angústia, de carlos alberto de sousa
Até que enfim você chegou, não
suportava mais esperar. Há anos procuro um meio rápido
de chegar até você e quando estou quase lá, desisto. Engraçado, todos dizem te conhecer, lhe pintam, escrevem sobre, ti, mas nada como a visão de seu rosto. Nunca poderia imaginar-te assim. Esta deve ser mais uma ironia, mais uma "peça" pregada pelo destino. O destino, se pelo menos acreditasse nele. Há anos ando, como se arrastando, com todas as minhas desilusões, minhas tristezas minhas decepções, sempre arrastando, sempre resmungando. Tranquei-me dentro da minha existência, e decidi não sair mais. Fechei todos os meus pensamentos, cortei todas as pessoas da minha vida, rompi com tudo e com todos. Por sua causa. Acreditava que você seria a resposta para todos os meus problemas, todas as minhas dúvidas, todos os meus desesperos. A portadora, aquela que possui a força, a vontade de potência, com certeza iria fazer com que eu, um mísero, medíocre e ímpio ser, tivesse o fim merecido. Pensei em saltar para seu encontro, mas a simples idéia de ter meus ossos esmagados fez com que não mais pensasse na hipótese. Não gostaria de morrer de repente, gostaria de sentir a vida escapando por entre os meus dedos, como a fina areia da praia, ou como a água que tomamos às mãos. E o veneno? Ele corrói as vísseras e queima nosso corpo de dentro para fora como fogo. Seria a agonia gerada pelo ácido que me corrói por dentro maior que a já sentida por este ser? Um veneno é muito perigoso, pois nunca sabemos qual é a dose correta para nosso problema, nem todo veneno do mundo seria bastante para amparar a minha decisão. Um corte, uma simples incisão, eis o que precisava, e foi isso o que fiz. Tranquei-me sozinho no quarto de lembranças e escrevi uma carta, tentando justificar cada ato estúpido de minha vida, cada decisão que não tomei, cada amor que não tive, cada viagem que não fiz, tentei dizer tudo, pena que as cartas nunca dizem o que queremos falar. Desculpe mãe, por não ter sido o filho que a senhora sempre quis ter, desculpe pai por não corresponder às suas aspirações, desculpe irmãos por ser um estranho para vocês, desculpe amigos, por não estar presente. Um grande pedido de desculpas foi nisso que se tornou meu testamento. Para ir-me mais rápido, cortei minha garganta. Devo ter exagerado um pouco, pois toda a minha cabeça pendeu para trás e por pouco não foi separada do corpo. Sempre gostei muito de sangue, toda vez que tinha um ferimento, fazia questão de sorver de volta todo o líquido vermelho. Dessa vez é diferente, é muito sangue descendo pela minha garganta, tanto que eu não consigo engolir. Sinto meu corpo molhado pela poça morna e cremosa. Em pouco tempo já estão batendo à porta, gritando, para saber o que esta acontecendo. Ouço gritos histéricos de mulher. O sangue continua a jorrar. Fico parado, sentindo o ferimento, meu cérebro já não funciona muito bem, deve ser a falta de sangue. Tudo bem, a porta se abriu e você entra, como você é linda e ao mesmo tempo assustada! Pega meu corpo em seus braços, fecho os olhos. Vamos embora. |