tricúspide, de Fabiano Moreira
Já começava a escurecer embora ainda
estivesse tudo claro. A cena era insignificantemente
inesquecível... nós três na sala, o céu meio nublado
e apesar da escuridão aos poucos tornar a sala azulada e
nós nos tornarmos reflexos besouros do azul escuro, não
acendemos a luz e o clima era o de penumbra tranquila...
éramos meros amigos de vida e de morte, amigos
eternos... eu, minha amiga e o Lúcio, meu amado... nunca
tinha visto tamanha nostalgia numa só tarde... nem mesmo
havia beijos, nem mesmo sorrisos infantes, mas o
silêncio estridente do pensar, as engrenagens
funcionando quietas... o cd já tinha acabado e ninguém
se arriscava a trocá-lo, seja por preguiça ou por
distração... a última luz do sol refletia num prédio
distante e antes branco... agora um prédio lua reflexo,
um prédio brilho calado... na janela ele estava, no
sofá Lívia deitada, no tapete eu parada, olhando a cena
estando dentro, vendo de fora... terminando meu sorvete
com confeti... hummnnn... A porta se abre rompendo um universo de instante, fulminando a luz escura, trazendo luz estranha e um rosto de mãe mãezando... três rostos se voltam em direção à porta... uma mão acende a luz e a porta volta a ser fechada, sem palavra dada por qualquer dos lados... a luz de lâmpada estampa amarelo em cada rosto e o silêncio é, enfim, quebrado... Claro que tinha de ser eu, a Lívia sempre fora calada, o Lúcio muito mais,... às vezes acho que falo por nós três... menos quando estou beijando meu amor. Aí a única coisa que acontece de ruim é minha amiga ir para casa, nos deixando sós... nunca gostei disso, amo a presença dela... afinal, é minha amiga. Como tartaruga caminhando no quarto, o tempo se percebe. Decidimos ver um filme bem bonitinho, algum desses com músicas em todas as cenas (tipo Withney Houston), galãs e modelos, coisinhas bem emocionantes e uma histórinha bem plana... não gostei nada disso, o silêncio tem permanecido, é quase como um sonho não-maçã. Alguma coisa está havendo. Prestamos atenção ao filme, mas como se estivéssemos assistindo arte e não hollywood. Comemos pipocas, bebemos batidas de maracujá e pêssego... palavrinhas mínimas e montanhas guardadas no peito, sombrias e indizentes, em meio ao cheiro fluorescente da manteiga nas pipocas. A noite terminou logo, cada um para sua casa, sem explicação ou conversas filosóficas, sem desculpas ou estranhamento, apesar de me sentir estranha, mas no fim eu entendi o que era... era amor somente, laços tão fortes como troncos de sequóia, a tartaruga sorrindo à meia-luz da moral janela, o liquidificador sujo na pia, o cheiro, maracujino vodka... Acabou a noite e notei enfim que esse silêncio não era mesmo estranho, mas confortável. Somos tão sinceramente sinceros que pensar em agradar só para agradar, dizer só por educação polida de prato metálico, ter que sorrir sempre diante de gente não são necessariamente atos de amor ou amizade fraterna, mas simples ritual social anti-verdade... sentindo o que sinto percebo então que nos adoramos mais do que o espelho trêmulo pedestal, mais do que o barulho dos normais... não falamos por não estarmos a fim... todos saíram sem beijo e sem tchau... amores à vontade ao jeito de pipocas quietas... seeeeemmpre amanteigadas sendo. Silêncio triplamente quentinho... voando suave em torno de nós sermos. |