima recíproca, à eliminação dos preconceitos, ao conhecimento e
amor mútuos ».(54) Nesta
linha, para que o trabalho pela unidade esteja apoiado em alicerces
sólidos, há-de incluir a busca apaixonada da verdade, através de um
diálogo e confronto que, reconhecendo os resultados alcançados até agora,
saiba valorizá-los como estímulo para prosseguir na superação das
divergências que ainda dividem os cristãos.
31. Impõe-se continuar com determinação o diálogo, sem render-se
às dificuldades e cansaços: o diálogo seja realizado « sob vários
aspectos (doutrinal, espiritual e prático) e segundo a lógica de
intercâmbio dos dons que o Espírito suscita em cada Igreja, educando as
comunidades e os fiéis, principalmente os jovens, a viverem momentos de
encontro e a fazerem do ecumenismo, rectamente entendido, uma dimensão
ordinária da vida e da acção eclesial ».(55)
Este diálogo constitui uma das principais preocupações da Igreja,
sobretudo nesta Europa que, depois de ter visto nascer demasiadas divisões
entre os cristãos no passado milénio, se encaminha hoje para uma maior
unidade. Não podemos deter-nos neste caminho, nem voltar para trás! Temos
de continuar o diálogo e vivê-lo com confiança porque a estima recíproca,
a busca da verdade, a colaboração na caridade e sobretudo o ecumenismo da
santidade não poderão deixar de dar, com a ajuda de Deus, os seus frutos.
32. Apesar das inevitáveis dificuldades, convido todos a reconhecerem e
valorizarem, com amor e fraternidade, o contributo que as Igrejas
Católicas Orientais podem oferecer para uma efectiva edificação da
unidade pelo simples facto da sua presença, a riqueza da sua tradição, o
testemunho da sua « unidade na diversidade », a inculturação
por elas realizada no anúncio do Evangelho, a diversidade dos seus
ritos.(56) Ao
mesmo tempo, desejo uma vez mais asseverar aos pastores, aos irmãos e
irmãs das Igrejas Ortodoxas que a nova evangelização não deve de modo
algum ser confundida com o proselitismo, sem com isto negar o dever do
respeito da verdade, liberdade e dignidade de cada pessoa.
II. A Igreja inteira enviada em missão
33. Servir o Evangelho da esperança com uma caridade que evangeliza
é obrigação e responsabilidade de todos. De facto, seja qual for o
carisma e o ministério de cada um, a caridade é a estrada mestra apontada
a todos e que todos podem percorrer: é a estrada que toda a comunidade
eclesial é chamada a percorrer seguindo as pegadas do seu Mestre.
O empenho dos ministros ordenados
34. Em virtude do seu ministério, os sacerdotes são chamados de um modo
especial a celebrar, ensinar e servir o Evangelho da esperança. Graças ao
sacramento da Ordem que os configura com Cristo, Cabeça e Pastor, os
Bispos e os sacerdotes devem conformar toda a sua vida e actividade com
Jesus; mediante a pregação da Palavra, a celebração dos sacramentos e a
condução da comunidade cristã, tornam presente o mistério de Cristo e,
através do próprio exercício do seu ministério, « são chamados a
prolongar a presença de Cristo, único e sumo Pastor, actualizando o seu
estilo de vida e tornando-se como que a sua transparência no meio do
rebanho a eles confiado ».(57)
Inseridos « no » mundo mas não sendo « do »
mundo (cf. Jo 17, 15-16), os sacerdotes são chamados, na actual
situação cultural e espiritual do continente europeu, a ser sinal de
contradição e de esperança para uma sociedade que sofre de horizontalismo
e necessita de abrir-se ao Transcendente.
35. Neste quadro, adquire importância também o celibato
sacerdotal, sinal de uma esperança deposta totalmente no Senhor. Não
se trata de simples disciplina eclesiástica imposta pela autoridade; pelo
contrário, aquele é primariamente uma graça, um dom inestimável de Deus à
Igreja, valor profético para o mundo actual, fonte de intensa vida
espiritual e de fecundidade pastoral, testemunho do Reino escatológico,
sinal do amor de Deus por este mundo e ainda do amor indiviso do sacerdote
para com Deus e o seu povo.(58) Vivido
como resposta ao dom de Deus e superação das tentações duma sociedade
hedonista, o celibato não só favorece a realização humana de quem é
chamado, mas revela-se um factor de crescimento também para os outros.
Considerado em toda a Igreja como conveniente ao sacerdócio,(59) exigido
como obrigação pela Igreja Latina,(60) sumamente
respeitado pelas Igrejas Orientais,(61) o
celibato revela-se, no âmbito da cultura actual, um sinal eloquente que
deve ser preservado como bem precioso para a Igreja. Uma revisão da
disciplina actual em tal matéria não permitiria resolver a crise de
vocações ao presbiterado que se verifica em muitas partes da Europa.(62) Um
empenho ao serviço do Evangelho da esperança requer também que, na Igreja,
se tenha a peito apresentar o celibato em toda a sua riqueza bíblica,
teológica e espiritual.
36. Não podemos ignorar que actualmente o exercício do ministério
sagrado encontra não poucas dificuldades, devidas quer à cultura reinante
quer à diminuição numérica dos próprios presbíteros com o aumento de
encargos pastorais e o cansaço que isso pode comportar. Consequentemente,
são ainda mais dignos de estima, gratidão e
solidariedade os sacerdotes que vivem, com dedicação e fidelidade
admirável, o ministério que lhes foi confiado.(63)
Retomando as palavras escritas pelos padres sinodais, desejo fazer-lhes
chegar, com confiança e gratidão, o meu encorajamento: « Não
desanimeis, nem vos deixeis dominar pelo cansaço; em plena comunhão
connosco, os Bispos, em jubilosa fraternidade com os outros presbíteros,
em cordial corresponsabilidade com os consagrados e todos os fiéis-leigos,
continuai a vossa obra preciosa e insubstituível ».(64)
Com os presbíteros, desejo recordar também os diáconos, que,
embora em grau diverso, participam do mesmo sacramento da Ordem. Colocados
ao serviço da comunhão eclesial, exercem, sob a guia do Bispo e com o seu
presbitério, a « diaconia » da liturgia, da palavra e da
caridade.(65) E
desta forma que lhes é própria, também eles estão ao serviço do
Evangelho da esperança.
O testemunho dos consagrados
37. Particularmente eloquente é o testemunho das pessoas
consagradas. A este respeito, há que reconhecer antes de mais nada o
papel fundamental que teve o monaquismo e a vida consagrada na
evangelização da Europa e na construção da sua identidade cristã.(66) O
seu contributo não deve faltar hoje, num tempo em que é urgente uma
« nova evangelização » do continente e em que a edificação de
estruturas e laços mais complexos o obriga a uma viragem delicada. A
Europa tem sempre necessidade da santidade, da profecia, da actividade de
evangelização e serviço das pessoas consagradas. É de assinalar também o
contributo específico que os Institutos Seculares e as Sociedades de Vida
Apostólica podem oferecer na sua aspiração de transformar o mundo a partir
de dentro através da força das bem-aventuranças.
38. O contributo específico que as pessoas consagradas podem
oferecer ao Evangelho da esperança tem como ponto de partida alguns
aspectos que caracterizam a actual fisionomia cultural e social da
Europa.(67) Assim,
a busca de novas formas de espiritualidade, que hoje surge na sociedade,
deve encontrar uma resposta no reconhecimento do primado absoluto de
Deus, vivido pelos consagrados através da sua doação total e da
conversão permanente duma existência oferecida como verdadeiro culto
espiritual. Num meio contaminado pelo secularismo e dominado pelo
consumismo, a vida consagrada, dom do Espírito Santo à Igreja e pela
Igreja, torna-se sinal de esperança na medida em que testemunha a dimensão
transcendente da existência. Por outro lado, na situação pluricultural e
plurirreligiosa de hoje, urge o testemunho da fraternidade evangélica
que caracteriza a vida consagrada, fazendo dela um estímulo para a
purificação e a integração de valores diversos através da superação dos
contrastes. A presença de novas formas de pobreza e marginalização deve
suscitar a criatividade no cuidado pelos mais necessitados, que
caracterizou muitos fundadores de institutos religiosos. Por último, uma
certa tendência a fechar-se sobre si mesmo precisa de encontrar um
antídoto na disponibilidade das pessoas consagradas a continuarem a
obra de evangelização noutros continentes, apesar da diminuição
numérica que se verifica em vários Institutos.
O cuidado das vocações
39. Uma vez que é determinante o serviço dos ministros ordenados e dos
consagrados, não se pode ignorar a carência inquietante de seminaristas e
de aspirantes à vida religiosa, sobretudo na Europa ocidental. Esta
situação requer o esforço de todos para uma adequada pastoral das
vocações. Sabemos que, « quando é apresentada aos jovens a
pessoa de Jesus Cristo em toda a sua plenitude, acende-se neles uma
esperança que os impele a deixarem tudo para O seguir, respondendo à sua
chamada, e dar testemunho d'Ele aos seus coetâneos » .(68) Por
isso, o cuidado das vocações é um problema vital para o futuro da fé
cristã na Europa e, consequentemente, para o progresso espiritual dos
próprios povos que nela habitam; é passagem obrigatória numa Igreja que
deseje anunciar, celebrar e servir o Evangelho da esperança.(69)
40. Para desenvolver uma pastoral vocacional como é necessário, ocorre
explicar aos fiéis a fé da Igreja sobre a natureza e a dignidade do
sacerdócio ministerial; encorajar as famílias a viverem como verdadeiras
« igrejas domésticas », para que nelas seja possível ouvir,
acolher e seguir as diferentes vocações; realizar uma acção pastoral que
ajude, sobretudo os jovens, a fazer opções por uma vida radicada em Cristo
e totalmente dedicada à Igreja.(70)
Na certeza de que o Espírito Santo continua ainda hoje operante, não
faltando os sinais da sua presença, trata-se antes de mais nada de
introduzir o anúncio vocacional nos sulcos da pastoral ordinária.
Por isso, é necessário « reavivar, sobretudo nos jovens, uma
profunda nostalgia de Deus, criando assim o contexto adequado para o
desabrochar de generosas respostas vocacionais »; é urgente que um
grande movimento de oração atravesse as Comunidades eclesiais do
continente europeu, porque « as novas condições históricas e
culturais exigem que a pastoral das vocações seja vista como um dos
objectivos primários de toda a comunidade cristã ».(71)
E é indispensável que os próprios sacerdotes vivam e actuem de forma
coerente com a sua verdadeira identidade sacramental. De facto, se a
imagem que dão de si mesmos for opaca ou esvaída, como poderão atrair os
jovens ao mesmo estilo de vida?
A missão dos leigos
41. É imprescindível o contributo dos fiéis-leigos para a vida
eclesial; têm na verdade um lugar insubstituível no anúncio e serviço do
Evangelho da esperança, porque, « por meio deles, a Igreja de Cristo
torna-se presente nos mais diversos sectores do mundo, como sinal e fonte
de esperança e de amor ».(72) Participantes
de pleno direito na missão da Igreja no mundo, os fiéis-leigos são
chamados a mostrar como a fé cristã constitui a única resposta cabal às
questões que a vida põe a todo o homem e a cada sociedade, e a introduzir
no mundo os valores do Reino de Deus, promessa e garantia duma esperança
que não desilude.
A Europa de ontem e de hoje conhece presenças significativas e
exemplos luminosos de tais figuras laicais. Como sublinharam os padres
sinodais, hão-de ser recordados com gratidão, entre outros, os homens e
mulheres que testemunharam e testemunham Cristo e o seu Evangelho através
do serviço à vida pública e às responsabilidades que esta comporta. É de
importância capital « suscitar e apoiar vocações específicas para o
serviço do bem comum: pessoas que, a exemplo e com o estilo de quantos são
chamados “pais da Europa”, saibam ser artífices da sociedade europeia de
amanhã, fundamentando-a sobre as bases sólidas do espírito ».(73)
Apreço igual é devido à obra prestada por leigas e leigos cristãos,
passando frequentemente despercebida na vida ordinária, em serviços
humildes mas capazes de anunciar a misericórdia de Deus àqueles que sofrem
a pobreza; devemos ser-lhes gratos pelo corajoso testemunho de caridade e
perdão, valores estes que evangelizam os amplos horizontes da política, da
realidade social, da economia, da cultura, da ecologia, da vida
internacional, da família, da educação, das profissões liberais, do
emprego e do sofrimento.(74) Para
isso, são precisos itinerários pedagógicos que tornem os
fiéis-leigos idóneos a aplicarem a fé nas realidades temporais. Tais
percursos baseados sobre tirocínios sérios de vida eclesial e de modo
especial sobre o estudo da doutrina social, devem poder fornecer-lhes não
apenas doutrina e motivações, mas também adequadas linhas de
espiritualidade que animem o compromisso vital como autêntico caminho de
santidade.
O papel da mulher
42. A Igreja está ciente do contributo específico da mulher para
o serviço do Evangelho da esperança. A história da comunidade cristã
atesta que as mulheres sempre tiveram um lugar de relevo no testemunho do
Evangelho. Recorde-se tudo o que elas fizeram, muitas vezes em silêncio e
sem dar nas vistas, para acolher e transmitir o dom de Deus, seja mediante
a maternidade física e espiritual, a acção educativa, a catequese, a
realização de grandes obras de caridade, seja através da vida de oração e
contemplação, das experiências místicas e da redacção de escritos ricos de
sabedoria evangélica.(75)
À luz dos valiosos testemunhos do passado, a Igreja exprime a sua
confiança naquilo que as mulheres podem fazer hoje pelo crescimento da
esperança a todos os níveis. Há aspectos da sociedade europeia
contemporânea que constituem um desafio para a capacidade tenaz e
desinteressada que as mulheres têm de acolher, partilhar e gerar no amor.
Basta pensar, por exemplo, na generalizada mentalidade técnico
científica que deixa na sombra a dimensão afectiva e a função dos
sentimentos, na carência de generosidade, no frequente receio de dar a
vida a novas criaturas, na dificuldade de viver uma relação de
reciprocidade com o outro e de acolher quem é diverso. É neste contexto
que a Igreja espera das mulheres o contributo vivificante duma nova onda
de esperança.
43. Mas para que isto se verifique, é necessário, a começar pela
Igreja, que seja promovida a dignidade da mulher, porque são idênticas
a dignidade da mulher e a do homem, criados ambos à imagem e semelhança de
Deus (cf. Gn 1, 27) e enriquecidos cada um de dons próprios e
particulares.
Para favorecer a plena participação da mulher na vida e missão da
Igreja, como foi sublinhado no Sínodo, é desejável que os seus dotes sejam
mais intensamente valorizados nomeadamente pela assunção das funções
eclesiais reservadas por direito aos leigos. Há-de ser valorizada
adequadamente também a missão da mulher como esposa e mãe e a sua
dedicação à vida familiar.(76)
A Igreja não deixa de levantar a sua voz para denunciar as injustiças e
violências perpetradas contra as mulheres, sejam quais forem o lugar e as
circunstâncias em que aconteçam. Pede que sejam realmente aplicadas as
leis que protegem a mulher e sejam adoptadas medidas eficazes contra o uso
humilhante de imagens femininas na publicidade e contra o flagelo da
prostituição; espera que o serviço prestado pela mãe – e de igual forma o
que presta o pai – na vida doméstica seja considerado como contributo para
o bem comum, através mesmo de formas de retribuição económica.
CAPÍTULO III
ANUNCIAR O EVANGELHO DA ESPERANÇA
« Toma o livro aberto (...) e come-o »
(Ap 10, 8. 9)
I. Proclamar o mistério de Cristo
A Revelação dá sentido à história
44. A visão do Apocalipse fala-nos de « um livro em forma de
rolo, escrito por dentro e por fora, selado com sete selos », que
estava « na mão direita d'Aquele que estava sentado sobre o
trono » (Ap 5, 1). Este texto contém o plano criador e
salvador de Deus, o seu projecto detalhado sobre a realidade inteira,
sobre as pessoas, as coisas, os acontecimentos. Nenhum ser criado,
terrestre ou celeste, é capaz de « abrir o livro e lê-lo »
(Ap 5, 3), ou seja, de compreender o seu conteúdo. No meio da
confusão dos acontecimentos humanos, ninguém sabe indicar a direcção e
o sentido último das coisas.
Só Jesus Cristo entra na posse do livro selado (cf. Ap 5, 6-7);
apenas Ele é « digno de tomar o livro e de abrir os seus selos
» (Ap 5, 9). De facto, Jesus é o único capaz de revelar e actuar
o projecto de Deus, lá encerrado. Abandonado a si mesmo, o esforço do
homem não consegue dar um sentido à história e às suas vicissitudes: a
vida fica sem esperança. Só o Filho de Deus é capaz de dissipar as
trevas e indicar a estrada.
