4. Diferentes acepções e rumos da negritude

Há cerca de cinquenta anos nascia a negritude enquanto conceito e movimento ideológico.
Várias interpretações,às vezes ambíguas, foram formuladas, de acordo com o dinamismo
da realidade do mundo negro no continente africano e na diáspora.
Enquanto mito, interpretação a negritude como uma realidade voltada ao
passado, sonhadora e contemplatica, ególatra e auto-suficiente, e não de
combate, projetada para o futuro.

4.1.Carácter biológica ou racial

A negritude seria, neste caso, tudo o que tange à raça negra: é a consciência
de pertencer a ela. Enfatizou-se nas descrições anteriores que um dos elementos que entram na definição
césairiana da negritude é a solidaridade, ou seja, o sentimento que nos liga
secretamente a todos os irmãos negros do mundo, que nos leva a ajudá-los, a preservar uma
identidade comum.

4.2. Carácter psicológico

A negritude seria, no caso, o conjunto de traços característicos do negro no
que se refere ao comportamento, capacidade de emoção, personalidade e alma.

4.3. Definição Cultural

É a afirmação do negro pela valorização da sua cultura, a começar da
poesia e de outros. O reconhecimento da dupla de interpretação ( mítica e ideológica ) explica
por que a negritude parece ambígua, às vezes contraditória, o que levou L.V. Thomas
a distingui-la em várias séries:


- negritude-essência/negritude tomada de posição;
- negritude mistificada ( sonhadora, contemplativa )/ negritude válida ( de combate );
- negritude eterna/negritude episódica e histórica;
- negritude ególatra e auto-suficiente/ negritude que termina no passado;
- negritude voltada ao passado/ negritude projectada para o futuro;

Negritude dolorosa
O poeta negro, no esforço da comunicação com o seu povo e o máximo depoimento,
sofre da negrada tortura pela história. Sente-se medo de perder cultura e alma no
contacto com o Ocidente e as suas técnicas. É a fase da angústia, de dor.

Negritude agressiva É uma fase de revolta, de negação da razão, do Deus branco, da beleza
ocidental, das línguas européias. Reivindica-se a raça até nas suas carências.

Negritude serena
Atituce construtiva de reconciliação dialética. O desejo de ascender a uma cultura
universal. É bom proclamar constantemente a sua negritude, evidente na conduta e nos
hábitos de cada africano. Um fundo e sólido e tranquilo.

Negritude vitoriosa
Reivindicação da paternidade da civilização. Uma supercompensação idealizante.
Um verdadeiro messianismo.
Esta classificação, além da sua permanência, mostra também como um escritor
pode passar de uma posição a outra, sem se trair, exprimindo-se simultaneamente
sob vários registos.


5. Críticas

A negritude nasce de um sentimento de frustração dos intelectuais negros por não ter
encontrado no humanismo ocidental todas as dimensões da sua personalidade.
Neste sentido, ela é uma relação, uma defesa do perfil cultural do negro. Representa um
protesto contra a atitude do europeu em querer ignorar outra realidade que não a dele, uma
recusa da assimilação colonial, uma rejeição política, um conjunto de valores do mundo
negro que devem ser reencontrados, defendidos e mesmo repensados. Resumindo,
trata-se primeiramente de proclamar a originalidade da organização socio-cultural dos negros
para, depois, a sua unidade ser defendida, através de uma política de contra-aculturação,
ou seja, desalienação autêntica.


5.1. A questão da unidade

O movimento da negritude foi muitas vezes criticado por querer unir artificialmente
povos geográfica, histórica e culturamente diferentes, que se inserem no contexto das
civilizações com motivações e destinos económico-políticos diversos, às vezes opostos.

5.1.1. A linhagem- o parentesco

A infância africana é sempre acompanhada de ritos de iniciação. A criançã tem um
contacto prolongado com a mãe e uma grande dependência em relação à sua linhagem.
O cordão umbilical é cortado inteiramente, e mesmo quando chegam à idade madura,
fisiológica e socialmente aptos ao casamento, os indíviduos encontram os respectivos
cônjuges por intermédio da linhagem.
O sistema de parentesco é a referência fundamental do africano. Não é a
profissão, a nacionalidade, a classe social. Foi em função disso que se criou o que
alguns autors chamam de tribalismo , palavra feia, que não traduz a realidade africana. Nessa
ordem de idéias duas vertentes subdividem a África de que tratamos: a matrilinearidade e a
patrilinearidade. Quer dizer, pelo pai ou pela mãe, a criança liga-se a vários
ancestrais situados evidentemente numa mesma linha.


5.1.2. Iniciação-casamento

A iniciação é uma experiência que pode ser terrível quando acompanhada de operações
cirúrgicas, tais como a circuncisão ou excisão, ou ainda escarificações e
deformações dentárias, que configuram as marcas étnicas. São provas que têm que passar
sem queixa e soportando dores e feridas ( físicas e morais ). A iniciação é também um ensinamento,
um aprendizado, e isso é muito importante nas sociedades guerreiras e pastoris.
Em relação ao casamento, ser adulto é antes de mais nada ser casado, ser pai
ou mãe. Não há nas sociedades africanas papel social normal previsto para os solteiros.
Geralmente, a iniciação é, em grande parte, uma preparação para o casamento.
Na África negra, ele é primordialmente uma aliança entre dois grupos de parentesco.
Indica-se claramente a primazia da linhagem durante todas as etapas do longo
processo de casamento. A preferência existe, mas é mesmo importante.
Uma das características do matrimónio é o dote, que sempre vai da família
do futuro marido à da mulher.


6. Conclusão

A eficácia da nagritude constitui um outro ponto de controvérsia, pois há quem
pense nela como um racismo anti-racista, uma fobia do negro,
ou melhor, uma xenofobia, e que não se resolveria nada substituindo uma
fobia por outra, vivendo num gueto cultural. Ineficaz e vazia, a negritude é para Stanilas Adotevi apenas uma maneira negra de ser branco.
Sem minimizar a importância histórica da negritude, convém salientar que era pelo
menos na sua primeira fase, um movimento essencialmente intelectual
incapaz de atingir as bases populares, cujas aspirações eram diferentes; sua resistência cultural nada
tinha a ver com os problemas de assimilação cultural do estudioso africano. Isto não quer dizer que as massas nos campos e nas cidades foram totalmente populadas das influências ocidentais. Tiveram-nas e em todos os domínios: religião, economia, tecnologia, medicina, etc.