Edição #06
por Paulo Dias e Gustavo Mascarenhas
UM PAPO COM O "SENHOR TITÃS"
Durante a década de oitenta, podemos dizer que o mercado americano de quadrinhos foi dominado basicamente por dois grandes títulos, um publicado pela Marvel Comics, e outro pela DC. O titulo "The Uncanny X-Men", produzido pela dupla Chris Claremont e John Byrne quebrou todos os recordes de popularidade da época, transformando a revista na mais vendida do mundo ate os dias de hoje. Mas, durante todo este tempo, apenas uma publicação conseguiu abalar esta aparentemente inabalável liderança. "The New Teen Titans", comandada pela dupla Marv Wolfman e George Perez marcou época, deixando saudades entre os fãs de todo o mundo ate os dias de hoje. Toda essa saudade pode ser conferida de perto pelos brasileiros durante a 3ª BHQ, que se realizou entre os dias 21 e 25 de Outubro no Centro Cultural de Belo Horizonte, onde o artista Marv Wolfman, um homem que a cada palavra dita, passa todo o profissionalismo e a paixão pelo mundo do entretenimento, nos passou o ponto de vista de quem esta no mercado a mais de trinta anos.
Mas nem só de Titãs vive a carreira desse habitante da cidade de Tarzana (cujo nome lhe foi dada pelo fato de ter sido residência de Edgar Rice Borrough’s, criador do famoso rei das selvas), ele também foi o responsável por muitos anos da revista "Tomb of Dracula", por escrever a mais famosa "saga" DC de todos os tempos, "Crise nas Infinitas Terras", e por criar personagens como o "Exterminador", "Mercenário", "Gata Negra", e "Blade", o caçador de vampiros , que foi interpretado por Wesley Snipes em um dos filmes mais bem sucedidos do verão americano. Conheca agora o que pensa esta lenda dos quadrinhos:
Nos- Como teve inicio sua carreira nas Hqs ?
Comecei produzindo fanzines, mas pouco tempo depois fui convidado a tentar escrever o roteiro para uma historia em quadrinhos. Um dos meus maiores orgulhos e que o primeiro material que Stephen King (considerado o maior escritor de terror do planeta) teve publicado na vida, foi justamente em um fanzine meu. Mas eram outros tempos para os quadrinhos, nessa época era muito mais fácil conseguir um espaço neste ramo, diferente dos dias de hoje, quando os editores perdem muito pouco tempo com novos escritores. De inicio tive historias publicadas para as revistas "Castle of Frankenstein" e "Black Hawk"(o "Falcão Negro") já pela DC, alem de passagens pelos títulos "House of Mystery" e "House of Secrets". Nessa mesma época fiz minha primeira historia dos Titãs, entre 1968 e 69, ainda na primeira fase do grupo.
Nos- Como você vê sua passagem pela Marvel na década de setenta ?
Foi um período muito proveitoso, pois justamente nesta época eu tive meus primeiros contatos com George Perez, que ainda não era tão bom quanto viria a se tornar, mas já apresentava potencial. Tive também a oportunidade de trabalhar com alguns dos melhores personagens de todos os tempos, tais como Homem Aranha, Quarteto Fantástico, Nova e " A Tumba do Dracula", onde permaneci por vários anos e tive a oportunidade de criar o personagem Blade, o caçador de vampiros.
Nos- De volta a DC, como surgiu a oportunidade de reformular os Novos Titãs ?
Após ter feito algumas edições de "World’s Finest" (revista dedicada a narrar historias do Super Homem e do Batman), fiz uma proposta a editora para um possível relançamento da revista dos Titãs, aproveitando os antigos personagens e criando alguns novos. Como já tinha sido editor do Perez na Marvel, eu o chamei para fazer alguns "Sketches" (rascunhos), e foi assim que minha proposta foi apresentada a DC.
Nos- A que você atribui o sucesso alcançado pela revista na época ?
