sem título, de carlos frankiw

 

E, somos, afinal, artífices; pensamos e penso, e mesmo o homem que não quer pensar, o que do pensar é estranho ou deste foge por medo ou desinteresse, ainda assim, este homem é artista; do inconsciente, é preciso se deixar esse ponto bem claro, porque o nosso estético espaço de criação se reduz ao amorfo neuronial de nome inconsciente; do inconsciente, e do grotesco, é bem deixar claro também o grotesco nestas linhas, pois o automatismo criativo tem um quê de representação tal qual um grotesco, tamanha sua disformidade de mabealidade formal; pensamos e penso, existimos por conseqüência, mas pensamos e penso, logo somos e sou artista; abstraímos, logo somos artistas; abstraímos, por conseqüência ordenamos na grotesquidade tedial nossas palavras, colorações de imagens, estatuas de disforme formato humano, estética anti-natural que se reduz nossa criação; anti-natural, não, não anti-natural, natural, por sermos naturais e mortais como qualquer criação, independente de criadores; relembramos, e o relembrar é uma arte de fragmento, ou de ruína, e ainda assim uma criação, um quê artístico que temos de naturalidade, portanto, não anti-natural, se ainda se considerarmos biológicamente naturais; relembramos, eu relembro, eu retiro do caos uma memória tal qual qualquer ser que abstrai, recriamos, reconstruímos, somos, enfim artífices da experiência em inconstante ressignificação; diferentes memórias de um mesmo inicial de memória, sempre na mutabilidade da própria lembrança, sempre em nossa mutabilidade espacial, temporal, experiencial, recriamos numa inconstância afinal a partes de nós mesmos; porque são apenas partes, porque somos impossibilitados de ter e querer todos e totais do que vivemos e do que se viveu; porque sempre algo se perde, ao momento da memória, ou anterior a ela, na guarda de nossa experiência, sejam em idéias de palavras, sejam em ações teatrais em nossos palcos, ficando para sempre perdida; porque ressignificar, recriar, significa um momento em que se fazem escolhas no afresco que temos e construímos num quê de imediatez, e sempre, em escolhas, relegamos ao perdido as escolhas não feitas, as escolhas de momento, claro, porque sempre, de uma maneira ou de outra, abstraímos na imaginação os caminhos das escolhas não-feitas se as tivéssemos feito.

E o se as tivéssemos feito só existe no quê da criação de cores, palavras, estátuas e coisas, mesmo que elas nem existam ou tivessem existido, ainda assim tendo como fonte nossa própria experiência pra criar nossa ficcional artificialidade de caminhos não escolhidos. E a ficção tange ao real, afinal, mesmo que ambas nunca sejam um todo coerente, por ser incapaz de termos de conseguir um todo coerente, seja ficcional, seja real. E, somos artistas do costume, pois a criação constante consciente advinda de nosso amorfo inconsciente que acontece na fugacidade do momento presente, o único em termos existente, nos é algo comum e costumeiro, sendo assim, a cada maneira, um pouco artista o que temos por dentro, que nunca é um inteiro, nem muito mesmo inteiriço, mas ainda assim, sendo, de uma maneira não uniforme, uma distorção de apreensão e significação que nos traz o ato de pensar, de lembrar. E então nos damos e damos às cenas palavras que as tornam inteligíveis, criamos um script de falas relativamente ordenadas que se rearranjam a cada nova lembrança do mesmo experiente que lembramos na construção meio automática das coisas, mas que nunca é permanente, ou mesmo constante, sendo constante apenas a mudança, mesmo essa constância sendo um tanto quanto inconstante. E então nos damos cores, objetos e cenas pequenas, miudezas constantemente em marcha maleável, dando um maior sentimento de completude à obra que fazemos em instantes infinitesimais de tempo, espaço. E então fazemos estátuas, nos damos estátuas, nos damos formato de estátuas que se movem, para haver movimento, para haver mutação na cena, para ela não se perder em estática que nunca existe, e a estátua damos a estética literária das palavras que as tornam inteligíveis, comunicáveis, e a graciosidade de movimentos de um script inconsciente reinventado e ressignificado criamos uma cena de palco de teatro nunca fixo, mais mambembe que um teatro verdadeiramente mambembe de ações que fazemos. E, então, nos damos melodias, melodias de falas, de sons, guturais e estranhos num fugaz início que adquirem inteligência, ou então damos algum trecho de música ou melodia que nos foi gravado sem ser esquecido, assim a cena se torna mais real, mesmo que sendo ficcional, mesmo que sendo nunca tendo existido por, em certos casos de lembranças de possibilidades abortadas que tentamos rastrear seu caminho, nunca tentarmos a reconstrução a partir do nada, até porque nada e absoluto, e absoluto, onde se sabe, não existe, nem mesmo mais sua ilusão por questionarmos e duvidarmos. E então termina-se um quadro, uma foto de movimento, uma cena de cinema de filme sem início ou final previsível ou inteligível de todo, e deixamos ela existir por ser nossa criação e ela nos existir por afirmarmos existir. E ainda assim, é questão de momento a criação, e ainda assim essa cena de filme ou ato de peça é fugaz, porque vai se perder no momento que a deixarmos de dar atenção, e só vai voltar a existir, em parte, até que nada haja de parte original, a cada instante de recriação que é o relembrar de alguma coisa. E, assim, existir é um ato de arte, arte grotesca, por deformada, arte tediosa por ser costume, mas ainda assim sempre em metamorfose. E então tentamos e tenta-se segurar, gravar a cena que nos é, mesmo dantesca de horror, mesmo num tango de fumaça de tabaco em volta com uma estátua de movimento e fala que dotamos de sentimento para nós e para ela para ela ser mais existente, mesmo sabendo e esquecendo que é impossível, porque é o que unicamente em última instância tem-se e temos do existir em si, se é que há um em si, porque em si é absoluto.

