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Expresso 25 anos

21-NOV-1998

A guerra das rádios


Foto-Sem jornais, sem televisão e sem telefones, a rádio a pilhas tornou-se num bem indispensável. Na guerra entre as duas emissoras, a vitória foi para o «Nuno Grilo», da Junta

SÃO 17 horas. Uma sentinela do palácio presidencial liga o transístor, puxa a antena e sintoniza o posto. Às primeiras palavras, logo um outro guarda se aproxima, para também ele sorver as notícias. No ar, o som inconfundível da BBC, que emite no seu serviço em português e que é retransmitido pela Rádio da Junta Militar, a voz do inimigo... No palácio, na base aérea de Bissalanca, na linha da frente, por todo o lado onde haja um aparelho a pilhas, a Guiné detém-se para ouvir as notícias da guerra e da paz.

Sem jornais desde 7 de Junho e com a televisão reduzida às escassas antenas parabólicas do centro de Bissau, é pela rádio que chega a informação – um bem que, em tempo de guerra, é quase tão precioso quanto o arroz e a mandioca. Cada um dos beligerantes controla uma estação radiofónica, ambas em FM. A versão da Presidência faz-se ouvir através da Rádio Nacional, nas frequências de 98,0 e 100,0; os rebeldes, por sua vez, apoderaram-se da Rádio Bonbolom, uma das estações privadas existentes, prontamente baptizada de Rádio Voz da Junta Militar e sintonizada em 91,5 e 106,2. Com as antenas situadas depois do poilão de Brá, em território dos revoltosos, o posto emissor foi um dos alvos mais cobiçados pelas tropas fiéis a Nino Vieira. Em seu redor, não houve nesga de terra que não levasse com um obus, mas, fosse por milagre dos deuses e irãs, fosse por má pontaria dos artilheiros, a antena resistiu incólume.

Cada um dos lados tem explorado a sua rádio até à exaustão. Ela é veículo de informação, de propaganda, de ataques e contra-ataques, mas também de passatempo e distracção. À míngua de outros meios de comunicação, a rádio da Junta serve de veículo de mensagens, avisos e recados entre ouvintes, mas também de informações codificadas entre o comando e as várias frentes. É pela rádio que se fazem apelos à guerra e propostas de paz, que se dão ultimatos e se negoceiam tréguas.

A rádio da Junta parece bater largamente a concorrente em termos de audiência e impacto. Certamente que a BBC ajuda, assim como a Rádio Renascença e a RDP-África, cujos principais serviços noticiosos são retransmitidos pelos homens de Ansumane Mané. Mas nesta peculiaríssima guerra de audiências, quem dá cartas é o pivot da rádio rebelde, conhecido pelo nominho de «Nuno Grilo». Isidoro Afonso Rodrigues, de seu nome próprio, há cinco meses que não larga o microfone. Boné militar, a que prendeu um emblema da SIC, «Nuno Grilo» é um especialista em relatos de futebol. Nos anos de forte aperto económico, segundo o receituário do FMI, Grilo emigrou para Portugal, onde trocou as ondas hertzianas pelo trabalho braçal na construção civil. Sportinguista ferrenho, os seus modelos são os clássicos do radialismo desportivo português, como Artur Agostinho, Ribeiro Cristóvão «e o saudoso Alves dos Santos». Um dos seus maiores desejos é ser assinante do jornal «A Bola».

O seu homólogo da Rádio Nacional é Baciro Dabó. Tão desbocado quanto o seu rival, é no entanto de um outro estilo. Alto e forte, o traje preferido é o camuflado de guerra. Critica os jornalistas portugueses, diz que cursou na TSF e não esconde que pertence aos serviços secretos.

