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Canal Público     em: 02-FEV-1999

Guerra Total em Bissau

Por JORGE HEITOR



A guerra reacendeu-se em pleno, talvez mais forte do que nunca, na Guiné-Bissau. Há notícia de barcos supostamente franceses e senegaleses a bombardearem áreas em poder da Junta Militar, que responde de Cumeré. Ninguém sabe ao certo a quem é que cabe a responsabilidade deste regresso às armas; e as populações voltam a sofrer, tendo-se registado nas últimas 24 horas dezenas de mortos e centenas de feridos. A situação é desesperada.

"Algumas embarcações francesas e senegalesas estão a bombardear o aeroporto de Bissalanca" (onde funciona o quartel-general da Junta Militar), disse ontem à noite ao PÚBLICO, por telefone, da missão de Cumura, um padre italiano que se deslocara à Guiné-Bissau para o funeral do bispo, D. Arturo Septimio Ferrazetta.

"Continua a haver gravíssimos bombardeamentos, com armas pesadas. A partir do Canal do Geba bombardeiam tanto o aeroporto como a localidade de Cumeré, de onde respondem militares da Junta", acrescentou o padre Sérgio, segundo o qual a situação é muito má na estrada que liga a capital ao aeroporto de Bissalanca, passando pelo Hotel Hotti, actualmente encerrado.

A situação é verdadeiramente caótica em toda a área da cidade de Bissau, com dezenas de mortos e centenas de feridos, segundo as diferentes fontes contactadas. E ninguém é capaz de dizer com toda a clareza quem foi o principal responsável pelo recomeço dos combates, no domingo e ontem, se os homens da Junta Militar, se os soldados do Senegal e da República da Guiné (Conacri) que estão ao lado do Presidente João Bernardo Vieira, "Nino".

Contactado na Cúria episcopal, na zona de confluência entre as forças governamentais e os revoltosos, outro missionário, o padre Marco, declarou ao PÚBLICO que a situação era "medonha", com rebentamentos muito fortes, numa frente muito alargada. A diocese pediu já a ambas as partes que interrompessem as hostilidades.

De Lisboa, Marcolino Moco, secretário-geral da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), enviou mensagens ao Presidente da República da Guiné-Bissau e ao comandante da Junta Militar, a solicitar a aplicação de tudo o que estava acordado: retirada dos soldados estrangeiros que desde Junho do ano passado estão no país e tomada de posse de um governo de transição, para que, em finais deste ano, possa haver eleições presidenciais e legislativas.

Algumas informações dos últimos dias dão conta de terem sido vistos soldados brancos na área de Bissau, aparentemente alguns assessores franceses das tropas do Senegal; ou, pelo menos, corpo de protecção à embaixada da França, que até agora tem continuado a funcionar, se bem que em instalações diferentes das iniciais.

Portugueses estão bem

De acordo com declarações que o secretário de Estado das Comunidades, José Lello, fez ontem à TSF, em Lisboa, os perto de 180 portugueses residentes na Guiné-Bissau estão bem e apenas dois se dirigiram à embaixada a pedir apoio humanitário, não estando previsto de imediato que sejam repatriados.

Ao largo de Bissau, com 146 soldados do Níger e 145 do Benim, para a Ecomog, força de interposição da CEDEAO (ver texto nestas páginas) que já tinha no terreno 110 togoleses, encontrava-se um navio da Armada francesa, o "Siroco", comandado por Thierry O'Neal, que, segundo a Reuters, mandou suspender o desembarque devido à intensidade da luta.

O maior dos quatro helicópteros do "Siroco" seguiu para terra, a fim de retirar algumas pessoas, que O'Neal não especificou quem eram, mas que poderiam ser os poucos funcionários que a França ainda mantinha em Bissau. Ou colaboradores próximos de "Nino" Vieira.

De acordo com a Reuters, o plano inicial dos franceses, nesta sua missão de apoio logístico à Ecomog, era desembarcarem as tropas africanas para pequenas embarcações, ao largo de Bissau, depois do que o "Siroco" regressaria a Dacar.

Em Portugal, o presidente da Associação Guineense de Solidariedade Social, Fernando Ká, comentou que "ninguém pode ficar de braços cruzados" perante este conflito que já trouxe para Lisboa pelo menos três mil guineenses, desde Junho, num fluxo que tende a aumentar e que inclui algumas das pessoas mais qualificadas do seu país.

"Não acredito que isto vá acabar tão depressa. Só por milagre. Ninguém sabe o que é que vai acontecer. Não há no terreno pessoas capazes de resolver a situação", acrescentou Ká, para quem a Guiné-Bissau está a ficar um país inviável, tal como antes dela a Libéria e a Serra Leoa.

"Quando não se sabe fazer as coisas, não se deve fazê-las", disse ainda o dirigente da comunidade guineense, numa crítica implícita à Junta Militar, que deu o golpe e depois não foi capaz de reformular o país, tendo-se limitado a encostar à parede o Presidente "Nino" Vieira, que não é a única fonte dos males do país.

"Enquanto o PAIGC não desaparecer não há paz", sublinhou Ká, depois de recordar que os homens da Junta foram durante décadas criaturas do partido que desde 1974 se encontra no poder e que não foi capaz de retirar os guineenses da miséria.

"Assalto final"

Ao longo do dia de ontem, o tom das duas únicas emissoras existentes na Guiné-Bissau, a Rádio Nacional e a Rádio Bombolom, esta ao serviço dos rebeldes, foi extremamente bélico, com frases como "assalto final" e ameaças de completo aniquilamento da parte contrária.

Segundo a Junta, desmentida pela Presidência da República, o reacender da guerra foi da autoria das forças leais a "Nino" Vieira, apoiadas pelos senegaleses. E ela própria não teria qualquer interesse nesta situação, uma vez que assinara um documento sobre a consolidação do contingente da Ecomog que iria permitir a partida das tropas de Dacar.

A verdade, porém, é que muita gente mais ligada ao processo vinha, já há semanas, a dizer que a guerra iria muito provavelmente recomeçar, dado quase ninguém se encontrar satisfeito com o compromisso que fora estabelecido em Abuja. Isso mesmo chegou a declarar ao PÚBLICO, nomeadamente, o deputado Soares Sambú, do PAIGC, próximo do antigo ministro Hélder Proença, que está a tentar organizar um congresso extraordinário para afastar "Nino" Vieira da liderança partidária.

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