Então, o desespero. Porque a mabealidade das coisas, a entropia do deixar de existir na constante criação das coisas de balanças desequilibradas, nos faz nos perder e perder o que temos que nos assegura o conforto de existirmos. E o desespero é o de fazer o cinema de movimento em foto estática para ter-se algum tipo de corrente que se prenda e que nos prenda em alguma coisa de mais tangível, de mais seguro. E então nos tornamos absurdos em desespero, porque não conseguimos nos acostumar com essa única e despercebida variável que às vezes se percebe e nos devasta quando do contato inicial dela. Porque, até então, o todo ainda é seguro, e nem percebemos mutação das coisas fora de nós, nem dentro de nós, nem mesmo sabemos que dentro e fora de nós a mudança ocorre por nos agirmos e existirmos em impulsidão. E então nos desesperamos, nos rebelamos, não acreditamos em nós mesmos, no como conseguimos chegar a tal ponto, e o tentamos negar, mas o contato, uma vez feito com a despercebida e agora percebida variável não nos deixa mais na segurança de simplesmente ignorarmos. E então criamos novamente, tentemos novos muros, pensamos assim, deixemos as dúvidas de lado, nos imaginamos assim, ignoremos e tudo volta a ser água calma de lago. Mas a água, quando damos a ela um canal através desse primeiro contato absurdo nunca mais para de jorrar, dique rompido, então percebemos que ela nunca deixou de jorrar, dique nunca existido em plenitude, mesmo em maior ou menor grau, do lugar de onde a encontramos, sabendo que esse lugar também não tem fim, porque não sabemos de onde raios ela vem. E então percebemos fúrias, amores, ódios enquanto não mais estáticos, mas sujeitos a mudanças e não-existências que não fazem mais deles pontos nem um pouco seguros, e então o desespero está no auge, porque o sentimento, por ser meio impulsivo ou meio irracional em sua aparição, nos parece tão claro, tão calmo, tão estático, tão portuário, tão seguro, mas ainda assim, sem sabermos, eles são tão inseguros quanto nós mesmos, quanto o simples ato de existir, que em parte enorme é vontade de sabe-se lá o que. E o desespero então atinge um auge, a tormenta descarga água suja pra caramba na nossa mente e nos encontramos então perdidos e sem saber absolutamente porra nenhuma, porque erigimos o conceito de saber enquanto algo estáticamente seguro e absoluto, só que ambos, em plenitude não existem, portanto, e sendo criações nossas, mutáveis tanto quanto nós mesmos em percepção de uma forma estética de nós mesmos e do fora de nós que chamamos de mundo.

E aí, vivemos o tal conflito, e percebemos em uma clareza um pouquinho melhor que mudança e mutabilidade é ruptura, é revolução, é conflito entre novos e antigos que se desfazem estranhamente e depois, depois, se refazem de outras formas, sem essências definitivas. E percebemos que existir são conflitos e mudanças em permanente destruição e recriação. E o conflito extenua o desespero e o torna cansaço de perceber que a trincheira de combate ainda sempre está existindo quando existimos, apenas muda de forma, e o conflito também se muda, se modifica, se ressiginifca de acordo com nossa própria apreensão e experiência. E aí, todo sólido desmancha no ar. E aí, dinamismo dinâmico.

