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GUINÉ-BISSAU - As fraquezas do acordo
O acordo assinado por Nino Vieira e Ansumane Mané tem várias incógnitas e não basta, só por si, para tranquilizar a população

Nino Vieira e Ansumane Mané (à direita) no aperto de mão «histórico» de 5ª feira da semana passada, sob o olhar atento do Presidente da Gâmbia
A JANGADA que, no lugar de João Landim, faz a travessia do rio Mansula continua teimosa e tristemente vazia. Foi por essa jangada que muitas dezenas de milhares de guineenses fugiram da guerra, em direcção ao Norte. O acordo celebrado no passado domingo, dia 1 de Novembro, na Nigéria, entre o Presidente Nino Vieira e o brigadeiro Ansumane Mané, não foi suficiente para tranquilizar as populações, «habituadas» a inúmeras violações do cessar-fogo.
É por essa razão que a jangada, que assegura a ligação entre as duas margens do rio cinzento de lama, não leva quase ninguém. Nela viajam alguns soldados, que trajam quase sempre à civil, com a clássica pistola-metralhadora AK a tiracolo, ou populares que precisam absolutamente de se deslocar. Os refugiados, porém, não se atrevem a refazer mais uma vez a trouxa e encetar a viagem de regresso.
É o caso de Jorge Silva, que teve de ir à procura de um medicamento urgente para uma criança com paludismo. Empregado no «Casino» de Bissau, que funciona num anexo ao café Galion, deixou a capital nos primeiros dias da guerra e refugiou-se em casa de amigos, em Bula, onde dá, para almoçar aos jornalistas, o pouco que tem para comer: pão com pepino e sal. Envergando a camisa vermelha e preta às riscas da equipa de futebol do Milão, só se dispõe a regressar «quando os soldados senegaleses se forem embora» da sua terra.
Oposição esfrangalhada
Disposição semelhante parece ser a da multidão de refugiados que se acotovelam em Safim, uma vila a cerca de 15 quilómetros ao norte de Bissau, em território desde sempre controlado pela Junta Militar e que, com o apertar do cerco à capital, quase decuplicou a sua população.
A rua principal transformou-se num enorme mercado permanente, onde é possível encontrar quase tudo aquilo que falta em Bissau: desde o arroz (a base da alimentação dos guineenses) aos refrigerantes de todas as marcas, passando por vestuário e calçado, até à carne, fruta e, sobretudo, ao gasóleo, com um litro a custar mais de 350 escudos.
Mas não é só a população que não tem confiança no acordo de Abuja. Também os políticos da oposição não se sentem em segurança para voltar à capital. Contam-se pelos dedos as figuras destacadas que teimaram em ficar em Bissau desde o início do conflito, em 7 de Junho.
Hélder Vaz é um deles. Número dois do Movimento Bafatá e deputado, foi alvo de inúmeras ameaças de morte, a ponto de passar a andar armado com uma pistola de guerra, entalada no cinto das calças e escondida pela camisa. O líder do seu partido, o médico Domingos Fernandes, está algures, incomunicável, em Canchungo.
Já o secretário-geral da União para a Mudança, o jurista Amine Saad, preferiu refugiar-se no Anura Clube, uma empresa de caça perto de Bula. «Enquanto os senegaleses não saírem, não há condições para regressar», diz.Calças de fato treino, sandálias de praia, «t-shirt» do Club Med e barba comprida, Amine Saad explica que não há segurança «Sei do que falo. O Nino mandou que me queimassem a casa. Regaram-na com gasolina e atiraram para lá uma granada. Não, não sou um 'kamikaze', acrescenta.
A retirada dos senegaleses é exigida igualmente por Kumba Ialá, o líder do Partido da Renovação Social (PRS) que esteve à beira de derrotar Nino Vieira nas eleições presidenciais de 1994, quando obteve 48 por cento dos votos. «Como deputado, recuso-me a reunir sob a ocupação militar estrangeira e ilegal», afirma Ialá.
