das existências, de carlos frankiw
Prelúdio de Odriscus ... O sol queimava forte, o fantasma ainda ao seu lado... O silêncio perturbante, o fantasma ainda irrequieto em seus delírios... As ondas suaves contra rochas atemporais, o fantasma ainda a resgatar suas memórias... Ilhas ainda desertadas ao horizonte, o fantasma consciente de sua ainda mortalidade... O passar pesado abaixo de nuvens aos céus, o fantasma ainda agonizante de seu tempo... A areia a escaldar desejos, o fantasma ainda entre suas cegueiras desesperadas... Brasa ardendo primórdios, o fantasma sem coragem frente ao seu desconhecido... Chamas interludiais, o fantasma questionante em prévias respostas... Cinzas ao solo, o fantasma a temer perguntas... A ampulheta e a bússola sem destino, o fantasma nas balanças dum ainda dilema... O véu escancarado ao infinito, o fantasma ainda a sonhar por pesadelos... A sombra duma cruz, o fantasma ainda tem seus pecados... Sonhos entre desejos, amargo o gosto do último rum... Amarga sua boca, sorriso por seus lábios secos... Sorriso de inconsciência, destino intempestivo em busca de seus perdidos... Destino inquieto em sua marcha, o livro das dúvidas finalmente a se abrir... Livro residindo em tua dúvida, páginas ainda não escritas... Páginas amareladas, máscaras disformes na complexidade... Máscara a pender teu segredo, correntes a se arrastar ao labirinto... Correntes do mistério, a areia ainda a cair nas ampulhetas eternas... Ampulheta da inexorabilidade, o pêndulo a fazer seu movimento... Ao fim das linhas do espaço, o fantasma inicia a tua jornada...
Prelúdio por Odriscus Sonhos, desejos. Afinal, tenho lá meu gosto de encarceramento nos lábios. Abandona-se a realidade, abandonei o pêndulo há dois minutos no tempo. O vento a soprar ao abismo, as páginas revirando na insensatez do livro que se abre em suas mãos. Ranger de correntes, ecos no abismo em tua frente, presságios do labirinto lógico. Ampulheta parada ao chão, o tempo cessa sua marcha num instante. Vozes dispersas do abismo, máscaras clareando nas névoas do poço ainda sem fundo. Realidade abandonada, pêndulo que questiono. O simples fato de se direcionar alguma vontade consistindo na gradativa perda da liberdade. Direcionando-se um impulso, perdendo-se assim impulsos paralelos. Investindo-se com toda alma e vontade num sonho, ou num desejo. Neste impulso último, em minhas reflexões, sob a égide do criacionismo, mais se perde do que se ganha, mais se destrói do que se constrói. Sacrificando-se a liberdade, em nome da prisão interna dos desejos, de meus desejos. O ser humano, a partir de sua consciência, minha consciência, criando seus grilhões de existência. Sacrificando-se a liberdade, em nome duma segurança inconsciente entre verdades estabelecidas, imutáveis, convenções verdadeiramente mutáveis a que tememos a mutação. O cigarro se acende, a brasa dá início ao seu discurso. Palavras declamadas ao abismo, sem forças ainda frente ao seu novo desconhecido. O grande pêndulo no seu ainda movimento. Afinal, sempre se temendo mais as incertezas do que as certezas. Temo, sou humano. Criando a vida, recriando-a, criando a morte, recriando-a, de acordo com princípios do temor essencial. Tem-se prazer em se dizer, tinha esse prazer em dizer, verdades sem questioná-las. Precisa-se da verdade estabelecida, afinal. Precisei também dela, afinal. Precisa-se do absurdo da verdade existencial, precisei desse absurdo das verdades questionáveis sob o disfarce da imutabilidade. Não se prende ao pêndulo da dúvida, não por muito, apenas se criam novos pêndulos da verdade, cuja veracidade precária defende-se, assim como defendi, com unhas e dentes. Querendo abandonar ao meu absurdo, ainda assim o defendo. Suspende-se a realidade, dá-se a ela, dei a ela, vida própria e status quo impassível de dúvida na possibilidade inconsciente de dúvida. O cigarro em seus interlúdios chamuscantes, palavras proferidas em questionamento a prévias respostas ao abismo em frente. O grande pêndulo no seu ainda movimento. Talvez pouco se adiantando a dúvida, afinal, se apenas se deseja, desejei, verdades. Desejo a dúvida, desfaço um pêndulo duma verdade, estou a criar outro. Feliz do homem que tenha apenas certezas imutáveis na alma, feliz do ser que teme duvidar, afinal. Fui feliz até dois minutos antes, no tempo. Pois todo e qualquer questionamento marca a égide, o epitáfio, em que se constroem as infelicidades da alma, ao se contrapor o desejo essencial da verdade sem se atingir a plenitude desse desejo. Desejando-se, o simples ato de se desejar pode ser uma prisão. Criando-se, no cárcere, um espectro, um paradigma, a partir do desejo essencial em não questionar. Questiono um pêndulo, desfaço-o. Cinzas do cigarro em seus confins ao solo, as palavras que profere ainda a temer perguntas frente ao abismo. O grande pêndulo no seu ainda movimento. Não questionando, apenas caminhando. Trilho esse rumo sem rumo. Nada há de maldade nisso, talvez o grande mal sendo o ato de se questionar, a ação da dúvida, o fato do dilema. Duvidando dum pêndulo, desfaço-o. Clamando-se ousados estes que duvidam, talvez apenas loucos na ânsia de criar realidades em suas respostas, a perguntas sem respostas, minhas antigas respostas a perguntas sem respostas. O pêndulo precisando de apoio, o ser precisando de apoio, o ser criando seu apoio através de seus desejos, através do desejo essencial. Pêndulo sem apoio, desfaço-o. Máscara, corrente, ampulheta, grande livro. O grande pêndulo no seu ainda movimento. Nada havendo de triste em apenas se desejar verdades, talvez mesmo nada havendo de triste em se duvidar. A dúvida em si não restringindo o pensamento à insanidade, meu pensamento. Ânsia desmedida, a dúvida não querendo se transformar num novo pêndulo, questiono a dúvida da dúvida. Sendo temer demais, desejar demais a essência, o ato de não duvidar, a dúvida tendo em si seu impulso criador na destruição de sua verdade questionada. A dúvida também sendo uma prisão, a dúvida era um de meus cárceres. Destruo um pêndulo, desfaço-o, hesito em criar novo pêndulo. O processo em si sendo cíclico, a dúvida nada tem de libertadora. Afinal, a dúvida também é essência dum desejo, ou sonho, duma nova verdade. A dúvida sendo ainda uma prisão, transformando e direcionando seu impulso no pêndulo duma nova verdade. Volta-se ao ponto inicial, voltei ao ponto inicial antes, a caminhada não parece ter um fim em si. Estático, desfaço, parado no ato criador do novo pêndulo. Buscando finitude num infinito, da certeza à dúvida, da dúvida talvez a uma nova certeza. Impasse, há dois minutos no tempo, duvido de minha dúvida.