O livro aberto é entregue a João e, através dele, à Igreja
inteira. João é convidado a tomar o livro e comê-lo: « Vai e
toma o livro aberto da mão do anjo que está de pé sobre o mar e sobre a
terra. (...) Toma, come-o » (Ap 10, 8-9). Só depois de o ter
assimilado em profundidade, é que poderá comunicá-lo adequadamente aos
outros, aos quais é enviado com a ordem de « profetizar outra vez a
muitos povos, nações, línguas e reis » (Ap 10, 11).
Necessidade e urgência do anúncio
45. O Evangelho da esperança, entregue à Igreja e por ela assimilado,
precisa de ser diariamente anunciado e testemunhado. Esta é a vocação
própria da Igreja em todos os tempos e lugares. Esta é também a missão da
Igreja hoje na Europa. « Evangelizar constitui, de facto, a graça e
a vocação própria da Igreja, a sua mais profunda identidade. Ela existe
para evangelizar, ou seja, para pregar e ensinar, ser o canal do dom da
graça, reconciliar os pecadores com Deus e perpetuar o sacrifício de
Cristo na Santa Missa, que é o memorial da sua Morte e gloriosa
Ressurreição ».(77)
Igreja na Europa, a « nova evangelização » é a
tarefa que te espera! Possas tu reaver o entusiasmo do anúncio! Sente
dirigida a ti hoje, ao início do terceiro milénio, a súplica ouvida já nos
alvores do primeiro milénio quando em visão apareceu a Paulo um macedónio
que lhe pedia: « Passa à Macedónia e vem ajudar-nos! » (Act
16, 9). Mesmo não formulada ou até reprimida, esta é a súplica mais
profunda e verdadeira que brota do coração dos europeus do nosso tempo,
sedentos duma esperança que não desiluda. A ti, foi dado o dom desta
esperança para que, por tua vez, a comuniques alegremente em todo o tempo
e latitude. O anúncio de Jesus, que é o Evangelho da esperança,
seja por conseguinte o teu título de glória e a tua razão de
ser. Persevera, com renovado ardor, no mesmo espírito missionário que,
a partir da pregação dos apóstolos Pedro e Paulo e ao longo destes vinte
séculos, animou tantos santos e santas, autênticos evangelizadores do
continente europeu.
Primeiro anúncio e anúncio renovado
46. Em várias partes da Europa, há necessidade do primeiro anúncio
do Evangelho: aumenta o número das pessoas não baptizadas, seja pela
consistente presença de imigrantes que pertencem a outras religiões, seja
também porque famílias de tradição cristã não baptizaram os filhos devido
ao jugo comunista ou a uma generalizada indiferença religiosa.(78) Com
efeito, a Europa faz parte já daqueles espaços tradicionalmente cristãos,
onde, para além duma nova evangelização, se requer em determinados casos a
primeira evangelização.
A Igreja não pode subtrair-se ao dever dum corajoso diagnóstico, que
lhe permita predispor as terapias mais oportunas. Mesmo no «
velho » continente existem extensas áreas sociais e culturais, onde
se torna necessária uma verdadeira e própria missio ad gentes.(79)
47. Depois, por toda a parte há necessidade de um renovado anúncio,
mesmo para quem já está baptizado. Muitos europeus contemporâneos
pensam que sabem o que é o cristianismo, mas realmente não o conhecem.
Frequentemente ignoram os próprios rudimentos da fé. Muitos baptizados
vivem como se Cristo não existisse: repetem-se gestos e sinais da fé
sobretudo por ocasião das práticas de culto, mas sem a correlativa e
efectiva aceitação do conteúdo da fé e adesão à pessoa de Jesus. Em muita
gente, as grandes certezas da fé foram substituídas por um sentimento
religioso vago e pouco empenhativo; difundem-se várias formas de
agnosticismo e de ateísmo prático que concorrem para agravar a divergência
entre a fé e a vida; muitos há que se deixaram contagiar pelo espírito de
um humanismo imanentista que enfraqueceu a sua fé, levando-os com
frequência, infelizmente, a abandoná-la completamente; assiste-se a uma
espécie de interpretação secularista da fé cristã, que a corrói,
suscitando uma profunda crise da consciência e da prática moral cristã.(80) Os
grandes valores, que inspiraram amplamente a cultura europeia, foram
separados do Evangelho, perdendo assim a sua alma mais profunda e dando
lugar a vários desvios.
« Quando o Filho do Homem voltar, encontrará fé sobre a
terra? » (Lc 18, 8). Encontrá-la-á sobre estas terras da
nossa Europa de antiga tradição cristã? É uma questão em aberto que indica
claramente a profunda dramaticidade de um dos mais sérios desafios que as
nossas Igrejas são chamadas a enfrentar. Pode-se dizer, como foi
sublinhado no Sínodo, que frequentemente este desafio não consiste tanto
em baptizar os novos convertidos, mas em levar os baptizados a
converterem-se a Cristo e ao seu Evangelho: (81) nas
nossas comunidades, é preciso preocupar-se seriamente em levar o Evangelho
da esperança àqueles que estão longe da fé ou se afastaram da prática
cristã.
Fidelidade à única mensagem
48. Para se poder anunciar o Evangelho da esperança, é necessária uma
sólida fidelidade ao próprio Evangelho. Por isso, a pregação
da Igreja, em todas as suas formas, deve ser cada vez mais centrada
sobre a pessoa de Jesus e orientar sempre mais para Ele. É preciso
vigiar para que seja apresentado na sua integridade: não só como
modelo ético, mas primariamente como o Filho de Deus, o Salvador único e
necessário de todos, que vive e actua na sua Igreja. Para que a esperança
seja autêntica e inabalável, a « pregação íntegra, clara e renovada
de Jesus Cristo ressuscitado, da ressurreição e da vida eterna »(82) deverá
constituir uma prioridade na acção pastoral dos próximos anos.
Se o Evangelho a anunciar é idêntico em todos os tempos, são
diversos os modos como tal anúncio pode ser realizado. Por
conseguinte, cada um é convidado a « proclamar » Jesus e a fé
n'Ele, em todas as circunstâncias; « atrair » os outros à fé,
adoptando modos de vida pessoal, familiar, profissional e comunitária
conformes ao Evangelho; « irradiar » alegria, amor e esperança
ao seu redor, para que muitos, vendo as suas boas obras, glorifiquem o Pai
que está nos Céus (cf. Mt 5, 16) e acabem « contagiados
» e conquistados; tornar-se « fermento » que transforma e
anima a partir de dentro toda a expressão cultural.(83)
Com o testemunho da vida
49. A Europa exige evangelizadores credíveis, cuja vida, em
sintonia com a cruz e a ressurreição de Cristo, irradie a beleza do
Evangelho.(84) Tais
evangelizadores hão-de ser adequadamente formados.(85) Hoje
torna-se ainda mais necessária a consciência missionária em todos
os cristãos, a começar pelos Bispos, presbíteros, diáconos, consagrados,
catequistas e professores de religião: « Cada baptizado, enquanto
testemunha de Cristo, deve obter a formação adequada à sua condição, não
só para evitar que a fé definhe por falta de cuidado num ambiente hostil
como é o do mundo, mas também para dar apoio e impulso ao testemunho
evangelizador ».(86)
O homem contemporâneo « escuta com maior benevolência as
testemunhas do que os mestres, ou então, se escuta os mestres, é porque
eles são testemunhas ».(87) Por
isso, são decisivas a presença e os sinais da santidade: esta é
pressuposto essencial para uma autêntica evangelização, capaz de
devolver a esperança. Precisa-se de testemunhos fortes, pessoais e
comunitários, de vida nova em Cristo. É que não basta oferecer a verdade e
a graça através da proclamação da Palavra e da celebração dos Sacramentos;
é necessário acolhê-las e vivê-las em cada circunstância concreta, no modo
de ser dos cristãos e das comunidades eclesiais. Esta é uma das maiores
apostas que esperam a Igreja que está na Europa, neste início do novo
milénio.
Formar para uma fé adulta
50. « A situação cultural e religiosa actual da Europa exige a
presença de católicos adultos na fé e de comunidades cristãs missionárias
que testemunhem a caridade de Deus a todos os homens ».(88) Por
conseguinte, o anúncio do Evangelho da esperança supõe que haja o cuidado
de promover a passagem de uma fé apoiada na tradição social, e que
tem o seu valor, a uma fé mais pessoal e adulta, esclarecida e
convicta.
Por isso, os cristãos são chamados a possuir uma fé que lhes permita
confrontar-se criticamente com a cultura actual resistindo às suas
seduções; influir eficazmente nos sectores culturais, económicos, sociais
e políticos; mostrar que a comunhão entre os membros da Igreja Católica e
com os outros cristãos é mais forte do que qualquer vínculo étnico;
transmitir com alegria a fé às novas gerações; construir uma cultura
cristã que possa evangelizar a cultura mais ampla em que vivemos.(89)
51. Além de cuidarem de que o ministério da Palavra, a celebração da
liturgia e o exercício da caridade tenham em vista a edificação e
fortalecimento duma fé matura e pessoal, é preciso que as comunidades
cristãs procurem propor uma catequese adaptada aos diferentes
itinerários espirituais dos fiéis segundo as respectivas idades e estados
de vida, prevendo-se ainda adequadas formas de acompanhamento espiritual e
de redescoberta do próprio baptismo.(90) Obviamente
um ponto fundamental de referência neste trabalho há-de ser o Catecismo
da Igreja Católica.
De modo particular, dada a sua inegável prioridade na acção pastoral, é
preciso cultivar, e eventualmente reintroduzir, o ministério da
catequese enquanto educação e desenvolvimento da fé de cada pessoa,
para que a semente, lançada pelo Espírito Santo e transmitida no Baptismo,
cresça e chegue à maturação. Referida constantemente à Palavra de Deus,
conservada na Sagrada Escritura, proclamada na Liturgia e interpretada
pela Tradição da Igreja, uma catequese orgânica e sistemática constitui,
sem sombra de dúvida, um instrumento essencial e primário de formação dos
cristãos para uma fé adulta.(91)
52. Nesta mesma linha, há que assinalar também a função importante
da teologia. De facto, existe um nexo intrínseco e indivisível entre a
evangelização e a reflexão teológica, porque esta, apesar de ciência com
um estatuto e metodologia próprios, vive da fé da Igreja e está ao serviço
da sua missão.(92) Nasce
da fé e é chamada a interpretá-la, mantendo a sua ligação imprescindível
com a comunidade cristã em todas as suas articulações; posta ao serviço do
crescimento espiritual de todos os fiéis,(93) a
teologia introdu-los na compreensão profunda da mensagem de Cristo.
No cumprimento da sua missão de anunciar o Evangelho da esperança, a
Igreja na Europa vê com apreço e gratidão a vocação dos teólogos,
valoriza e promove o seu trabalho.(94) Com
estima e afecto, convido-os a perseverarem no serviço que realizam, unindo
sempre pesquisa científica e oração, mantendo um diálogo atencioso com a
cultura contemporânea, aderindo fielmente ao Magistério e colaborando com
ele em espírito de comunhão na verdade e na caridade, respirando o
sensus fidei do povo de Deus e ajudando a alimentá-lo.
II. Dar testemunho na unidade e no diálogo
A comunhão entre as Igrejas particulares
53. O anúncio do Evangelho da esperança será mais forte e eficaz, se
puder contar com o testemunho duma profunda unidade e comunhão na Igreja.
Cada uma das Igrejas particulares não pode enfrentar sozinha o desafio que
a espera. Há necessidade duma autêntica colaboração entre todas as
Igrejas particulares do continente, que seja expressão da sua comunhão
essencial; colaboração essa requerida também pela nova realidade
europeia.(95) Coloca-se
neste âmbito o contributo dos organismos eclesiais do continente, a
começar pelo Conselho das Conferências Episcopais Europeias.
Trata-se dum instrumento eficaz para uma busca conjunta do caminhos mais
idóneos para evangelizar a Europa.(96) Com
o « intercâmbio dos dons » entre as diversas Igrejas
particulares, põem-se em comum as experiências e reflexões da Europa do
Ocidente e do Oriente, do Norte e do Sul, assumindo orientações pastorais
comuns; por isso, o referido Conselho tem-se revelado uma expressão sempre
mais significativa do sentimento colegial entre os Bispos do continente,
para juntos anunciarem, com ousadia e fidelidade, o nome de Jesus Cristo,
única fonte de esperança para todos na Europa.
Unidos com todos os cristãos
54. Ao mesmo tempo, apresenta-se como um imperativo irrenunciável o
dever duma fraterna e convicta colaboração ecuménica.
O êxito da evangelização está estreitamente relacionado com o
testemunho de unidade que todos os discípulos de Cristo conseguirem dar:
« Todos os cristãos são chamados a desempenhar esta missão de acordo
com a própria vocação. A tarefa da evangelização compreende o
comportamento de um com o outro e o comportamento conjunto dos cristãos,
que deve partir do interior; evangelização e unidade, evangelização e
ecumenismo estão indissoluvelmente ligados entre si ».(97) Lembro
aqui as palavras escritas por Paulo VI ao Patriarca ecuménico Atenágoras
I: « Possa o Espírito Santo guiar-nos no caminho da reconciliação,
para que a unidade das nossas Igrejas se torne um sinal cada vez mais
luminoso de esperança e de conforto para toda a humanidade ».(98)
Em diálogo com as outras religiões
55. Como sucede em todo o serviço da « nova evangelização
», também é necessário, no anúncio do Evangelho da esperança, que se
procure instaurar um profundo e lúcido diálogo inter-religioso, de
modo particular com o hebraísmo e o islamismo. Este diálogo, «
entendido como método e meio para um conhecimento e enriquecimento
recíproco, não está em contraposição com a missão ad gentes; pelo
contrário, tem laços especiais com ela e constitui uma sua expressão
».(99) Praticar
o referido diálogo não significa deixar-se conquistar por uma «
mentalidade de indiferentismo, muito difundida infelizmente também entre
os cristãos, frequentemente radicada em concepções teológicas incorrectas
e geradora de um relativismo religioso que leva a pensar que “tanto vale
uma religião como outra” ».(100)
56. Trata-se, antes, de tomar uma consciência mais viva dos laços
que unem a Igreja ao povo hebreu e do papel singular de Israel na
história da salvação. Como se dissera já na I Assembleia Especial do
Sínodo dos Bispos para a Europa e foi reiterado no último Sínodo, é
preciso reconhecer as raízes comuns que existem entre o cristianismo e o
povo hebreu, chamado por Deus a uma aliança que permanece irrevogável
(cf. Rm 11, 29),(101)
tendo alcançado a sua plenitude definitiva em Cristo.
Por isso, é necessário promover o diálogo com o hebraísmo, sabendo que
isso tem uma importância fundamental tanto para a autoconsciência cristã
como para a superação das divisões entre as Igrejas, e trabalhar para que
floresça uma nova primavera no relacionamento recíproco. Isto exige que
cada comunidade eclesial procure, na medida em que as circunstâncias lho
permitirem, praticar o diálogo e a colaboração com os crentes da religião
hebraica. Uma tal prática requer, para além do mais, que « se
recorde a parte de responsabilidade que os filhos da Igreja possam ter
tido na origem e difusão duma atitude antisemita na história e que se peça
perdão a Deus disso mesmo, promovendo na medida do possível encontros de
reconciliação e de amizade com os filhos de Israel ».(102) Mas,
neste contexto, é forçoso lembrar também os numerosos cristãos que,
sobretudo em períodos de perseguição e por vezes à custa da própria vida,
ajudaram e salvaram estes seus « irmãos mais velhos ».
