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30-1-99
Bispo de alma guineense

D. Septímio Ferrazzetta, bispo de Bissau, na capital guineense em Outubro passado: as várias missões da diocese transformaram-se em centros de acolhimento
O BISPO da Diocese de Bissau, D. Septímio Arturo Ferrazzetta, falecido na terça-feira à noite na capital guineense, aos 74 anos, consagrou mais de metade da sua vida à Guiné-Bissau, onde chegou em 1955. O «senhor bispo», como era designado pela maioria das pessoas, começou a atrair as atenções a partir de 1977, altura em que se tornou a mais alta autoridade eclesiástica do país e foi nomeado representante da Santa Sé em Bissau.
Quando se deu o conhecido «caso 17 de Outubro», que levou à condenação e fuzilamento do ex-ministro da Defesa Paulo Correia e mais quatro personalidades guineenses, em 1986, D. Septímio bateu-se pelo perdão dessas pessoas, entre as quais figurava igualmente o advogado Viriato Pã, antigo procurador-geral da República e ex-seminarista.
Desde então, não cessaram as intervenções públicas do bispo a favor do respeito pelos direitos humanos, a par com as actividades da diocese, de apoio a inúmeros projectos comunitários espalhados pelas regiões do interior - em muitos casos as únicas acções de desenvolvimento, sem as quais as populações ficariam entregues a si próprias.
A última obra
A cessação do conflito armado que eclodiu em 7 de Junho último foi a última obra realizada por D. Septímio em benefício da Guiné.
A crise rebentou na sua ausência, no dia em que se preparava para seguir de Lisboa para Bissau, após um tratamento em Itália. Apesar da idade avançada e dos problemas cardíacos, viajou de imediato para a capital do Senegal, Dacar, de onde seguiu por via terrestre para a Guiné, percorrendo mais de 600 quilómetros. Chegou a Bissau a 16 de Junho, dia em que teve lugar uma das mais violentas batalhas entre os rebeldes da Junta Militar e as tropas do Senegal aliadas do Presidente Nino Vieira.
Conhecendo quase todos os principais protagonistas da sociedade guineense e sendo conhecido pelo prestígio do seu trabalho à frente da Igreja Católica de Bissau, foi designado presidente da Comissão de Boa Vontade.
Composta por deputados, personalidades religiosas e dirigentes de organizações não-governamentais, esta comissão dedicou-se desde a primeira semana do conflito a estabelecer o diálogo entre o chefe de Estado e o líder da Junta Militar.
Sob o estrondo da metralha e apesar da intransigência inicial dos beligerantes, o bispo encabeçou várias missões de apaziguamento, para defender a causa da paz, ouvir as propostas de uns e outros. A coragem e o optimismo que revelou nesses dias difíceis impressionaram e encorajaram todos os que estavam envolvidos no processo de pacificação da Guiné-Bissau.
Numa altura em que toda a crítica à intervenção senegalesa era encarada com hostilidade pelas forças governamentais, D. Septímio não teve receio de denunciar as atrocidades cometidas pelo contingente do Senegal em Mansoa. Do mesmo modo que não hesitou em reconhecer o brigadeiro Ansumane Mané como um interlocutor válido, ao elogiar em diversas ocasiões o humanismo do ex-chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas guineenses. As primeiras tréguas, estabelecidas em fins de Julho, foram também obra sua.
Quando caiu e fracturou o fémur, em Novembro, e foi retirado de maca para o estrangeiro, ainda encontrou energias para contactar, a pedido da Junta Militar, personalidades guineenses no exterior susceptíveis de ocuparem o cargo de chefe do Governo de transição.
Os guineenses perceberam o papel fundamental deste homem na promoção da paz, sobretudo os que viram as imagens do bispo de calças arregaçadas e pés sujos de lama durante a travessia do rio Cumeré. Até hoje, muitos guardam religiosamente a gravação dessa reportagem transmitida pela SIC e lamentam o seu desaparecimento físico, justamente agora, com a normalização próxima.
Ensino e pedagogia
Contudo, antes mesmo da guerra, este franciscano já tinha conquistado a simpatia dos guineenses. Foi um dos fundadores da leprosaria de Cumura, nos arredores da capital, onde trabalhou muitos anos e que durante o conflito serviu de campo de refugiados para milhares de deslocados.
D. Septímio contribuiu também decisivamente para o desenvolvimento e a democratização do país. Neste último aspecto, nas suas homilias dominicais, D. Septímio pregava sempre a necessidade da mudança dos métodos de governação, como resposta ao atraso económico e social que aflige o povo da Guiné-Bissau.
Quanto ao desenvolvimento, é também notório na área do ensino. A maioria dos estabelecimentos escolares das antigas missões católicas que tinham sido confiscadas pelo Governo após a independência foram novamente entregues à gestão da Igreja - e são praticamente as únicas que funcionam actualmente em Bissau. No início deste mês começaram as aulas no Liceu João XXIII, pertencente à diocese, o maior da capital, e que pela primeira vez na história do país vai facultar aulas de informática aos alunos do ensino secundário.
Nando Coiaté
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