Prelúdio aos Perdidos Cortinas no grande palco ainda fechadas. Murmúrios, gargalhadas, rufares surdos de tambores. Atores no instante anterior a perfomatizar a tragédia da existência humana. Delírios de platéia infinita. Entre o grande público, duas almas a confabular seus saberes: Manto Negro: Toma minha corrente, toma a ampulheta que carrego. O contexto está a mudar, Cassius... Manto Cinza: Não sejamos tão ríspidos, nem tampouco tão breves em nosso pensar. Não nos fora ensinado a agir sem os espectros da reflexão, Faustus... Manto Negro: Tenho lá motivos, dócil irmão. Escuta minhas palavras, escuta as vozes roucas dos silenciados que novamente murmuram em seus confins. Escuta estas palavras, não as declamo sem refletir. Não mais serei o guardião único do segredo da ampulheta e da corrente, irmão. Nem tu serás mais detentor da máscara e do grande livro, irmão. O segredo da Grande Obra está em perigo... Manto Cinza: Não ousemos proferir tanto, irmão. Nada há em se temer nesse novo fato. Nada há de mal nisso. Pouco nos foi dito, somos e seremos eternos expectadores. Tampouco agimos, delegamos a eles tal direito. Lembra-te o juramento que fizemos... Manto Negro: O grande segredo está a cair, os véus do Grande Pêndulo estão a ser desnudados, nobre irmão. Veja as correntes que guardo. Enferrujando-se, desfazendo-se de minhas mãos agora trêmulas. Temo este presságio. Nada nos foi dito, tampouco escrito de tamanho acontecimento. Manto Cinza: Nada escrito, nada dito. Ainda se prende a isso, irmão. Que ia adiantar algum escrito, alguma palavra proferida, afinal? O destino apenas está a cumprir seu rumo, grandes são os presságios sem palavras, irmão. Inexoráveis estes são, assim como tu pensou erradamente ser o segredo do Pêndulo... Cinzas de tabaco ao chão. A platéia sem rosto a aplaudir em uníssono. Cortinas a se abrir. Duas almas ainda a confabular, nos confins da platéia infinita: Manto Negro: Temos o poder, somos guardiões das chaves do segredo da Grande Criação...ainda podemos impedir isso. Podemos tal ato...quebrando ao nosso juramento... Manto Cinza: Faustus, nobre irmão. Sei o tanto que sabes, pois sempre fomos unos. E unos somos ao segredo e ao Pêndulo, e unos guardamos na atemporalidade suas chaves. Alterar ao ato pouco adiantará, sabes disso. Logo virá outro, e mais outro. Abriram a primeira porta, afinal. Sempre será assim, agora que a porta está escancarada. Pouco adianta alguma ação agora, pouco adianta quebrar o juramento agora. Somos espectadores, eis nosso destino, eis nossa missão... Manto Negro: Ainda assim podemos, devemos...temo pelo futuro do segredo, temo pelo futuro da Criação. Teu livro e tua máscara também se desfazem, somem de tuas mãos, irmão...entretanto, nem ousas temer aos presságios...nem as vozes que sei que também escutas... Manto Cinza: Temo, Faustus, temo. Sei que esse é o primórdio de nosso fim, ao menos, nunca estivemos tão próximos de tanto...ainda assim, uma hora, um momento, tamanho fato ocorreria. Sabemos disso, apenas tu não quer admitir. Nada há de novo nisso. Apenas admito, aceito o fim do Mistério. Ademais, portador da máscara que sou, gosto das tragédias, afinal... e nada mais belo do que se expectador de sua própria tragédia, de sua própria finitude. Apenas esse direito nos foi dado, afinal, apenas, neste momento, apreciar a finitude atemporal de nossa função. Assistamos apenas, irmão. É inútil qualquer ação agora, estáticos como sempre estivemos, estáticos ficaremos rente ao grande espetáculo que começará... Cortinas finalmente abertas. Espetáculo finalmente em seus esperados primórdios. Público no delírio de ansiedade. O ator se dirige ao grande palco... |