pássaros, de carlos alberto de sousa
Sou um pássaro preso em uma gaiola.
Não lembro de outra vida que não nesta gaiola. Aqui
sempre estive, preso, limitado por estas grades que me
cercam, além delas, vejo apenas o que o humor de meu
guardião permite. Quando ele está triste, deixa-me junto dele, e fica deitado com minha gaiola ao seu lado no quarto escuro, as janelas fechadas de sua melancolia fazem com que eu me sinta mais preso ainda, não vejo o dia e nem a noite, é como se eu não existisse, é como se eu fosse a negação da existência. Meu mundo torna-se nulo, e sua inexistência cancela meu ser, não existo, e por não existir, estou preso no paradoxo de ter consciência da negação que eu mesmo faço de meu ser. Pergunto: Poderá existir prisão maior que essa? Estou preso por grades que limitam minha liberdade de locomoção, por paredes que limitam o ar que respiro, pela melancolia do meu guardião que não me liberta, que mais importante que isso, não me ensina a ser livre, estou preso pela escuridão que não deixa que eu veja a gaiola que prende minhas asas, a parede que prende minha visão e até o meu guardião que deitado em sua cama deve estar sofrendo sozinho a dor de sua profunda angustia, tudo isso prende-me, torna-me encarcerado de teorias, citações, amores inexistentes e sofrimentos. A pior de todas, pois, é prisão moral, psicológica e sentimental, o simples fato de estar conjeturando a inexistência do meu ser faz com que seja prisioneiro de mim mesmo, não sou nada, não represento nada além de um sentimento de liberdade reprimido pelo homem que não satisfeito em ver-nos voando pelos campos, ou pousados em galhos cantando nossas melodias, aprisiona-nos. Nós pássaros engaiolados na verdade representamos todos os sentimentos e desejos que o homem, em sua cegueira aprisiona, guarda-os só para si e sofre por guardá-los neste paradoxo sem fim que é a sua vida. Esses sentimentos são como as raízes de uma grande árvore plantada bem próxima a sua casa, elas estão invisíveis, mas, um dia com certeza elas irão atingir a sua fundação, ameaçando a sua construção. Você então terá de decidir entre cortar a árvore e salvar a sua casa ou deixá-la crescer e derrubar a moradia sobre a sua cabeça. Quando ele está feliz abre as janelas de seu quarto e deixa que a luz entre e percorra cada canto, cada foto, cada espaço que para ela é possível percorrer. Fico observando os fachos de luz que refletem nas micro partículas de poeira formando uma pequena constelação de poeira limitada ao facho de luz. Há também a brisa que entra despercebida e renova o ar viciado de angústia e sofrimento, a luz e a brisa formam um par perfeito, eu então esqueço por alguns momentos a minha situação, desligo-me de tudo e apenas "sinto", neste momento, acredito, eu estou provando um cálice do que seria a liberdade. Ele então pega a minha gaiola e deixa que eu fique toda a manhã do lado de fora de sua janela, meu mundo cresce mas minha prisão continua existindo e torna-se menor ainda, sufoca, se antes na escuridão não podia ver a minha situação, apenas imaginando-a, agora presencio e sinto mais forte ainda a frieza das grades. A alegria do outro mostra-me a dor da realidade de minha vida. Não estou apenas imaginando uma realidade estou vendo-a, por este motivo a visão muitas vezes é um dos sentidos mais cruéis que possuímos, ela nos mostra a felicidade do outro e a impossibilidade de substituí-lo, tornando mais amarga a nossa existência. A impossibilidade de que mesmo desejando voar como os meus irmãos, saber que não poderei, já nasci prisioneiro dentro desta gaiola, meus músculos são atrofiados, eu não conseguiria, mesmo que quisesse, voar muito longe e acabaria no estômago de um gato ou outro predador qualquer. Se tivesse sido preparado para este momento eu voaria, mas como não fui, não posso, minha realidade é esta vivo resignado pela consciência que qualquer mudança poderá causar minha destruição. Não poderei ter filhos, e mesmo se pudesse não os teria, a menos que pudesse ensiná-los a gozar a liberdade, coisa que nunca tive, aí bate de novo a angústia, se os tivesse, como poderia ensiná-los a aproveitar de algo que não conheço? |