Um dos grandes motivos e por eu me preocupar com a historia de cada personagem, desde sua origem ate novas formas de abordagem em cima da personalidade de cada um, sem desvia-los de suas raízes. Hoje ninguém se preocupa com o passado dos personagens e nem com suas motivações. Situações são criadas de forma imediatista, visando apenas aquele momento. Um exemplo disso foi Dick Grayson (antigo Robin), que ate então era um personagem sem sentido, e a partir do momento que tomei controle sobre ele, passei a valoriza-lo primeiro como um ser humano, e depois como um vigilante.
Nos- O que você acha do que esta sendo feito com este personagem especificamente hoje em dia ?
Eu não leio nenhuma historia escrita sobre personagens com os quais já trabalhei após deixar o titulo. Eu tenho ciúmes.
Nos- Como surgiu o conceito de "Crise"? De quem partiu a idéia, de você ou da editora?
A idéia inicial foi minha, e eu já a tinha desde garoto, quando já pensava que alguém tinha que por ordem na continuidade do universo DC, com todos aqueles personagens e aquelas terras. Quando passei a possuir um certo poder dentro da editora, propus a idéia, e para o meu espanto eles aceitaram. Mesmo assim, algumas idéias partiram dos editores, como a morte do Flash (Barry Allen) e de outros personagens menores. Já a morte da Supermoça original foi idéia minha, pois achava que o Super Homem deveria ser o único sobrevivente de Krypton. Muita gente reclamou da morte dela depois de ocorrida, devido a dramaticidade da cena, mas antes disso, ninguém estava comprando o titulo da heroina, que estava a beira do cancelamento. (risos)
Nos- O fato de você ser o escritor dos Novos Titãs influenciou na decisão de que o titulo não seria afetado pela "Crise", diferente de casos como Super Homem e Batman, que tiveram sua historia recontada a partir do zero ?
Na época, os Novos Titãs era o titulo mais vendido da DC, e foi a política da editora não mexer com os personagens que estavam bem na época, a exemplo dos próprios Titãs e do Lanterna Verde.
Nos- Qual foi o seu envolvimento no filme Blade ?
Nenhum !!! Na verdade, eu estou processando a Marvel, mas não posso dizer nada alem disso. Esta tudo nas mãos dos meus advogados.
Nos- Qual a sua opinião sobre os criadores da atualidade ?
Os maiores da atualidade, na minha opinião são Kurt Busiek e Mark Waid. Leio "Kurt Busiek’s Astro City" regularmente. Outros que gosto muito são Jeph Loeb, com seu "Superman: For All Seasons", Grant Morrison com "Os Invisíveis" e também dos diálogos de Joe Kelly para "Deadpool" que eu acho muito engraçado. Já o Peter David, eu gosto muito pessoalmente, mas ainda não me identifiquei com nenhum dos personagens com os quais trabalhou.
Nos- E dos artistas da "Geração Image" ?
Gosto muito do material publicado pela Top Cow, acho Jim Lee excelente, mas considero "Spawn", de Todd McFarlane uma revista com historias muito boas, porem mal escritas.
Nos- Com relação ao mercado americano na atualidade, qual a sua opinião ? Você aprova a chegada dos artistas estrangeiros a esse mercado ?
Nos dias de hoje, se vende muito menos do que em décadas passadas. Apesar de existirem muitas revistas boas, a quantidade de títulos ruins "esconde" o que há de bom, fazendo com que as pessoas pensem que não existem boas coisas. O interessante e que quanto mais a população cresce, menos copias são vendidas no mercado. Com relação aos estrangeiros, eu acho que a maioria são melhores artistas que os americanos. Ninguém desenha mais do que José Luis Garcia Lopez, só que os americanos sabem contar melhor as historias. Moebius foi muito mais artista que Jack Kirby, porem Kirby sabia passar bem melhor aquilo que o escritor queria dizer.
Nos- Qual conselho você daria aos jovens roteristas ?
Prestar sempre muita atenção e continuar sempre escrevendo, sem nunca desistir. Você pode ouvir muito "não", mas se você encarar isso como um trabalho e souber ouvir o que e bom e o que não e, as coisas podem dar certo. E muito difícil escrever bem, pois você deve usar pequenos painéis e poucas palavras. E muita coisa a fazer em pouco espaço, mantendo a historia simples, e esse e o segredo. Nunca tente publicar seu material inicial, aprenda primeiro e depois corra atras do que quer.