Ah! Que corpo é esse,
Que na ponta da corda
Balança, qual lenço,
Dum braço tão frágil,
P'ra liberdade, acena?
De quem é esse corpo?
Há pouco uma sombra corria,
Entre vales, caminhos e cidades,
Levando no peito um sonho...
Há pouco um homem voava,
Num cavalo arisco e forte,
Levando nas mãos a tarefa
De libertar dos ferros um sonho
Que todos acalentavam;
Mas no peito de cada um
Adormecia tranqüilo.
Os grandes de Vila Rica
Jogaram a semente do sonho
No peito daquele homem!...
Não vacilou duas vezes,
Agarrou a bandeira tão firme,
Que arrancar já não puderam,
Das mãos do rude alferes.
Há vozes em Vila Rica!
Há vozes lá Tijuco!
Há vozes nas reuniões noturnas,
Que cantam um hino novo...
Que canto estranho é esse,
Que poucos entendem o tom?
São vozes que vem da angústia
De ver nos veios o ouro, correndo
Com sangue que escorre do corpo do negro,
Que veio acorrentado da prostituta doce e bela,
África de canto amargo e choroso...
Mas que canto é esse
Que a coroa de além-mar,
quer reter ainda na garganta?...
Que perigo traz esse grito,
Que duma distante colônia
Faz tremer Dona Maria?...
Portugal refestelava-se no fausto,
Sua preocupação suprema consistia
Em impedir que seus colonos
Sonhassem com liberdade,
Sonhassem com o progresso;
Calavam os jornais que nasciam,
Não deixavam o povo pensar!
Mas Vila-Rica sonhava!
Tomas Antônio Gonzaga - sonha;
Nas cordas de sua lira
Abrasa Marilia bela,
Porém Portugal não deixa...
Mas porque essa opressão?
Por que esse desprezo,
Que Dona Maria
Mãe do povo português, nutria
Pelo Brasil - filho dileto,
Empório de todos os ramos,
Que enche de ouro e açúcar,
As arcas da exaurida Europa.
A colônia não suportava
Tanto peso em seu costado.
Por mais que o solo se abrisse,
Por mais que o povo chorasse,
Por mais que os rios se dessem.
Queria mais a Metrópole;
É pouco o sangue que escorre,
É pouco, muito pouco o ouro que dava.
"Não vês a faminta Inglaterra
Levando tudo que é meu?"
Gritava de chicote armado,
O governador da Província,
Dizendo ser Dona Maria
Que a tudo queria em seus cofres.
Washington, do alto da Serra Nevada,
Alça o vôo da águia altiva
Em busca da Liberdade,
Que com muito sangue consegue...
O Brasil ouviu o eco
Do grito de Vitória, espalhando
Nas Américas o desejo de viver!
Nas universidades ferviam, entre os jovens,
As idéias libertárias dos povos escravizados!...
Idéias não têm barreiras
Quando pregadas aos ventos,
E percorrendo o Atlântico,
Aninham-se em Diamantina,
Nas bandas das Minas Gerais...
Sobre a cela de um mascate,
No peito de um alferes,
Busca a idéia bendita,
Que certamente incomoda
A quem zela pela Coroa,
Mesmo a alma vendendo,
Sem amor, sem honra, sem Deus.
A tirar dentes dos que sofrem
O alferes não suporta no peito,
O desejo d'espalhar a Boa Nova.
-"Lá fora, meus irmãos,
Os povos crescem, livremente!
Rompamos os ferros, que nos prendem
A terras, que como escravos nos tratam"
Ah! Tiradentes rebelde, quantos
Te ouviram, sonhando,
Mas quantos odiaram teu canto.
Teu sonho de liberdade
Naquela noite no Rio,
Na rua dos Latoeiros
Foi semeado no chão.
Calabouço, covardia, mentira,
Abandono, solidão, sofrimento,
Ignomínia. Que mais sente um Mártir?
Teu sonho agoniza... Está quase a morrer...
-"Tiradentes!... Tiradentes!... Clama,
Pede perdão a Coroa!
Diz que estás arrependido,
Que estás feliz com os grilhões...
E, de joelhos, beija as mãos da Rainha!
Ela tem poderes para te perdoar
E, como nossa mãe, te dará a vida".
Da escuridão da masmorra
Surge o Alferes Gigante
Brandindo a espada flamejante,
Que arde no peito civil,
E canta o amor e o perdão,
Canta com os olhos altivos,
Olhando o silencioso povo...
Mas canta de pé,
E de pé ouve a sentença:
"... que JOAQUIM JOSÉ DA SILVA XAVIER com baraço e pregão seja conduzido pelas ruas públicas ao lugar da forca e nela morra morte natural para sempre, e que depois de morto lhe seja cortada a cabeça e levada para Vila Rica aonde em o lugar mas público dela seja pregada, em um poste alto até que o tempo a consuma, e o seu corpo será dividido em quatro partes, e pregados em postes, pelo caminha de Minas no sítio da Varginha e das Cebolas aonde o réu teve as suas infames práticas, e os mais nos sítios de maiores povoações até que o tempo também o consuma.
Portugal, 19 de abril de 1792"
Dona Maria I
E seu Tribunal de Alçada
Ofertaria à Colônia
Um espetáculo próprio lusitano,
De terror imperial, como prêmio
A um povo cuja única infâmia,
Foi sonhar com a liberdade.