o colecionador de vidas, de Paulo Tarso
17 de março de 1986 Sobre ontem: Encontrava-me em um bar qualquer no centro da cidade. Sob a mesa suja, composta apenas pelos objetos que ali havia postado, encontravam-se uma garrafa de vinho de má qualidade, um copo, um isqueiro e um maço de cigarros; e dois livros, mais precisamente, dois diários. Gosto de colecionar diários, este é o meu hobby. Naquela noite iria ler minhas últimas aquisições. O primeiro era de um homem, um infeliz, que odiava livros. Estes são interessantes pois são difíceis de se encontrar, mas depois de encontrados, são deveras fáceis de serem apanhados. Eu já tenho minha técnica para conseguir os diários, e é relativamente simples, observo a pessoa durante algum tempo, a sigo e num descuido qualquer roubo o diário. Quando é preciso aproximo-me da pessoa para facilitar as coisas. Mas o fato é que acabara de conseguir dois novos diários e aquela seria a noite da recompensa. A noite em que iria lê-los. Tomei um trago do vinho, acendi um cigarro e comecei a ler o primeiro: "13 de fevereiro de 1986. Nunca gostei de livros. Na verdade tenho uma certa antipatia por eles. Para que ler se posso alugar um filme, chamar uns amigos, fumar um baseado, e assistir ao filme rachando. Os filmes são muito melhores que os livros, você vê tudo ali já pronto e fica por isso mesmo. Ontem um amigo morreu e fez um pedido um tanto quanto excêntrico: queria que seus livros fossem enterrados consigo. O cara era mesmo louco. Ser enterrado com livros?!?! No mínimo devia achar que assim iria levar seus livros com ele para o paraíso... ou para o inferno! E porque nunca me disse que gostava tanto assim de livros? Não consigo entender. E acho que vou continuar assim..." Cretino... Passei mais algum tempo lendo este diário e vez ou outra perdia-me em meio a minhas gargalhadas. Até que chegou o momento mais esperado da noite. Havia terminado de ler o diário daquele infeliz e passaria ao próximo, o diário de uma mulher. Uma linda e misteriosa mulher por quem fui apaixonado desde a infância. Mas desde sempre havia sido uma paixão platônica e nunca cultivei nenhuma esperança. Era uma prima distante que veio passar uma curta temporada em minha casa por motivos profissionais. Mais especificamente, dois dias, mas o suficiente para que eu conseguisse por as mãos em seu diário. E tendo feito isso não ousaria deixá-lo. Bem, tanto tempo havia passado desde que por ela fora apaixonado e, agora penetraria em sua intimidade, desvendaria suas mais profundas fantasias e seus medos. E tudo aquilo seria somente meu... |