SANTA PONTE DE ENTRE OS RIOS
Há três anos e com trágicas consequências, aluiu parte do tabuleiro da
ponte que, durante mais de um século, assegurou a travessia do Rio Douro em
Entre-os-Rios; recentemente, o Primeiro Ministro deslocou-se àquela
localidade a fim de aí inaugurar uma nova ponte destinada a reforçar as funções
da antiga que, embora entretanto dotada com novo tabuleiro, se revelava
manifestamente insuficiente para assegurar todo o tráfego da região.
Este acontecimento que envolveu igualmente um significativo número de
destacadas figuras da nossa vida política não nos mereceria qualquer comentário
especial se não se tivesse também dado o facto de aquele acto inaugural ter
integrado uma cerimónia religiosa católica, onde uma autoridade eclesiástica ( padre ?
bispo ? ) cuidou da benzedura da nova estrutura de betão
armado !
Na linha do que já tinha sido claramente disposto pela Constituição da
República (1976), a «Lei da Liberdade Religiosa»
(Lei 16/2001, de 22 de Junho) estabelece expressamente que “Nos
actos oficiais e no protocolo de Estado será respeitado o princípio da não
confessionalidade” (artigo 4º) e essa clara determinação
deveria aparentemente obviar a que situações idênticas à referida não pudessem,
de todo, ocorrer; contudo, tal como nos veio recentemente lembrar Jorge
Sampaio, em Portugal, as leis são frequentemente encaradas como meras
«sugestões» e não como normas vinculativas de comportamentos...
Mas –poderá perguntar-se– que mal pode trazer à sociedade o facto de um
padre benzer uma estrutura de betão armado? Não será essa, afinal, uma
forma simples de se acautelarem todas as possibilidades? de se prevenirem
todos os azares? de se assegurar confiança a uma
(supostamente) ainda expressiva população de crentes e supersticiosos?
Deixamos aqui essas questões em aberto, lembrando contudo que, enquanto persistirmos colectivamente em assumir atitudes de aprovação activa ou mesmo de mera indiferença perante aquele tipo de actos, estaremos a pactuar com a perpetuação das dinâmicas mais arcaizantes da nossa sociedade e a incentivar a que uma cultura da irracionalidade –a da superstição e da religiosidade primárias, mas também a do laxismo e do oportunismo mais abjectos– nos continue irresponsavelmente a governar.
Luis Manuel Mateus ( Presidente da Direcção )
7 de fevereiro de 2004