manga com leite
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n. 14 - começar pelo fim Quoth the raven, "nevermore". "Percebendo a oportunidade que assim se me oferecia - ou, mais estritamente, que se me impunha no desenvolver da composição -, estabeleci na mente o clímax ou a pergunta conclusiva: aquela pergunta de que o 'nunca mais' seria, pela última vez, a resposta, aquela pergunta em resposta à qual o 'nunca mais' envolveria a máxima concentração possível de tristeza e de desespero. "Aí, então, pode-se dizer que o poema teve seu começo: pelo fim, por onde devem começar todas as obras de arte; porque foi nesse ponto de minhas considerações prévias que, pela primeira vez, tomei do papel e da pena para compor a estância: 'Profeta! Exclamo. Ó ser do mal! Profeta sempre, ave infernal! Edgar Allan Poe começa então seu mais famoso poema, "O corvo", pelo final, pelo clímax de seu efeito pretendido, podendo assim compor o restante da obra em função deste efeito e de seu intenção inicial. Durante este processo de composição da obra completa o autor certamente enfrentou outras difíceis questões, algumas delas colocadas em seu ensaio "A filosofia de composição", sobre o qual discorri nestes últimos números. Dentre estas questões quero ainda apontar duas. A primeira é sobre a originalidade, diz o autor: "A verdade é que a originalidade (...) de modo algum é uma questão, como muitos supõem, de impulso ou de intuição. Para ser encontrada, ela, em geral, tem de ser procurada trabalhosamente e, embora seja um mérito positivo da mais alta classe, seu alcance requer menos invenção que negação." A segunda questão, com a qual fecho esta série, diz respeito ao "excesso do sentido sugerido". Para Poe a narração deve possuir duas fases, uma primeira que é evidente, tem um fim natural e não ultrapassa os limites do real. A segunda seria uma subcorrente de sentido indefinido, apenas sugestivo, que é aquela que dá a uma obra de arte sua riqueza. Mas deixo também esta questão da sugestividade para outro momento mais oportuno. Nos próximos números continuarei a falar de técnicas de composição, tentando fazer uma comparação com esta estruturada filosofia de Poe e tirar algumas conclusões sobre o fazer literário. Daniel Gomes |
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