manga com leite

 

n. 19 - a favor do método

Nos últimos números desta coluna foram apresentadas três abordagens diferentes em relação ao processo de composição artística, e mais especificamente literária. Vamos discutir aqui as diferenças e semelhanças destas propostas e principalmente a necessidade de estudo e utilização de um método para se escrever.

Há dois séculos atrás, Edgar A. Poe introduzia uma prática que até hoje é pouco comum no Brasil - apesar de ter se tornado um objeto de estudo acadêmico nos Estados Unidos, onde existem diversos cursos sobre criação literária, que formam milhares de escritores que atuam em diversos setores -, o estudo e a demonstração sistemática do processo criativo utilizado por um autor na composição de sua obra. Em sua "Filosofia da composição" Poe expõe detalhadamente as etapas que seguiu na composição de sua mais famosa obra, o poema "O corvo". Como vimos em números anteriores, o processo criativo de Poe é extremamente racional, metódico e objetivo, partindo da determinação de um efeito desejado, o autor deve escolher os elementos narrativos que compõem uma obra, como sua extensão e o tom utilizado.

Seguindo uma linha oposta, o grupo surrealista manifesta seu descontentamento com os métodos clássicos, estruturados, que limitam a criatividade do autor e a participação do leitor no processo de composição da obra. Propondo um método que valoriza o irracional, o instintivo, a imaginação e as livres associações, André Breton e seus companheiros querem libertar o escritor da literatura, criando algo novo, que seria chamado de escrita automática. Como vimos também em números anteriores, este novo método se torna uma contribuição fundamental para a literatura e as artes em geral, sendo responsável pelo surgimento dos movimentos e obras que marcaram o século passado.

Adentrando ainda mais a idéia de inserir o leitor no processo da criação da obra, deixando que este não apenas o perceba ao ler o texto, mas também possa interagir com ele, o Oulipo retoma a proposta do método estruturado, racional, colocando que o autor que determina as regras que irá seguir é mais livre que aquele que segue regras que desconhece. Assim, Raymond Queneau e seus colegas estudam e criam diversas regras para se escrever, criando o que é chamado de literatura potencial, como já vimos nesta coluna.

Todos estes métodos, que representam aqui diversos outros existentes, têm como objetivo facilitar e impulsionar o processo criativo. Seja através de caminhos mais racionais e estruturados, seja através de escolhas arbitrárias, percebe-se que a teoria da composição caminha sempre em torno de um método definido, que cada vez mais procura inserir o leitor no processo criativo. O estudo e conhecimento destes métodos e o exercício da escrita através deles pode ser importante ferramenta para a formação de novos escritores, que devem, obviamente, construir seu próprio método de criação, sem precisarem porém de recriar a roda.

Daniel Gomes
Editor de Bizarrona