o vermelho e o negro, de stendhal

 

Julien admirava secretamente o príncipe; o que não daria para ter os seus ridículos! A conversa entre os dois amigos foi interminável. Korasoff estava encantado: nunca um francês o escutara durante tanto tempo. "Finalmente consegui fazer-me escutar", dizia consigo o príncipe, satisfeito, "dando lições aos meus mestres!"

- Estamos de acordo - repetia ele a Julien pela décima vez. - Nada de transparecer paixão quando falar com a linda jovem, filha do comerciante de meias de Strasburgo, em presença da Sra. De Dubois. Mas paixão ardente, pelo contrário, quando escrever. Ler uma carta de amor bem escrita é o maior prazer que pode ter uma mulher virtuosa; é um momento de tréguas. Ela não representa comédia, ousa escutar seu coração, e, por isso, duas cartas por dia.

- Nunca, nunca - disse Julien, desanimado; - mais facilmente me deixaria moer num almofariz do que compor três frases. Eu sou um cadáver, meu caro; não espere mais nada de mim. Deixe-me morrer à beira da estrada.

- E quem é que falou em compor frases? Tenho na minha mala seis volumes de cartas de amor manuscritas. Tenho-as para todos os tipos de mulher, até para a de mais altas virtudes. Pois Kalisky não fez a corte em Richemond--la-Terrasse, a 3 léguas de Londres, à mais linda quacre da Inglaterra?

Ao deixar o amigo, às 2 horas da madrugada, Julien sentia-se menos infeliz.

No dia seguinte o príncipe mandou chamar um copista, e dois dias depois Julien recebeu 53 cartas de amor numeradas e destinadas à mais sublime e triste virtude.

- Não são 54 - explicou o príncipe - porque Kalisky foi repudiado. Mas que lhe importa ser maltratado pela filha do negociante de meias se o seu fim é agir sobre o coração da Sra. de Dubois?

***

(Aqui o autor desejaria colocar uma página de reticências.

- Isso ficaria sem graça - disse o editor -, e num escrito assim tão frívolo a falta de graça mataria tudo.

- A política - respondeu o autor - é uma pedra amarrada ao pescoço da literatura, e que em menos de seis meses a submerge. A política no meio dos interesses da imaginação é como que um tiro no meio de um concerto. É um ruído que é cruel sem ser enérgico. Não harmoniza com o som de nenhum instrumento. Essa política irá ofender mortalmente metade dos leitores, e aborrecer a outra, que a viu de uma forma muito mais interessante e enérgica nos jornais da manhã...

- Se as suas personagens não falarem de política - tornou o editor -, não serão franceses de 1830 e o seu livro não será mais um espelho, como o senhor pretende...)