57. Trata-se ainda de deixar-se estimular a um melhor conhecimento das
outras religiões, para se poder instaurar um colóquio fraterno com as
pessoas que aderem a elas e vivem actualmente na Europa. De modo
particular, é importante um correcto relacionamento com o
islamismo. Tal relacionamento, como várias vezes ao longo destes anos
se deram conta os Bispos europeus, « deve ser conduzido com
prudência, com clareza de ideias acerca das suas possibilidades e dos seus
limites, e com confiança no plano salvífico de Deus em relação a todos os
seus filhos ».(103) Para
além do mais, é preciso ter consciência da notável diferença existente
entre a cultura europeia, que tem profundas raízes cristãs, e o pensamento
muçulmano.(104)
A tal propósito, é necessário preparar adequadamente os cristãos, que
vivem diariamente em contacto com os muçulmanos, para conhecerem de modo
objectivo o islamismo e saberem relacionar-se com ele; essa preparação
deve ser dada particularmente aos seminaristas, aos presbíteros e a todos
os agentes pastorais. Além disso é compreensível que a Igreja, quando pede
às instituições europeias que tenham a peito promover a liberdade
religiosa na Europa, insista ao mesmo tempo com países de diversa tradição
religiosa, onde os cristãos são minoria, para uma reciprocidade de
tratamento, isto é, ver lá garantida e observada a liberdade religiosa.(105)
Neste âmbito, « compreende-se a desilusão e o sentimento de
frustração dos cristãos que acolhem, por exemplo na Europa, crentes de
outras religiões dando-lhes a possibilidade de exercerem o seu culto, e
que se vêem proibidos de exercer o culto cristão » (106)
nos países onde tais crentes são a maioria tendo feito da sua religião a
única autorizada e promovida. A pessoa humana tem direito à liberdade
religiosa e, em qualquer parte do mundo, todos « devem estar livres
de coacção, quer por parte dos indivíduos, quer dos grupos sociais ou
qualquer autoridade humana ».(107)
III. Evangelizar a vida social
Evangelização da cultura e inculturação do
Evangelho
58. O anúncio de Jesus Cristo deve alcançar também a cultura europeia
contemporânea. A evangelização da cultura deve mostrar que hoje,
nesta Europa, também é possível viver em plenitude o Evangelho enquanto
itinerário que dá sentido à existência. Para isso, a pastoral deve assumir
a tarefa de plasmar uma mentalidade cristã na vida ordinária: na família,
na escola, na comunicação social, no mundo da cultura, do trabalho e da
economia, na política, nos tempos livres, na saúde e na doença. É preciso
fazer uma serena análise crítica da situação cultural actual da Europa,
avaliando as tendências salientes, os factos e as situações de maior
relevância do nosso tempo à luz da centralidade de Cristo e da
antropologia cristã.
Recordando a fecundidade cultural do cristianismo ao longo da história
da Europa, também hoje é preciso mostrar a perspectiva evangélica, teórica
e prática, da realidade e do homem. Além disso, considerando a grande
relevância que têm as ciências e as realizações técnicas na cultura e na
sociedade da Europa, a Igreja, através dos seus instrumentos de
aprofundamento teórico e de iniciativa prática, é chamada a apresentar as
suas sugestões acerca dos conhecimentos científicos e das suas aplicações,
indicando o carácter insuficiente e inadequado duma concepção inspirada
pelo cientismo, que pretende reconhecer como objectivamente válido apenas
o saber experimental, e oferecendo os critérios éticos que o homem possui
inscritos na sua natureza.(108)
59. No caminho da evangelização da cultura, coloca-se o importante
serviço que realizam as escolas católicas. Há que trabalhar para
que seja reconhecida uma efectiva liberdade de educação e a igualdade
jurídica entre escolas estatais e não estatais. Estas são às vezes o único
meio para apresentar a tradição cristã àqueles que andam longe da Igreja.
Aos fiéis empenhados no mundo da escola, exorto-os a perseverarem
na sua missão, irradiando a luz de Cristo Salvador nas suas específicas
actividades educativas, científicas e académicas.(109) De
modo particular, há que valorizar o contributo dos cristãos que se
consagram à pesquisa e à docência nas Universidades: com o «
serviço do pensamento », eles transmitem às jovens gerações os
valores dum património cultural enriquecido por dois milénios de
experiência humanista e cristã. Convicto da importância das instituições
académicas, peço ainda que, nas diversas Igrejas particulares, seja
promovida uma adequada pastoral universitária, favorecendo deste
modo a resposta às necessidades culturais actuais.(110)
60. Não se pode esquecer também o contributo positivo da valorização
dos bens culturais da Igreja. De facto, podem constituir um factor
peculiar para suscitar de novo um humanismo de inspiração cristã. Com a
sua adequada conservação e lúcido aproveitamento, tais bens, enquanto
testemunho vivo da fé professada ao longo dos séculos, podem tornar-se um
válido instrumento para a nova evangelização e a catequese, convidando a
redescobrir o sentido do mistério.
Ao mesmo tempo, sejam promovidas novas expressões artísticas da
fé, através de um diálogo assíduo com os cultores da arte.(111)
Com efeito, a Igreja tem necessidade da arte, literatura, música, pintura,
escultura e arquitectura, porque « deve tornar perceptível e até o
mais fascinante possível o mundo do espírito, do invisível, de Deus
» (112) e
porque a beleza artística, como reflexo do Espírito de Deus, é um cifrado
do mistério, um convite a buscar o rosto de Deus que se tornou visível em
Jesus de Nazaré.
A educação dos jovens para a fé
61. Encorajo, depois, a Igreja na Europa a prestar crescente atenção
à educação dos jovens para a fé. Quando se perscruta o futuro, o
nosso pensamento não pode deixar de fixar-se neles: devemos encontrar-nos
com a inteligência, o coração, o carácter dos jovens, para lhes oferecer
uma sólida formação humana e cristã.
Em qualquer ocasião que registe a participação de muitos jovens, não é
difícil descobrir a presença de diversas atitudes neles. Constata-se o
desejo de estarem juntos para saírem do isolamento, uma sede mais ou menos
consciente de absoluto; encontra-se neles uma fé secreta que pede para ser
purificada pois deseja seguir o Senhor; intui-se a decisão de continuarem
o caminho já abraçado e a exigência de partilharem a fé.
62. Para tal, é preciso renovar a pastoral juvenil,
estruturando-a segundo as faixas etárias, adaptando-a às exigências
próprias de crianças, adolescentes e jovens. Além disso, é necessário
torná-la mais orgânica e coerente com as questões dos jovens ouvidos
pacientemente para serem protagonistas da evangelização e da edificação da
sociedade.
Neste caminho, devem-se promover ocasiões de encontro entre os jovens,
nos quais se favoreça um clima de escuta mútua e de oração. Não é preciso
ter medo de ser exigentes com eles no que se refere ao seu crescimento
espiritual. Seja-lhes indicado o caminho da santidade, animando-os a
tomarem decisões empenhativas no seguimento de Jesus, sustentados por uma
intensa vida sacramental. Assim, poderão resistir às seduções duma
cultura, que muitas vezes lhes propõe apenas valores efémeros ou mesmo
contrários ao Evangelho, e tornarem-se eles próprios capazes de mostrar
uma mentalidade cristã em todos os âmbitos da existência, incluindo os de
divertimento e passatempo.(113)
Tenho ainda vivos nos olhos os rostos felizes de tantos jovens,
verdadeira esperança da Igreja e do mundo, sinal eloquente do Espírito que
não Se cansa de suscitar novas energias. Encontrei-os quer no meu
peregrinar pelos vários países quer nas inesquecíveis
Jornadas Mundiais da Juventude.(114)
A solicitude pelos mass-media
63. Vista a importância dos meios de comunicação social, a Igreja na
Europa não pode deixar de reservar uma particular atenção ao variegado
mundo dos mass-media. Isso comporta, para além do mais, a adequada
formação dos cristãos que trabalham nos mass-media e dos seus utentes
tendo por objectivo um bom domínio das novas linguagens. Há-de pôr-se um
cuidado especial na escolha de pessoas preparadas para a comunicação da
mensagem através dos mass-media. Será muito útil também um intercâmbio
entre as Igrejas de informações e estratégias sobre os diversos aspectos e
iniciativas relativos a tal comunicação. E não se deve transcurar a
criação de meios locais, mesmo a nível paroquial, de comunicação social.
Ao mesmo tempo, é preciso entrar dentro dos processos da comunicação
social, para torná-la mais respeitadora da verdade da informação e da
dignidade da pessoa humana. A este propósito, convido os católicos a
tomarem parte na elaboração de um código deontológico para todos os que
trabalham no sector da comunicação social, deixando-se guiar pelos
critérios recentemente indicados pelos organismos competentes da Santa Sé
(115) e
que os Bispos assim tinham elencado no Sínodo: « Respeito pela
dignidade da pessoa humana, pelos seus direitos, incluindo o direito à
própria privacidade; serviço à verdade, à justiça e aos valores humanos,
culturais e espirituais; estima pelas diversas culturas, evitando que se
dissolvam na massa, tutela dos grupos minoritários e dos mais débeis;
busca do bem comum, acima dos interesses particulares ou do predomínio de
critérios meramente económicos ».(116)
A missão « ad gentes »
64. Um anúncio de Jesus Cristo e do seu Evangelho, que se limitasse
unicamente ao âmbito europeu, acusaria sintomas de uma inquietante
carência de esperança. A obra de evangelização é animada por verdadeira
esperança cristã, quando se abre para os horizontes universais, levando a
oferecer gratuitamente a todos aquilo que, por nossa vez, tínhamos
recebido em dom. A missão « ad gentes » torna-se assim
expressão duma Igreja plasmada pelo Evangelho da esperança, que se
renova e rejuvenesce sem cessar. Ao longo dos séculos, foi esta a
consciência da Igreja na Europa: multidões sem conta de missionários e
missionárias, saindo ao encontro de outros povos e civilizações,
anunciaram o Evangelho de Jesus Cristo às nações do mundo inteiro.
Igual ardor missionário deve animar a Igreja na Europa actual. A
diminuição do número de presbíteros e consagrados, em certos países, não
deve impedir qualquer Igreja particular de assumir as exigências da Igreja
universal. Cada uma procurará favorecer a preparação para a missão ad
gentes, a fim de poder responder generosamente à solicitação que ainda
se levanta de muitos povos e nações, desejosos de conhecer o Evangelho. As
Igrejas doutros continentes, sobretudo da Ásia e da África, têm os olhos
postos ainda nas Igrejas da Europa, esperando que elas continuem a cumprir
a sua vocação missionária. Os cristãos na Europa não podem falhar à sua
história.(117)
O Evangelho: livro para a Europa de hoje e de sempre
65. Ao cruzar a Porta Santa na abertura do Grande Jubileu do ano 2000,
tinha bem erguido à vista da Igreja e do mundo o livro do Evangelho. Possa
este gesto, realizado também por cada Bispo nas respectivas catedrais do
mundo, indicar o compromisso que espera hoje e sempre a Igreja no nosso
continente.
Igreja na Europa, entra no novo milénio com o Livro do
Evangelho! Todos os fiéis acolham esta exortação conciliar: «
Aprendam “a sublime ciência de Jesus Cristo” (Fil 3, 8) com a
leitura frequente das divinas Escrituras, porque “a ignorância das
Escrituras é ignorância de Cristo” ».(118) Que
a Bíblia Sagrada continue a ser um tesouro para a Igreja e para cada
cristão: no estudo cuidadoso da Palavra, encontraremos alimento e força
para realizar quotidianamente a nossa missão.
Tomemos este Livro nas nossas mãos! Recebamo-lo do
Senhor, que continuamente no-lo oferece através da sua Igreja (cf.
Ap 10, 8). Comamo-lo (cf. Ap 10, 9), para que se
torne vida da nossa vida. Saboreemo-lo profundamente: embora sem
nos poupar canseiras, conseguirá dar-nos alegria porque é doce como o mel
(cf. Ap 10, 9-10). Ficaremos cheios de esperança e
capazes de comunicá-la a todo o homem e mulher que encontrarmos no
nosso caminho.
CAPÍTULO IV
CELEBRAR O EVANGELHO DA ESPERANÇA
« Ao que está sentado sobre o trono e ao
Cordeiro sejam dadas acções de graças, honra, glória e poder para
todo o sempre » (Ap 5, 13)
Uma comunidade orante
66. O Evangelho da esperança, anúncio da verdade que liberta
(cf. Jo 8, 32), deve ser celebrado. Diante do Cordeiro do
Apocalipse, tem início uma solene liturgia de louvor e de adoração:
« Ao que está sentado sobre o trono e ao Cordeiro sejam dadas acções
de graças, honra, glória e poder para todo o sempre » (Ap 5,
13). A própria visão, que revela Deus e o sentido da história, tem lugar
« no dia do Senhor » (Ap 1, 10), o dia da ressurreição
recordado pela assembleia dominical.
A Igreja, que acolhe esta revelação, é uma comunidade que
reza. Ao rezar, escuta o seu Senhor e aquilo que o Espírito lhe
diz (cf. Ap 2, 1-3. 22); adora, louva, agradece, e também implora a
vinda do Senhor: « Vem, Senhor Jesus! » (Ap 22, 1620),
afirmando deste modo que só d'Ele espera a salvação.
Também é pedido a ti, Igreja de Deus que vives na Europa, para seres
comunidade que reza, celebrando o teu Senhor através dos sacramentos,
da liturgia e da vida inteira. Na oração, descobrirás a presença
vivificante do Senhor. Deste modo, enraizando n'Ele toda a tua acção,
poderás propor de novo aos europeus o encontro com Ele mesmo, esperança
verdadeira e única capaz de satisfazer plenamente o anseio de Deus, oculto
nas diversas formas de busca religiosa que surgem na Europa
contemporânea.
I. Redescobrir a liturgia
O sentido religioso na Europa actual
67. Apesar de haver vastas áreas de descristianização no continente
europeu, existem todavia sinais que ajudam a esboçar o rosto de uma
Igreja que, acreditando, anuncia, celebra e serve o seu Senhor. De
facto, não faltam exemplos de cristãos autênticos que vivem momentos de
silêncio contemplativo, participam fielmente em iniciativas espirituais,
vivem na sua existência diária o Evan- gelho e testemunham-no nos vários
sectores das suas obrigações. Além disso, podem-se divisar manifestações
de um « povo santo » que demonstram como também é possível na
Europa actual viver o Evangelho a nível pessoal e numa autêntica
experiência comunitária.
68. A par de muitos exemplos de fé genuína, existe na Europa também
uma religiosidade vaga e, por vezes, insidiosa. Os seus sinais são
frequentemente genéricos e superficiais, se não mesmo contraditórios nas
próprias pessoas que os fornecem. Trata-se de fenómenos evidentes de fuga
para o espiritualismo, sincretismo religioso e esotérico, procura de
factos extraordinários a todo o custo, chegando-se mesmo a opções
transviadas, como a adesão a seitas perigosas ou a experiências
pseudo-religiosas.
O generalizado desejo de alimento espiritual deve ser acolhido
com compreensão e purificado. Ao homem que se dá conta, embora
confusamente, de não poder viver só de pão, é necessário que a Igreja
possa testemunhar de forma persuasiva a resposta que Jesus deu ao
tentador: « Nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que
sai da boca de Deus » (Mt 4, 4).
Uma Igreja que celebra
69. No contexto da sociedade actual, frequentemente fechada à
transcendência, sufocada por comportamentos consumistas, presa fácil de
antigas e novas idolatrias e, ao mesmo tempo, sedenta de algo que
ultrapasse o imediato, a tarefa que espera a Igreja na Europa é
simultaneamente árdua e entusiasmante. Tal tarefa consiste em redescobrir
o sentido do « mistério »; renovar as celebrações litúrgicas
para que sejam sinais mais eloquentes da presença de Cristo Senhor;
proporcionar novos espaços de silêncio, oração e contemplação; voltar aos
sacramentos, sobretudo à Eucaristia e à Penitência, como fontes de
liberdade e de nova esperança.
Por isso, a ti, Igreja que vives na Europa, dirijo um premente
convite: sê uma Igreja que reza, louva a Deus, reconhece-Lhe o
primado absoluto e exalta-O com jubilosa fé. Redescobre o sentido do
mistério: vive-o com humilde gratidão; testemunha-o com alegria
convicta e contagiante. Celebra a salvação de Cristo: acolhe-a como
um dom que faz de ti seu sacramento; faz da tua vida o verdadeiro culto
espiritual agradável a Deus (cf. Rm 12, 1).
O sentido do mistério
70. Alguns sintomas revelam uma atenuação do sentido do mistério nas
próprias celebrações litúrgicas, quando o objectivo destas é precisamente
reforçá-lo. Por isso, é urgente que se reavive na Igreja o autêntico
sentido da liturgia. Esta, como foi recordado pelos padres sinodais,(119) é
instrumento de santificação, celebração da fé da Igreja, meio de
transmissão da fé. Constitui, juntamente com a Sagrada Escritura e os
ensinamentos dos Padres da Igreja, uma fonte viva de autêntica e sólida
espiritualidade. Como bem salienta a tradição das venerandas Igrejas do
Oriente, os fiéis, através da liturgia, entram em comunhão com a
Santíssima Trindade, experimentando como dom da graça a sua participação
na natureza divina. Ela torna-se assim antecipação da Bem-aventurança
final e participação na glória celeste.
71. Nas celebrações, é preciso pôr novamente ao centro Jesus,
para deixar-se iluminar e guiar por Ele. Podemos encontrar aqui uma das
respostas mais eficazes que as nossas Comunidades são chamadas a dar a uma
religiosidade vaga e inconsistente. A liturgia da Igreja não tem como
objectivo aplacar os desejos e os medos do homem, mas escutar e acolher
Jesus, o Vivente, que honra e louva o Pai, para louvá-Lo e honrá-Lo com
Ele. As celebrações eclesiais proclamam que a nossa esperança vem de Deus,
por meio de Jesus nosso Senhor.