Ambos travam uma batalha particular, com a audiência a inclinar-se para o «Nuno Grilo» – ou a Junta não fosse a vencedora virtual do conflito. Ele próprio é uma das figuras desta guerra. Sentado ao microfone, voz cavernosa, sempre de improviso, é como se estivesse em comício permanente. O alvo preferido é Nino Vieira. Num recente domingo de especial inspiração, o Grilo desancou forte e feio no Presidente: «Criminoso, bandido, assassino, mentiroso...» Até «satanás» lhe chamou! Ao fim de cinco meses, ele aprendeu a manejar a rádio como se de uma arma de guerra se tratasse. Compara-a mesmo aos temíveis «órgãos de Estaline», a que ambos os lados da peleja já recorreram.

Acompanhado por Deus


Foto-A carcaça de um tanque T-55, de fabrico soviético, pertencente ao exército da Guiné-Conacri. Abatido na linha da frente, está à vista dos rebeldes e das tropas senegalesas

SERÃO dois ou três mil, talvez mais, os efectivos senegaleses que vieram em auxílio de Nino Vieira. Com a esmagadora maioria dos militares guineenses do lado do inimigo, o Presidente não teve outro remédio senão recorrer à ajuda dos países vizinhos: o Senegal e a Guiné-Conacri.

«Fox-trot» é um dos militares que o Presidente Abdou Diouf enviou para defender o seu homólogo - e, já agora, para tentar resolver o problema da guerrilha de Casamança, que há mais de 15 anos reclama a independência dessa província do Senegal.

Sargento-ajudante, está no quarto e último posto de controlo senegalês da auto-estrada para o aeroporto, junto ao hotel Hotti. Militar profissional, «Fox-trot», de 43 anos, tem uma larga folha de serviços, que inclui o Chade, a Libéria, o Zaire, o Líbano, integrado ou nas forças da Ecomog ou nos capacetes azuis das Nações Unidas. E Casamança, claro, «várias vezes». Pistola-metralhadora francesa ao ombro, capacete de aço, botas civis, nunca foi ferido. «O bom Deus tem estado sempre comigo», explica, com um sorriso triste a mostrar os dentes estragados. O que mais teme, porém, é «esta guerra de guerrilha, de 'cache-cache'». Foi dos primeiros a chegar à Guiné, julga que será dos primeiros a partir. «Não falo com a família há meses. E há o paludismo...»

À sua volta, garante, «são todos 'des ancients'». Quase todos, porque o soldado que cava uma trincheira tem todo o ar de ser novato. O mesmo acontece com um outro, de sandálias de plástico, sentado a mascar uma noz de cola e que estremece de cada vez que se ouve uma explosão ou uma rajada. Mais batido é o capitão, que, bem humorado, pergunta se não queremos «um capacete e um colete». Boina castanha, feia cicatriz na face e revólver à cintura, declara-se «um não-violento. Defendo o diálogo e a paz. Infelizmente, sou militar». O capitão é de um pequeno lugar do Norte do Senegal, Changai. «Lê-se da mesma maneira que a grande cidade chinesa de Xangai, mas escreve-se com Ch.»

Isolado e sem saber crioulo nem português para ouvir as notícias, «Fox-trot» não tarda muito a pedir aos jornalistas dados sobre a situação. A última nova, contamos, é a tomada de Bafatá pelas forças da Junta. Céptico mas experimentado, indaga: «Tem confiança na sua fonte?» «Absoluta», respondemos; «é a Cruz Vermelha Internacional». Mudo e convencido, o sargento afasta-se, para conferenciar com os seus.

Dias depois, voltamos a cruzar o controlo do hotel. A dirigir as operações de identificação das viaturas e passageiros, lá está o capitão de Changai com Ch. Ao reconhecer os jornalistas, volta a perguntar: «Então não querem que vos empreste capacetes?» A seu lado, «Fox-trot», já de chapéu, está bem mais descontraído. Pudera: o cessar-fogo parece ter-se instalado solidamente. À vista do maço de tabaco que lhe estendemos, o seu olhar ilumina-se. Agradece e remata: «Que o bom Deus nos proteja a todos!»

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