sonetos e eutanásia, de alvarez de azevedo
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Soneto Pálida, a luz da lâmpada sombria, Era a virgem do mar! na escuma fria Era mais bela! o seio palpitando... Não te rias de mim, meu anjo lindo!
Soneto Um mancebo no jogo se descora, Um outro que uma sina má devora Oh! não proíbam, pois, no meu retiro Numa fumaça o canto d’alma escuto...
Soneto Ao sol do meio-dia eu vi dormindo Além um espanhol eu vi sorrindo, Mais longe estava um pobretão careca Venturosa indolência! não deliro
Soneto Os quinze anos de uma alma transparente, Um seio que estremece de repente Um sorrir tão angélico, tão santo... É esse o talismã, é essa a Armida,
Soneto Já da morte o palor me cobre o rosto, Do leito embalde no macio encosto O adeus, o teu adeus, minha saudade, Dá-me a esperança com que o ser mantive!
Eutanásia Ergue-te daí, velho! ergue essa fonte onde o passado afundou suas rugas como o vendaval no Oceano, onde a morte assombrou sua palidez como na face do cadáver, onde o simoun do tempo ressicou os anéis louros do mancebo nas cãs alvacentas de ancião? Por que tão lívido, ó monge taciturno, debruças a cabeça macilenta no peito que é murcho, onde mal bate o coração sobre a cogula negra do asceta? Escuta: a lua ergueu-se hoje mais prateada nos céus cor-de-rosa do verão, as montanhas se azulam no crepuscular da tarde e o mar cintila seu manto azul palhetado de aljôfares. A hora da tarde é bela, quem aí na vida lhe não sagrou uma lágrima de saudade? Tens os olhares turvos, luzem-te baços os olhos negros nas pálpebras roxas e o beijo frio da doença te azulou nos lábios a tinta do moribundo. E por que te abismas em fantasias profundas, sentado à borda de um fosso aberto, sentado na pedra de um túmulo? Por que pensá-la... a noite dos mortos, fria e trevosa como os ventos de inverno? Por que antes não banhas tua fronte nas virações da infância, nos sonhos de moço? Sob essa estamenha não arfa um coração que palpitara outrora por uns olhos gázeos de mulher? Sonha!... sonha antes no passado, no passado belo e doirado em seu dossel de escarlate, em seus mares azuis, em suas luas límpidas e suas estrelas românticas. O velho ergueu a cabeça. Era uma fronte larga e calva, umas faces contraídas e amarelentas, uns lábios secos, gretados, em que sobreaguava amargo sorriso, uns olhares onde a febre tresnoitava suas insônias... E quem to disse - que a morte é a noite escura e fria, o leito de terra úmida, a podridão e o lodo? Quem to disse - que a morte não era mais bela que as flores sem cheiro da infância, que os perfumes peregrinos e sem flores da adolescência? Quem to disse - que a vida não é uma mentira? - que a morte não é o leito das trêmulas venturas? |