Excursão 68. Um momento histórico para o futebol brasileiro. Até a imprensa foi chamada por Aymoré Moreira.

O DIA EM QUEM O FUTEBOL MUDOU

Admildo Chirol         

 

A Copa do Mundo de 1966, realizada na Inglaterra e ganha pelos ingleses, só teve um país da América do Sul classificado para as quartas de final, o Uruguai, derrotado pelos alemães, por 4x0. E foi pouco.
Isso veio comprovar, não só a total superioridade dos países europeus sobre os sul-americanos, que até então, representado pelo Brasil, mantinham a hegemonia do futebol mundial, mas também pelo inicio de uma nova fase no futebol mundial.
A copa de 1966 pode ser considerada um dos marcos na história do futebol, terminava a era do "JOGAR E DEIXAR JOGAR", que durou de 50 a 62, e se iniciava a fase do "JOGAR E NÃO DEIXAR JOGAR " , tendo como principal objetivo ocupar com a maior rapidez os espaços do campo e utilizar uma marcação mais severa e rígida, exercida também pelos jogadores de ataque quando da perda da bola.
Quanto mais se diminui os espaços do campo, em um jogo coletivo, pela movimentação constante dos seus participantes, o contato físico se verifica com mais freqüência, tornando o jogo mais ríspido, mas, se jogado dentro das regras estabelecidas, não pode ser considerado como violento.
No Brasil interpretaram mal, chegando até a chamar de futebol-força
( no sentido da violência) o jogo empregado pelos europeus , traduzindo um sentimentalismo patriótico, talvez, pelo que ocorreu com o Pelé no jogo contra Portugal, quando ele foi perseguido duramente e fomos eliminados. Absolutamente não foi esse fato isolado que determinou o nosso afastamento. Devemos é reconhecer que a seleção de Portugal era excelente, a melhor que já teve. Revelou o artilheiro da copa, Euzébio, e conquistou o terceiro lugar.
Na verdade o futebol chamado Força, empregado pelos europeus, foi no sentido do preparo físico: força, resistência e velocidade com suas variantes, para poder executar um plano tático previamente elaborado.
Os Europeus, conscientemente prepararam um planejamento para combater a técnica e habilidade dos sul-americanos e, em especial, o sistema tático empregado pelo Brasil que tinha sido vitorioso nas copas de 58 e 62.


A primeira vez que eu tive a oportunidade de ir à Europa, foi em 1968, com a Seleção Brasileira, na função de Preparador Físico, tendo como chefe
Dr. Almeida Braga, o técnico o Aymoré Moreira e o médico o Dr. Lídio Toledo.
Era me dada a chance de ver e sentir de perto essa radical mudança de mentalidade
ocorrida no futebol.

Foi a primeira excursão feita pela Seleção brasileira à Europa, após a Copa de 66.
Iniciamos a excursão jogando em Stutgart contra a seleção da Alemanha, vice-campeã da copa de 1966, sendo derrotados por 2x1, placar que de forma alguma refletiu a total superioridade da equipe adversária sobre a nossa seleção.
A derrota para a Alemanha, logo no primeiro jogo, não deixava dúvidas que o sistema empregado pela Seleção brasileira estava superado. Ainda mais que não possuíamos um jogador das características do Zagallo de 58 e 62 que, além de ter uma resistência orgânica extraordinária, possuía talento e inteligência suficientes
para vir ajudar o meio campo, fazendo o terceiro homem, dando a necessária consistência àquele setor, somando-se ainda , outras deficiências que eram evidentes na equipe.
Estávamos jogando em um puro 4-2-4, com a defesa sempre em linha, com o meio do campo formado somente por dois jogadores e o ataque que não participava de nenhuma ação defensiva.

Muitos fatos importantes aconteceram durante a excursão que serviriam de subsídios para uma profunda reflexão do futebol brasileiro à uma nova realidade
que se processava no futebol mundial, especialmente no futebol europeu.

