manga com leite

 

n. 11 - a filosofia da composição

Quoth the raven, "nevermore".

"Nada é mais claro do que deverem todas as intrigas, dignas desse nome, ser elaboradas em relação ao epílogo antes que se tente qualquer coisa com a pena. Só tendo o epílogo constantemente em vista poderemos dar a um enredo seu aspecto indispensável de consequência, ou causalidade, fazendo com que os incidentes e, especialmente, o tom da obra tendam para o desenvolvimento de sua intenção." É a partir desta incisiva constatação que Edgar Allan Poe formula sua filosofia da composição, uma tentativa, segundo ele próprio, de preencher uma lacuna no mundo literário, que seja, a descrição metódica e detalhada do processo de composição.

Para dar conta desta tarefa, Poe escolheu sua obra mais conhecida, o poema "O corvo", salientando que "nenhum ponto de sua composição se refere ao acaso ou à intuição, que o trabalho caminhou, passo a passo, até completar-se, com a precisão e a sequência rígida de um problema matemático." Assim, Poe expõe os vários pontos considerados na construção de seu famoso poema, pontos estes que podem, ou devem, ser seguidos na composição de qualquer obra artística.

Iremos, nesta e nas próximas colunas, discorrer brevemente sobre cada um destes passos, com o intuito de expor um método de composição extremamente racional e estruturado, porém cientes das dificuldades de sua aplicação fiel. Mas deixemos esta questão de lado, pelo menos por agora, e vejamos as idéias iniciais do autor.

Muitos autores iniciam suas composições a partir de uma tese ou de um incidente de sua vida cotidiana, ou mesmo sentam-se e delineiam as ações que darão base a narrativa para depois preencher as lacunas com descrições. "Eu prefiro começar com a consideração de um efeito", assevera Poe, ou seja, ele começa sua composição escolhendo um efeito que o texto deve causar no leitor.

Porém, antes mesmo de determinar este efeito, Poe declara que tinha como intenção compor um poema que agradasse ao mesmo tempo público e crítica, intenção esta que partiu de uma necessidade específica do autor, devido a circunstâncias que, por serem sem importância na composição do poema em si, ele prefere não revelar. É a partir desta clara intenção, de construir uma obra perfeita em todos os aspectos, que Edgar Allan Poe faz suas escolhas em relação a extensão do poema, seu efeito e o tom da narrativa. Veremos com algum detalhe cada uma destas escolhas no próximo número.

Daniel Gomes
Editor de Bizarrona