HISTÓRIA |
Os prazos da Coroa
Em 1613 alguns Domenicanos que se
tinham fixado em Moçambique, requereram à Coroa o
reconhecimento dos seus direitos sobre algumas terras que lhe
tinham sido doadas. Parece que terá sido este o primeiro convite
no sentido de regularizar juridicamente a situação que vinha a
criar-se ao longo do Zambeze, de Tete até à foz do rio. No ano
anterior o rei reconheceu a Diogo Simões Madeira a posse de um lote
de terrenos que este recebera do Monomotapa em troca de
serviços prestados. Faltava no entanto uma regulamentação que
indicasse minimamente a questão da submissão, se é que ela
podia existir. Com a carta régia de 1618 o vice-rei da Índia,
de quem Moçambique dependia periodicamente, recebeu finalmente
poderes para dar uma forma jurídica conveniente às novas
aquisições territoriais da Zambézia, com o pretexto do aumento
da população e cultivo das terras. Mais tarde, 1629, Portugal
renovou o acordo que fizera com Simões Madeira, que nesse ano
tinha abertamente apoiado as reivindicações de Mavura ao trono
dos Karanga, contra Capranzime. O conflito resolveu-se a favor de
Mavura que a 24 de Maio de 1929 se declarou vassalo de Portugal,
aceitando uma série de obrigações entre as quais a concessão
de todos os minérios existentes no império. A partir desta
Portugal pôde reivindicar extensos direitos sobre os
territórios do Monomotapa e proceder à regulamentação
jurídica das concessões. Não foi sem dificuldades e conflitos
que as coisas aconteceram pois as conquistas tinham sido feitoas
sem auxílio oficial. De qualquer modo, depois de 1629, a Coroa
começou a reconhecer os privilégios e direitos que os pioneiros
haviam recebido do Monomotapa ou que tinham conquistado
pessoalmente. A legitimação destes títulos verificou-se sob
uma forma especial de enfitense denominada "Prazos da
Coroa". Com esta concessão, a Coroa reconhecia, a quem lha
requeresse, a posse da terra, qualquer que tivesse sido o modo de
aquisição, por um período igual a três gerações (três
vidas). A sucessão devia ocorrer por linha feminina, e as
herdeiras eram obrigadas a casar com portugueses brancos ou seus
descendentes. Ao fim da terceira geração os terrenos voltavam
à posse completa da Coroa, que podia renovar a concessão à
mesma família ou confui-la a outra. Pela sua parte a
concessionário era obrigado a residir no prazo, a pagar o foro e
a fornecer tropas às autoridades portuguesas em caso de
necessidade. A característica mais importante desta concessão
era constituida pela autoridade que o prazeiro passava a ter
sobre a população do Prazo. " Os senhores da terra têm
sobre o seu território o mesmo poder e perísdição que tinham
os Fumos Cafres- podem emitir sentenças em todas as causas,
fazer execuções, fazer guerra, impor tributos, etc.". Os
contratos impostos aos prazeiros eram declarados em muitos
aspectos na " Lei das Semanas", que D. Fernando fez
publicar em 1373. A Coroa dava-se conta de que devido às
condições especiais da conquista das terras na Zambézia, não
poderia impôr ao prazeiro muitas claúsulas da Lei, mas a
existência das concessões garantia a sua soberania sobre as
terras da Zambézia e representava numa forma de acautelar tempos
melhores. Quanto à obrigação da transmissão do prazo por via
feminina era intenção da Coroa incrementar o desenvolvimento da
população portuguesa na África do Sudoeste. E quanto aos
poderes dos prazeiros sobre a população dos prazos eles são de
facto conforme os poderes dos " Fumos Cafres". Resta
portanto esclarecer qual era efectivamente o papel das
populações que habitavam os territórios dos prazos. Os
indígenas foram considerados como qualquer escravo completamente
submetido à vontade do seu régulo. Semelhante condição
permaneceria invariável no momento em que se constituiram os
prazos, o prazeiro substituia simplesmente o régulo, sem alterar
a estrutura social. Há no entanto a referir que apesar de tudo o
estatuto do escravo parece ter sido preferível ao do colono. Os
escravos não eram empregados na produção agrícola, e gozavam
até de uma posição privilegiada em relação aos colonos. Em
trezentos anos a sociedade Zambeziana desenvolveu-se e mandou em
muitos aspectos, mas permaneceu constante na composição racial:
poucos europeus e asiáticos, um maior número de mistos e a
grande maioria africana. No século XVIII, o termo para designar
o homem branco era " muzungo" , depois, passou a
indicar os mestiços estabelidos há muito tempo na região e
mais tarde era sinónimo de " assimilado ". Durante
muito tempo o " muzungo" talvez tenha representado o
elo de ligação entre a sociedade africana e a de Portugal
colonial. Mas, com o tempo, o processo de " cafrealização
" avançou e a Coroa não foi capaz em nenhum sentido de
travar a mudança nem de controlar um sistema que opunha o
excessivo poder dos "senhores dos prazos" e a fraqueza
do Estado em todo o Moçambique.