As fraquezas do acordo
É certo que a retirada dos senegaleses, que protegem «Bissauzinho» - como a rádio rebelde chama ao último reduto de Nino Vieira -, está prevista no acordo de cinco pontos subscritos na Nigéria. Só que - e esse é uma das suas principais deficiências - não se estabelece qualquer prazo para essa saída.
O texto diz apenas que ela «efectuar-se-á simultaneamente ao estacionamento de uma força de interposição», uma proposta sempre rejeitada pela Junta Militar, que se dispunha tão somente a aceitar um grupo de observadores para fiscalizar o cessar-fogo. A força de interposição será fornecida pela ECOMOG, o braço armado da CEDEAO (Comunidade Económica para o Desenvolvimento dos Estados de África Ocidental), delas estando excluída qualquer presença dos países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
O objectivo desta força é duplo: garantir «a segurança ao longo da fronteira» do Norte da Guiné com a província senegalesa de Casamança e manter as duas partes beligerantes «separadas» em torno da capital.
Governo para 4 meses
Outro compromisso do acordo é a formação de «um Governo de Unidade Nacional», com representantes da Junta. Na conferência de imprensa concedida na capital da Gâmbia, ao regressar da cimeira de Chefes de Estado da CEDEAO realizada no passado fim-de-semana em Abuja (Nigéria), Nino Vieira comprometeu-se a fazer diligências nesse sentido a muito breve prazo.
Na ausência dos partidos da oposição, desconhece-se, porém, como é que estes serão consultados.
O novo Governo terá como principal função regularizar a vida do país, onde não há praticamente electricidade, água, telefones e transportes.
O seu mandato será de pouco mais de quatro meses, na medida em que o acordo obriga à realização de eleições legislativas e presidenciais até Março do próximo ano. Neste contexto, o perfil do primeiro-ministro assume especial importância. Ele terá que merecer o consenso da Presidência e da Junta - e, num país com poucos quadros e saído de uma guerra fratricida, não é nada fácil encontrar a pessoa indicada.
Portugal propõe comissão executiva
Quanto à Junta Militar, reivindica a indicação de nomes para as pastas decisivas do Interior, Defesa Nacional e Combatentes da Liberdade da Pátria, o que lhe permitirá a tutela das Forças Militares e de Segurança.
Consciente das fragilidades do acordo - onde foi patente a inexperiência política da delegação da Junta Militar e do próprio brigadeiro Ansumane Mané -, a diplomacia ocidental voltou quarta-feira a atravessar a linha da frente.
O embaixador Henriques da Silva - um mouro de trabalho, a que Lisboa não tem dado o devido valor -, acompanhado pelo delegado da União Europeia (o também português Miguel Amado), propôs a criação de uma comissão executiva conjunta.
Esta comissão, a funcionar nas instalações da União Europeia em Bissau, poderá ser o motor da implementação do acordo e da devolução daquele mínimo de confiança sem o qual a Guiné-Bissau não conseguirá abandonar esta perigosa paz podre em que se encontra.
José Pedro Castanheira
e Luís Filipe Catarino (fotos), enviados à Guiné-Bissau
O acordo de Abuja
Reafirmação do acordo de cessar-fogo assinado no passado dia 26 de Agosto na Cidade da Praia.
Retirada das tropas estrangeiras e envio, simultaneamente, de uma força de interposição da ECOMOG (o braço armado da CEDEAO, composta por 16 países da África Ocidental).
A força de interposição garantirá a segurança na fronteira entre o Senegal e a Guiné-Bissau (para impedir a ajuda aos rebeldes senegaleses da província de Casamança) e colocar-se-à entre as forças de Nino Vieira e de Ansumane Mané.
Será criado um Governo de Unidade Nacional, que incluirá representantes da Junta.
Serão realizadas eleições legislativas e presidenciais o mais tardar até Março de 1999, supervisionadas pela CEDEAO, pela CPLP e pela comunidade internacional.
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