Trata-se de viver a liturgia como obra da Santíssima Trindade.
Nos mistérios celebrados, é o Pai que trabalha para nós; é Ele que nos
fala, perdoa, escuta, dá o seu Espírito; a Ele nos dirigimos, a Ele
escutamos, louvamos, invocamos. É Jesus que actua para a nossa
santificação, tornando-nos participantes do seu mistério. É o Espírito
Santo que age com a sua graça e faz de nós o Corpo de Cristo, a
Igreja.
A liturgia deve ser vivida como anúncio e antecipação da glória
futura, meta última da nossa esperança. De facto, como ensina o
Concílio, « pela liturgia da terra participamos, saboreando-a já, na
liturgia celeste celebrada na cidade santa de Jerusalém, para a qual, como
peregrinos nos dirigimos, (...) até Nosso Senhor Jesus Cristo aparecer
como nossa vida e nós aparecermos com Ele na glória ».(120)
Formação litúrgica
72. Se já tanta estrada se fez depois do Concílio Ecuménico Vaticano II
para viver o sentido autêntico da liturgia, resta ainda muita por fazer.
São necessárias uma contínua renovação e uma constante formação de todos:
ordenados, consagrados e leigos.
A verdadeira renovação, longe de servir-se de actos arbitrários,
consiste em desenvolver cada vez melhor a consciência do sentido do
mistério, para fazer das liturgias momentos de comunhão com o mistério
grande e sagrado da Santíssima Trindade. Celebrando as acções sagradas
como relacionamento com Deus e acolhimento dos seus dons, expressão de
autêntica vida espiritual, a Igreja na Europa poderá verdadeiramente
alimentar a sua esperança e oferecê-la a quem a perdeu.
73. Para isso, é necessário um grande esforço de formação. Tendo
como finalidade favorecer a compreensão do verdadeiro sentido das
celebrações da Igreja e ainda uma adequada instrução sobre os ritos, tal
formação requer uma autêntica espiritualidade e a educação para vivê-la em
plenitude.(121) Por
conseguinte, há que promover ainda mais uma verdadeira « mistagogia
litúrgica », com a participação activa de todos os fiéis,
cada qual segundo as próprias competências, nas acções sagradas,
particularmente na Eucaristia.
II. Celebrar os sacramentos
74. Um lugar de grande relevo há-de ser reservado à celebração dos
sacramentos, enquanto actos de Cristo e da Igreja, ordenados a prestar
culto a Deus, à santificação dos homens e à edificação da Comunidade
eclesial. Sabendo que neles age o próprio Cristo por meio do Espírito
Santo, sejam celebrados com o máximo cuidado e criando as condições
adequadas. As Igrejas particulares do continente terão a peito reforçar a
sua pastoral dos sacramentos para dar a conhecer a sua verdade profunda.
Os padres sinodais puseram em evidência esta necessidade, para contrastar
dois perigos: por um lado, certos ambientes eclesiais parecem ter perdido
o genuíno sentido do sacramento e poderiam banalizar os mistérios
celebrados; por outro, muitos baptizados, seguindo costumes e tradições,
continuam a recorrer aos sacramentos em momentos significativos da sua
existência, mas não vivem de acordo com as indicações da Igreja.(122)
A Eucaristia
75. A Eucaristia, dom supremo de Cristo à Igreja, torna
sacramentalmente presente o sacrifício de Cristo oferecido pela nossa
salvação: « Na santíssima Eucaristia, está contido todo o tesouro
espiritual da Igreja, isto é, o próprio Cristo, a nossa Páscoa ».(123) Nela,
« fonte e centro de toda a vida cristã »,(124) bebe
a Igreja, na sua peregrinação, achando lá a fonte de toda a esperança. De
facto, a Eucaristia « dá estímulo à nossa caminhada na história,
lançando uma semente de activa esperança na dedicação diária de cada um
aos seus próprios deveres ».(125)
Todos somos convidados a confessar a fé na Eucaristia, «
penhor da glória futura », seguros de que a comunhão com Cristo,
agora vivida como peregrinos na existência mortal, antecipa o encontro
supremo daquele dia em que « seremos semelhantes a Ele, porque O
veremos como Ele é » (1 Jo 3, 2). A Eucaristia é uma «
amostra de eternidade no tempo », é presença divina e comunhão com
ela; memorial da Páscoa de Cristo, é por sua natureza portadora da graça
na história humana. Abre para o futuro de Deus; sendo comunhão com Cristo,
com o seu Corpo e o seu Sangue, ela é participação na vida eterna de
Deus.(126)
A Reconciliação
76. Juntamente com a Eucaristia, deve desempenhar papel fundamental
na recuperação da esperança o sacramento da Reconciliação:
« De facto, a experiência pessoal do perdão recebido de Deus por
cada um de nós é fundamento essencial de esperança para o nosso
futuro ».(127)
Uma das raízes para o desânimo que hoje invade a muitos, há que buscá-la
na incapacidade de se reconhecerem pecadores e de se deixarem perdoar; tal
incapacidade fica-se a dever frequentemente à solidão de quem, vivendo
como se Deus não existisse, não tem ninguém a quem pedir perdão. Ao invés,
quem se reconhece pecador e se entrega à misericórdia do Pai celeste,
experimenta a alegria duma verdadeira libertação e pode prosseguir ao
longo do caminho da vida sem se fechar na própria miséria.(128) Deste
modo, recebe a graça de um novo início e reencontra motivos para esperar.
Por isso, é necessário que o sacramento da Reconciliação seja
revitalizado na Igreja da Europa. Há que reafirmar, porém, que a forma
deste sacramento é a confissão pessoal dos pecados seguida da absolvição
individual. Tal encontro do penitente com o sacerdote deve ser promovido
de todas as formas previstas no rito do Sacramento. Perante a perda
generalizada do sentido do pecado e o acentuar-se de uma mentalidade
eivada de relativismo e subjectivismo em campo moral, é preciso que cada
comunidade eclesial providencie uma séria formação das consciências.(129) Os
padres sinodais insistiram para que seja claramente reconhecida a verdade
do pecado pessoal e a necessidade do perdão pessoal de Deus através do
ministério do sacerdote. As absolvições colectivas não são uma forma
alternativa de administrar o sacramento da Reconciliação.(130)
77. Dirijo-me aos sacerdotes, exortando-os a disponibilizarem-se
generosamente para atender de confissão e a darem eles mesmos o exemplo
aproximando-se regularmente do sacramento da Penitência. Recomendo-lhes
que tenham o cuidado de actualizar-se no campo da teologia moral, para
poderem enfrentar com competência as problemáticas ultimamente surgidas no
âmbito da moral pessoal e social. Além disso, prestem particular atenção
às condições concretas de vida em que se encontram os fiéis e procurem
pacientemente levá-los a reconhecerem as exigências da lei moral cristã,
ajudando-os a viverem o sacramento como um encontro feliz com a
misericórdia do Pai celeste.(131)
Oração e vida
78. A par da celebração eucarística, é preciso promover também outras
formas de oração comunitária,(132)
ajudando a descobrir a ligação que existe entre elas e a oração litúrgica.
De modo particular, conservando viva a tradição da Igreja latina, sejam
promovidas as diversas manifestações do culto eucarístico fora da
Missa: adoração pessoal, exposição e procissão, entendidas como
expressão de fé na presença real do Senhor que permanece no Sacramento do
Altar.(133)
Na celebração pessoal e comunitária da Liturgia das Horas, que se
reveste de singular valor mesmo para os fiéis-leigos, como lembrou o
Concílio Vaticano II,(134)
procure-se ensinar a ver a referida conexão com o mistério eucarístico. As
famílias sejam incitadas a reservar espaço para a oração feita em comum,
podendo assim interpretar à luz do Evangelho toda a existência matrimonial
e familiar. Deste ponto de partida e escutando a Palavra de Deus,
formar-se-á aquela liturgia doméstica que acompanhará os sucessivos
momentos da família.(135)
Qualquer forma de oração comunitária pressupõe a oração individual. É
entre a pessoa e Deus que nasce aquele colóquio autêntico que se exprime
no louvor, na acção de graças, na súplica dirigida ao Pai por Jesus Cristo
e no Espírito Santo. Nunca seja transcurada a oração pessoal, que é de
algum modo a respiração do cristão. Na educação para ela, leve-se também a
descobrir a sua ligação com a oração litúrgica.
79. Reserve-se uma especial atenção também à piedade popular.(136)
Esta, presente em larga escala nas diversas regiões da Europa através das
confrarias, das peregrinações e procissões nos numerosos santuários,
enriquece o caminho do ano litúrgico, inspirando usos e costumes
familiares e sociais. Todas estas formas devem ser objecto duma cuidadosa
pastoral de promoção e renovamento, ajudando a desenvolver tudo o que
nelas seja genuína expressão da sabedoria do povo de Deus. Tal é, sem
dúvida, o santo rosário. Neste ano que lhe é dedicado, apraz-me recomendar
mais uma vez a sua recitação, porque « o rosário, quando descoberto
no seu pleno significado, conduz ao âmago da vida cristã, oferecendo uma
ordinária e fecunda oportunidade espiritual e pedagógica para a
contemplação pessoal, a formação do povo de Deus e a nova
evangelização ».(137)
No campo da piedade popular, é preciso vigiar constantemente sobre
aspectos ambíguos de determinadas manifestações, preservando-as de desvios
secularistas, de consumismos imprudentes ou mesmo de riscos de
superstição, para mantê-las sob formas maturas e autênticas. Há que
realizar uma obra pedagógica, explicando como a piedade popular deve ser
vivida sempre de harmonia com a liturgia da Igreja e em conexão com os
sacramentos.
80. Não se pode esquecer que o « culto espiritual agradável a
Deus » (cf. Rm 12, 1) realiza-se sobretudo na
existência quotidiana, vivida na caridade através do dom livre e
generoso de si mesmo, inclusive em momentos de aparente impotência. Assim,
a vida é animada por uma esperança inabalável, porque assente apenas na
certeza do poder de Deus e da vitória de Cristo: é uma vida repleta das
consolações de Deus, com as quais somos chamados, por nossa vez, a
consolar aqueles que encontrarmos no nosso caminho (cf. 2 Cor 1,
4).
O dia do Senhor
81. Momento paradigmático e altamente evocativo para a celebração do
Evangelho da esperança é o dia do Senhor.
No contexto actual, as circunstâncias tornam precária a possibilidade
de os cristãos viverem plenamente o domingo como dia do encontro com o
Senhor. Não é raro acontecer que fique reduzido a « fim de
semana », a mero tempo de evasão. Por isso, é preciso uma acção
pastoral articulada a nível educativo, espiritual e social, que ajude a
viver o seu verdadeiro sentido.
82. Renovo, pois, o convite para se recuperar o significado mais
profundo do dia do Senhor: (138) seja
santificado com a participação na Eucaristia e com um repouso rico de
alegria cristã e de fraternidade. Seja celebrado como centro de todo o
culto, incessante prenúncio da vida sem fim, que reaviva a esperança e
anima a caminhar. Por isso, não haja medo de defendê-lo contra qualquer
ataque e esforçar-se por que seja salvaguardado na organização do
trabalho, para que possa ser um dia para o homem a bem da sociedade
inteira. De facto, se o domingo for privado do seu significado originário
e deixar de haver nele possibilidade de dar espaço adequado à oração, ao
repouso, à união e à alegria, pode acontecer que « o homem permaneça
encerrado num horizonte tão restrito, que já não lhe permite ver o “céu”.
Então, mesmo bem trajado, torna-se intimamente incapaz de “festejar”
».(139) E,
sem a dimensão da festa, a esperança não encontraria uma casa onde
habitar.
CAPÍTULO V
SERVIR O EVANGELHO DA ESPERANÇA
« Conheço as tuas obras, a tua caridade, o teu
serviço, a tua fé, a tua paciência » (Ap 2, 19)
O caminho do amor
83. A palavra que o Espírito diz às Igrejas contém um juízo sobre a
sua vida. Este debruça-se sobre factos e comportamentos: «
Conheço as tuas obras » é a introdução que, à maneira de um
refrão e com poucas variações, aparece nas cartas escritas às sete
Igrejas. As obras revelam-se positivas, quando são fruto do esforço, da
paciência, das provas suportadas, da tribulação, da pobreza, da fidelidade
nas perseguições, da caridade, da fé, do serviço. Neste sentido, podem ser
lidas como a descrição duma Igreja que, além de anunciar e celebrar a
salvação que lhe vem do Senhor, também a « vive » na sua
existência concreta.
Para servir o Evangelho da esperança, é pedido também à Igreja na
Europa que percorra a estrada do amor. Trata-se duma estrada que passa
através da caridade evangelizadora, do empenho multiforme no serviço, da
opção por uma generosidade sem tréguas nem confins.
I. O serviço da caridade
Na comunhão e solidariedade
84. A caridade, recebida e oferecida, é para qualquer pessoa a
experiência originária donde nasce a esperança. « O homem não
pode viver sem amor. Ele permanece para si próprio um ser incompreensível
e a sua vida é destituída de sentido, se não lhe for revelado o amor, se
ele não se encontra com o amor, se não o experimenta e não o assume, se
não participa nele vivamente ».(140)
Por isso, à Igreja na Europa actual põe-se o desafio de ajudar o homem
contemporâneo a experimentar o amor de Deus Pai e de Cristo no Espírito
Santo, através do testemunho da caridade, a qual por si mesma possui
uma intrínseca força evangelizadora.
O « Evangelho », este anúncio feliz para todo o homem,
consiste em última análise nisto: Deus amou-nos primeiro (cf. 1 Jo
4, 10.19); Jesus amou-nos até ao fim (cf. Jo 13, 1). Por
intermédio do dom do Espírito, é oferecida aos crentes a caridade de Deus,
tornando-os participantes da sua própria capacidade de amar: a caridade
preme no coração de cada discípulo e da Igreja inteira (cf. 2 Cor
5, 14). Precisamente porque dada por Deus, a caridade torna-se
mandamento para o homem (cf. Jo 13, 34).
Viver na caridade torna-se, assim, um anúncio feliz para toda a
pessoa, tornando visível o amor de Deus, que não abandona ninguém. Enfim,
significa dar ao homem perdido verdadeiras razões para continuar a
esperar.
85. É vocação da Igreja, enquanto « sinal credível – embora
sempre inadequado – do amor concreto, fazer encontrar os homens e mulheres
com o amor de Deus e de Cristo, que vem à procura deles ».(141) «
Sinal e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o género
humano »,(142) a
Igreja confirma-se como tal quando as pessoas, as famílias e as
comunidades vivem intensamente o Evangelho da caridade. Por outras
palavras, as nossas comunidades eclesiais são chamadas a ser
verdadeiras escolas de comunhão.
Por sua própria natureza, o testemunho da caridade deve estender-se
para além das fronteiras da comunidade eclesial, envolvendo toda a pessoa,
de tal modo que o amor por todos os homens se torne estímulo de
autêntica solidariedade em toda a vida social. Quando a Igreja serve a
caridade, simultaneamente faz crescer a « cultura da
solidariedade », concorrendo assim para dar nova vida aos valores
universais da convivência humana.
Nesta perspectiva, é preciso redescobrir o sentido autêntico do
voluntariado cristão. Este, nascido da fé e por ela continuamente
alimentado, deve saber conjugar capacidade profissional e amor genuíno,
impelindo aqueles que o praticam a « elevarem os sentimentos de
simples filantropia até à altura da caridade de Cristo; a reavivarem
diariamente, por entre fadigas e cansaços, a consciência da dignidade de
cada homem; a irem à procura das carências das pessoas, iniciando – se
necessário – novos caminhos em lugares onde a necessidade é mais urgente,
e a atenção e o apoio menos consistentes ».(143)
II. Servir o homem na sociedade
Devolver a esperança aos pobres
86. Pede-se, à Igreja inteira, para dar novamente esperança aos
pobres. Acolhê-los e servi-los significa, para ela, acolher e servir
Cristo (cf. Mt 25, 40). O amor preferencial pelos pobres é
uma dimensão necessária do ser cristão e do serviço do Evangelho. Amá-los
e testemunhar-lhes que são particularmente amados por Deus significa
reconhecer que as pessoas valem por si mesmas, independentemente das
condições económicas, culturais, sociais em que se encontrem, ajudando-as
a valorizarem as suas potencialidades.
87. Depois, é preciso deixar-se interpelar pelo fenómeno do
desemprego, que constitui um grave flagelo social em muitas nações da
Europa. A isto, há que acrescentar os problemas ligados ao aumento dos
fluxos migratórios. À Igreja, pede-se que continue a recordar que o
trabalho constitui um bem pelo qual se deve responsabilizar toda a
sociedade.