Carlos Alberto Parreira, meu ex-aluno da Escola Nacional de Educação Física e Desportos, que eu em 1970 convidaria para integrar a equipe de preparadores da Seleção Brasileira, estava na mesma época fazendo um estágio de futebol na Alemanha. Aproveitou a oportunidade e veio a Stutgart, para assistir ao jogo amistoso entre seleções do Brasil e da Alemanha. Tirou fotos em slides, de uma posição privilegiada, com senso didático, registrando o comportamento tático das duas equipes. Esses slides, posteriormente, forneceram dados importantíssimos para ratificar o que havia ocorrido naquele jogo, trazendo uma imagem viva que poderíamos usar a qualquer momento nas nossas reuniões , afim de mostrar aos jogadores a necessidade urgente de operar mudanças. Nas palestras que faço, no meu passeio sobre a história do futebol, até hoje exibo esses slides, e comento sobre a sua efetiva contribuição prestada às transformações que ocorreram.

No dia seguinte, promoveram uma reunião da comissão técnica com a imprensa brasileira composta por 130 jornalistas que faziam a cobertura, para um debate sobre o jogo da véspera.
Aimoré Moreira, com muita sabedoria, revelou que aquele jogo servia para mostrar, o quanto o futebol brasileiro estava desatualizado e que medidas urgentes teriam de ser tomadas por todos ligados ao futebol, jogadores, técnicos, mídia..., a fim de que fosse feita uma completa reformulação.
Conclusão: somente a técnica e a habilidade já não eram suficientes para vencer uma copa do mundo.
Cabe lembrar que o Aymoré, fora o técnico da seleção brasileira na copa de 1962, bi-campeã mundial.
Quanto a mim, responsável pela preparação física da seleção, declarei na oportunidade, que o rendimento físico de uma equipe está diretamente relacionado ao comportamento tático da equipe e que, para atender os ditames da dinâmica que foi posta em prática pela seleção Alemã, teríamos de desenvolver um trabalho que viesse a aprimorar ainda mais o condicionamento fisico-orgânico dos jogadores. Resumindo: a técnica, a habilidade dos nossos jogadores, continuava sendo de fundamental importância, mas teríamos que correr muito mais.
Aymoré, depois de terminada a reunião me confidenciou:
Chirol, ainda bem que o Pelé não está conosco ( tinha sido dispensado pela CBD, para jogar pelo Santos) , por que se ele estivesse aqui, poderia fazer uma ou mais jogadas de gênio, fazer gols, sei lá, e até mudar o resultado da partida.
E acrescentou: E o pior é que se isso acontecesse, continuaríamos iludidos.
Aymoré, sentiu que alguma coisa tinha de ser feita. E fez.
O nosso próximo compromisso seria contra a Polônia em Varsóvia.
Para dar mais consistência e mobilidade ao meio campo, sem perder qualidade. Optou pela inclusão de Rivelino, retirando o Denilson, que absolutamente não era o culpado isolado do fracasso perante a Alemanha, mas que no pensamento do treinador, aquela seria a melhor opção.
Ai surgiu um problema que acabaria sobrando para mim. E é nesse ponto que se sente a necessidade do treinador ter uma pessoa ao seu lado, em quem confia e tem afinidade, para dialogar, para tomar decisões e por vezes até aparar arestas.

