A nova Concordata, que substituirá a Concordata salazarista de 1940,
será submetida à aprovação da Assembleia da República no dia 30 de Setembro de
2004. A Associação República e Laicidade
reafirma a sua oposição de princípio a esta ou qualquer outra Concordata,
rejeição essa que se apoia nos fundamentos seguintes:
1) Se
é verdade que pelos acordos de Latrão (celebrados com Mussolini, em 11 de
Fevereiro de 1929) o Vaticano se passou a assumir como uma entidade
independente do Estado italiano, e que, em termos internacionais, a Santa Sé se
apresenta como uma entidade equiparada a um «Estado Soberano», na verdade essa
entidade (o governo central, teocrático, da comunidade católica) não reúne de
todo as condições –designadamente, de território e de população– para poder ser
considerada equiparável a um «Estado» com o qual a República Portuguesa deva
estabelecer «tratados internacionais».
2) Sendo
a Constituição portuguesa suficiente para garantir o exercício pleno da
liberdade de credo e de culto dos cidadãos, uma Concordata –a nova, tal como a
velha– só faz sentido para, ao arrepio do princípio republicano e
constitucional da igualdade dos cidadãos, estabelecer no espaço jurídico
nacional um estatuto específico que confira um tratamento diferenciado favorável
à comunidade católica. Efectivamente, uma Concordata, ao tomar a forma de um
«tratado internacional», e só podendo portanto ser alterada com o consentimento
mútuo de ambas as partes, retira ao controlo democrático os privilégios de tal
comunidade –ao contrário do que acontece com as demais igrejas e comunidades
religiosas, sujeitas a uma lei geral –a Lei da Liberdade Religiosa– revogável
pelas instâncias democráticas.
A nova Concordata –negociada secretamente, recordemo-lo– repete, em
alguns aspectos, a Lei da Liberdade Religiosa –uma Lei indesejável pois
discrimina os cidadãos em função das suas crenças e hierarquiza as confissões
religiosas–, mas contém alguns aspectos que destacam a Igreja Católica das
confissões regidas pela Lei da Liberdade Religiosa, e que também por isso nos
merecem particular preocupação:
1) O artigo 1º arrisca comprometer a República
Portuguesa com a Igreja Católica na «promoção da dignidade da pessoa humana, da
justiça e da paz», conceitos nos quais são conhecidas as divergências entre as
concepções laicas e as de origem dogmática, enquanto o artigo 4º estende essa
«cooperação» a organizações internacionais em que Portugal e a Santa Sé sejam
partes, o que faz temer pressões para o alinhamento da nossa diplomacia por
posições dogmáticas em questões como o planeamento familiar ou a bioética;
2) O artigo 7º garante a protecção estatal
contra «o uso ilegítimo de práticas ou meios católicos», o que poderá implicar
a intervenção do Estado nos conflitos internos da Igreja Católica ou, mais
grave ainda, reinstaurar o «delito de blasfémia»;
3) O artigo 15º recomenda «aos cônjugues que
contraírem o matrimónio canónico» que não se divorciem civilmente, enquanto o
artigo 16º reconhece efeitos civis à nulidade canónica do casamento;
4) O artigo 19º garante o ensino da religião
católica na escola pública, a expensas do Estado e sem a exigência de um número
mínimo de alunos, quando a escola pública deveria limitar-se a transmitir
conhecimentos e abster-se de difundir crenças;
5) O artigo 21º reconhece a «especificidade
institucional» de uma universidade privada, a Universidade Católica, o que não
acontecia na anterior Concordata;
6) O artigo 25º concede à Igreja Católica um
direito de ingerência no planeamento territorial e urbano, em todo o território
nacional;
7) O
artigo 26º confere às instituições católicas um regime de isenções fiscais
diferente daquele instituído para as comunidades religiosas regidas pela Lei da
Liberdade Religiosa.
A Associação República e
Laicidade reafirma que a Concordata é desnecessária (assim como a Lei da
Liberdade Religiosa), que deve ser interpretada como não prevalecendo contra a
Constituição, e que constitui um obstáculo à efectivação da desejável plena
igualdade de todos os cidadãos e da necessária laicidade do Estado.
Luis Mateus
(Presidente da Direcção)
Ricardo Alves
(Secretário da Direcção)
Luis de Sousa
(Tesoureiro da Direcção)
Documento entregue na reunião com o Grupo Parlamentar do PCP, e enviado aos restantes grupos parlamentares.
28/9/2004