Ao propor os critérios éticos que devem guiar o mercado e a economia
segundo um escrupuloso respeito da centralidade do homem, a Igreja não
desistirá de procurar dialogar com as pessoas empenhadas a nível político,
sindical e empresarial.(144) Tudo
isto deve tender à edificação de uma Europa vista como comunidade de povos
e de pessoas, uma comunidade solidária na esperança, não se deixando
sujeitar exclusivamente às leis do mercado, mas decididamente intencionada
a salvaguardar a dignidade do homem mesmo nas relações económicas e
sociais.
88. Seja dado adequado relevo também à pastoral dos doentes.
Considerando que a doença é uma situação que levanta questões essenciais
sobre o sentido da vida, « numa sociedade do progresso e da
eficiência, numa cultura caracterizada pela idolatria do corpo, pela
remoção do sofrimento e da dor e pelo mito da perene juventude »,(145) o
cuidado dos doentes deve ser tido como uma das prioridades. Com tal
finalidade, há que promover, por um lado, uma conveniente presença
pastoral nos diversos centros do sofrimento, por exemplo através da
solicitude de capelães hospitalares, de membros de associações de
voluntariado, de instituições sanitárias eclesiásticas; e, por outro, um
apoio às famílias dos doentes. Além disso, será necessário acompanhar o
pessoal médico e paramédico com meios pastorais adequados, que o sustente
na exigente vocação ao serviço dos doentes. Com efeito, na sua actividade
os agentes sanitários prestam diariamente um nobre serviço à vida. Deles
se espera que dêem aos seus pacientes também aquele apoio espiritual
especial que supõe o calor dum autêntico contacto humano.
89. Por último, não se pode esquecer que às vezes é feito um uso
indevido dos bens da terra. De facto, faltando à sua missão de
cultivar e guardar a terra com sabedoria e amor (cf. Gn 2, 15), o
homem tem em muitas regiões devastado bosques e planuras, poluído as
águas, tornado irrespirável o ar, alterado os sistemas hidrogeológicos e
atmosféricos e desertificado imensas extensões.
Neste caso, servir o Evangelho da esperança significa empenhar-se de
modo novo num correcto uso dos bens da terra,(146) estimulando
uma atenção tal que, além de tutelar os habitat naturais, defenda a
qualidade da vida das pessoas, preparando para as gerações futuras um
ambiente mais harmonioso com o projecto do Criador.
A verdade do matrimónio e da família
90. A Igreja na Europa, em todas as suas articulações, deve propor sem
cessar e fielmente a verdade do matrimónio e da família.(147) É
uma necessidade que sente arder-lhe dentro, porque sabe que um tal dever é
qualificante para ela em virtude da missão evangelizadora que lhe foi
confiada pelo seu Esposo e Senhor, e que hoje se apresenta com excepcional
premência. De facto, não poucos factores culturais, sociais e políticos
concorrem para desencadear uma crise cada vez mais evidente da família.
Tais factores comprometem de várias formas a verdade e a dignidade da
pessoa humana e põem em discussão, desfigurando-o, o próprio conceito de
família. O valor da indissolubilidade matrimonial é ignorado sempre mais;
reclamam-se formas de reconhecimento legal para as convivências de facto,
equiparando-as aos matrimónios legítimos; não faltam tentativas para serem
aceites modelos com casais onde a diferença sexual não resulta essencial.
Neste contexto, pede-se à Igreja que anuncie com renovado vigor
aquilo que diz o Evangelho sobre o matrimónio e a família, para
individuar o seu significado e valor no desígnio salvífico de Deus. É
preciso, de modo particular, reiterar que ambas as instituições são
realidades que derivam da vontade de Deus. Impõe-se redescobrir a verdade
da família, enquanto íntima comunhão de vida e de amor,(148) aberta
à geração de novas pessoas; e também a sua dignidade de « igreja
doméstica » e a sua participação na missão da Igreja e na vida da
sociedade.
91. Segundo os padres sinodais, é necessário reconhecer que muitas
famílias, pela sua existência vivida quotidianamente no amor, são
testemunhas visíveis da presença de Jesus que as acompanha e sustenta com
o dom do seu Espírito. Para apoiá-las no seu caminho, dever-se-á
aprofundar a teologia e a espiritualidade do matrimónio e da família;
proclamar, com firmeza, integralmente e mediante exemplos eficazes, a
verdade e a beleza da família baseada no matrimónio, visto como união
estável e fecunda dum homem e duma mulher; promover, em cada comunidade
eclesial, uma pastoral familiar adequada e orgânica. Ao mesmo tempo é
preciso prestar, com materna solicitude por parte da Igreja, uma ajuda
àqueles que se encontram em situações difíceis, como, por exemplo, mães
solteiras, pessoas separadas, divorciadas, filhos abandonados. Em todas as
circunstâncias é necessário estimular, guiar e apoiar o devido
protagonismo das famílias, singularmente ou associadas, na Igreja e na
sociedade, e diligenciar para que se promovam políticas familiares
autênticas e adequadas por parte dos diversos Estados e da própria União
Europeia.(149)
92. Um cuidado particular deve ser reservado à educação para o
amor nos jovens e noivos, através de específicos itinerários de
preparação para a celebração do sacramento do matrimónio, ajudando-os a
viverem castamente até esse momento. Na sua obra educadora, a Igreja
estenderá a sua solicitude aos recém-casados, acompanhando-os também
depois da celebração das núpcias.
93. Finalmente, a Igreja é chamada a atender, com materna bondade,
àquelas situações matrimoniais onde a esperança facilmente sucumbe. Em
particular, « diante de inúmeras famílias desfeitas, a Igreja
sente-se chamada, não a exprimir um juízo severo e insensível, mas antes
a fazer penetrar dentro de tantos dramas humanos a luz da palavra de
Deus, acompanhada pelo testemunho da sua misericórdia. É com este
espírito que a pastoral familiar procura ocupar-se também das situações
dos crentes que se divorciaram e voltaram a casar pelo civil. Eles
não estão excluídos da comunidade; pelo contrário, são convidados a
participar na sua vida, percorrendo um caminho de crescimento no espírito
das exigências evangélicas. Sem esconder a verdade da desordem moral
objectiva em que se encontram e das consequências que daí derivam para a
prática sacramental, a Igreja pretende mostrar-lhes toda a sua
solidariedade materna ».(150)
94. Se, para servir o Evangelho da esperança, é necessário reservar uma
adequada e prioritária atenção à família, inegável é também que as
próprias famílias têm uma tarefa insubstituível a desempenhar
relativamente ao mesmo Evangelho da esperança. Por isso, com confiança
e afecto, renovo a todas as famílias cristãs, que vivem nesta Europa, este
convite: « Famílias, tornai-vos naquilo que sois! ». E vós
sois uma reposição viva da caridade de Deus: de facto, tendes a
« missão de guardar, revelar e comunicar o amor, qual reflexo vivo e
participação real do amor de Deus pela humanidade e do amor de Cristo
Senhor pela Igreja, sua esposa ».(151)
Vós sois o « santuário da vida (...); o lugar onde a vida,
dom de Deus, pode ser convenientemente acolhida e protegida contra os
múltiplos ataques a que está exposta, e pode desenvolver-se segundo as
exigências de um crescimento humano autêntico ».(152)
Vós sois o fundamento da sociedade, enquanto lugar primeiro de
« humanização » da pessoa e da vida civil,(153)
modelo para a instauração de relações sociais vividas no amor e na
solidariedade.
Sede vós mesmas testemunhas credíveis do Evangelho da esperança!
É que vós sois « Gaudium et spes »,(154)
alegria e esperança.
Servir o Evangelho da vida
95. O envelhecimento e diminuição da população que se verifica em
diversos países da Europa não pode deixar de ser motivo de preocupação; de
facto, a queda da natalidade é sintoma de uma relação não serena
com o próprio futuro; é uma manifestação clara de falta de esperança, é
sinal daquela « cultura da morte » que atravessa a sociedade
actual.(155)
A par da queda da natalidade, há que recordar outros sinais que
concorrem para se formar o eclipse do valor da vida e desencadear uma
espécie de conjura contra a mesma. Entre eles, conta-se antes de mais a
difusão do aborto, recorrendo inclusive a preparados
químico-farmacológicos que tornam possível praticá-lo sem ter de recorrer
ao médico e subtraindo-se a qualquer forma de responsabilidade social;
isto é favorecido pela presença no ordenamento de muitos Estados do
continente de legislações permissivas de um acto que permanece um «
crime abominável »(156)
e sempre constitui uma desordem moral grave. Não se podem esquecer também
os atentados perpetrados através de « intervenções sobre embriões
humanos, que, apesar de visar objectivos em si legítimos, implicam
inevitavelmente a sua morte », ou por meio do emprego desonesto das
técnicas de diagnóstico pré-natal, postas ao serviço não de possíveis
terapias precoces, mas de « uma mentalidade eugenista que aceita o
aborto selectivo ».(157)
Há que mencionar ainda a tendência, que se regista em algumas partes da
Europa, a considerar que se possa permitir pôr fim conscientemente à vida
própria ou de outro ser humano: daí a difusão da eutanásia,
mascarada ou actuada às claras, não faltando solicitações e tristes
exemplos de legalização dela.
96. À vista deste estado de coisas, é necessário « servir o
Evangelho da vida » nomeadamente através de « uma
mobilização geral das consciências e um esforço ético comum,
para se actuar uma grande estratégia a favor da vida. Todos juntos
devemos construir uma nova cultura da vida ».(158)
Este é um desafio imenso que temos a responsabilidade de enfrentar,
sabendo que « o futuro da civilização europeia depende muito duma
decidida defesa e promoção dos valores da vida, núcleo do seu património
cultural »; (159)
trata-se efectivamente de restituir à Europa a sua verdadeira dignidade,
ou seja, a dignidade de ser um lugar onde toda a pessoa veja afirmada a
sua incomparável dignidade.
De bom grado faço minhas estas palavras dos padres sinodais: « O
Sínodo dos Bispos europeus incita as comunidades cristãs a fazerem-se
evangelizadoras da vida. Encoraja os esposos e as famílias cristãs a
apoiarem-se mutuamente na fidelidade à sua missão de colaboradores de Deus
na geração e educação de novas criaturas; vê com apreço toda a generosa
tentativa de reagir contra o egoísmo no âmbito da transmissão da vida, que
é alimentado por falsos modelos de segurança e felicidade; pede aos
Estados e à União Europeia que actuem políticas de longo alcance, que
promovam as condições concretas de habitação, emprego e serviços sociais,
idóneas para favorecer a constituição da família que realize a sua vocação
à maternidade e à paternidade, e assegurem assim à Europa de hoje o
recurso mais precioso: os europeus de amanhã ».(160)
Construir uma cidade digna do homem
97. A caridade operosa obriga-nos a apressar o Reino futuro. Por isso
mesmo, colabora na promoção dos valores autênticos que estão na base duma
civilização digna do homem. De facto, como recorda o Concílio Vaticano II,
« os cristãos, peregrinos da cidade celestial, devem buscar e
saborear as coisas do alto. Mas, com isso, de modo algum diminui, antes
aumenta a importância do seu dever de colaborar com todos os outros homens
na edificação dum mundo mais humano ».(161)
A expectativa dos novos céus e da nova terra, longe de afastar da
história, intensifica a solicitude pela realidade presente onde já cresce
a novidade que é germe e figura do mundo que há-de vir.
Animados por tais certezas de fé, trabalhamos para a construção duma
cidade digna do homem. Embora não seja possível construir na história
uma ordem social perfeita, todavia sabemos que todo o esforço sincero por
construir um mundo melhor é acompanhado pela bênção de Deus e que qualquer
germe de justiça e de amor plantado no tempo presente floresce para a
eternidade.
98. Ao construir esta cidade digna do homem, sirva de inspiração a
doutrina social da Igreja. De facto, através dela, a Igreja coloca ao
continente europeu a questão da qualidade moral da sua civilização. Tal
doutrina nasce do encontro da mensagem bíblica com a razão, por um lado,
e, por outro, com os problemas e as situações referentes à vida do homem e
da sociedade. Com o conjunto dos princípios que oferece, contribui para
pôr bases sólidas para uma convivência à medida do homem, na justiça,
verdade, liberdade e solidariedade. Tendo em vista defender e promover a
dignidade da pessoa, fundamento não só da vida económica e política, mas
também da justiça social e da paz, ela é capaz de sustentar as colunas
mestras do futuro do continente.(162)
A doutrina em questão contém também as referências para se poder defender
a estrutura moral da liberdade, de modo a salvaguardar a cultura e a
sociedade europeia da utopia totalitária tanto da « justiça sem
liberdade », como da « liberdade sem verdade » à qual
aparece associado um falso conceito de « tolerância », ambas
elas prenúncio de erros e de horrores para a humanidade, como tristemente
dá testemunho a história recente da própria Europa.(163)
99. A doutrina social da Igreja, pela sua ligação intrínseca com a
dignidade da pessoa, pode ser compreendida também pelos que não pertencem
à comunidade dos crentes. Por isso, é urgente divulgar o seu conhecimento
e estudo, vencendo a ignorância que há dela mesmo entre os cristãos.
Exige-o a nova Europa em vias de construção, carecida de pessoas educadas
segundo tais valores, prontas a trabalhar pela realização do bem comum.
Para isso é necessária a presença de leigos cristãos nas diversas
responsabilidades da vida civil, da economia, da cultura, da saúde, da
educação e da política, actuando de modo a poder permeá-las com os valores
do Reino.(164)
Em prol duma cultura do acolhimento
100. Entre os desafios que hoje se apresentam no serviço ao Evangelho
da esperança, conta-se o fenómeno crescente das migrações, que
interpela a capacidade da Igreja para acolher toda a pessoa, qualquer que
seja o povo ou a nação a que pertença. E impele também toda a sociedade
europeia com as suas instituições a procurarem uma ordem justa, formas de
convivência respeitosas de todos e da legalidade também, num processo que
leve à integração possível.
Considerando o estado de miséria, de subdesenvolvimento ou mesmo de
insuficiente liberdade, que infelizmente ainda caracteriza diversos
países, entre as causas que constrangem muitos a deixar a própria terra, é
preciso um corajoso empenhamento de todos para realizar uma ordem
económica internacional mais justa, que seja capaz de promover o
autêntico desenvolvimento de todos os povos e países.
101. O fenómeno migratório põe à prova a capacidade que tem a Europa de
dar espaço a formas de acolhimento e hospitalidade inteligente.
Exige-o a visão « universalista » do bem comum: é necessário
alongar o olhar até abraçar as exigências da família humana inteira. O
próprio fenómeno da globalização reclama abertura e partilha, se não
quiser ser raiz de exclusão e marginalização mas sim de participação
solidária de todos na produção e intercâmbio dos bens.
Cada um deve trabalhar para o crescimento duma cultura do
acolhimento perfeita, que, tendo em conta a dignidade igual de toda a
pessoa e o dever da solidariedade para com os mais débeis, pretende que
sejam reconhecidos a cada imigrante os direitos fundamentais. É
responsabilidade das autoridades públicas controlar os fluxos migratórios
segundo as exigências do bem comum. O acolhimento deve realizar-se sempre
no respeito das leis, comportando consequentemente, quando necessário, a
firme repressão dos abusos.
102. É necessário ainda empenhar-se por individuar possíveis formas
de genuína integração dos imigrados legitimamente acolhidos no
tecido social e cultural das diversas nações europeias. Uma tal integração
requer, por um lado, que não se deva ceder ao indiferentismo quanto aos
valores humanos universais e, por outro, que se tenha a peito salvaguardar
o património cultural próprio de cada nação. Uma convivência pacífica e um
intercâmbio recíproco das riquezas interiores tornará possível a
edificação duma Europa que saiba ser casa comum, na qual cada um possa
sentir-se acolhido, ninguém se veja discriminado, todos sejam tratados e
vivam responsavelmente como membros de uma única e grande família.
103. A Igreja, por sua vez, é chamada a « prosseguir na sua acção
de criar e melhorar cada vez mais os seus serviços de acolhimento e
os seus cuidados pastorais em favor dos imigrantes e dos
refugiados »,(165) fazendo
com que se respeitem a sua di- gnidade e liberdade e seja favorecida a sua
integração.
De forma particular, reserve-se um específico cuidado pastoral à
integração dos imigrantes católicos, respeitando a sua cultura e a
originalidade da sua tradição religiosa. Para isso, procurem-se favorecer
contactos entre as Igrejas de origem dos imigrantes e as de acolhimento
para se estudar formas de ajuda que possam mesmo prever a presença, junto
dos imigrantes, de presbíteros, consagrados e agentes pastorais
adequadamente formados originários dos seus países.