Gerson, o nosso querido papagaio e companheiro do Botafogo, não tinha um bom relacionamento com o Aymoré. Coisas do passado.
Procurou-me (tínhamos um excelente relacionamento) e disse:
-Chirol, não vou jogar. Ele (Aymoré), quer que eu seja cabeça de área, e essa não é a minha função, não é o meu estilo.
-Calma garoto, eu vou falar com ele e tudo se resolve.
Mas ele sentia, que com a saída do Denilson e a entrada do jovem Rivelino, quem ficaria mais atrás, principalmente pela sua experiência, não poderia ser outro.
Fui falar com o Aymoré, pessoa educada e de bom diálogo.
- Aymoré, temos um pequeno problema, tentando minimizar o fato.
- O Gerson disse que não joga de cabeça de área, e agora?
- Não, Chirol, não é bem assim, diga a ele que será estabelecido um revezamento entre ele e o Rivelino e que o Tostão também voltará para ajudar o meio campo e que o comportamento da equipe será outro no aspecto coletivo, vai dar tudo certo.
E deu.
Não tive nenhum trabalho para convencer o Gerson. Jogamos contra a Polônia, vencemos bem por 6 a 3, com Gerson fazendo um gol, e pela primeira vez jogaram
juntos os três célebres canhotos que seriam espetaculares e decisivos na copa de 70: Gerson, Tostão e Rivelino.
Criava-se, a partir desse momento, para o futebol brasileiro, uma nova mentalidade voltada para as transformações verificadas no Futebol, após a copa de 1966. Num processo com muitas alternativas (que se constituem numa outra história a ser contada), após aquela excursão à Europa em 68 o futebol brasileiro conseguiu assimilar e adaptar-se à nova realidade, culminando com a conquista definitiva da Taça Jules Rimet, pela seleção brasileira, na Copa de 1970 no México.


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english version

The Day when the soccer changed

 

The Cup of the World of 1966, accomplished in England and conquered by English, only had a country of South America classified for the quarters-finals, Uruguay. And in that phase, it was beaten by the Germans, for the score of 4x0. That came to check, not only to total superiority of the European countries on the South Americans, that until then, represented by Brazil, they maintained the hegemony of the world soccer, but also for the beginning of a new phase in the world soccer.

The cup of 1966 can be considered one of the marks in the history of the soccer, it finished the era of the " to PLAY AND to LET to PLAY ", that it lasted from 50 to 62, and the phase began of the " to PLAY AND not to LET to PLAY ", tends as main objective to occupy with the largest speed the spaces of the field and to use a more severe and rigid vigilance, also exercised by the attack players when of the loss of the ball. The more diminishes the spaces of the field, in a collective game, for the its participants' constant movement, the physical contact is verified with more frequency, turning the game more hard, but, if played inside of the established rules, it cannot be considered as violent.

In Brazil they interpreted badly, arriving to call of soccer Forces, in the sense of the violence, the game used by the Europeans, translating a patriotic feelings, perhaps, for the that happened with Pelé in the game against Portugal, when he was reached hardly in a throw and we were eliminated. That isolated fact did not determined our good-bye. We have to recognize that the team of Portugal was excellent, the best than they already had - it revealed the main scorer of the cup, Euzébio, and it finished in the third place.

Actually the soccer called Force, used by the Europeans, was in the sense of the physical skills: it forces, resistance and speed with its variants, to execute a tactical plan previously elaborated. The Europeans, consciously prepared a planning to combat the technique and ability of the South Americans and, especially, the tactical system used by Brazil that had been victorious in the cups of 58 and 62.

The first time that I had the opportunity to go to Europe, it was in 1968, with the Brazilian Selection, in Physical Coach's function, in a delegation led by Mr.Almeida Braga. The coach was Aymoré Moreira and the doctor was Dr. Lídio Toledo. The chance was given of to see and to feel that radical mentality change closely happened in the soccer

It was the first trip done by the Brazilian team to Europe, after the Cup of 66. We began the trip playing in Stutgart against Germany, vice-champion of the cup of 1966, being defeated by 2x1, score that in way some contemplated to total superiority of the Germanic team about the ours. The defeat to Germany, soon in the first game, didn't leave doubts that the system employed for the Brazilian Team was overcome. Still more than we didn't have a player of the characteristics of Zagallo of 58 and 62 that, besides having an extraordinary organic resistance, it had talent and enough intelligence to come to help the middle field, making the third man, giving the necessary consistency to that sector, being still added, other deficiencies that were evident in the team. We were playing in a pure one 4-2-4, with the defense always in line, with the midfield only formed by two players and the attack that never participate in any defensive action.

Many important facts happened during the trip that would serve as subsidies for a deep reflection of the Brazilian soccer to a new reality that it was processed in the world soccer, especially in the European soccer.

