manga com leite

 

n. 12 - a intensidade do efeito

Quoth the raven, "nevermore".

"A consideração inicial foi a da extensão. Se alguma obra literária é longa demais para ser lida de uma assentada, devemos resignar-nos a dispensar o efeito imensamente importante que se deriva da unidade de impressão, pois, se se requerem duas assentadas, os negócios do mundo interferem e tudo o que se pareça com totalidade é imediatamente destruído. Mas, visto como, ceteris paribus, nenhum poeta pode permitir-se dispensar qualquer coisa que possa auxiliar seu intento, resta a ver se há, na extensão, qualquer vantagem que contrabalance a perda de unidade resultante. Digo logo que não há." Tomando como intenção compor um poema que agradasse público e crítica, Edgar Allan Poe considera que a extensão ideal para sua obra deve estar limitada a uma assentada, impedindo assim que o leitor se afaste da atmosfera do poema e aumentando a intensidade de seu efeito, "pois é claro que a brevidade deve estar na razão direta da intensidade do efeito pretendido, e isto com uma condição: a de que certo grau de duração é exigido, absolutamente, para a produção de qualquer efeito."

Evidentemente, esta opção por uma curta extensão está ligada a intenção do autor, que percebe a intensidade da obra como fator importante para sua completa perfeição. A perda de unidade, descartada por Poe em quase todas as suas obras, pode sim apresentar algumas vantagens claras, como acontece com textos que exigem uma leitura mais fragmentada, seja pela complexidade de suas idéias - o próprio ensaio "Eureka" de Poe seria um exemplo -, ou pela necessidade de acumulo de informações para levar a cabo o efeito da narrativa, típico recurso do romance.

Optando então pela intensidade do efeito único, Poe passa a considerar qual seria este efeito ou impressão obtido com o poema, tendo como premissa que "a Beleza é a única província legítima do poema." Para justificar esta opinião, ele coloca que: "Quanto ao objetivo Verdade, ou a satisfação do intelecto, e o objetivo Paixão, ou a excitação do coração, são eles muito mais prontamente atingíveis na prosa, embora também, até certa extensão, na poesia. A Verdade, de fato, demanda uma precisão, e a Paixão uma familiaridade (...) que são inteiramente antagônicas daquela Beleza que, asseguro, é a excitação ou a elevação agradável da alma."

Mas qual seria o tom que mais manifesta a impressão de Beleza, que intensifica seu efeito? Poe responde a esta pergunta dizendo que: "todas as experiências têm demonstrado que esse tom é o da tristeza", que a melancolia é "o mais legítimo de todos os tons poéticos".

Iniciando com uma clara intenção, Poe passa a determinar a extensão, o efeito e o tom para sua composição. Somente então ele passa a pensar na construção propriamente dita da obra, como veremos no próximo número.

Daniel Gomes
Editor de Bizarrona