Além disso, o serviço do Evangelho exige que a Igreja, defendendo a
causa dos oprimidos e marginalizados, peça às autoridades políticas dos
diversos Estados e aos responsáveis das instituições europeias para
reconhecerem a condição de refugiados àqueles que fogem do seu país de
origem porque corre perigo a sua própria vida, ou então favorecerem o
regresso aos respectivos países; e criarem também as condições para seja
respeitada a dignidade de todos os imigrantes e sejam defendidos os seus
direitos fundamentais.(166)
III. Decidamo-nos pela caridade!
104. O apelo, dirigido pelos padres sinodais a todos os cristãos do
continente europeu para viverem a caridade operosa,(167)
representa a síntese feliz dum autêntico serviço ao Evangelho da
esperança. Agora proponho-o de novo a ti, Igreja de Cristo que vives na
Europa. As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos
europeus de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem,
sejam também as tuas alegrias e as tuas esperanças, as tuas tristezas e as
tuas angústias, e nada do que é genuinamente humano deixe de ter eco no
teu coração. Olha para a Europa e o seu caminho com a simpatia de quem
aprecia todo o elemento positivo, mas conjuntamente sem fechar os olhos
sobre o que há de incoerente com o Evangelho, denunciando-o com vigor.
105. Igreja da Europa, acolhe todos os dias, com renovada pujança, o
dom da caridade que o teu Senhor te oferece e do mesmo te torna capaz.
Aprende d'Ele os conteúdos e a medida do amor. E sê Igreja das
bem-aventuranças, continuamente configurada com Cristo (cf. Mt
5, 1-12).
Livre de entraves e sujeições, sê pobre e amiga dos mais pobres,
acolhedora para com toda a pessoa e atenta a qualquer forma, antiga ou
nova, de pobreza.
Purificada continuamente pela bondade do Pai, reconhece no
comportamento de Cristo, que sempre defendeu a verdade mostrando-Se ao
mesmo tempo misericordioso para com os pecadores, a norma suprema da tua
acção.
Em Jesus, em cujo nascimento foi anunciada a paz (cf. Lc 2, 14),
n'Ele que abateu com a sua morte o muro da inimizade (cf. Ef 2, 14)
e deu a paz verdadeira (cf. Jo 14, 27), sê artífice de paz,
convidando os teus filhos a deixarem purificar o coração de toda a
hostilidade, egoísmo e parcialidade, favorecendo em qualquer circunstância
o diálogo e o respeito mútuo.
Em Jesus, justiça de Deus, nunca te canses de denunciar qualquer forma
de injustiça. Vivendo no mundo segundo os valores do Reino futuro, serás
Igreja da caridade, darás o teu indispensável contributo para edificar na
Europa uma civilização sempre mais digna do homem.
CAPÍTULO VI
O EVANGELHO DA ESPERANÇA PARA UMA EUROPA NOVA
« Vi a cidade santa, a nova Jerusalém, que
descia do Céu » (Ap 21, 2)
A novidade de Deus na história
106. O Evangelho da esperança, que ressoa no Apocalipse, abre o coração
para a contemplação da novidade realizada por Deus: « Vi,
depois, um novo céu e uma nova terra, porque o primeiro céu e a primeira
terra haviam desaparecido, e o mar já não existia » (Ap 21,
1). Deus em pessoa o afirma, com uma palavra que dá a explicação da visão
agora descrita: « Eu renovo todas as coisas » (Ap 21,
5).
A novidade de Deus – plenamente compreensível no horizonte das coisas
velhas, feitas de lágrimas, luto, pranto, aflições, morte (cf. Ap
21, 4) – consiste em sair do pecado e das suas consequências em que se
encontra a humanidade; é o novo céu e a nova terra, a nova Jerusalém, em
contraposição a um céu e uma terra velhos, a uma ordem antiquada de coisas
e uma vetusta Jerusalém, conturbada pelas suas rivalidades.
Não é indiferente, para a construção da cidade do homem, a imagem da
nova Jerusalém, que desce « do céu, de junto de Deus, bela como uma
esposa que se ataviou para o seu esposo » (Ap 21, 2),
aludindo directamente ao mistério da Igreja. É uma imagem que fala duma
realidade escatológica: esta situa-se para além de tudo o que o homem
possa fazer; é um dom de Deus que se realizará nos últimos tempos. Mas não
é uma utopia: é realidade já presente. Indica-o o verbo no presente
usado por Deus – « Eu renovo todas as coisas »
(Ap 21, 5) – com a especificação que vem depois: « Está
feito! » (Ap 21, 6). Efectivamente Deus já está agindo para
renovar o mundo; a Páscoa de Cristo é já a novidade de Deus, que faz
nascer a Igreja, anima a sua existência, renova e transforma a história.
107. Esta novidade começa a tomar forma primariamente na comunidade
cristã, que é já agora « o tabernáculo de Deus entre os
homens » (cf. Ap 21, 3), em cujo seio Deus já actua,
renovando a vida daqueles que se deixam conduzir pelo sopro do Espírito. A
Igreja é para o mundo sinal e instrumento do Reino que se realiza
primariamente nos corações. Um reflexo da mesma novidade manifesta-se
também em qualquer forma de convivência animada pelo Evangelho.
Trata-se de uma novidade que interpela a sociedade em todos os momentos da
história e em todos os lugares da terra, e de modo particular a sociedade
europeia que escuta, desde há tantos séculos, o Evangelho do Reino
inaugurado por Jesus.
I. A vocação espiritual da Europa
A Europa promotora dos valores universais
108. A história do continente europeu está marcada pelo influxo
vivificante do Evangelho. « Se olharmos para os séculos passados,
não podemos deixar de dar graças ao Senhor porque o cristianismo foi no
nosso continente um factor primário de unidade entre os povos e as
culturas e de promoção integral do homem e dos seus direitos
».(168)
Certamente não se pode pôr em dúvida que a fé cristã pertence, de modo
radical e determinante, aos fundamentos da cultura europeia. De facto, o
cristianismo deu forma à Europa, imprimindo-lhe alguns valores
fundamentais. Mesmo a modernidade europeia, que deu ao mundo o ideal
democrático e os direitos humanos, recebe os seus próprios valores da
herança cristã. A Europa é qualificada, não tanto pelo espaço geográfico,
como sobretudo por « um conceito prevalentemente cultural e
histórico, que caracteriza uma realidade nascida como continente em
virtude também da força unificadora do cristianismo, que soube integrar
entre si povos e culturas diversas e está intimamente ligado a toda a
cultura europeia ».(169)
Todavia a Europa actual, precisamente quando está a reforçar e ampliar
a sua união económica e política, parece sofrer de uma profunda crise de
valores. Embora dispondo de meios mais abundantes, dá a impressão de
carecer do ímpeto necessário para incrementar um projecto comum e dar
razões de esperança aos seus cidadãos.
O novo rosto da Europa
109. No processo de transformação em curso, a Europa é chamada antes
de mais nada a reencontrar a sua verdadeira identidade. De facto, não
obstante a realidade intensamente variegada de que se foi compondo, ela
deve construir um modelo novo de unidade na diversidade, uma comunidade de
nações reconciliadas aberta aos outros continentes e envolvida no processo
actual de globalização.
Para dar novo impulso à sua história, a Europa deve « reconhecer
e recuperar, com fidelidade criativa, aqueles valores fundamentais,
adquiridos com o contributo determinante do cristianismo, que se podem
compendiar na afirmação da di- gnidade transcendente da pessoa humana, do
valor da razão, da liberdade, da democracia, do Estado de direito e da
distinção entre política e religião ».(170)
110. A União Europeia continua a alargar-se. Num prazo mais ou menos
breve, estão chamados a fazer parte dela todos os povos que partilham a
mesma herança fundamental. Espera-se que um tal alargamento se verifique
no respeito de todos, valorizando as peculiaridades históricas e
culturais, as identidades nacionais e a riqueza dos contributos que
poderão advir dos novos membros, para além de dar uma actuação mais
perfeita aos princípios de subsidiariedade e de solidariedade.(171) No
processo de integração do continente, é de importância capital ter
presente que a união não terá consistência se ficar reduzida apenas às
dimensões geográficas e económicas; mas deve consistir em primeiro lugar
num consenso sobre os valores a exprimir no direito e na vida.
Promover solidariedade e paz no mundo
111. Dizer « Europa » deve querer dizer «
abertura ». Apesar de experiências e sinais contrários que também
não faltaram, é a sua própria história que o exige: « Na realidade,
a Europa não é um território fechado ou isolado; construiu-se partindo,
para além dos mares, ao encontro de outros povos, outras culturas, outras
civilizações ».(172) Por
isso, deve ser um continente aberto e acolhedor, continuando a
realizar, na globalização actual, formas de cooperação não só económica
mas também social e cultural.
Para que o seu rosto seja verdadeiramente novo, o continente deve
corresponder positivamente a esta exigência: « A Europa não pode
fechar-se sobre si mesma. Não pode nem deve desinteressar-se do resto do
mundo; pelo contrário, deve ter plena consciência do facto que outros
países, outros continentes esperam dela iniciativas corajosas capazes de
oferecer aos povos mais pobres os meios para o seu desenvolvimento e a sua
organização social, e de edificar um mundo mais justo e fraterno
».(173) Para
realizar adequadamente esta missão, é necessária « uma revisão da
cooperação em termos de uma nova cultura de solidariedade. Concebida
como semente de paz, a cooperação não pode reduzir-se só à ajuda e
assistência – quem sabe se a pensar nas vantagens que advirão dos recursos
postos à disposição! Mas deve traduzir-se num compromisso concreto e
palpável de solidariedade, de modo que torne os pobres protagonistas do
seu desenvolvimento e consinta ao maior número possível de indivíduos dar
asas, nas circunstâncias económicas e políticas concretas onde vivem, à
criatividade típica da pessoa humana, de que depende também a riqueza das
nações ».(174)
112. Além disso, a Europa deve participar activamente na promoção e
realização duma globalização « na » solidariedade. Esta
supõe, como sua condição, uma espécie de globalização « da
» solidariedade e valores anexos da equidade, justiça e liberdade, na
firme convicção de que o mercado requer que seja « oportunamente
controlado pelas forças sociais e do Estado, de modo a garantir a
satisfação das exigências fundamentais de toda a sociedade ».(175)
A Europa, tal como a história no-la apresenta, viu, sobretudo no último
século, consolidarem-se ideologias totalitárias e nacionalismos
exacerbados que, obscurecendo a esperança dos homens e dos povos do
continente, alimentaram conflitos quer no seio das nações quer entre
nações, o que levou à enorme tragédia das duas guerras mundiais.(176)
E mesmo os conflitos étnicos mais recentes, que de novo ensanguentaram o
continente europeu, fizeram ver a todos como é frágil a paz, quanta
necessidade ela tem do empenho efectivo de todos e como só pode ser
garantida abrindo novas perspectivas de intercâmbio, perdão e
reconciliação entre as pessoas, os povos e as nações.
Sendo assim, a Europa, com todos os seus habitantes, deve
empenhar-se incansavelmente na construção da paz dentro das suas
fronteiras e no mundo inteiro. A este respeito, importa recordar, «
por um lado, que as diferenças nacionais devem ser mantidas e cultivadas
como fundamento da solidariedade europeia e, por outro, que a própria
identidade nacional só se realiza na abertura aos outros povos e através
da solidariedade com eles ».(177)
II. A construção europeia
O papel das instituições europeias
113. No caminho que leva a desenhar o novo rosto da Europa, é
determinante sob muitos aspectos o papel das instituições
internacionais, ligadas e operantes sobretudo no território da Europa,
cuja contribuição tem marcado o curso histórico dos acontecimentos, sem se
empenharem em operações de carácter militar. A tal propósito, desejo
mencionar, em primeiro lugar, a Organização para a Segurança e a
Cooperação na Europa, empenhada na manutenção da paz e da estabilidade,
nomeadamente através da defesa e promoção dos direitos humanos e das
liberdades fundamentais, e também na cooperação económica e ambiental.
Temos depois o Conselho da Europa, do qual fazem parte os Estados que
subscreveram a Convenção Europeia de 1950 para a salvaguarda dos direitos
humanos fundamentais e a Carta Social de 1961. Anexo a ele, existe o
Tribunal Europeu dos direitos do homem. Estas duas instituições, através
da cooperação política, social, jurídica e cultural, e ainda da promoção
dos direitos humanos e da democracia, visam a realização da Europa da
liberdade e da solidariedade. Por último, aparece a União Europeia, com o
seu Parlamento, o Conselho de Ministros e a Comissão, que propõe um modelo
de integração que se vai aperfeiçoando tendo em vista adoptar um dia uma
carta fundamental comum. A finalidade de tal organismo é realizar uma
maior unidade política, económica, monetária entre os Estados-membros,
quer os actuais quer os que virão a fazer parte dele. Na sua diversidade e
a partir da identidade específica de cada uma, as referidas instituições
promovem a unidade do continente e, mais profundamente, estão ao serviço
do homem.(178)
114. Às próprias instituições europeias e aos diferentes Estados da
Europa, peço, juntamente com os padres sinodais,(179) para
reconhecerem que um bom ordenamento da sociedade deve radicar-se em
autênticos valores éticos e civis, compartilhados o mais possível
pelos cidadãos, observando ainda que tais valores são património em
primeiro lugar dos vários corpos sociais. É importante que as instituições
e os diferentes Estados reconheçam que, entre tais corpos sociais, se
incluem também as Igrejas, as Comunidades eclesiais e as outras
organizações religiosas. Com maior razão quando existem já antes da
fundação das nações europeias, elas não são redutíveis a meras entidades
privadas, mas actuam com um espessor institucional específico, que merece
ser tomado em séria consideração. No desempenho das suas competências, as
diversas instituições estatais e europeias devem agir com a consciência de
que os seus ordenamentos jurídicos serão plenamente respeitosos da
democracia, se previrem formas de « sã cooperação » (180) com
as Igrejas e as organizações religiosas.
À luz daquilo que acabo de assinalar, desejo uma vez mais dirigir-me
aos redactores do futuro tratado constitucional europeu, para que seja
inserida nele uma referência ao património religioso, especialmente
cristão, da Europa. No pleno respeito da laicidade das instituições,
espero que sejam reconhecidos sobretudo três elementos complementares: o
direito de as Igrejas e comunidades religiosas se organizarem livremente,
de acordo com os respectivos estatutos e convicções; o respeito da
identidade específica das Confissões religiosas e a previsão dum diálogo
estruturado entre a União Europeia e as citadas Confissões; o respeito do
estatuto jurídico de que já gozam as Igrejas e instituições religiosas em
virtude das legislações dos Estados-membros da União.(181)
115. As instituições europeias têm como finalidade explícita a tutela
dos direitos da pessoa humana. Nesta missão, elas contribuem para
construir a Europa dos valores e do direito. Os padres sinodais lançaram
aos responsáveis europeus este apelo: « Erguei a voz quando são
violados os direitos humanos dos indivíduos, das minorias e dos
povos, a começar pelo direito à liberdade religiosa; reservai a maior
atenção a tudo o que se refere à vida humana, desde a sua concepção
até à morte natural, e à família fundada sobre o matrimónio: são
estas as bases sobre as quais se apoia a casa comum europeia; (...)
enfrentai, segundo a justiça e a equidade e com sentido de grande
solidariedade, o crescente fenómeno das migrações, tornando-as novo
recurso para o futuro europeu; envidai todo o esforço para que aos jovens
seja garantido um futuro deveras humano com o trabalho, a
cultura, a educação para os valores morais e espirituais
».(182)
A Igreja ao serviço da nova Europa
116. A Europa tem necessidade de uma dimensão religiosa. Para
ser « nova », de modo análogo ao que se diz da « nova
cidade » do Apocalipse (cf. 21, 2), a Europa deve deixar-se penetrar
pela acção de Deus. De facto, a esperança de construir um mundo mais justo
e mais digno do homem não pode ignorar que de nada servirão os
esforços humanos, se não forem assistidos pelo apoio divino, porque,
« se não for o Senhor a edificar a casa, em vão trabalham os
construtores » (Sal 127/126, 1). Para que a Europa possa ser
edificada sobre bases sólidas, é necessário apoiar-se sobre os valores
autênticos, que têm o seu fundamento na lei moral universal, inscrita no
coração de cada homem. « Os cristãos não só podem unir-se a todos os
homens de boa vontade para trabalhar na construção deste grande projecto,
mas mais ainda são convidados a ser de algum modo a sua alma, mostrando o
verdadeiro sentido da organização da cidade terrena ».(183)
Una e universal, embora presente na multiplicidade das Igrejas
particulares, a Igreja Católica pode dar um contributo único para a
edificação duma Europa aberta ao mundo. É que, da Igreja Católica, deriva
um modelo de unidade essencial na diversidade das expressões culturais, a
consciência de pertencer a uma comunidade universal que se radica mas não
se esgota nas comunidades locais, a sensação de que aquilo que une supera
o que diferencia.(184)
117. Nas suas relações com os poderes públicos, a Igreja não pede um
regresso a formas de Estado confessional. Ao mesmo tempo, deplora todo o
tipo de laicismo ideológico ou de separação hostil entre as instituições
civis e as confissões religiosas.
