A PSICOSE DO RACIONAMENTO



Está lançada a mais nova psicose na praça: o racionamento de energia elétrica que assola o país. A coisa está tomando tais proporções que, para nós, o leão do imposto de renda não mete mais medo, agora é pinto: não ruge mais, pia... Só se fala nisso, é a obsessão da moda. Até o futebol noturno ficou às cegas, já não andasse ele mal das pernas e dos pés. As pessoas andam temerosas à noite nas ruas em lusco-fusco, olhando em volta desconfiadas, como se qualquer passante fosse um assaltante em potencial. Anteontem, lá pelas onze da noite, seguia eu meu caminho a pé de volta à casa após um ensaio, sobraçando temerariamente minha pasta onde se aninhava uma flauta Miyazawa de prata. Pela primeira vez na vida, senti-me em estado de semi-pânico, olhando de esguelha para os lados, super-desconfiado, quase conformado com a perda iminente do instrumento. Próximo ensaio vou levar um apito em vez da flauta. Senti-me cercado pelas forças invisíveis do mal, desviando de qualquer grupinho inocente a bebericar na calçada. Se algum conhecido viesse me cumprimentar naquele momento, certamente sairia eu correndo gritando à procura do primeiro guarda que encontrasse. 

Dias atrás, estava calculando o que cortar para diminuir o consumo. Forno elétrico não pode, idem micro-ondas, ferro de passar só uma vez por mês, freezer, máquina de lavar, chuveiro elétrico nunca, aparelhos em stand-by, computador só uma vez ao dia, etc etc. A que ponto chegamos, graças à imprevidência e incompetência do governo. Cadê as linhas de transmissão que poderiam nos trazer eletricidade lá do sul, onde os reservatórios estão transbordando? E FHC na Europa. Cadê os competentes técnicos e doutores no assunto que não conseguiram sensibilizar os setores governamentais e privados a investir no problema? E FHC na Europa. Cadê nosso presidente, otimista como sempre, mesmo às escuras e sabendo da crise que se anunciava há, pelo menos, uma década? Estava na Europa ou na matriz. Por este descaso com a coisa pública, estamos agora submetidos a limites quase intoleráveis de restrições, humilhados e inertes como é hábito do povo brasileiro.

Enquanto isso, o dólar vai à estratosfera, os juros também sobem, a recessão surge sombria no horizonte. O que será de todos nós, sem a esperança de avistar alguma luz no fim do túnel? Por tudo isso, e por estar saturado de calcular KWh, economias, sobretaxas, percentagens, multas, cortes e sei lá mais o que, esta crônica é curta. Afinal, estou consumindo energia elétrica enquanto digito. Só me falta calcular quanto. 




André Luiz Medeiros


 

        

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