No início do século, a gloriosa Revolução de 5 de Outubro de 1910 instaurou em Portugal um regime republicano, mais livre, mais igualitário e mais laico. Surpreendeu a muitos a facilidade com que a nova situação se impôs ao país. Contudo, nada havia de que pasmar: os ideais republicanos e laicistas estavam já difundidos por entre largos sectores da população. Durante a consolidação da República, a Lei de Separação do Estado e da Igreja seria uma das conquistas mais perenes da República. Tanto o foi, que nem a reacção conservadora e católica que sentou Salazar no poder pôs em causa aquele princípio, embora a Concordata de 1940 tenha atribuído ao catolicismo um estatuto de quase religião oficial do Estado. Paradoxalmente, após a Revolução de 25 de Abril de 1974 e uma revisão da Concordata de sentido progressista, o legado de 1910 começa a estar em risco. Aproveitando a complacência de políticos que esqueceram a pedagogia dos valores republicanos, os Monárquicos organizam-se e fascinam pela sua afluência social. Quanto à laicidade do Estado, está esquecida por todos: desde a Direita liberal e adepta do "Estado mínimo", que não critica as isenções fiscais da ICAR (um autêntico imposto escondido), passando pelo partido que se reclamou em tempos como repositário da herança laica e republicana, e que concedeu à ICAR posições na Comunicação Social e uma vitória referendária, e sem esquecer os marxistas-leninistas que desleixam o combate laicista e integram orgulhosamente nas suas listas membros do clero católico. A situação actual é tanto mais paradoxal e anacrónica quanto se assiste reconhecidamente a um movimento de abandono progressivo da religião tradicional, havendo hoje mais ateus, agnósticos e indiferentes do que crentes.
Reclamamos:
Julho de 1998