Por sua vez, na lógica de uma sã cooperação entre comunidade
eclesial e sociedade política, a Igreja Católica está convencida de que
pode dar um contributo singular em ordem à unificação, oferecendo
às instituições europeias, em continuidade com a sua tradição e
coerentemente com as indicações da sua doutrina social, a ajuda de
comunidades crentes que procuram realizar o compromisso de humanização da
sociedade a partir do Evangelho vivido sob o signo da esperança. Nesta
perspectiva, é necessária uma presença de cristãos adequadamente
formados e competentes nas várias instâncias e instituições europeias, que
concorram, no respeito dos correctos dinamismos democráticos e através do
confronto das propostas, para delinear uma convivência europeia cada vez
mais respeitosa de todo o homem e mulher e, por isso, conforme ao bem
comum.
118. A Europa, que está a ser construída como « união »,
impele também os cristãos à unidade para serem verdadeiras
testemunhas de esperança. Neste âmbito, há que continuar e intensificar
aquele intercâmbio de dons que registou, neste último decénio,
significativas expressões. Realizado entre comunidades com histórias e
tradições diferentes, leva a estreitar vínculos mais duradouros entre as
Igrejas nos vários países e ao seu recíproco enriquecimento através de
encontros, diálogos e mútuas ajudas. Em especial, há que valorizar o
contributo da tradição cultural e espiritual oferecido pelas Igrejas
Católicas Orientais.(185)
Um papel importante no crescimento desta unidade podem-no desempenhar
os organismos continentais de comunhão eclesial, que esperam ver-se
mais valorizados.(186) Entre
eles, ocupa um lugar significativo o Conselho das Conferências
Episcopais Europeias, chamado, a nível do continente inteiro, a
« prover à promoção de uma comunhão cada vez mais intensa entre as
dioceses e entre as Conferências Episcopais Nacionais, ao incremento da
colaboração ecuménica entre os cristãos e à superação dos obstáculos que
ameaçam o futuro da paz e do progresso dos povos, ao robustecimento da
colegialidade afectiva e efectiva e da “communio” hierárquica
».(187) Juntamente
com ele, há que reconhecer também o serviço da Comissão dos Episcopados
da Comunidade Europeia, que, acompanhando o processo de consolidação e
alargamento da União Europeia, fornece recíproca informação e coordena as
iniciativas pastorais das Igrejas europeias implicadas.
119. O fortalecimento da união no âmbito do continente europeu estimula
os cristãos a cooperarem com todas as suas forças no processo de
integração e de reconciliação através do diálogo teológico, espiritual,
ético e social.(188) De
facto, « na Europa a caminho para a unidade política, porventura
podemos nós admitir que seja precisamente a Igreja de Cristo um factor de
desunião e de discórdia? Não seria este um dos maiores escândalos do nosso
tempo? ».(189)
Do Evangelho, um novo impulso para a Europa
120. A Europa precisa de fazer um salto qualitativo na tomada de
consciência da sua herança espiritual. O estímulo para isso só lhe
pode vir de uma nova escuta do Evangelho de Cristo. Compete a todos os
cristãos empenharem-se para satisfazer esta fome e sede de vida.
Por isso, « a Igreja sente o dever de renovar com vigor a
mensagem de esperança que Deus lhe confiou » e que repete à Europa:
« “O Senhor, teu Deus, está no meio de ti como poderoso
Salvador! ” (Sof 3, 17). O seu convite à esperança não se
fundamenta numa ideologia utópica (...). Pelo contrário, trata-se da
imorredoura mensagem de salvação proclamada por Cristo (cf. Mc 1,
15). Com a autoridade que lhe advém do seu Senhor, a Igreja repete à
Europa de hoje: Europa do terceiro milénio, “não deixes cair os teus
braços ” (Sof 3, 16); não cedas ao desânimo, não te resi- gnes
a formas de pensar e de viver que não têm futuro, porque não assentam na
sólida certeza da Palavra de Deus ».(190)
Retomando este convite à esperança, repito também hoje a ti,
Europa, que estás no início do terceiro milénio: « Volta a
encontrar-te. Sê tu mesma. Descobre as tuas origens. Reaviva as tuas
raízes ».(191) No
decurso dos séculos, recebeste o tesouro da fé cristã. Este funda a tua
vida social sobre os princípios tirados do Evangelho e divisam-se os seus
traços nas artes, na literatura, no pensamento e na cultura das tuas
nações. Mas esta herança não pertence só ao passado; é um projecto para o
futuro que deve ser transmitido às novas gerações, porque constitui a
matriz da vida das pessoas e dos povos que forjaram unidos o continente
europeu.
121. Não temas! O Evangelho não é contra ti, mas a teu favor.
Confirma-o a constatação de que a inspiração cristã pode transformar a
agregação política, cultural e económica numa convivência onde todos os
europeus se sintam em casa própria e formem uma família de nações, na qual
se possam frutuosamente inspirar outras regiões do mundo.
Tem confiança! No Evangelho, que é Jesus, encontrarás a esperança
sólida e duradoura por que anseias. É uma esperança fundada na vitória
de Cristo sobre o pecado e a morte. Esta vitória, quis Ele que te
pertencesse para tua salvação e alegria.
Podes estar certa! O Evangelho da esperança não desilude! Nas
vicissitudes da história de ontem e de hoje, é luz que ilumina e orienta o
teu caminho; é força que te sustenta nas provações; é profecia de um mundo
novo; é indicação de um novo início; é convite a todos, crentes e não
crentes, para traçarem caminhos sempre novos que desemboquem na «
Europa do espírito » a fim de fazer dela uma verdadeira « casa
comum » onde haja alegria de viver.
CONCLUSÃO
ENTREGA A MARIA
« Apareceu um grande sinal no céu: uma mulher
revestida de sol » (Ap 12, 1)
A mulher, o dragão e o menino
122. A existência histórica da Igreja é ilustrada por «
sinais », que estão à vista de todos mas que requerem uma
interpretação. Entre eles, o Apocalipse coloca o « grande
sinal » visto no céu, que fala de luta entre a mulher e o
dragão.
Na mulher revestida de sol, que, aflita com as dores de parto,
está para dar à luz (cf. Ap 12, 1-2), pode-se ver o Israel dos
profetas que gera o Messias destinado a « reger todas as nações com
ceptro de ferro » (Ap 12, 5). Mas é também a Igreja, povo da
nova Aliança, à mercê da perseguição e todavia protegida por Deus. O
dragão é « a antiga serpente, o Diabo ou Satanás, como lhe
chamam, o sedutor do mundo inteiro » (Ap 12, 9). A
luta é desigual: parece avantajado o dragão, tal é a sua arrogância
frente à mulher inerme e atribulada. Na realidade, sai vencedor o filho
que a mulher deu à luz. Nesta luta, uma coisa é certa: o grande dragão
já foi derrotado, « foi precipitado na terra, juntamente com os seus
anjos » (Ap 12, 9). Venceram-no Cristo, Deus feito homem, com
a sua morte e ressurreição, e os mártires « pelo sangue do Cordeiro
e pela palavra do seu testemunho (Ap 12, 11). E, mesmo se o dragão
continuar com a sua hostilidade, não há que temer, porque a sua derrota já
se deu.
123. Esta é a certeza que anima a Igreja no seu caminho, pois, na
mulher e no dragão, revê a sua história de todos os tempos. A mulher, que
dá à luz o filho varão, lembra-nos também a Virgem Maria, sobretudo
quando, trespassada de dores ao pé da cruz, gera novamente o Filho, como
vencedor do príncipe deste mundo. Ela é entregue a João que, por sua vez,
é entregue a Ela (cf. Jo 19, 26-27), tornando-Se deste modo Mãe da
Igreja. Através do vínculo que une Maria à Igreja e a Igreja a Maria,
esclarece-se melhor o mistério da mulher: « Maria, de facto,
presente na Igreja como Mãe do Redentor, participa maternalmente naquele
duro combate contra o poder das trevas, que se trava ao longo de toda a
história humana. E, em virtude desta sua identificação eclesial com a
“mulher revestida de sol” (Ap 12, 1), pode dizer-se que a Igreja
alcançou já na Virgem Santíssima aquela perfeição, pela qual ela se
apresenta sem mancha nem ruga ».(192)
124. Por isso, toda a Igreja tem os olhos postos em Maria.
Devido aos inúmeros santuários marianos espalhados por todas as nações do
continente, a devoção a Maria é muito viva e generalizada entre os povos
europeus.
Igreja na Europa, continua, pois, a contemplar Maria,
reconhecendo que Ela está « presente como Mãe e participa nos
múltiplos e complexos problemas que hoje acompanham a vida dos
indivíduos, das famílias e das nações », e é o « auxílio do
povo cristão, na luta incessante entre o bem e o mal, para que não caia
ou, se caiu, para que ressurja ».(193)
Súplica a Maria, Mãe da esperança
125. Nesta contemplação, animada por autêntico amor, vemos Maria como
figura da Igreja, que, alimentada pela esperança, reconhece a acção
salvífica e misericordiosa de Deus, à luz da qual lê o seu próprio caminho
e toda a história. Também hoje Ela nos ajuda a interpretar as nossas
vicissitudes na perspectiva do seu Filho Jesus. Criatura nova plasmada
pelo Espírito Santo, Maria faz crescer em nós a virtude da
esperança.
A Ela, Mãe da esperança e da consolação, dirijamos
confiadamente a nossa súplica; entreguemos-Lhe o futuro da Igreja na
Europa e o de todas as mulheres e homens deste continente:
Maria, Mãe da esperança, caminhai connosco! Ensinai-nos a
anunciar o Deus vivo; ajudai-nos a dar testemunho de Jesus, o único
Salvador; tornai-nos serviçais com o próximo, acolhedores com os
necessitados, obreiros de justiça, construtores apaixonados dum
mundo mais justo; intercedei por nós que agimos na história certos
de que o desígnio do Pai se realizará.
Aurora dum mundo novo, mostrai-Vos Mãe da esperança e velai por
nós! Velai pela Igreja na Europa: que ela seja transparência do
Evangelho; seja autêntico espaço de comunhão; viva a sua
missão de anunciar, celebrar e servir o Evangelho da
esperança para a paz e a alegria de todos.
Rainha da paz, protegei a humanidade do terceiro
milénio! Velai por todos os cristãos: que eles prossigam cheios
de confiança no caminho da unidade, como fermento para a
concórdia do continente. Velai pelos jovens, esperança do
futuro: que eles respondam generosamente ao chamamento de Jesus.
Velai pelos responsáveis das nações: que eles se empenhem na
construção duma casa comum, onde sejam respeitados a dignidade e
o direito de cada um. Maria, dai-nos Jesus! Fazei que O
sigamos e amemos! Ele é a esperança da Igreja, da Europa e da
humanidade. Ele vive connosco, entre nós, na sua Igreja. Convosco
dizemos: « Vem, Senhor Jesus » (Ap 22, 20)! Que a
esperança da glória, por Ele infundida nos nossos corações, produza
frutos de justiça e de paz!
Dado em Roma, junto de S. Pedro, no dia 28 de Junho – vigília da
Solenidade dos Apóstolos São Pedro e São Paulo – do ano 2003, vigésimo
quinto de Pontificado.
JOANNES PAULUS PP. II
Notas
(1)Cf.
II Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Europa, Mensagem
final, 3: L'Osservatore Romano (ed. port. de 30/X/1999),
566.
(2)Cf.
II Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Europa, Instrumentum
laboris, 90-91: L'Osservatore Romano (06/VIII/1999 - Supl.),
17-18.
(3)João
Paulo II, Bula Incarnationis mysterium (29 de Novembro de 1998),
3-4: AAS 91 (1999), 132-133.
(4)Cf.
João Paulo II, Carta ap. Tertio millennio adveniente (10 de
Novembro de 1994), 38: AAS 87 (1995), 30.
(5)Cf.
Alocução do « Angelus », 2: L'Osservatore Romano
(ed. port. de 06/VII/1996), 329.
(6)I
Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Europa, Declaração
final (13 de Dezembro de 1991), 2: L'Osservatore Romano (ed.
port. de 29/XII/1991), 692.
(7)
Ibid., 3: o.c., 692.
(8)Cf.
II Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Europa, Instrumentum
laboris, 3: L'Osservatore Romano (06/VIII/1999 - Supl.), 3.
(9)Cf.
João Paulo II, Homilia durante a Missa de encerramento da II Assembleia
Especial do Sínodo dos Bispos para a Europa (23 de Outubro de 1999),
1: AAS 92 (2000), 177.
(10)Cf.
II Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Europa, Mensagem
final, 2: L'Osservatore Romano (ed. port. de 30/X/1999),
566.
(11)Cf.
João Paulo II, Homilia durante a Missa de encerramento da II Assembleia
Especial do Sínodo dos Bispos para a Europa (23 de Outubro de 1999),
4: AAS 92 (2000), 179.
(12)
Ibid.
(13)Cf.
Propositio 1.
(14)II
Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Europa, Instrumentum
laboris, 2: L'Osservatore Romano (06/VIII/1999 - Supl.),
2-3.
(15)Cf.
ibid., 12-13.16-19: o.c., 4-6; Idem, Relatio ante
disceptationem, I: L'Osservatore Romano (ed. port. de
09/X/1999), 501-502; Idem, Relatio post disceptationem, II-A:
L'Osservatore Romano (11-12/X/1999), 10.
(16)II
Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Europa, Relatio ante
disceptationem, I, 1. 2: L'Osservatore Romano (ed. port. de
09/X/1999), 501.
(17)Cf.
Propositio 5a.
(18)II
Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Europa, Mensagem
final, 1: L'Osservatore Romano (ed. port. de 30/X/1999),
566.
(19)Cf.
Propositio 5a; Pont. Cons. da Cultura e Pont. Cons. para o Diálogo
Inter-Religioso, Jesus Cristo portador da água viva. Uma reflexão
cristã sobre a New Age (Cidade do Vaticano 2003).
(20)Cf.
Propositio 5a.
(21)II
Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Europa, Mensagem
final, 6: L'Osservatore Romano (ed. port. de 30/X/1999),
567.
(22)João
Paulo II, Alocução do « Angelus » (25 de Agosto de
1996), 2: L'Osservatore Romano (ed. port. de 31/VIII/1996), 397;
cf. Propositio 9.
(23)II
Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Europa, Instrumentum
laboris, 88: L'Osservatore Romano (06/VIII/1999 - Supl.),
17.
(24)João
Paulo II, Homilia durante a Missa de encerramento da II Assembleia
Especial do Sínodo dos Bispos para a Europa (23 de Outubro de 1999),
4: AAS 92 (2000), 179.
(25)Cf.
João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Christifideles laici (30 de
Dezembro de 1988), 26: AAS 81 (1989), 439.
(26)Cf.
Propositio 21.
(27)
Ibid.
(28)
Propositio 9.
(29)
Ibid.
(30)Cf.
Propositio 4, 1.
(31)João
Paulo II, Homilia durante a Missa de encerramento da II Assembleia
Especial do Sínodo dos Bispos para a Europa (23 de Outubro de 1999),
2: AAS 92 (2000), 178.
(32)II
Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Europa, Mensagem
final, 2: L'Osservatore Romano (ed. port. de 30/X/1999),
566.
(33)Cf.
Propositio 4, 2.
(34)João
Paulo II, Carta enc. Centesimus annus (1 de Maio de 1991), 47:
AAS 83 (1991), 852.
(35)Cf.
Propositio 4, 1.
(36)II
Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Europa, Instrumentum
laboris, 30: L'Osservatore Romano (06/VIII/1999 - Supl.),
8.
(37)Cf.
João Paulo II, Homilia durante a Missa de encerramento da II Assembleia
Especial do Sínodo dos Bispos para a Europa (23 de Outubro de 1999),
3: AAS 92 (2000), 178; Congr. da Doutrina da Fé, Decl. Dominus
Iesus (6 de Agosto de 2000), 13: AAS 92 (2000), 754.
(38)Cf.
Propositio 5.
(39)Cf.
João Paulo II, Carta enc. Dominum et vivificantem (18 de Maio de
1986), 7: AAS 78 (1986), 816; Congr. da
Doutrina da Fé, Decl. Dominus Iesus (6 de Agosto de 2000),
16: AAS 92 (2000), 756-757.
