um meio, de daniel gomes
Hoje, começo o começo. Ontem resolvi me tornar um escritor. Talvez tenha sido por sua causa, talvez seja puro egoísmo, mas certamente foi para encontrar uma resposta. Quero me livrar de tantos talvez, de tantas perguntas, destas escolhas que sempre temos de fazer, vou tentar fazê-las apenas em meus textos. Nada mais próximo da realidade, fato que iremos discutir adiante – como a realidade em si será discutida em meus textos – nada mais próximo da vida real que um texto verdadeiro, não no sentido científico, que não tem sentido por si mesmo, mas no sentido dos sentimentos, do próprio sentido de procurar um sentido naquilo que vemos sentido em procurar. Certamente esta é uma frase sem sentido, pelo menos agora, neste momento em que as respostas ainda não foram questionadas e as perguntas não foram replicadas. Amanhã será outro dia, como já foi dito várias vezes, apesar de sempre parecer que este tal amanhã não chegará, alguns dizem até que ele não existe, mas seria isto importante? Claro que sim, pois é no amanhã que estão as perguntas, mas onde estarão as respostas? Talvez saibamos amanhã, mas voltemos aos questionamentos, sobre a decisão, as escolhas que nós perturbam, será que elas existem? Talvez sejam apenas mais uma ilusão, como o tempo, algo que criamos para simbolizar algo que não existe mas que nos preocupa, talvez esteja neste ponto mesmo toda a resposta, mas para qual pergunta? As perguntas proliferam como coelhos, como ervas, como capim, mas seria melhor comer outra coisa? Não seria esta uma pergunta estúpida, como todas as outras? Hoje, sou um amontoado de escolhas não feitas. Tempo, nosso grande auto-algoz, nossa maior sombra, talvez a única que seja pertinente, visto que ele é o próprio criador do talvez. Sombra porque nós o criamos, ele não pode existir sem nós, ou melhor, ele não existe realmente, apenas porque nós o criamos e o obedecemos. Nas será que existe o real, ou será que o real é o que criamos? Espaço, o lugar em que estamos e do qual não podemos fugir, por maior que ele seja, infinito, inescapável. Ele se divide em três, mais uma de nossas tão difundidas tríades, três lados, três sentidos, três deuses, três poderes em equilíbrio, que na verdade são apenas um, ou melhor, na essência, visto que não deve haver verdade. Seria isto verdade? Hoje, sou o que fui, sou o que serei, sou o que sou. Um amontoado de escolhas não feitas me trouxe até aqui, este lugar onde estou, este tempo no qual vivo, este movimento do qual faço parte e que me conduz rumo a próxima escolha, ao próximo lugar, ao próximo tempo. O movimento é constante, como se não fosse nada. Talvez seja infinito, mas, como afirmar algo sobre o nada? Um amontoado de escolhas não feitas me impediu de chegar onde eu devia, naquele lugar onde não estou, naquele tempo no qual não vivo, naquele movimento do qual não faço parte e que não me conduz rumo a próxima escolha, ao próximo lugar, ao próximo tempo. O movimento é único, como se não fosse nada. Talvez seja infinito, mas, como afirmar algo sobre o nada? Hoje, não sou nada, apenas o que escolhi ser. Sou o que sou, tautológico, indiscutível por ser o que é, não o que foi ou será, apenas o que se tornou através de suas escolhas, decisões sutis ou drásticas, perguntas replicadas e respostas questionadas através do movimento. O que escolhi ser, pernóstico, pedante por ser a única escolha através do movimento que não se questiona, apenas está, estava, estará, sem diferença, indiferente de si e do que o cerca, do que o criou, do que o destruirá. Hoje, findo o fim. O começo é sempre uma pergunta, haverá um meio? O fim é sempre uma pergunta, houve um meio? |