Carlos Alberto Parreira, my former-student of the National School of Physical Education and Desportos, that I in 1970 would invite to integrate the coaches' of the Brazilian  National Team, were in the same time making a soccer apprenticeship in Germany. It took advantage of the opportunity and Stutgart came, to attend the friendly game  Brazil and  Germany. It took pictures in slides, of a privileged position, with didactic sense, registering the tactical behavior of the two teams. Those slides, later on, supplied given importantíssimos to ratify what it had happened in that game, bringing an alive image that we could use to any moment in our meetings, kindred of showing to the players the urgent need to operate changes. In the lectures that I do, in my walk on the history of the soccer, until today I exhibit those slides, and I comment about its effective contribution rendered to the transformations that happened.

The following day, we promoted a meeting of the technical commission with the Brazilian press composed by 130 journalists that was making the covering, for a debate on the game of the previous day. Aimoré Moreira, with a lot of wisdom, revealed that that game was good to show, the as the Brazilian soccer was out of the reality and that urgent action would have to be taken by everybody linked to the soccer, players, technicians, media....

So that it was made a complete transformation. Conclusion: only the technique and the ability no longer were enough to win a cup of the world. Its good  to remind that Aymoré was the coach of the Brazilian team in the cup of 1962, world bi-champion. With relationship to me, responsible for the physical preparation of the selection, I declared in the opportunity, that the physical revenue of a team is directly related to the tactical behavior of the team and that, to assist the ditames of the dynamics that it was put into practice by the germany team we would have to develop a work to increase the players' physical-organic conditioning. Summarizing: the technique, the our players' ability, continued being of great importance, but we would have to run much more. Aymoré, after having finished the meeting said to me: Chirol, fortunately Pelé is not with us (it had been released by CBD, to play for Santos), why if he was here, he could make an or more genius plays, to do goals, I know there, and until changing the result of the game.   And the worst is that if that happened, we would continue deceived.

Aymoré, felt that some thing had to be done. And he did. Our next game would be against Poland in Varsóvia. To give more consistency and mobility to the middle field, without losing quality. He opted for the inclusion of Rivelino, removing Denilson, that absolutely was not the isolated culprit of the failure before Germany, but that in the trainer's thought, that would be the best option. Oh a problem that would end up remaining for me appeared. And it is in that point that the trainer need to have a person at his side  to dialogue, to take decisions and for times until trimming edges.

Gerson, our dear parrot( talks to much) and companion of Botafogo, didn't have a good relationship with Aymoré. Things of the past. It sought me (we had an excellent relationship) and he said:
-Chirol, I won't play. He (Aymoré)wants me to be area head, and that is not my function, it is not my style.

-Take it easy, my boy I will speak to him and everything is solved. But he felt, that with the exit of Denilson and the entrance of young Rivelino, who it would be behind, mainly for his experience, it could not be another. Went speak to Aymoré, educated person and of good dialogue.

- Aymoré, has a small problem, trying to minimize the fact. Gerson said that he doesn't play of area head, and now?

- No, Chirol, is not well like this, say to him that will be established a relay between him and Rivelino and that Tostão will also go back to help the middle field and that the behavior of the team will be another in the collective aspect,it will be everything ok. He was right. I didn't have any work to convince Gerson. We played against Poland, we won for 6 to 3, with Gerson scoring a goal, and for the first time played together the three celebrated left-handers that would be spectacular and decisive in the cup of 70: Gerson, Tostão and Rivelino. It was created, to leave of that moment, for the Brazilian soccer, a new mentality gone back to the transformations verified in the Soccer, after the cup of 1966. In a process with a lot of alternatives (that are constituted in another history to be counted), after that trip to Europe in 68, the Brazilian soccer got to assimilate and to adapt to the new reality, culminating with the definitive conquest of the Cup Jules Rimet, for the Brazilian Team 1970 in Mexico.

 

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Na foto, Pelé recebe
dura marcação do time de Portugal.