(40)Paulo
VI, Carta enc. Mysterium fidei (3 de Setembro de 1965): AAS
57 (1965), 762-763; cf. Sagr. Congr. dos Ritos, Instr. Eucharisticum
mysterium (25 de Maio de 1967), 9: AAS 59 (1967), 547;
Catecismo da Igreja Católica, 1374.
(41)Conc.
Ecum. de Trento, Decretum de ss. Eucharistia, cân. 1: DS
1651; cf. ibid., cap. 3: o.c., 1641.
(42)João
Paulo II, Carta enc. Ecclesia de Eucharistia (17 de Abril de 2003),
15: L'Osservatore Romano (ed. port. de 19/IV//2003), 218.
(43)Cf.
S. Agostinho, In Ioannis Evangelium, Tractatus VI, cap. I, n. 7:
PL 35, 1428; S. João Crisóstomo, Sobre a traição de Judas, 1,
6: PG 49, 380C.
(44)Cf.
Conc. Ecum. Vat. II, Const. sobre a sagrada liturgia Sacrosanctum
Concilium, 7; Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 50;
Paulo VI, Carta enc. Mysterium fidei (3 de Setembro de 1965):
AAS 57 (1965), 762-763; Sagr. Congr. dos Ritos, Instr.
Eucharisticum mysterium (25 de Maio de 1967), 9: AAS 59
(1967), 547; Catecismo da Igreja Católica, 1373-1374.
(45)João
Paulo II, Motu proprio Spes ædificandi para a proclamação de três
co-Padroeiras da Europa (1 de Outubro de 1999), 1: AAS 92 (2000),
220.
(46)Cf.
João Paulo II, Discurso na sede do Parlamento Polaco (Varsóvia, 11
de Junho de 1999), 6: L'Osservatore Romano (ed. port. de
19/VI/1999), 314.
(47)Cf.
João Paulo II, Discurso na cerimónia de despedida (Aeroporto de
Cracóvia, 10 de Junho de 1997), 4: L'Osservatore Romano (ed. port.
de 28/VI/1997), 302.
(48)II
Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Europa, Mensagem
final, 4: L'Osservatore Romano (ed. port. de 30/X/1999),
566.
(49)Cf.
Propositio 15, 1; Catecismo da Igreja Católica, 773; João
Paulo II, Carta ap. Mulieris dignitatem (15 de Agosto de 1988),
27: AAS 80 (1988), 1718.
(50)Cf.
Propositio 15, 1.
(51)
Propositio 21.
(52)II
Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Europa, Mensagem
final, 4: L'Osservatore Romano (ed. port. de 30/X/1999),
566.
(53)
Propositio 9.
(54)
Ibid.
(55)
Ibid.
(56)Cf.
Propositio 22.
(57)João
Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Pastores dabo vobis (25 de Março
de 1992), 15: AAS 84 (1992), 679-680.
(58)Cf.
ibid., 29: o.c., 703-705; Propositio 18.
(59)Cf.
Código dos Cânones das Igrejas Orientais, cân. 373.
(60)Cf.
Código de Direito Canónico, cân. 277, § 1.
(61)Cf.
Paulo VI, Carta enc. Sacerdotalis cœlibatus (24 de Junho de 1967),
40: AAS 59 (1967), 673.
(62)Cf.
Propositio 18.
(63)Cf.
ibid.
(64)II
Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Europa, Mensagem
final, 4: L'Osservatore Romano (ed. port. de 30/X/1999),
567.
(65)Cf.
Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium,
29.
(66)Cf.
Propositio 19.
(67)Cf.
ibid.
(68)II
Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Europa, Relatio ante
disceptationem, III: L'Osservatore Romano (ed. port. de
09/X/1999), 506.
(69)Cf.
Propositio 17.
(70)Cf.
ibid.
(71)João
Paulo II, Discurso aos participantes no Congresso sobre « Novas
vocações para uma nova Europa » (9 de Maio de 1997), 1. 3:
L'Osservatore Romano (ed. port. de 24/V/1997), 235.
(72)João
Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Christifideles laici (30 de
Dezembro de 1988), 7: AAS 81 (1989), 404.
(73)II
Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Europa, Instrumentum
laboris, 82: L'Osservatore Romano (06/VIII/1999 - Supl.),
16.
(74)Cf.
Propositio 29.
(75)Cf.
Propositio 30.
(76)Cf.
ibid.
(77)Paulo
VI, Exort. ap. Evangelii nuntiandi (8 de Dezembro de 1975), 14:
AAS 68 (1976), 13.
(78)Cf.
Propositio 3b.
(79)Cf.
João Paulo II, Carta enc. Redemptoris missio (7 de Dezembro de
1990), 37: AAS 83 (1991), 282-286.
(80)Cf.
II Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Europa, Relatio ante
disceptationem, I, 2: L'Osservatore Romano (ed. port. de
09/X/1999), 502.
(81)Cf.
Propositio 3a.
(82)II
Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Europa, Relatio ante
disceptationem, III, 1: L'Osservatore Romano (ed. port. de
09/X/1999), 505.
(83)Cf.
II Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Europa, Instrumentum
laboris, 53: L'Osservatore Romano (06/VIII/1999 - Supl.),
12.
(84)Cf.
Propositio 4, 1.
(85)Cf.
Propositio 26, 1.
(86)II
Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Europa, Relatio ante
disceptationem, III, 1: L'Osservatore Romano (ed. port. de
09/X/1999), 505.
(87)Paulo
VI, Exort. ap. Evangelii nuntiandi (8 de Dezembro de 1975), 41:
AAS 68 (1976), 31.
(88)Propositio
8, 1.
(89)Cf.
Propositio 8, 2.
(90)Cf.
Propositiones 8, 1a-b. 6.
(91)Cf.
João Paulo II, Exort. ap. Catechesi tradendæ (16 de Outubro de
1979), 21: AAS 71 (1979), 1294-1295.
(92)Cf.
Propositio 24.
(93)Cf.
Propositio 8, 1c.
(94)Cf.
Propositio 24.
(95)Cf.
Propositio 22.
(96)Cf.
João Paulo II, Discurso aos Presidentes das Conferências Episcopais da
Europa (16 de Abril de 1993), 1: AAS 86 (1994), 227.
(97)João
Paulo II, Discurso durante a Celebração Ecuménica da Palavra
(Catedral de Paderborn, 22 de Junho de 1996), 5: L'Osservatore
Romano (ed. port. de 29/VI/1996), 317.
(98)Paulo
VI, Carta de 13 de Janeiro de 1970: Tomos agapis
(Roma-Istambul, 1971), 610-611; cf. João Paulo II, Carta enc. Ut
unum sint (25 de Maio de 1995), 99: AAS 87 (1995), 980.
(99)João
Paulo II, Carta enc. Redemptoris missio (7 de Dezembro de 1990),
55: AAS 83 (1991), 302.
(100)
Ibid., 36: o.c., 281.
(101)Cf.
I Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Europa, Declaração
final (13 de Dezembro de 1991), 8: L'Osservatore Romano (ed.
port. de 29/XII/1991), 694; II Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos
para a Europa, Instrumentum laboris, 62: L'Osservatore Romano
(06/VIII/1999 - Supl.), 13; Propositio 10.
(102)
Propositio 10; cf. Comissão para as Relações Religiosas com o
hebraísmo, Documento « Nós recordamos: uma Reflexão sobre o
Shoah » (16 de Março de 1998): L'Osservatore Romano (ed.
port. de 21/III/1998), 144-145.
(103)I
Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Europa, Declaração
final (13 de Dezembro de 1991), 9: L'Osservatore Romano (ed.
port. de 29/XII/1991), 694.
(104)Cf.
Propositio 11.
(105)Cf.
ibid..
(106)João
Paulo II, Discurso ao Corpo Diplomático (12 de Janeiro de 1985),
3: AAS 77 (1985), 650.
(107)Conc.
Ecum. Vat. II, Decl. sobre a liberdade religiosa Dignitatis humanæ,
2.
(108)Cf.
Propositio 23.
(109)Cf.
Propositiones 25; 26, 2.
(110)Cf.
Propositio 26, 3.
(111)Cf.
Propositio 27.
(112)João
Paulo II, Carta aos artistas (4 de Abril de 1999), 12: AAS
91 (1999), 1168.
(113)Cf.
Propositio 7b-c.
(114)Cf.
João Paulo II, Discurso durante a Vigília de Oração na XV Jornada
Mundial da Juventude (Tor Vergata, 19 de Agosto de 2000), 6:
L'Osservatore Romano (ed. port. de 26/VIII/2000), 383.
(115)Cf.
Pont. Cons. para as Comunicações Sociais, Ética nas Comunicações
Sociais (4 de Junho de 2000): L'Osservatore Romano (ed. port.
de 10/VI/2000), 277-280.
(116)
Propositio 13.
(117)Cf.
Propositio 12.
(118)Conc.
Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a divina Revelação Dei Verbum,
25.
(119)Cf.
Propositio 14.
(120)Const.
sobre a sagrada liturgia Sacrosanctum Concilium, 8.
(121)Cf.
Propositio 14; II Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a
Europa, Relatio ante disceptationem, III-2: L'Osservatore Romano
(ed. port. de 09/X/1999), 505.
(122)Cf.
Propositio 15, 2a.
(123)Conc.
Ecum. Vat. II, Decr. sobre o ministério e a vida dos sacerdotes
Presbyterorum ordinis, 5.
(124)Conc.
Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 11.
(125)João
Paulo II, Carta enc. Ecclesia de Eucharistia (17 de Abril de 2003),
20: L'Osservatore Romano (ed. port. de 19//IV/2003), 219.
(126)Cf.
João Paulo II, Discurso na Audiência Geral (25 de Outubro de 2000),
2: L'Osservatore Romano (ed. port. de 28/X//2000), 504.
(127)
Propositio 16.
(128)Cf.
II Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Europa, Relatio ante
disceptationem, III, 2: L'Osservatore Romano (ed. port. de
09/X/1999), 505.
(129)Cf.
Propositio 16.
(130)Cf.
João Paulo II, Motu proprio Misericordia Dei (7 de Abril de 2002),
4: AAS 94 (2002), 456-457.
(131)Cf.
Propositio 16; João Paulo II, Carta aos sacerdotes por ocasião
da Quinta-feira Santa de 2002 (17 de Março de 2002), 4: AAS 94
(2002), 435-436.
(132)Cf.
Propositio 14c.
(133)Cf.
ibid.
(134)Cf.
Const. sobre a sagrada liturgia Sacrosanctum Concilium, 100.
(135)Cf.
Propositiones 14c. 20.
(136)Cf.
Propositio 20.
(137)João
Paulo II, Carta ap. Rosarium Virginis Mariæ (16 de Outubro de
2002), 3: AAS 95 (2003), 7.
(138)Cf.
Propositio 14.
(139)João
Paulo II, Carta ap. Dies Domini (31 de Maio de 1998), 4: AAS
90 (1998), 716.
(140)João
Paulo II, Carta enc. Redemptor hominis (4 de Março de 1979), 10:
AAS 71 (1979), 274.
(141)II
Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Europa, Instrumentum
laboris, 72: L'Osservatore Romano (06/VIII/1999 - Supl.),
15.
(142)Conc.
Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 1.
(143)João
Paulo II, Carta enc. Evangelium vitæ (25 de Março de 1995), 90:
AAS 87 (1995), 503.
(144)Cf.
Propositio 33.
(145)Propositio
35.
(146)Cf.
Propositio 36.
(147)Cf.
Propositio 31.
(148)Cf.
Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo
Gaudium et spes, 48.
(149)Cf.
Propositio 31.
(150)João
Paulo II, Discurso no III Encontro Mundial das Famílias, por ocasião do
seu Jubileu (14 de Outubro de 2000), 6: L'Osservatore Romano
(ed. port. de 21/X/2000), 481 e 484.
(151)João
Paulo II, Exort. ap. Familiaris consortio (22 de Novembro de 1981),
17: AAS 74 (1982), 99-100.
(152)João
Paulo II, Carta enc. Centesimus annus (1 de Maio de 1991), 39:
AAS 83 (1991), 842.
(153)Cf.
João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Christifideles laici (30 de
Dezembro de 1988), 40: AAS 81 (1989), 469.
(154)Cf.
João Paulo II, Discurso no I Encontro Mundial das Famílias (8 de
Outubro de 1994), 7: AAS 87 (1995), 587.
(155)Cf.
Propositio 32.
(156)Conc.
Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo
Gaudium et spes, 51.
(157)João
Paulo II, Carta enc. Evangelium vitæ (25 de Março de 1995), 63:
AAS 87 (1995), 473.
(158)
Ibid., 95: o.c., 509.
(159)João
Paulo II, Discurso ao novo Embaixador da Noruega junto da Santa Sé
(25 de Março de 1995): L'Osservatore Romano (ed. port. de
15/IV/1995), 177.
(160)
Propositio 32.
(161)Const.
past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes,
57.
(162)Cf.
Propositio 28; I Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a
Europa, Declaração final (13 de Dezembro de 1991), 10:
L'Osservatore Romano (ed. port. de 29/XII/1991), 695-696.
(163)Cf.
Propositio 23.
(164)Cf.
Propositio 28.
(165)
Propositio 34.
(166)Cf.
Congr. dos Bispos, Instr. Nemo est (22 de Agosto de 1969), 16:
AAS 61 (1969), 621-622; Código de Direito Canónico, cân. 294
e 518; Código dos Cânones das Igrejas Orientais, cân. 280-§ 1.
(167)Cf.
II Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Europa, Mensagem
final, 5: L'Osservatore Romano (ed. port. de 30/X/1999),
567.
(168)João
Paulo II, Homilia durante a Missa de encerramento da II Assembleia
Especial do Sínodo dos Bispos para a Europa (23 de Outubro de 1999),
5: AAS 92 (2000), 179.
<(169)
Propositio 39.
(170)
Ibid.
(171)Cf.
ibid.; Propositio 28.
(172)João
Paulo II, Carta ao Cardeal Miloslav Vlk, Presidente do Conselho das
Conferências Episcopais Europeias (16 de Outubro de 2000), 7:
Insegnamenti, XXIII/2 (2000), 628.
(173)Ibid.
(174)João
Paulo II, Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2000 (8 de Dezembro
de 1999), 17: AAS 92 (2000), 367-368.
(175)João
Paulo II, Carta enc. Centesimus annus (1 de Maio de 1991), 35:
AAS 83 (1991), 837.
(176)Cf.
Propositio 39.
(177)II
Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Europa, Instrumentum
laboris, 85: L'Osservatore Romano (06/VIII/1999 - Supl.), 17;
cf. Propositio 39.
(178)Cf.
João Paulo II, Discurso aos membros da Mesa de Presidência do
Parlamento Europeu (5 de Abril de 1979): L'Osservatore Romano
(ed. port. de 22/IV/1979), 3.
(179)Cf.
Propositio 37.
(180)Cf.
Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo
Gaudium et spes, 76.
(181)Cf.
João Paulo II, Discurso ao Corpo Diplomático (13 de Janeiro de
2003), 5: L'Osservatore Romano (ed. port. de 18/I//03), 27.
(182)II
Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Europa, Mensagem
final, 6: L'Osservatore Romano (ed. port. de 30/X/1999),
567.
(183)João
Paulo II, Carta ao Cardeal Miloslav Vlk, Presidente do Conselho das
Conferências Episcopais Europeias (16 de Outubro de 2000), 4:
Insegnamenti, XXIII/2 (2000), 626.
(184)Cf.
I Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Europa, Declaração
final (13 de Dezembro de 1991), 10: L'Osservatore Romano (ed.
port. de 29/XII/1991), 695-696.
(185)Cf.
Propositio 22.
(186)Cf.
ibid., 22.
(187)João
Paulo II, Discurso aos presidentes das Conferências Episcopais da
Europa (16 de Abril de 1993), 5: AAS 86 (1994), 229.
(188)Cf.
Propositio 39d.
(189)João
Paulo II, Homilia durante a celebração ecuménica por ocasião da I
Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Europa (7 de Dezembro
de 1991), 6: L'Osservatore Romano (ed. port. de 15/XII/1991),
650.
(190)João
Paulo II, Homilia durante a Missa de abertura da II Assembleia Especial
do Sínodo dos Bispos para a Europa (1 de Outubro de 1999), 3: AAS
92 (2000), 174-175.
(191)Discurso
no « Acto Europeísta » com a presença de Autoridades
Europeias e Presidentes das Conferências Episcopais da Europa (Santiago de
Compostela, 9 de Novembro de 1982), 4: AAS 75 (1983), 330.
(192)João
Paulo II, Carta enc. Redemptoris Mater (25 de Março de 1987),
47: AAS 79 (1987), 426.
(193)Ibid.,
52: o.c., 432; cf. Propositio 40.
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