manga com leite

 

n. 18 - literatura potencial

"Quem somos nós, quem é cada um de nós senão uma combinatória de experiências, de informações, de leituras, de imaginações? Cada vida é uma enciclopédia, uma biblioteca, um inventário de objetos, uma amostragem de estilos, onde tudo pode ser completamente remexido e reordenado de todas as maneiras possíveis."

Italo Calvino

 

As novas estruturas criadas pelo grupo Oulipo, chamadas por eles de contraintes, que pode significar regras formais ou restrições, sempre existiram e estiveram presentes na atividade literária, como por exemplo no verso alexandrino ou no soneto. Também os jogos de palavras constituiriam regras formais, como o lipograma (escrever sem o uso de determinada letra) ou o monovocalismo (escrever com apenas uma vogal).

Os trabalhos do Oulipo seguiam duas linhas de pesquisa: a analítica e a sintética. Com a primeira, os oulipianos pretendiam procurar nas obras do passado regras formais ainda não completamente exploradas. Dentro desta linha, vários autores foram apontados como "plagiários por antecipação" do Oulipo, entre os que se destacam Racine e Raymond Roussel.

A segunda linha era mais audaciosa: tinha o fim de criar novas regras. Uma nova contrainte podia ser criada a partir da exploração de uma antiga, assim, o procedimento S+7 - que consiste em substituir cada substantivo de um texto pelo sétimo substantivo seguinte no dicionário - é inspirado no isossintaxismo (escrever um texto com a mesma estrutura sintática de outro), para dar apenas um exemplo.

A partir de 1966, com a entrada no grupo dos escritores Georges Perec, Jacques Roubaud e, mais tarde, de Italo Calvino, ao invés de apenas fornecer novas estruturas ou inspirações para outros escritores, os integrantes do Oulipo passam a experimentar eles próprios as regras formais. Assim, as regras formais já não são apenas uma restrição para a composição da narrativa, elas determinam a estrutura e o conteúdo daquilo que é contado, como é o caso de "A vida modo de usar", livro no qual Perec estabeleceu em primeiro lugar que ele gostaria de escrever a história de todos os cômodos de um determinado prédio. Para isso, ele desenhou uma planta horizontal de um edifício e superpôs a essa planta um tabuleiro de xadrez. Depois ele resolveu o problema da "poligrafia do cavalo", no qual o cavalo deve percorrer as cem casas do tabuleiro sem repetir nenhuma. Essa poligrafia determinou a ordem dos relatos do romance, sendo que cada um corresponderia a um capítulo do livro, que tem 99 capítulos, deixando o último como uma brecha para o leitor. Foram definidas também a partir deste problema as intrigas, as personagens, suas atividades e todos os elementos narrativos do romance.

Daniel Gomes
Editor de Bizarrona