Dentro de dias, mais
precisamente a 18 de maio próximo (data do aniversário de Karol Wojtyla, o
actual Papa João Paulo II), o Estado Português e a Santa Sé formalizam a
assinatura de uma nova Concordata, um convénio que, uma vez aprovado pela
Assembleia da República e ratificado pelo Presidente da República, passará a
vigorar em substituição da antiga (ainda vigente?) Concordata salazarista de
1940.
Iniciadas em 2001, no
seguimento e em consequência da aprovação da “Lei de Liberdade Religiosa”, as
negociações que conduziram à fixação dos termos daquele acordo desenvolveram-se
de modo secreto e é assim que, nas vésperas da sua assinatura formal, os
portugueses continuam oficialmente ignorantes do conteúdo do novo «tratado» que
passará a vincular o Estado Português –todos nós, portanto– e a Santa
Sé.
Sem condições para comentar, na
sua inteira extensão e especialidade, os termos do trato específico que o país
se vai comprometer a manter, quer com aquela «entidade externa», quer com a
«comunidade católica nacional», a associação cívica República e Laicidade,
estribada nas posições de princípio que defende, pode, contudo, afirmar-se
frontalmente adversa à existência daquela convenção pelas razões e com os
fundamentos seguintes:
1. Se é verdade que, pelos acordos de Latrão (estabelecidos com Mussolini, em 11 de Fevereiro de 1929), o Vaticano se passou a assumir como uma entidade independente do Estado Italiano e que, em termos internacionais e para alguns efeitos práticos, a Santa Sé se passou a afirmar como uma entidade equiparada a um «Estado Soberano», verdade também é que essa entidade – o governo central da comunidade dos católicos e a sua sede – não reúne, de todo, as condições de território, de população, de legitimidade política, de governança, etc. para poder ser considerada como uma entidade efectivamente equiparável a um «Estado» com quem a República Portuguesa possa (deva) estabelecer «tratados internacionais» ou quaisquer acordos de estatura e estatuto similar.
2. Sendo bem claro que o actual
sistema constitucional e jurídico português constitui um enquadramento
suficiente para garantir o exercício pleno da liberdade de credo e de culto dos
cidadãos, bem como os seus direitos de associação e de expressão, claro também
se torna que a Concordata – a nova, tal como a velha – só ganha sentido porque,
ao arrepio do princípio republicano e constitucional da absoluta igualdade dos
cidadãos perante o Estado e a Lei, vem estabelecer/restabelecer e
definir/confirmar no espaço cívico-jurídico nacional um estatuto específico e um
quadro especial de tratamento favorável – um regime de «discriminação positiva»,
de privilégio e de favorecimento, portanto – que o nosso país se compromete a
reconhecer e a aplicar à sua «comunidade católica».
17-05-2004
Luis
Manuel Mateus
(Presidente da Direcção)