manga com leite
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n. 17 - máquina de escrever "Ora, essa inspiração que consiste em obedecer cegamente a todo impulso é na verdade uma escravidão. O clássico que escreve sua tragédia observando certo número de regras que conhece é mais livre que o poeta que escreve o que lhe passa pela cabeça e é escravo de outras regras que ignora." Raymond Queneau
Para fechar este rápido apanhado de abordagens sobre a composição literária, vamos tratar nesta e na próxima coluna do grupo Oulipo. Fundado em 1960 pelo escritor francês Raymond Queneau, o Oulipo (atelier de literatura potencial) adota uma postura contrária aquela do surrealismo, propondo uma série de regras para a escrita. Porém, estes dois grupos exploraram as possibilidades literárias num mesmo sentido, enfatizando o processo de criação e a participação do leitor na obra. A literatura potencial procura aumentar este efeito idealizado pela escrita automática através da criação de novas estruturas de natureza matemática ou novos procedimentos para a atividade literária, como eles mesmos definiram, o objetivo do grupo é produzir inspiração ou algum tipo de ajuda a criatividade. Os membros do Oulipo colocam que é mais importante para o autor o processo de criação da obra do que escrevê-la em si. Assim, as regras criadas pelo grupo devem ser vistas como um instrumento para aceder a algum tipo de realidade não significada a qual era impossível chegar por meio de uma escrita direta, realidade que Georges Perec, principal autor do grupo junto com Italo Calvino, chama de inconsciente ou caráter mágico das palavras. Em segundo lugar, as regras são vistas pela maioria dos oulipianos como somente o começo da campanha de escritura; existem várias etapas de correção, recriação e invenção, que são responsáveis pelo caráter literário das obras do grupo. Unindo-se ao grupo a partir de 1973, Italo Calvino, baseado nas idéias estruturalistas em voga, acreditava que não havia forma melhor de representar a narrativa que uma máquina de escrever. Ao se perguntar sobre as características dessa máquina, ele responde que ela deveria ter certas regras, que deveriam ser sempre quebradas. Afinal, o seu funcionamento corresponderia a um ideal humano, que nunca deixa de mudar e provocar novas conjunturas. A máquina, neste sentido, estaria em permanente estado de insignificação e em permanente necessidade de ressignificação, assim como o mundo e o próprio processo de composição. Daniel Gomes |
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