E então, cansados, se der, percebemos que há algo de belo nisso tudo, sincero, belo e inapreensível, e irreprimível de todo, que é existir.

Que é o poder de criar, que é poder criar, dentro e fora de nós, uma coisa ou outra, e ainda assim perceber que o limite de segurança, antes estático e seguro, se torna um negócio intangível e inominado. Puta vontade de gritar que nos dá, de secar garganta com um só grito tribal e gutural, animalesco, nessa hora, de ficar rouco, de ir até o limite da voz, tal qual fomos ao do pensamento, da abstração e da imaginação e da criação, para apenas termos um limite do qual não pudermos ultrapassar apenas para poder sentir a puta sensação de querer e gritar de novo, e tentar novamente um limite. E então percebemos que não necessariamente a puta vontade é de gritar, mas a puta vontade é de fazer alguma coisa qualquer perante esse estranho contato, e gritar é apenas uma das belas possibilidades que afloram no nosso pulso de ser existente. E então, criamos, estranhamente, uma nova e bela barreira pra nós mesmos. Que não é estável, que não é estática, que não é tangível, que não é absoluta, mas de alguma forma, existe, e de vez em quando a criamos na nossa ação ou abstração.

E aí percebemos que temos um belo senso estético extremamente volátil e que afinal, somos agentes ativos de alguma coisa, mesmo que essa coisa seja num íntimo bem mais interna que externa, porque, de certa maneira, o limite meu existe, mesmo quando eu decido ultrapassar ele, quando percebo, saindo do meu íntimo, que existe outro semelhante próximo e mesmo assim distante, e que, de uma maneira estranha, tenho algo de igual a ele na última instância.

E então percebemos que mesmo este outro, na nossa impossibilidade de ser ele, nos é um constante ressiginifcado mesmo no presente, através do simples fato dele existir, da simples ação de ele nos ser um semelhante e sabermos que, ao menos inconscientemente, ele pode tanto quanto nós nos ressignificar. E, ainda assim, sentimos que podemos de alguma maneira compartilhar um pouco dele em nossos conflitos e constantes recriações de destinos entrópicos indefinidos, e então aquele ser distante que não é eu e que não pode ser eu, assim como ele não pode ser eu, encontra, ao menos num pequeno fragmento, numa fagulha dessas, o ter e criar a nítida impressão de que aquele eu distante e antes intransponível faz, de um modo peculiar, parte de nós quando o reconhecemos, assim como somos parte dele se ele nos reconhecer enquanto em algum grau semelhante, por ambos, a posteriori do encontro de acaso, ainda partilharem, de modo inconstantemente diferente, da mesma mutação e recriação estética que possuímos.

E então as rosas afloram em nossa criação constante de inconstância, sendo rosas e não rosa, apenas por não existirmos sós, afinal, e em última instância, sermos parte deles, e eles sendo parte de nós. E então, há o acaso, o intransponível, o terceiro terço da santíssima trindade do limite, pois o acaso é aquilo que é criação, que sabemos ser criação, mas que não é nossa criação, que talvez seja criação de outro, ou criação de ninguém, ou apenas aquilo com o qual simplismente não lidamos, por não controlarmos, mas que ainda assim, nos complementa de uma bizarra forma ao apenas reconhecermos sua existência, ao apenas percebermos ou não que, inconscientemente, este acaso-limite nos influencia, e influencia nossos conflitos e nossa constante recriação e destruição estética que consiste o artístico ato de existir, cuja única continuidade em caminho atende pelo obséquio de nome de descontínuidade.

E então, estamos na constante descontinuidade inconstante de continuidades rupturais da ressignificação das coisas e dos seres, e de nós mesmos, até porque, tanto a leitura quanto a escritura desta entidade responde e atende a esta lei, sendo então, esta arte de palavra uma obra em constante intérmino, tal qual qualquer obra artística que consiste o existir, apenas por toda leitura ser releitura e toda releitura ser leitura. E então, afinal, encontramos uma esquisita segurança na insegurança de sermos existentes voláteis e conflitivos e meio que libertos.

E então, afinal, percebemos que somos artistas, logo existimos...